A mãe é bacana, sabe. Mas, o senhor é muito mais legal!
Pai, to indo para o colégio, mas na volta deixarei seu carango reluzindo que nem ouro!
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Era assim esse garoto de 16 e com rosto de 20. Ele e o seu mais de metro e oitenta eram pura avalanche de puxa-saquismo.
Poderia ser a forma mais sensível de um filho demosntrar amor ao seu pai? - Sim claro! - Confirmaria quem o ouvisse.
Porém, não o era, longe disso. O menino era a pura arte de representar, o exacerbamento oportunista em pessoa.
Contudo o pai gostava daquilo e apreciava sentir o ego massageado. Gostava de ver as pessoas dobrando, asfixiadas por sua autoridade e autoritarismo. Ele não era assim só em casa, não! Era assim também na sua indústria e no alto de sua poltrona-presidente de mais de 2.000 dólares; pelica legítima, diziam. Ai do funcionário que não lhe babasse o ovo ou não demonstrasse pavor à sua passagem.
Porém, o nosso garoto era suficientemente esperto, sabia dos atalhos e tirava proveito da situação.
-Pai, cadê aquela revista de sacanagem dinamarquesa? Eu a vi ontem á noite dentro do seu jornal quando chegou do trabalho.
O velho bem sabia que era chegada a hora de afrouxar as rédeas, incentivar o garoto, único herdeiro espada da família. Calmamente apontou o dedo na direção da porta ao fim do corredor, não queria que a esposa ouvisse, então sussurrou:
-Ta numa parte falsa do móvel da biblioteca. No último compartimento de cima, desloque lateralmente para a esquerda e a frente se abrirá num passe de mágica – Orientou.
-Uauuuuuuuuu Pai! É uma dessas gavetas que podemos dizer... À prova de esposa? – Perguntou com cara de maroto. Ante o olhar de soberba do velho, concluiu - Pai! Tu és um gênio!
-Ta bom, ta bom, eu sei que sou! Ah! E aproveite também e pegue “Os Insaciáveis” Um DVD pra la de bom e com as melhores surubas e bundas holandesas.
-É pai? Ta no mesmo lugar?
-Puta merda pai! Tu és fera! Tu serias melhor que um Sherlock Holmes!
-É? Bem... Hum, pode ser ...Mas...acha mesmo?
-Claro pai, Claro que acho!
-Hum... apesar que nossa família merece um cara esperto, daqueles que ninguém passa a perna! Não acha que sou esse sujeito, Hamlet? – Perguntou o pai com a costumeira arrogância
-Acho sim pai! O senhor é inteligente demais!
-Sim! E eu sei! Vem cá, menino. – Chamou-o suavizando a voz –
Hamlet estranhou; não era comum o velho suavizar. Precavido viu o velho enfiar a mão em um dos bolsos e de lá sair com algumas notas de 100.
-Vou te dar 400 mangos pra você ligar nesse celular - Orientou-o ao entregar um pequeno e perfumado cartão de visitas. – Depois completou:
- É da Bruna Surfistinha. Ela ta liquidando por 300 pratas. Vamos lá! Deixemos de perder tempo! Já se passou a hora da sua iniciação.
Dito, voltou a mão ao bolso e guardou o restante das notas graúdas e manteve as quatro notas de 100 por entre os dedos. Seu ar de superioridade era intolerável. Contudo, o que o pobre velho não sabia era que o seu moleque já tinha comido Deus e todo mundo, inclusive, à surdina, dera de cantar a sua secretária.
-Ah! E com o que irá te sobrar vá num Mcdonalds – Finalizou dando tapinhas nas costas do garoto como se o estivesse mandando para alguma missão.
-Puxa pai! Obrigado! – Ah, paizão! Além de tudo o senhor é um ótimo comerciante, viu?
Ótimo comerciante? Como assim? - O velho parecia não entender aquela afirmativa. E nem comerciante era, mas sim um industrial.
- Não entendi! Que conversa é essa, garoto? –
-Bem, assim pai; Pra essas coisas de sacanagem a mamãe costuma gastar quase o dobro do senhor! – Afirmou em alto e bom som.
O velho permaneceu estático, estarrecido com o que ouvira. O que o ele jamais poderia supor era que o fedelho conseguira a senha-internet da conta bancária da mãe, inclusive tendo acesso irrestrito aos saldos, extratos e até a copia dos cheques emitidos.
O velho se manteve perplexo diante de um filho que lhe sorria com aquele mesmo ar de superioridade. O sorriso permaneceu nos lábios ao retirar-lhe as quatro notas da mão e dar as costas assobiando desajeitamente a “New York New York” canção favorita do seu pai - Ele conhecia-lhe o temperamento, sabia que tinha em suas mãos informações valiosas e que custariam diversas vezes o valor pelo qual fora comprado. Claro, estava acostumado ao jogo de ambos, pai e mãe. E também porque aquilo jamais desembocaria numa separação, mas na necessidade mesquinha de cada qual saber dos passos do outro, uma partida de xadrez de dois jogadores sem jogo de cintura e que jamais chegariam num xeque-mate, apesar do avanço da idade Enfim, cada um ao seu jeito, infeliz.
E quanto a ele, Hamlet, tinha no pai um adversário, um concorrente para as espertezas e a necessidade de se levar vantagem em tudo. Tinha pela mãe um sentimento de mágoa e a lástima de com ela aprender no dia-a-dia muitas jogadas e blefes sacanas. Não que ela o ensinara, não, porém, astucioso, nada lhe passava despercebido. Ainda chegaria a hora dela, era questão de tempo, assim como o tempo lhe dizia que o ideal era ir ao pote, um de cada vez.
Já na calçada, Hamlet riu; era coisa de trouxa pagar trezentinhos por uma trepada meia boca com Bruna Surfistinha. Tinha planos melhores para a grana; Será que a secretária topava um motelzinho? Ele lhe percebera os olhares e não poderia estar tão enganado; a balzaquiana tinha o jeito de quem engolia vivo garotos novinhos e de carnes tenras.
Atravessando a rua a caminho do colégio, riu mais uma vez.
Talvez, a única diferença entre todos eles era que o filho da puta do moleque soubesse viver.
Copirraiti mai/2010
Véio China©