terça-feira, 28 de outubro de 2008

O Vagabundo, A Primeira Dama e uma ficção


-Hei seu cara de cu! – Disse ele, saído de uma viela lateral, e num pulo de gato feroz postou-se bem à minha frente.

Olhei para ele e ficou claro que aquele sujeito batia das bolas menos que eu. Continuei apenas fitando, vendo-o “sassaricar” e pular como se fosse o crioulinho de uma perna só. Talvez ele esperasse de mim, mais que surpresa, uma reação de susto e como não conseguiu balançava a cabeça rapidamente, mostrava-me a língua e urrava sem parar:

-Eu trepei com a mulher do presidente! Eu fodi a mulher do presidente – Enquanto gesticulava, dando voltas ao redor de mim, sem cessar. Realmente me impressionava todo seu vigor físico, e eu jamais conseguiria me movimentar como aquele rapaz de barbas longas, cabelos emaranhados e calças encardidas. Evidente, estava ali um desvalido da vida, um sujeito mais miserável que eu

-Eu fodi a mulher do presidente! Eu fodi a mulher do presidente ! - Insistia

Fitei-o novamente e aqueles seus olhos azuis denunciavam que poderia ter havido um passado glorioso naquela carcaça de mendigo. E eu me convenci disso à custa de estatística que criei, ali e por conta própria: Em cada grupo de 100 mendigos, talvez só tenha um com o privilégio de ter os olhos daquela cor.

-Eu enfiei o pau nela e ela gemeu “Urgh! Urgh!” E eu não quis nem saber e soquei ainda mais forte e quase varei ela do outro lado. – Dizia como um ator, apontando para o pênis, andando rapidamente em círculos, mirando cada um dos rostos das pessoas que se aglomeravam.

-Eu fodi a mulher do presidente, senhoras e senhores! E pasmem e não enrubesçam....Ela é uma biscate! Uma troglodita vagabunda – Bradava, apontando o dedo indicador para cada um na platéia..

Bem, o que eu poderia lhe dizer? Está certo que a mulher do presidente me parecia um tanto vulgar com aqueles seus peitos de melões, que insistiam saltar dos seus vestidos pra lá de decotados, que mostrava, mesmo diante de câmeras da Tv. E isso me fazia pensar no tipo de relacionamento que mantinham e eu imaginava quais poderiam ser os “acertos” pactuados com a permissividade do senhor presidente e o seu ar de “ingênuo vitorioso”. E ele, uma figura sorridente, daquele que parecia não se dar conta que os seios da esposa tornaram-se tão ou mais carismáticos que a sua própria figura de estadista. Tudo bem! Ele podia ser até um frouxo, mas, daí, dizer que a Primeira Dama fosse uma prostituta de quinta e que fodesse com qualquer maluco como aquele, parecia-me um absoluto exagero. E outra coisa: talvez todo aquele visual erótico nada mais fosse que uma perfeita jogada de marketing político; uma cruzada de pernas: um voto a favor da criação de um novo tributo; Um decote generoso com mamilos praticamente à vista: um voto pró algo que alijasse o povo do seu direito. Afinal, isso não surpreendería-nos, já que estávamos cansados de saber que políticos (com raras e honradas exceções) só não vendem suas mães porque elas se encontram etiquetadas no setor de penhor da Caixa Federal.

-Eu comi a Primeira Dama! Juro que eu comi! – Berrava ele enquanto as pessoas se acotovelavam, empurrando umas as outras diante do estardalhaço que ele fazia.

E logo a população se deu conta do quanto aquilo estava se tornando ridículo e engraçado, e então a zombaria se iniciou.

-Ce fodeu quem, ô pé-de-cana? – Gritava com sotaque um senhor gorducho e de meia idade. O suor escorria em bica pelo seu rosto nordestino – E o povo gargalhou a intervenção para logo após vê-lo completar: - Ô maluco beleza! Vai ver cê trepou foi com um muro de trepadeiras!-
“Mais um? Meu Deus! Esta cidade está cheia de loucos!” – sussurrei inconformado.

Um outro, sentindo incentivado com a gozação não deixou por menos:

-Imagine cê você trepou a mulher do presidente? Tu deve ter sonhado com uma sirigaita qualquer. A mulher do presidente não é qualquer um pra ta na boca de um sujeito assim como você – E um tanto ofendido continuou – Pra fazer amor com a Primeira Dama tem que ser inteligente, saber de cor todas aquelas estrelas da bandeira e ainda por cima não errar no hino nacional!! –
“Oh pai! O exército dos imbecis jamais se rendera!” – Ruminei puto da vida -

Foi então que o mendigo parou de pular e olhando para os céus e deu de questionar:

- Por que teve que ser assim? Por que isso, senhor? –

Logo o seu semblante tornou-se sombrio e ele começou a discorrer sobre economia, planos de governo, câmbio, valorização do dólar, juros, FMI e política internacional. E aquilo me fez pensar que sujeito era ele. Que tipo de indivíduo seria aquele rapaz dos seus 40 anos, um tanto maltratado, apesar dos olhos azuis. Quem poderia ser a pessoa que discorria eloquentemente e sem interlocutores sobre assuntos tão complexos? E o povo se divertia e o cercava cada vez mais, incitando-o gritar e continuar com a fanfarronice. E ele, como se fosse um político assimilando a necessidade do seu povo, recomeçou:

-Foi sim, minhas senhoras e senhores! Eu não minto! Saibam que eu fiz amor com a mulher do presidente, e faltou pouco para rachá-la no meio! - Dizia, movimentando os braços, curvando os cotovelos sistematicamente para frente e para trás, enquanto com os quadris simulava o ato sexual.

E esse espetáculo, deprimente, o povo zombando do palhaço perdurou uns 10 minutos, até a chegada da polícia. Do carro branco e negro saíram uns bruta-montes que lhe socaram o rosto até que esse vertesse sangue pelas narinas. Logo após, violentamente jogaram-no no camburão diante das gargalhadas e apupos das pessoas que, espremidas, não queriam perder qualquer sopapo da grotesca agressão.
E então a viatura partiu a ponto de me deixar notar o pobre desgraçado socar o vidro traseiro, bater violenta e sucessivamente sua cabeçada contra vidro, até a insistência dos impactos abrirem uma fenda em sua testa, e impregnando-o com um sangue viscoso, formando manchas irregulares e assimétricas como se fosse uma obra de arte moderna.

Terminado o show a multidão se dispersou e eu fiquei ali, pensativo, questionando os motivos que o tornaram naquilo.
E tudo não me pareceu tão simples como na infância, quando brincamos de esconde-esconde e localizamos um amiguinho. E isso me fez sair dali e retomar o meu caminho.


No dia seguinte, ao ler as notícias policiais de um desses jornais da “imprensa marrom” me deparei com um artigo no canto inferior direito da primeira pagina. Ele dizia o seguinte:

“Amâncio Neto, 42, bisneto do eminente e falecido senador Amâncio Carlos Camalhães, foi detido na tarde de ontem, na Rua Martha Cassaby - centro da cidade - Ele se encontrava foragido a quase três meses da Clínica Renascer, onde se reabilitava.
Segundo sua família, a personalidade de Amâncio Neto sofreu drástica transformação comportamental após seu envolvimento amoroso com uma mulher de identidade misteriosa.
De lá pra cá, a obsessão com fracassado relacionamento desorientou o promissor economista, que encontrou no vício a resposta para seus dramas pessoais. E nesse quadro é comum tê-lo fugindo de clínicas e vagar sem rumo e mendigar até ser novamente encontrado. Segundo os médicos, o dinheiro que ele arrecada com a mendicância é amplamente destinado ao vício da bebida e do crack”

E o artigo me fez pensar que o barbudo, talvez, não tivesse mentido: Ele poderia sim ter transado com a mulher do presidente. E a Primeira Dama era uma vagina qualquer, sem privilégios, uma fenda entre pernas, adornada por libidinosos lábios vaginais.

E mais do que isso, estava mais que na hora de eu rever minhas posições quanto à humanidade e seu comportamento. Rever minhas discriminações, os relacionamentos homossexuais, entender e aceitar e que um beijo e um pênis no rabo de outro macho possa ser tão excitante como fazer amor com uma mulher. Aceitar nos jovens, os não tão jovens, suas tatuagens e piercings dependurados em seus loucos umbigos, narizes, e em algumas partes genitais. Afinal, aqueles penduricalhos não perfuraram minhas carnes e nem alteraram o meu visual e sim os daqueles que encontraram algum prazer nisso.

E esse complexo conjunto de coisas deveria ir muito mais além e não se tornar obstáculo a me eximir de repensar a história e as posições de Hitler, Guevara, Pinochet e até o 11 de Setembro. Afinal, não sei exatamente se somos todos sãos, mas contaminados por insanidades que afloram em nossas naturezas, ou apenas matéria, parcialmente dotada de algum tipo de inteligência, pró ou contra, boa ou má. Não sei se a história se faz de justiças, injustiças, como em Nagasaki e Hiroshima, onde os americanos lançaram a bomba atômica. Onde povo oriental e sua obsessão disciplinar imaginaram-se supremos e bombardearam, antes, Pearl Harbor – “Olho por olho, dente por dente” dizia meu avô. Foi desumano àquela aniquilação toda, mas para o pobre Japão, tudo era uma questão obsessiva tanto quanto a bravura dos suicidas kamikazes. Como se eles pudessem fazer toda diferença , que não fizeram, e apenas morreram.

E isso vai mais adiante e então nos adentramos no pútrido poder, nos filhos das putas que ganham bilhões sem criarem um único emprego, sem sustentarem uma única família miserável. E isso me faz divagar e então me pergunto do tempo que se trocava carneiro por pescado de bacalhau, espigas por fígados de boi e fico imaginando como poderia ter sido.

Mas a fatalidade foi destinada à nós e aos tempos de hoje, onde um peido dado por um banco dos Estados Unidos tem o poder de feder e infectar o mundo todo. E isso me faz crer que a raça humana é nada mais que escória: eu, você e o nosso vizinho não temos alternativas e nem a supremacia de escolhermos e sermos enterrados em urnas de boa qualidade.
E é geralmente assim que acabamos. Fazem-nos homenagens, coroas multiflores, rosas vermelhas, brancas e os dizeres de algumas boas orações. Olhares pesarosos nos ladeiam, mas, ansiosos, se preocupam em voltarem para casa antes do jogo das 16.
E então toda uma vida se foi e aquilo que fizemos e deixamos aqui é sacramentado pela pá de terra que se bate à exaustão e até o seu último grão. E quando tudo termina, quando todos vão, as flores solitárias choram – só, elas e nós e assim o último adeus é consentindo num tipo de : “Ok, xará! Bem ou mal, finalmente está tudo acabado”

E foi pensando em todos esses mistérios e mitos que acreditei na possibilidade do pobre mendigo ter fodido a Primeira Dama. E mais ainda, desde o começo eu percebera a aristocracia daqueles olhos azuis e de antemão algo me dizia que mesmo isanamente, não mentiam

Talvez as mentiras ditas por ele, em algum tempo de sua vida, transitaram no mundo do “desgraçadamente viável” Talvez tenha manipulado situações que envolvesse dinheiro, poder ou corrupção. Não sei.
Mas, eles não perceberam a tempo que não se manipula uma mulher.
E ela, talvez esperta, sacou o jogo assim que ele começou. E isso a fez deixar que o pobre olhos azuis a manipulasse e se sentisse acima da carne-seca. E ela, provavelmente, vestidas de todos seus sorrisos irônicos tudo soube, e dos seus lábios murmurou-se aquilo que seus ouvidos jamais ouviriam: “Vá se ferrar, trouxa! Vai!”

E assim são elas, e assim somos nós. Mais que nós, mulheres são perigosas e deveriam virem etiquetadas com rótulos “Danger”. Há mulheres que, por vezes te fazem provar de um sexo que vai te enlouquecer, te dizimar mais que o Vietnã e Iraque, juntos.
E esse poder de fogo nada tem a ver com a força bélica. E elas simplesmente aniquilam a sua sanidade. E as armas? Ah, as armas apenas dizimam a matéria.

Portanto, para mim, lá estava a prova quase cabal que aquele homem houvera copulado a Primeira Dama
E, refletindo nisso tudo me dei por satisfeito. Afinal, mesquinho, não queria estar na pele do miserável, apesar de deslumbrar-me com o poder de destruição que, certamente, emanava do corpo daquela mulher.

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