Há muitos anos queriam se conhecer. A admiração mútua jamais atravessara as fronteiras da virtualidade, contudo a vida fizera chegar o dia, aliás, o grande dia para que dois personagens transpusessem às linhas de meros perfis duma comunidade de Orkut para se confraternizarem num memorável encontro, um brinde a mútua e indisfarçável tietagem que sempre se flagraram
Antes porém os leitores estarão me perguntando; qual motivo que obrigou a existência tramar tal confraternização? A resposta é simples meus caros, aliás, assustadoramente simples. Querem ver? -
Imagem dois velhos; o primeiro, participante ativo e com profundas raízes fincadas nas questões ambientais, principalmente à ecologia. O outro, meramente um acompanhante, um desses sujeitos que caminham por aí olhando vitrines e de olho nas bundas e pernas de garotas com saias de 7 dedos acima dos joelhos.
Agora, reunamo-los numa concentração em São Paulo, melhor ainda, num protesto diante da pesca predatória, fator preponderante para a possível extinção do robalo.
Bem...Outra vez poderão questionar: O fato constituiria motivo suficiente para fazê-los se encontrar? Digamos que, depende. Se analisarmos pela ótica geográfica talvez não, afinal, quem se deslocaria dum lugar distante como Maceió, e de ônibus para estar em São Paulo portando cartazes do tipo - Death for the killers of fish ? - A resposta é única e simples; Um sujeito chamado Calaça!
Enfim, após conversações telefônicas ficara acertado que ele chegaria ao mesmo dia da manifestação. Logo, conforme o combinado lá estava o velho admirador de jovens bundas na área reservada ao desembarque de passageiros da Rodoviária do Tiete. Ele aguardava a chegada do amigo - "Por volta das 8,30 estarei aí" - Calaça dissera ao telefone. Contudo era compreensível a ansiedade daquele senhor pela chegada do amigo. E ele, calvo e de barbas brancas sapateava nervosamente o piso como se estivesse com as pernas dormentes. No seu rosto, além das rugas carregava imensas e redondas lentes negras que escondiam os seus olhos. A ansiedade se fez maior no momento que o ônibus encosta na plataforma e o desembarque de passageiros tem o início. O velho de barbas brancas e seu olhar de águia procuram avidamente a figura do amigo nos degraus do carro. – Sim, é ele! - Disse para si ao avistar um sujeito de contornos generosos, barbas grisalhas e um arredondado rosto nordestino. E foi na saudação dum abraço emocionado que aqueles dois permitiram que as linhas virtuais se transformassem em nada mais, nada menos que a pura realidade. Porém, a partir deste momento e melhor que personagem de lentes negras e redondas assuma o leme dessa emocionante história e navegue nas linhas de próprio punho, expondo o clima de magia que coroou o encontro.
Grato pela atenção, pessoal!
O narrador.
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-Eita! Eita! Eita! Veja se não é o meu querido mano Calaça! Como foi de viagem? - Perguntei ao compadre num abraço emocionado.
-Cansativa, mano Véio! Cansativa e dolorida – Exclamou todo alquebrado, espreguiçando os ombros e meneando os quadris.
-Dolorida? Ah, sei, claro, o sacolejamento do ônibus, os buracos na estrada, essas horríveis estradas do país - Divago compreensível
-Não mano Véio! Foi isso não, mas, antes fosse!
-Como assim? O ônibus não sacolejou?
-Sim, sacolejou e muito! Ele responde ao nos dirigirmos para a parte traseira do veículo com os tíquetes das bagagens em mãos.
Então mano velho...foram as pimentas! – Ele me diz ao entregar o recibo para o rapaz do bagageiro.
-Pimentas? Que raio de conversa é essa Calaça? - Pergunto sem nada entender.
Ah sim! Foram as pimentas porque as malditas hemorróidas afloraram pelo caminho! – Resmungou o compadre com ares de incômodo.
-Ah, nem me diga, Calaça, sei como é isso! – Respondi com sorriso cúmplice, e continuei - Vez ou outra elas também me acometem, doloridas. Aí só um banho de assento com água morna para dar jeito.
Ele me olha um tanto sem jeito; Talvez ele imaginasse que paulistanos não sofressem desse mal. Pegamos as suas bagagens e saímos pelo saguão de desembarque. Óbvio, o mano estava cansado, então nada mais justo que eu carregasse duas das quatro malas que retiráramos do bagageiro. Seguindo em frente pegamos o elevador que desceu um único lance e nos dirigimos para o estacionamento onde o meu carro se encontrava.
Assim que chegamos ao automóvel olho para o relógio.
-Calaça, são nove horas da manhã. Quer descansar um pouco? -Claro, eu percebia que se locomovia com certa dificuldade ao manquitolar discretamente a perna esquerda
-Ta doido Véio? O que menos quero fazer é descansar! Você não faz idéia do que é enfrentar o tédio por mais de 40 horas dentro dum ônibus chacoalhando de la pra ca! - Ele disse com enfado.
Bem, eu poderia levá-lo para o Cine-teatro Vitória, um lugarzinho bem rampeiro pra vermos algumas garotas molambentas num streap-tease de quinta, mas as sessões começavam por volta das quatro da tarde, portanto, sem chance. Mal concluo o pensamento e ele me pede:
-Mano velho, bora prum bar? Eu quero mais é sentar numa mesa de boteco e tomar uma branquinha com você! – Disse-me com um olhar esfuziante, apesar das olheiras. Eu sorri; Era bom tê-lo comigo.
Ajeitada a bagagem na Palio Weekend rumamos para o Madri, um bar muito próximo ao apartamento duma nossa amiga em comum, ali no Bairro da Consolação. Evidente, apesar do desejo que Olga estivesse conosco não iríamos acordá-la num horário daquele. Isso tinha um motivo; Provavelmente e como de hábito Olga devia ter encontrado seus amigos de bar na noite anterior. Portanto, era certo que fora dormir com o galo fazendo gargarejo. E outra; se alguém desejar conhecer o temperamento duma mulher e verificar se ele é irritadiço é só ligar e acordá-la após poucas horas de sono, principalmente se o sono foi precedido por algumas biritas. E eu, como de besta nada tinha não seria a pessoa que acordaria a Olga. Portanto, seguimos viagem.
Pouco mais de 30 minutos de percurso chegamos no bar que começava a se preparar para seus clientes de almoço. Entrando no Madri andamos pela área externa, onde um imenso toldo frontal e em plástico transparente permitia ver a intensa movimentação das pessoas e dos carros na rua. Olhamos a disposição das mesas e seguindo por um estreito corredor interno sentamos na última delas, um de frente para o outro.
Acomodados, chamei o Zelito e pedimos bebidas: bloodmary, caipira de vodka e duas Serra Malte pra rebater o álcool e o calor de um sol já abrasivo que secava nossas gargantas..
Zelito, apesar de discreto deve ter achado estranho e engraçado o fato de dois velhos estarem acordados e enchendo a cara numa hora daquelas. Eram exatamente dez horas quando encostamos nossos lábios nelas. Calaça sorveu o seu drink com gana para em seguida se refrescar com um copo de cerveja. Ficamos conversando sobre seus sofrimentos de viagem por coisa de 30 ou 40 minutos e terminamos nossas bebidas. Novamente convocamos Zelito que e ele nos trouxe outro par de cervejas, sem vodkas desta vez. Ficamos por ali bebendo e conversando sobre outros assuntos, amenidades, agruras da vida, e, finalmente, sobre aquilo que foi um dos motivos de paixão; a Comunidade de Orkut chamada Bar do Escritor.
E nessa surpreendente conversa foi que nos sentimos termômetros para muitas coisas vistas e acontecidas ali. Comentamos sobre a quantidade de ótimos poetas e escritores. Declinamos sobre os temperamentos daqueles que se faziam mais presentes, a dificuldade no tratamento com alguns, e, finalmente sobre o ego de muitos que tinham e faziam daquilo um campo de batalha, o motivo de sua sobrevivência literária. Entretanto o melhor estava guardado para o final quando, prazerosos, discorremos sobre uma maioria de gente boa que ali picotava o ponto diário. A conversa continuou a rolar solta e gostosa tanto quanto as 13 garrafas de cerveja que se acumulavam vazias num recuo em alvenaria ao lado de nossa mesa Já passava das duas da tarde quando senti o estômago roncar, pois até ali não tínhamos comido nada.
-Calaça, aqui eles fazem um frango à passarinho da hora! – Comuniquei, afinal era bem provável que ele também estivesse faminto
-Opa! Então manda ver, Véio! – Ele exclamou acariciando o bucho.
-Zelito! Sai um frango à passarinho! E olhe... capriche no alho e traga mais duas Serra Malte - Pedi
-Claro seu China! Daquele jeitinho que o senhor gosta...isento de varizes! – Zelito respondeu e sorriu.
Ele sempre fazia essa brincadeira comigo, e provavelmente com outros clientes. Sorri também. - Eu gostava dele - Calaça que pelo jeito não era de perder amigo e muito menos a piada, emendou:
-Ô "Zélinho”! A minha parte traga pródiga em celulites e estrias! Não me prendo à essas questões estéticas assim como o mano velho! –
O garçom o escutou com um sorriso nos lábio e por fim riu, Calaça também. Aliás, Calaça mais parecia como um menino arteiro diante do destino que, por ora nos parecia irrefutável; a embriaguês.
Zelito anotou o pedido com um sorriso malicioso, talvez do tipo; “Caraca! esses dois velhinhos são mesmo da pesada!” – Ele já saíra com o nosso pedido quando derramei um último resto de cerveja em nossos copos. Subitamente me lembrei da manifestação do robalo. Olhei para o relógio; 14,10hrs. A concentração ocorreria as 15,30hrs , próxima dali, à Av. Paulista.
Preocupado expus ao Calaça:
-Companheiro, a manifestação será às 15,30! Ou seja, daqui uma hora e vinte minutos. Portanto, teremos que engolir esse frango rapidinho!
-Manifestação? Que manifestação, compadre? – Ele indagou com a fala já arrastada.
-Uai! A manifestação dos robalos, da pesca pedratória! – Respondi também tropeçando na língua.
-Hã? Acho que você pretendeu dizer "predatória". Não é isso Véio? – Calaça me corrigiu A bebida parecia não causar efeitos na sua coordenação motora, porém não no seu trato da língua mãe.
-Sim sim! É isso sim, compadre! - Eu sorri sem graça.
-Ah, é mesmo! Bem lembrado mano velho...tinha esquecido da pesca predatória! – Exclamou bonachão.
Porém, de súbito o seu semblante alargou-se e ele sorriu de um jeito quase diabólico e que me lembrou a atuação de Robert De Niro em Coração Satânico. O sorriso vestiu-se de riso para em seguida trovar sonoras gargalhadas. Surpreso à princípio me divorciei de qualquer compreensão ou nexo e gargalhei juntamente com o compadre. Poderia parecer idiota, aliás, poderia não, era pura idiotice dos dois velhotes se estrebuchando de rir sem que ao menos um soubesse o motivo. E foi no acalmar das contrações estomacais provocadas pelas gargalhadas que, ele me fez sinal com a mão direita me chamando para um particular ao pé do ouvido. Eu dobrei o tórax por sobre a mesa e me acheguei dele o mais próximo possível.
Com o rubro alcoolizado nas faces e um olhar sacana no rosto ele me sussurrou:
-Quer mesmo saber sobre os peixes, o tal do robalo e as manifestações?
-Sim, quero! O que têm, compadre? – Perguntei num sussurro para manter o clima de mistério.
Outra vez ele me olhou demoradamente enquanto o seu cotovelo escapava da mesa e colidia pesadamente na sua perna direita. Ele se riu do fato enquanto a sua voz abandonava o silêncio nos olhos e sova grave, acompanhada do cativante sotaque nordestino:
-Véio, eu quero mais é que o desagravo, os peixes e todos os robalos do mundo vão à puta que pariu! - Eu fiquei olhando para ele, atônito, e ele irrompe numa nova gargalhada. Depois completa:
-Véio! Não há nada que me tire do prazer de estar ao seu lado e nem da cadeira, e que muito menos me faça desistir de degustar essa franguinha cheia de alhos, estrias e varizes!
Eu olhava para ele, e o seu jeito foi tão divertido que acabei rindo, rindo muito! Um meu riso, largo, repleto de dúvidas: Como alguém vindo de tão longe poderia não estar presente àquele responsável levante anti-predatório?
Foi então que a ficha caiu e eu compreendi tudo. Era a compreensão que ele preferira estar comigo ali ao ato de manifesto apesar do ser ecologicamente combativo o ser que nele latejava. E isso se mostrou tão nítido, pois a
virtualidade teve o dom de aproximar pessoas e fazer-nos objetos da admiração mútua e consentida. E, havendo o progresso nesses sentimentos é criado o desejo do conhecimento pessoal, a ampla confraternização dos espíritos, muito além do fraterno abraço. E essa amizade eu podia sentir perpetuada naquilo que de mais nobre existe no ser humano, além das mais de 20 garrafas de cervejas entornadas por dois sujeitos agora completamente bêbados, tolos e sentimentais.
Eu olhei para os olhos do meu compadre e esse mesmo sentimento se impregnava nele. E quanto a essa emoção cúmplice jamais haveria manifesto ou robalos que resistissem.
-Véio! Vamos ligar para Olga? - Mais que um pedido seu, traduzi suas falas como um convite à satisfação.
-É agora! - Respondi abrindo minha mochila emborrachada à cata do celular. Encontrado, liguei:
-Alooooo! Olguita? Sou eu, o Veio! Surpresa! Se é boa a surpresa? Bem....o que diria se te falasse que estou com Calaça no Madri? . Sim.. sim, é verdade, por que mentiria? No não, verdade sim! Por acaso hoje é o dia primeiro de abril? Então! Ah legal, já está vindo? Bacana! Estamos te esperando!
À tudo Calaça ouviu. No fim mais um dos seus sorrisos de prazer e a voz ébria para mais um novo pedido:
-"Zelinho" Mais três poeticamente geladas! Por favor!
Eu apenas sorri diante do derradeiro gole duma última garrafa que se esvaziava enquanto Calaça se dirigiu ao banheiro pela quarta ou quinta vez onde fatalmente foi extrair nova água dos joelhos.
Ao voltar pude notar a surpresa em seu olhar ao ver Olga sentada em nossa mesa.
-Good morning Mr. Calaça!. What a pleasure to meet you and drink with you in a bar in São Paulo! - Olga o cumprimenta sorridente cheia das suas frescuras assimiladas com o seu descoladérrimo amigo Mr. Bryan.
Ela apenas dava boas vindas a ele e dizia do enorme prazer de poder estar ali para beber com ele numa mesa em São Paulo. Ele riu, eu ri, nós três rimos. Então os dois grandes poetas se uniram num abraço de carinho enquanto Zelito, curioso, chegou a mim e perguntou discretamente:
-Seu China! O que foi que a dona Olga disse para o seu amigo? -
Eu olhei pra ele, e Zelito não deve ter percebido que vez ou outra os contornos dum grande sacana habitava no meu sorriso e olhar. Enfim, era chegada a hora de ir à forra e vingar-me daquela sua gozação do frango com varizes.
-Nada de muito importante, Zelito! Fica frio! - Respondi compenetrado e sem demonstrar qualquer afetação - Ela apenas disse para ele tomar muito cuidado com os garçons de São Paulo, pois muitos são gays enrustidos - Concluí num olhar indiferente e atento ao movimento das pessoas e carros através da transparência do toldo frontal.
Zelito me olhou assustado, depois fincou as vistas no seu talão de pedidos e dando meia volta bateu a retirada. Ele pensa que não o ouvi resmungar ao se afastar, mesmo que num murmúrio indignado:
-Eu heim! Só dá gente louca e velha nesse bar!