quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Arco-íris & Estrela e os sorvetes da ilusão.



A tarde caiu mormacenta após a tempestade que perdurou das 15 às 17 horas. A água, debatida em cimento quente fez brotar uma sensação de quentura, não só no corpo onde o suor dava cabo, mas no ar que meus pulmões inspiravam. Eu me encontrava naquela cidade de interior que nem o nome sabia, salvo que ainda permanecíamos dentro do estado. E eu estava lá às custas de uma passagem, comparada de forma aleatória junto a um guichê de ônibus, na rodoviária de São Paulo. E a tinha adquirido com parte do dinheiro do meu acerto de contas com a última firma que trabalhara e que me despedira.

-Senhor Dubuski, sinto, mas não necessitaremos mais dos seus serviços – Disse-me o senhor Franz, em sua sala de gerente, 30 minutos antes do expediente se encerrar.

-Ok! – respondi - Me pagarão o aviso prévio? – Perguntei com cara de imbecil

-Claro! - Disse com cara de poucos amigos - O aviso prévio, férias, 13º e tudo aquilo que o senhor tenha por direito – Despachou-me um tanto entediado e com aparente má vontade.

Evidente, mais uma vez eu me encontrava desempregado e o motivo eu sabia – minhas intermináveis sonolências – E nessa, os 10 minutos de cochilo improdutivo ferraram minha vida, afinal eu deixara passar mais de 300 peças defeituosas que rolaram na esteira e desembocaram no setor de montagem. Assim que a besteira se consumou fiquei imaginando o quanto isso deve ter deixado maluco o pessoal de lá, já que aquelas peças jamais se encaixariam naquilo que se destinavam. Além disso, o maldito cochilo também foi o responsável por me encontrar ali, naquela hora, já que perdera o reembarque do ônibus:

-Pessoal, 40 minutos para o almoço! As 14:10 partiremos. - Comunicou-nos o motorista ao estacionar o veículo na rodoviária da tal cidade.

Portanto, sem mínima intenção de gastar meu dinheiro com fast-food, atravessei a rua da rodoviária e procurei por um boteco ordinário para emborcar os meus dois habituais “rabos-de-galo”. Tragados, abri uma compota que abrigava sardinhas à escabeche e enfiei duas, goela abaixo. Terminado, acendi um cigarro, voltei para a rodoviária e procurei por um banco distante das pessoas - odiava aglomerações - E, como era de se esperar, para alguém que quase nada comera, o álcool surtiu seus efeitos e me fez cair, novamente em sono profundo.

Ao acordar o ônibus já havia partido. Sem nada por fazer resolvi dar umas voltas pela cidade já que o próximo embarque só se daria no início da noite Foi então que a tempestade me pegou. E veio impiedosa, após uma manhã e início de tarde de sol devastador, pegando-me desprevenido, obrigando-me permanecer debaixo de um imenso toldo fixado na paredde frontal de um atacadista de queijos. Assim que a chuva cedeu, um tanto nauseado pelo a cheiro me retirei. Ao sair, avistei no fim da rua a cruz de uma igreja e me dirigi até ela, e, lá chegando vi abrir diante de mim uma esplendorosa praça com jardins floridos e bem cuidados – positivamente, aquilo só poderia ser a Praça da Matriz – Surpreso ainda, caminhei pelas curtas alamedas e fui acompanhado das mais belas e coloridas borboletas que voavam sobre mim sem demosntrarem receios, apenas gravitando no ar, como se fossem saídas do mais espetacular arco-íris que se formou detrás da igreja. Aquilo surtiu os efeitos em mim e eu me encontrava encantando com a bucólica paisagem, inspirando forte e enchendo os pulmões com o cheiro do mato, percebendo a beleza nas flores, coisa que nunca me impressionara antes, curtindo a cidade interiorana, sensível a paz que ela me trazia. E assim eu percorri cada milímetro dos belos jardins, me sentindo plenamente “zen”, até que encontrei um dos seus enormes bancos guardado sob a mais frondosa árvore do lugar. Olhei para os lados e não havia ninguém, então me sentei. Não tardou para que dois meninos viessem por uma das suas vielas, trocando passes curtos com uma pequena bola de futebol e sentaram-se no mesmo banco que eu – tagarelavam e riam bastante –
Assim que acomodaram-se um falou para o outro:



- Luis, ta vendo o arco-íris?

-Claro, né! Não sou cego, ô! – Respondeu o garoto.

- Então! Você sabia que é a minha mãe que toma conta dele? –

-Nossa! É mesmo? – Surpreendeu-se Luis com os olhos arregalados.

- É sim! Meu pai me falou que é ela que cobra os ingressos pra gente escorregar naquela faixa azul, a maior e mais bonita delas – Disse para Luis, apontando a primeira faixa de uma tonalidade celeste delicada.

Luis permaneceu pensativo, fixando as estupendas faixas coloridas. Assim que pareceu dar-se por achado saiu-se com essa:

- Lauro, você já viu aquelas estrelas que riscam o céu nas noite de lua cheia? – Evidente, Luis se referia aos cometas - Com a cabeça meneando positivamente, Luis continuou:

-É o meu pai quem dirige elas. Foi minha mãe que disse. E ela falou também que só quando a gente morre é que pode entrar nelas. E que lá tem um monte de bancos e janelinhas de vidro. Mas, pra gente poder viajar a gente também tem que pagar passagem. – Disse Luis, olhando para o firmamento, como se procurando o seu velho a bordo da direção de uma estrela.

Claro, percebi que Luis se referia ao seu o pai, falecido também.
Os dois continuavam olhar para os céus quando Luis concluiu para Lauro:

-Puxa Lauro! Então vamos ter que juntar dinheiro pra quando a gente morrer. E quando morrer, primeiro vamos nas estrelas do meu pai... depois pedimos pra ele levar a gente no arco-íris da sua mãe! – Finalizou Luis, o mais sensatamente possível.

Ao ver e ouvir todas as cenas tive vontade de gargalhar, e só não o fiz porque seria descarado demais e eu também não queria e nem seria justo terminar com uma fantasia daquelas.
Então eles se levantaram e antes de irem Lauro me interpelou:

-Moço, o senhor pode ajudar a gente com um dinheirinho? Sabe, é pra quando a gente morrer.. Sei que o senhor não sabe, mas minha mãe toma conta de um arco-íris e.......

-Claro, claro! – Cortei, abortanto a sua estória – provavelmente ele me teria contado toda a estória novamente – Tirei 10 reais do bolso e o enfiei no bolsinho do seu short de 7 ou 8 anos.

-Obrigado moço! – Responderam conjuntamente e se foram pela alameda, trocando novamente os passes com a bola de futebol.

Ao vê-los partir eu vivi a magia daquele momento. Vivi a paz, a paisagem exuberante, vivi todas aquelas borboletas me volteando como se eu fosse a santidade do lugar. E assim, levantei e segui por uma das alamedas até me deparar com a rua principal da cidade. Caminhei mais um pouco e parei no sinaleir e aguardei o sinal abrir, quando vi do outro lado da rua os fascinantes garotos. Eles pareciam alegres saindo de uma casa de tons pastéis - Na placa, na altura da marquise se lia - "Sorveteria da Jurema" - Firmando as vistas notei que eles carregam enormes sorvetes – daqueles feitos em máquinas do tipo italiana – e um deles carregava a bola debaixo do braço. Diante da cena inesperada escondi-me para que não me vissem, afinal, demasiadamente pequenos, não queria que provassem da tese “ o crime não compensa” – E evitando, eu transferia para o futuro tal responsabilidade, caso eles se decidissem a trilhar um desses cxaminhos.

Bem, eu os vi irem emnbora e sumirem dos meus olhos ao dobrarem a esquina. Mas, o que valeu nisso tudo foi a lição que me deram e que ficará marcada para sempre em minha memória. Eu fora vítima de golpe de uma dupla mirim de espertalhões - um legítimo “171" infantil” - Foi como me alertassem: “ Cara, te liga! Não vacile no ponto”
E vacilar, eu sabia, era o maior dos meus problemas. Não só o vacilar no sentido “sonolento” da coisa. Mas o "vacilar" com as situações, marcando bobeira, dando bandeira e coisa e tal.

Assim que o ônibus das 8 entrou na plataforma eu me encontrava mais que acordado. Eu tinha, a partir agora, prestar mais atenção nas coisas do mundo. Eu tinha que prestar mais atenção, acima de tudo, em MIM. Eu era a peça mais valiosa do quebra-cabeça que permiti minha vida se tornar. Eu tinha que andar mais ligado, antenado com tudo, com atos e pessoas que me cercavam.

Ao entrar no ônibus eu me disse: “Cara, não durma no ponto” .
E então o ônibus partiu e logo pegou a estrada eu pensei naqueles pequenos espertalhões e sorri. E olhei pela janela e para o alto e a noite caiu com beleza magnânima. Firmei os olhos no firmamento e tive a impressão que um cometa cruzara os céus por entre aquelas estrelas iluminadas, Insisti com os olhos, fechei-os e os abri firmemente - quem sabe eu não poderia vislumbrar o pai do Luis - Sorri novamente - O ônibus seguia solitário por uma estrada de mão simples e os faróis altos lumiavam árvores ainda distantes de nós, e conforme a distância era coberta elas chegavam rapidamente em mim, umas após outras. Foi a última vez na noite que pensei naqueles garôtos - e o sorriso me veio fácil - Eles sabiam das coisas.
Eles sabiam tudo - confessei a mim mesmo -

Um comentário:

Márcia Poesia de Sá disse...

...Como sempre Mr Pavani, grata pela leitura! a conversinha entre os garotos sobre foi meu pai, foi minha mãe me deixou com uma leve dor no abdômen...tu és show cara!

aplauso, sempre.