quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Eu não matei Pablo Escobar



Eu não matei o deus da coca, aliás, nunca matei ninguém e o mais perto que cheguei disso foi quando num compreensível acesso de fúria esganei minha mulher, ou melhor: a mulher que estava comigo. Da tragédia quase cômica ficaram apenas as marcas dos polegares aprofundados na pele branca de sua garganta. Eram traços indeléveis da natureza de um homem que se perdia nas inconseqüências dos seus atos. E esses acessos de fúria me surgiam de um momento para o outro e poderiam ser incitados a qualquer instante e por algo tolo e corriqueiro como a bebida. E eu me encontrava bêbado, ébrio o suficiente para tentar e não conseguir engolir aquele sentimento que me atingia. Uma sensação horrível, insuportável, como se repentinamente eu fosse nocauteado em pé diante de uma saraivada de golpes de Mohamed Ali: eu me sentia surradamente traído.

-Seu filho da puta! Você quase me matou - Disse com os lábios trêmulos, esparramada no sofá, joelhos dobrados sobre as coxas, deixando à mostra a a calcinha cor de rosa um tanto desgastada.

Claro, Carla também estava ébria. Eu e ela acabávamos de enxugar três garrafas de um vinho licoroso e excessivamente doce que ganháramos numa rifa de natal, juntamente com um peru. Eu ruminava aquilo que acontecera algumas horas antes até que o álcool não mais permitiu me controlar.
Eu a olhei com cara de macho. Talvez naquele momento até Gisele Büdchen sentisse ameaçada por esse meu lado sombrio. E foi aí que esganei-a.
E assim lá estava ela choramingando no sofá, me xingando de todos os nomes imaginários ou nao.
Eu já estava tanto de saco cheio daquele blábláblá, e antes mesmo que continuasse o rosário de lamentações, despachei-a:

-Filho da puta é a puta que te pariu, sua vaca! Pensa que não te flagrei roçando o rabo nas calças do gerente por entre as geladeiras?

-Euuuuuuuuuu? Como pode falar uma coisa dessas de mim? Ele apenas estava me mostrando um novo modêlo!

Retrucou com um olhar beato. Não sei porque, mas naquele momento pensei em Joana D’Arc.
Nessas horas, nas horas do efeito da bebida eu me suplantava na eloquência:

- Te peguei sim! Te peguei quando eu te olhava pelo ouyto corredor. Peguei você e esse teu rabo descomunal!– Berrei, novamente avançando em sua direção.

-Eu não fiz nada! Isso é mentira seu maldito mentiroso! - Se defendeu tentando esticar o braço e apontar-me o dedo de forma acusatória.
- Não obteve sucesso - O seu braço ficara gravitando por instantes no ar, para depois tombar e voltar ficar rente ao torax - Ela também perdia para a bebida -

E revivendo aqueles momentos anteriores, aquela maldita porta de geladeira ocultando dois seres dos olhos do mundo, me dera essa sensação. A sensação de ter visto Carla se esfregando no sujeito. Porém ( e eu sempre levava isso em conta) o ciúmes poderia estar equivocado e ter obrigado a minha consciência a ver somente o que ela quisesse ver. Talvez ela não estivesse se esfregado no sujeito. Talvez o único culpado ( se é que houvesse algum) fosse o tamanho exacerbado da sua bunda, as suas protuberantes nádegas que esbarravam na gente mesmo que não quisessemos.
E assim continuei olhando pra ela, largada lá onde se encontrava. Fixáva-me nos seus suplicantes olhos amendoados, nas suas lágrimas de crocodilo que vertiam lentas como um video de conta gotas em final de uso.

Repentinamente eu ri. Ri alto e descompassado. Eu olhava praquelas coxas demasiadamente grossas e bem torneadas e me perguntava como Deus conseguira a proeza de fundir um estupendo par de pernas numa curvatura descomunal daquela. Provavelmente ele criara Carla para torná-la o martírio de pobres diabos como eu, ou dos passageiros de ônibus que circulavam por nossa vizinhança, como numa ocasião que estávamos num deles. Ao entrarmos no ônibus lotado o diabo bateu palmas e o inferno ardeu em brasas a partir da roleta e do cobrador.

-Dá licença moço! – Ela pediu a um sujeito que se encontrava a sua frente, estacando firmemente a outra perna no chão, para se necessário dar cabo ao serviço.

Aliás, o tom demasiadamente alto e autoritário era subtendido como ordem, e não uma solicitação. E, se as pessoas continuassem inertes e sem lhe dar passagem, como aquele, Carla, amparada pelos pés estancados em posição estratégica simplesmente remexia as nádegas de um lado para o outro como se fosse um espanador, abrindo assim o caminho à nossa frente, diante de olhares incrédulos e de alguns surpresos “óhs “. Foi dessa forma que nos deparamos com esse sujeito. Um sujeito que exalava uma dessas lavandas baratas e de cheiro nauseante, provavelmente comprada num desses mini shoppings de produtos pirateados.
Carla, como de hábito ao pedir o “Dá licença moço” reparou que e o sujeito agiu como não fosse com ele. Era mais que o sinal para que as revigoradas nádegas entrarem em ação. E o rapaz cheirado à perfume ordinário, desprevenido, sentiu o impacto daquele conjunto contundente. Fortemente tocado, foi arremessado para o lado, indo parar no colo de uma senhora dos seus 70 e poucos anos, que mais desprevenida e assustada que ele, berrou:

-Socorro! Estou sendo atacada por um tarado! Socorro! –

O rapaz, mais assustado que a pobre senhora tentava desesperadamente levantar do seu colo, sob o olhar furioso de Carla. Todos os passageiros que se concentravam na cena viram quando a velhinha retirou a sombrinha da bolsa e a bateu-a sucessivas vezes na cabeça do pobre rapaz:

-Sai daqui seu tarado! Sai daqui seu monstro dos infernos –

E o rapaz, constrangido e envergonhado tentava desesperadamente levantar-se e cair fora dali. Mas, o ônibus abarrotado e um motorista apressado, que costurava o transito de um lado para o outro, ora freando para depois arrancar bruscamente, não permitia o equilíbrio necessário para que o rapaz lograsse algum êxito e saísse do colo da velhota. Portanto, assim Carla o venceu seguiu adiante, amparando-se nos dorsos das pessoas, abrindo um clrão a nossa frente como se fosse um corredor polones. Sentindo-nos vitoriosos chegamos próximos da saída quando ouvimos uma voz de sotaque nordestino. Olhamos para trás: era o nosso sujeito:

-Oxe! Desculpe dona. Que coisa aperriada essa mulher mal educada. Ou eu dava passagem pra ela ou pra bunda dela. – Dizia para a velha na tentativa de se justificar.

A velha o fitava com olhos esbugalhados, mantendo a sombrinha em riste, na posição de ataque. O sujeito insistia:

- Vige, dona! Pelo meu Padim Ciço! Não dava pra passar as duas. Ou passava uma ou outra. Pras duas não tinha como! – Justificou-se mais uma vez, conseguindo equilibrar-se após o onibus parar para embarque, conseguindo assim se desvencilhar do colo da mulher.

-Monstro! Sai daqui seu tarado! – Ela grunhia sem dar a mínima atenção pras suas explicações. Mais que isso: tentando acertar novamente a cabeça do sujeito.

E após todo alvoroço eu me senti desconfortável - eu nunca gostara de baixarias públicas – Portanto fiz-me de desentendido e não falei ou respondi qualquer coisa para Carla. Eu, durante algum tempo apenas fiquei atrás da bunda que havia limpando o caminho. Ao chegarmos perto de nossa casa demos o sinal e descemos. Quando o ônibus partiu, uma cabeça grisalha saiu por uma das suas janelas e gritou:

- Ô gostosa, vem dar um tranco no titio! Vem! - Carla ainda teve tempo de apontar-lhe o dedo médio. Eu, como era de se esperar, berei-lhe um “Vá tomar no cu”. Afinal, eu tinha que provar pra ela o quanto eu era macho.

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-Ai paizinho! Não briga comigo. Eu não tive culpa daquele gerente vir se esfregando em mim! – Disse-me ela chamando-me à realidade, acordando-me do episódio do ônibus.

-Ah é? Então o que eu vi não foi miragem.? Foi real! mMito real, diga-se!

-Ah papai, não! Não vamos brigar novamente, por favor! -

Disse num tom concilatório, conseguindo levantar ambos os braços e deixá-los planados no ar, como se me chamassem “Vem, vem papai!”. Mas não satisfeita, para deixar-me mais louco ainda puxou a saia para cima, ficando à mostra a barriga e o umbigo, acima da tal calcinha rosásea. Eu não sabia exatamente o motivo, mas aquela cor me excitava.

Olhando aquelas pernas mágicas percebí que o futuro estava em minhas mãos. Ou eu continuava brigando, ou abria mão daquele ciúmes exacerbado e ia de encontro da felicidade e do seu corpo. - Era uma decisão difícil -Pensei por alguns segundos:

-Papai tá indo mamãe! – E me enfiei no meio do seu peito, sentindo suas mãos tocarem as minhas partes, fazendo algo que estava adormecido crescer. Ficamos nos bolinando, sentindo seus dentes morderem meus lábios e sua lingua ir de encontro da minha, num duelo de cobras loucas e enfurecidas. A noite prometia. Ah, e como prometia!

E antes que fossemos curar totalmente nossa ressaca debaixo de uma chuveiro de água fria, recordei os meus tempos de ginásio e uma poesia que eu e um colega de classe criamos em homenagem da professora de literatura. Clotilde era o seu nome. Uma deusa de rosto e corpo perfeito. A professôra Clô era fascinada por poesias e personagens da literatura francesa. E mulher, mais que professôra, colocava a nós e aos nossos pênis estudantis à toda prova. E sabia como fazê-lo.


Essa lembrança me fez sorrir e com a poesia ainda em mente recitei para Carla. Queria ter a certeza que o meu francês ainda era razoável e se não havia fugido completamente de mim. Pigarreei garganta para desobistruir qualquer substância das cordas vocais. Assim que me senti apto, iniciei:

"Ils me n'intéressent les amours
de Simone de Beauvoir
Et Jean Paul Sartre

Fascine me plus ton talent
Tes jambes indécentes
Qui me gênent l'odeur
acide et perverse
de ta grotte
Flamboyante"

Ao ouvi-la por completo os seus olhos marejaram:

-Ai amor! Como você é romântico! Ameiiiii! – Disse-me efusivamente, beijando, tentando embaralhando novamente as cobras ferozes.

Eu, mesmo sufocado por sua língua tive vontade de rir, mas me segurei. Afinal, Carla não entendera uma única palavra daquele poema erótico, onde retratávamos que não nos interessávamos pela paixão entre Simone e Sartre, além de libidinosamente mencionarmos o cheiro ácido e perverso que imaginávamos emanar da vagina de Clotilde. Ao ouví-la e vê-la choramingar devo ter parecido um idiota quando lhe respondi:

-É sim meu amor! Esse eu fiz agora e só pra você!

Ela sorriu, levantou-se ainda meio cambaleante me puxando pelas mãos. Assim que me vi em pé ela se despeiu e fez o mesmo comigo.

As suas nádegas rebolavam deliciosamente à caminho do chuveiro, quando reparei que um furo de tamanho razoável adornava o lado esquerdo da calcinha cor de rosa. Era etranho analisar o contraste daquilo. Tom sobre tom: um rosa forte e por baixo um rosado claro, quase bege. Não me contive e bradei:

- C'est la vie ! –

Assim que ouviu, ela retrucou:

-Ah sim! Eu também te amo meu amor!

Eu entrei calmamente no banheiro, abri o registro até o fim e uma ducha gelada me esperava com cara de má. Ao enfiar o corpo debaixo da água fria tive vontade de gritar "Mon Dieu ! Il est très froid ici !" mas eu nada falei. Provavelmente ela entenderia do seu jeito e retrucaria no seu velho e impreciso português:

-Eu não! vá você pegar o shampoo! Está na segunda gaveta do armário, ao lado dos sabonetes de glicerina!

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