domingo, 30 de novembro de 2008
Selvagemente doce
- Por favor, algum cervo no acervo? – Questionou Alfredo Aurélio.
-Não! – Foi a resposta de Mario Augusto, um tanto ríspida, e mais ainda: afetada.
-Bem, e nenhum alce a ser alçado? – Alfredo insistiu novamente.
-Não! Definitivamente não! – Persistiu grosseiramente Mario Augusto, deixando cair de lado uma franja tingida de castanho escuro com reflexos louro acinzentado. – “Oras! Será que esse garoto não percebeu o ridículo de suas perguntas? Que sujeito mais cafona me arrumaram!” – pensou enquanto olhava para o rapaz com certo desconforto.
-Bom, senhor Mario Augusto, tudo me leva crer que será totalmente inócuo perguntar-lhe sobre os veados – Continuou Alfredo, batucando sistematicamente a ponta da caneta Bic na folha da prancheta, numa tentativa de mostrar-se o mais eficiente possível.
Ao ouvir a frase, os olhos esverdeados de Mario Augusto brilharam como clarões da lua. E sua resposta, ainda mais afeminada em nada lembrou a rispidez de momentos antes, ao contrário, procurou soar doce e harmonioso:
-Olha senhor Alfredo Aurélio, sobre esse assunto tenho plenas condições de instruí-lo à contento! –
Claro, afeito à sutilezas maiores, Alfredo Aurélio percebeu nitidamente a insinuação do doutor Mario Augusto, que continuou explanando, esticando e recolhendo os braços tanto curtos, olhando-o firmemente nos olhos:
- Quanto a isso meu querido te respondo sem pestanejar, mas, antes terei que saber das suas intenções – Concluiu jogando mais uma vez a franja para o lado, ajeitando na cintura a calça de um terno de tons rosado, no mais perfeito estilo “Saint Tropez”.
Dainte da cena, Alfredo Aurélio, um tanto constrangido, sorriu-lhe timidamente, no que foi retribuído no cumplice e escancarado sorriso à-toa. Olharam´se novamente e desta feita o constrangimento se foi tão rápido como viera. E assim, bem mais à vonatde Augusto Aurélio ofereceu um cafezinho ao jovem, autorizando-o sentar-se com um breve aceno indicando a cadeira. Masculinamente Alfredo Aurélio sentou-se defronte da mesa do chefe, que fez questão de manter o dedo mindinho esticado ao tocarem com cumplicidade as xícaras de café.
E o rapaz pareceu satisfeito com aquele seu primeiro dia como assistente administrativo de uma repartição executiva do Ibama.
Lá fora os bichos continuavam à solta e dizimados pela humanidade. Dentro, a pantera cor-de-rosa rugia docilmente mantida em cativeiro.
Ironicamente, caça e caçador se mantiveram frente à frente num safári de intermináveis burocracias. Em suas feições nada que indicasse o duelo mortal, necessário à preservação das suas espécies e naturezas. De um lado o caçador com suas longas botas de cano alto e um rifle sem qualquer munição a ser deflagrada. Do outro, apenas um felino, cinquentão, lascivo, palpitando ansioso e de rabo abanado.
Ao tocar os lábios nos da pantera, Alfredo Aurélio riu-se do ridículo daquela situação.
Ele provava a si mesmo que era um jovem determinado, obstinado a alcançar o sucesso fosse a que preço fosse. E no estreitamento dos corpos que se deu a seguir alguma coisa dizia-lhe que havia começado com o pé direito. Evidente, Alfredo Aurélio necessitava de dinheiro, não para o leite das crianças, afinal nem casado era, mas, vaidoso, gostava de vestir-se bem e vez ou outra curtir com a namorada um bom motel de lençõis limpos e vidros blindex. E no mais, discretos como pareciam ser, tinha a certeza de não estar prejudicando e nem ferindo ninguém, apenas gozando da mais absoluta e louca legalidade de dar asas à imaginação e ao seu instinto de auto-preservação.
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