quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Insights do China - A infância de Erico Zambini num colégio de padres -


Estava com oito anos e a separação de papai e mamãe resultou num grande pequeno problema: o garoto Erico Zambini.
Sim, inegável,  o pequeno Erico era terrível, destruidor nato, desses que deixam marcas dos pés no teto e que quebram todos enfeites e duas camas num único dia ao se imaginar o Gilmar dos Santos Neves, goleiro da seleção numa partida decisiva. E para ele não havia coisa mais fácil que quebrar camas, e para isso atirava a borracha escolar contra a parede do quarto e no  retorno atirava-se à cama na tentativa de agarrá-la, evitando assim o gol dos adversários. Evidente,com isso o remetemos a 1962 e um dia de euforia – Brasil x Espanha -  Naquele início de tarde e com a radio-vitrola ligada no último volume e com a narração de Pedro Luis, muitas vezes o pequeno Zambini evitou os gols da "Fúria" às custas das camas que quebrou,  sua e de sua mãe. Evidente, pés  e estrados arreados procurou se esconder da outra fúria, a da sua mãe. Sim, correu para o quintal ao ouvir o ranger do portão de entrada, anúncio que a genitora retornava de mais um dia de árduo trabalho. Ufa, alívio, ela inspecionou a casa, viu as camas destroçadas e ele não apanhou, e nada aconteceu! Simplesmente gritou o seu nome, mas pela tonalidade  da voz já sabia que não apanharia Com ela sempre fora assim; ou batia na hora ou não batia, e se não batia exercia o jogo das pressões psicológicas, além é claro do habitual e ameaçador chinelo na mão; Ah garoto se te pego....Ah se te pego, garoto.. - Ela sempre ameaçava.

Óbvio, mesmo diante da destruição e do seu aborrecimento com o filho se viu nela um certo alívio, enfim, não só dela mas da nação brasileira, pois tanto ela como o povo deve ter feito as mesmas defesas que o malandro na vitória suada e de virada por 2 x 1 contra os espanhóis   E talvez ela também se recorde que voltando para casa presenciou a branda comemoração e os discretos gritos dos torcedores que,  com seus pequenos rádios de pilha vibraram com o  triunfo canarinho (Era uma época de manifestações discretas, literalmente diferentes aos dias de hoje) Contudo e alguns jogos depois e aí com algum estardalhaço o Brasil se tornaria o bicampeão mundial nas terras de Pablo Neruda. E foi um título festejado e às custas principalmente de Amarildo e Garrincha, este último aclamado como o deus da copa (Pelé esteve ausente ao se machucar  no segundo jogo da fase inicial).

Depois  disso a vida caminhou num mesmo patamar até que no início do ano de 1963 veio a surpresa: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora - Mais conhecido por Liceu Salesiano de Campinas –  Um colégio com sistema interno e dirigido por padres.
E para lá ele foi enviado para cursar o 3o ano primário e o o seu tempo  naquele internato durou até o início de 1965 quando definitivamente  se despediu dos padres, os quais aprendeu a gostar e respeitar.
Porém o pequeno Erico não estava acostumado à excelência e nem às  austeridades dum sistema rígido e  assemelhado ao dos quartéis onde talvez  a exceção fosse a negra batina assumindo o lugar das insígnias e do uniforme verde oliva..
Entretanto ali ele aprendeu muitas coisas e um pouco de tudo, assim como o latim (o rezado nas missas)
E a sonoridade desta língua tão curiosa e principalmente  acentuada aos finais "um e  ium" - lhe trazia  problema tanto quanto aos seus infantis joelhos que se condoídos  às 7 horas de todas as manhãs ao enfrentarem uma missa jamais inferior aos 80 minutos.
Consequentemente suas rótulas se tornavam doloridas e queimavam, pois mais de 3/4 da missa eram consumidos com os alunos ajoelhados, inclusive à hora do sermão. Um pouco mais tarde a Igreja Católica percebeu que o ato mais sugeria imolação, e assim determinou para todos um maior tempo sentado, o que fatalmente alegrou as nádegas de milhões de fiéis.

Ali também ele se tornou coroinha num processo seletivo; os melhores alunos se tornavam os escolhidos, e o quê para os padres se traduzia merecimento, para os alunos, evidente, um alívio, pois era a certeza  de ouvirem o sermão sentados, mesmo que num desconfortável banco de madeira de três lugares.

Foi lá também que pela primeira vez sentiu vontade de roubar. Sim, leram corretamente; Roubar. Não, não se tratava de surrupiar dinheiro, o tênis do armário do vizinho ou lesar algum amigo na contagem dos pontos numa partida de ping pong ou de pebolim. Não, definitivamente não eram essas as questões e o que corroía o pequeno Zambini era a obsessiva intenção de profanar o vinho do padre, talvez  induzido pelas tentações dum demônio que vez ou outra dava as caras apesar de todas as rezas.
E o vinho esteve em suas mãos assim como o jarro de vidro imitando o cristal, líquido que os padres guardavam como quem esconde diamantes  pois o óbvio; havia outros pequenos e ávidos olhares. E a verdade é que fascinado pela a peça o líquido encarnado esteve em suas mãos e a intenção de emborcar um longo gole se manifestou, porém,  repentinamente se sentiu vigiado como se olhos pudessem estar vendo além de sua alma. Assustado olhou para todos os lados e  não havia a presença humana, portanto aqueles olhos só poderiam ser de Deus, a quem nada escapava. Hoje e bem mais velho e experiente o Erico Zambini confessa sem medo de retaliações religiosas  que, se aquele vinho fosse na Universal do Reino de Deus teria bebido e se embriagado,  e não teria medo do inferno, do diabo e muito menos de estar lesando a propriedade privada de Deus.

Porém o mesmo do abatimento moral à  frustrada intenção de profanar o vinho jamais ocorreu com as sagradas  hóstias. E talvez assim tenha sido pela descoberta que elas eram fabricadas por uma grande panificadora local. Sim, estava ali no rótulo das embalagens. A princípio foi choque para os seus olhos cristãos, não havia nada de sagrado ali, e o o apropriar-se de algumas unidades provavelmente não constituiria  sacrilégio, afinal não se tratava de  manah ofertado pelos céus, mas sim apenas mercadorias como outras quaisquer, tais quais as latas de sardinhas ou os pacotes de salsichas que eram fervidas e servidas com pãezinhos no café da manhã. E relembra das tantas vezes que foi incumbido de buscar as hóstias e à bordo de uma sacola de lona com algumas frases em latim e uma enorme cruz. Nessas ocasiões ia tratar do resgate das hóstias com o cozinheiro chefe ( sim, somente o chefe tinha autorização de entregá-las) Por vezes Erico não o achava tão facilmente e o procurava pela imensidão duma cozinha industrial e o encontrava por entre  fogões enormes e panelas tão altas que certamente teriam mais da metade da sua estatura. E ele acomodava as hóstias na sacola santa e era tão excitante vê-las adormecidas em sacos plásticos transparentes, onde  talvez coubessem 300 ou 400 unidades. E a excitação dava lugar à compulsão e ao sair da cozinha o furto se manifestava diante a fragilidade do lacre das embalagens. E de olhos vivos como se fosse um agente secreto  procurava por cantos ermos e retirava de uma das embalagens 10 ou 15 unidades   e ainda mais porque sabia que o Padre Conselheiro jamais daria pela falta. Contravenção confirmada ele as escondia num lenço e as colocava dentro do armário, afinal era muito bom comê-las com uma margarina Claybom, que não por coincidência também se encontrava dentro (Sim, aqui duas confissões; a margarina sempre foi objeto dos seus lépidos dedos, assim como jamais serviram a verdadeira manteiga à mesa do café). Entretanto todo delito deixa vestígio e cobra um preço, e foi assim que se viu obrigado a dividir com o vizinho de dormitório o lucro das suas pequenas  trapaças, já que Valtinho o pegara com a boca na botija, melhor dizendo, com a boca nas hóstias. Ele jamais vai se esquecer que a chantagem ocorreu numa tarde de violenta  tempestade e de obrigatório confinamento nos dormitórios.

É bom que se diga; Nesse colégio Erico Zambini aprendeu coisas fantásticas além do latim, a educação e o gosto por estudar com afinco. Sim, ali ele aprendeu a jamais ser um dedo-duro e entregar um amigo, fosse  o preço que fosse. E tanto que recorda das ocasiões em que ficou de castigo e com os braços voltados para trás tocando as colunas do pátio por não ter dedurado a arte de um colega. Claro, os padres jamais acreditariam em evasivas do tipo  "não sei, não vi, não estava  aqui" respostas  que invariavelmente indicavam  lealdade com os amigos. Hoje ele se recorda do fato e sorri. Sim, havia ali  um   código de honra mantido entre os bons garotos da divisão dos MENORES ( entre 7 e 10 anos) e os que assim não procediam não tinham o respeito e a consideração  dos demais. E novamente ele sorri, pois era bem provável que  Deus não visse os alcaguetas com olhos da benevolência.
Ali o garoto também tomou ciência de  outras coisas importantes , mas que uma fulminante  paixão aos 17 (nove anos mais tarde) o fez abortar; O seu sonho em ser um  famoso jogador de futebol.  Sim! No Liceu ele aprendeu  a ser um ótimo centroavante, o dono absoluto da camisa nove (dum tempo onde o 7 era  ponta direita e o 11 esquerda)

E a maior parte dos créditos por ser um bom rompedor de área se deve ao Padre Catequista, já que, sábio  ensinava a ele: “Garoto, jamais abandone a marca do pênalti. Jamais!” O pequeno Zambini, aliás, o "Toureiro" (apelido dado pelos garotos pelo fato de tourear os beques adversários com dribles) aprendeu a lição ministrada pelo religioso técnico, e apesar dos seus excessivos off sides (impedimentos) foi artilheiro de sua divisão por dois anos consecutivos. “Olé, olé, dá-lhe Toureiro!” Incentivam os "menores" e eles vibravam com seus gols diante dos times visitantes. Sim,  relembra que o Externato São José  e times de outros colégios vez ou outra apareciam para a disputa de algum jogo ou torneio.
Bem...aconteceram muitas coisas nesse Liceu, mas que provavelmente poderão ser contadas mais tarde. O importante é que aos 11 anos o garoto saiu do Salesiano (numa difícil fase monetária dos pais) e ganhou o mundo e um quarto só pra si no apartamento alugado por sua mãe. Sim! Agora havia a intimidade para ser ele, aliás, haveria a privacidade e não somente ele mas também para seus dois ou três discos duns jovens cabeludos que,  ganhando o mundo estouravam no Brasil; os Beatles. Já ouviram falar deles?  Porém o seu universo não era restrito aos quatro cabeludos de Liverpool, mas também às pernas de Vanderleia e às tardes de domingo na Jovem Guarda. Ali no seu quarto e atrás da porta havia um dos presentes que ganhara  do tio e pelo qual nutria adoração; Um enorme pôster do seu Santos Futebol Clube com Pelé em feição de realeza ( Sim! Ele podia...ele era o Rei)
E foi nesse ano de 1965 que o garoto da sacristia cursou  o “Admissão” no Colégio São Paulo - O que era "Admissão? -  Admissão era um período intermediário e obrigatório entre o fim do curso primário e a primeira série do ginásio.

E o jovenzinho estando em São Paulo fincou  base e cursou o ginasial nesse mesmo colégio privado e num
 bairro chamado Belém.  Além dos mais era uma outra escola católica e a paróquia levava o mesmo nome. Inclusive à época havia por lá um grêmio recreativo para os alunos que se sobressaíssem no futebol (O Brasil de então era unicamente o país do futebol. Havia o basquete, mas poucos se importavam com ele) Bem, o fato é que o menino acabou por se tornar um dos bambambãs da sua classe, e não por ser metido ou gostoso, não, mas simplesmente  por ser bom no futebol e ótimo aproveitamento no aproveitamento escolar, já que a bagagem trazida do Liceu era tão infinitamente superior que, até à 2ª série do ginásio se deparou com matérias que anteriormente passara os olhos.


Mas não era pelo estudo que ansiava, não, não era, queria ir mais além, queria aquilo que pouco lhe legaram; a liberdade. Agora nada queria com as missas,  cabelos de corte americano,  bermudas escolares ou os ensinamentos religiosos. E sua mudança era tão incontestável que mais nada pedia em seus orações  para o  antigo ídolo São João Batista. E com o afastamento da religião, inerente foi  distanciar-se da fé e agora era outro e se excitava com as mundanices dos garotos de rua e não sentiu qualquer culpa  ao folhear num certo dia  uma pequena revista tratada por "catecismo". O catecismo referenciado aqui não abordava assuntos religiosos ou os ditames da fé,  mas  sim de desenhos em quadrinhos que narravam histórias chulas e pornográficas.
Sim!  Estava ali a evidência da força de Satã, e ele trinfou ao usar  um colega de classe  para levar a imoralidade para a sua vida e para de outros incautos colegas de classe.

Uau! Aquilo sim que era liberdade! Aliás, mais que liberdade, libertinagem! E ele queria voar, ser também o dono de uma fração do mundo, e deixou o cabelo crescer e a franja cair sobre os olhos assim como faziam os garotos europeus. Ele era outro agora, descolado, mesmo que ainda continuasse a curtir pernas femininas no Jovem Guarda, principalmente as coxas loiras e os verdes olhos de Valdirene (aquela do... Sou a garota papo firme que o Roberto falou)  Porém o perfil do Jovem Guarda começava lhe parecer algo produzido para garotinhas histéricas e ele se irritava com os gritinhos de "Aii Roberto ou, Erasmo, você é um pão!" e   então se esqueceu do programa e à medida que seus cabelos cresciam queria e cada vez mais que o tivessem por um "beatlemaníaco"  uma espécie de Paul McCartney tupiniquim. Personalidade assumida, agora não podia voltar atrás  e atormentou a sua  mãe até ganhar ganhar as botas negras semelhantes às de George Harrison. E era com elas que ele sentava às escadarias da paróquia numa tentativa de impressionar às meninas à saída do turno da manhã. E se munia de pose e chacoalhava a cabeça até a franja incomodar os seus olhos e insistia ao seu jeito na  canção"A hard   Days Night" um estrondoso sucesso dos novos reis do iêiêiê cantado nos quatro cantos do planeta. Algumas simplesmente não se davam conta da sua existência , outras, se mostravam tão curiosas que passavam rente a ele para escutarem os seus estralos de dedos marcando o compasso e a sua voz absurdamente desafinada  "Itis bim â rard dêis náite"  ele cantava num idioma que nem mesmo sabia o qual.
E elas apenas riam e ele sorria e a existência se mostrava cada vez mais interessante e cheia de coisas por conquistar. E agora ele, Zambini,  era o máximo ao negociar a sua bicicleta Monark em pandarecos por uma jaqueta de couro negro com um dos amigos de rua, uma quase igual a que Marlon Brando usou no filme " O Selvagem"
E Erico sentia que parte do mundo lhe cabia e andava pelas ruas, liberto, cão sem coleira, e não mais como um boi a caminho do matadouro, como nos passos que lhe eram ditados dentro dos muros do Salesiano.

E essa nova atmosfera o excitava e os garotos do colégio São Paulo o estimulavam e por  lá as coisas aconteciam e estavam acontecendo sempre, inexplicáveis e até explicáveis  como as belas pernas e  o estupendo bumbum curvilíneo de dona Eunice, sua professora de religião.  Quanta ironia, Zambini! Justamente uma criatura temente a  Deus teria que ter uma bunda daquela? E o par de nádegas colocou Erico à prova e foi por culpa dele (apesar dela jamais saber) que aprendeu a se masturbar. Lembra-se  de como foi e que aquilo se iniciou com o amigo Desidério, dois anos mais velho que ele. Parece que ainda consegue ouvi lo: “Faça assim com o teu pau; Pra frente, pra trás, pra frente, pra trás e  bastante rápido que vai te dar um treco gostoso e logo a coisa vem” - Ele explicara. Recorda também de ter perguntado ao Desidério: “A coisa que vem é aquela coisa branca?” - Lógico, mais que nunca ele tinha que dar a impressão que sabia mais ou menos das coisas, que era um cara entendido, afinal, ele conhecia até catecismo. O amigo o olhou aturdido e respondeu: na lata “Que coisinha branca, xará? Aquilo é porra! Ta me entendendo, cara? Aquilo tem o nome de porra, seo bosta!”

Bem, com a explicações na cabeça e o tesão nas pontas dos dedos lá se foi o Zambini para uma nova experiência, já que antes da descoberta  acreditava que  a curtição fosse apenas a ficar folheando as tais revistinhas para ficar de pênsis ereto, assim como  ficava  nas noites que revivia os justos vestidos e a região glútea da professora de religião. Porém foram necessárias algumas sessões para aperfeiçoar-se nos macetes da masturbação, pois nas primeiras vezes o Junior (assim denominou o seu pênis) ficara ereto e dolorido e nada mais.  Recorda-se em que nada acontecendo voltou ao amigo Desidério e esse persistiu incentivando - “Tem que insistir,  cara! Pressão na mão e pra frente, pra trás, sem parar” –  Por fim e por sua feição de quem não estava compreendendo como o amigo não assimilara algo tão simples perguntou se estava fazendo de forma que ensinara,  ao que Zambini  respondeu - “Claro, Dério! Pra frente e pra trás, tipo iô iô, vai e vem” –  O amigo Desidério olhou e riu  -  “É isso aí cara, tipo iô iô! Pressão nos dedos e jeito na munheca e tu vai ver que o lance é mais fácil que saber cantar  "A hard   Days Night" acredite!  - Ele ouviu atentamente o amigo e naquele dia daria tudo o que tinha para se chamar Desidério, afinal, o amigo além de ser um bom de punheta, ainda sabia cantar "Itis bim â rard dêis náite"  corretamente.

O certo é que as nádegas da professora Eunice continuavam mexendo com o forasteiro, e o "Pra frente, pra trás" ainda não vingara até que pela 7ª ou 8ª vez  aconteceu e subiu pelo seu corpo um calor tão intenso e  inexplicável que ele pensou que aquilo era melhor que ouvir os discos dos Beatles e dos Stones. Depois da sensação de quentura algo espirrou tão prazeroso que  acabou por se viciar naquilo. Aliás, vícios estavam se tornando a sua especialidade, e não raras vezes pedia dinheiro  á sua mãe, mas não eram  os sonhos ou tortinhas de morango (sua alegação) que comprava na padaria, ao contrário, atravessava a rua para adquirir no Bar do Joaquim unidades isoladas de cigarros da marca Consul, mentolado. Recorda que certa vez quase que dona Eunice o flagrou fumando um daqueles, ocasião que se rapidamente se escondeu ao se abaixar atrás de um Jeep  numa rua próxima da escola.   Ah se dona Eunice soubesse dos cigarros e das  suas "tocadas"... estaria perdido. Porém hoje, decorrido um pouco menos de meio século Erico Zambini  presta loas e se recorda perfeitamente de cada detalhe da feição de dona Eunice, além do seu glorioso traseiro, óbvio. E ele sorri,  afinal Eunice foi a mulher das primeiras sensações, e como sempre dizem; A primeira mulher jamais se esquece.

Enfim, retornando àquele tempo, e no decorrer daquele ano o jovem Zambini acabou por se tornar um bróder, enturmado e cheio das nove horas. E como era bom de bola foi arregimentado para a Cruzada do Colégio São Paulo, o grêmio esportivo que funcionava no subsolo da própria Paróquia. Ele relembra que na sede havia jogos como o de pebolim, ping pong,  botões, dominó, mini bilhar e até o Banco Imobiliário, e tudo para manter unidos os melhores jogadores das duas classes de Admissão existentes no colégio.  Claro, eles jogaram muitas partidas, pois oficialmente  havia um único time que representava o colégio no Salão da Criança (Pavilhão do Ibirapuera)E esse time era justamente o dele, já que o torneio era disputado por garotos na fixa etária  dos 11 aos 12 anos. Antes de iniciar o torneio o time treinou muito e participou de algumas disputas e foi bem em alguns, apesar de não ganhar qualquer delas. E ele se perguntava: “Será que Deus não está do nosso lado?” – Nunca obteve a resposta, pois provavelmente Deus estava muito ocupado para tão pequenas desimportâncias. E a falta da resposta fez criar nele a sensação que estava sendo punido pelos seus pecados, principalmente àqueles que homenageavam a querida mestra. E tanto acreditou que poderia ser desagravo de Deus que jamais se permitiu comentar o fato com os garotos do time, ´principalmente à época do Salão da Criança, afinal, nos dois anos que participou do torneio o Cruzada São Paulo fora desclassificados próximos às quartas de finais, portanto e  se houvesse confessado achariam o culpado, aquele que não permitiu o avanço.

À época ele pensou muito em toda aquela situação e pretendia voltar a ter fé em Deus, pois  sentia que aos poucos ela fugia de sua alma. E as outras das suas questões eram o futebol, os Beatles, Stones e às saias cada vez mais curtas no período matinal.  Logo e por conseguinte  se existisse algum Deus sabia que ele lhe dava a liberdade de atos e o de ser o seu próprio advogado, e jamais seria injusto e não o fora à época do torneio, pois a maior das realidades era que o melhor vencia o Salão da Criança. Justo ou não o fato é que vez por outra a culpa retornava e ele se sentia o peso dos seus crimes e tinha pesadelos e neles os dedos esquerdo e direito pareciam cruéis e apontavam acusadores, como lhe dissessem; Seu devasso, deixe a rabo da dona Eunice em paz - E ele acordava sobressaltado do maldito pesadelo que permitia que dedos falassem. E eles se repetiram duas, três e uma infinidade de vezes e novamente Erico voltava a se preocupar com a opinião de Deus, talvez o Todo Poderoso se aborrecesse com o profano dos seu atos, ainda mais com uma de suas servas. Não! Definitivamente não! Era preciso deixar as nádegas de dona Eunice em paz, então  centrou-se em outras professoras, bonitas até, mas não surtia o mesmo efeito, e ele virava para o outro lado da cama e acaba adormecendo. Enfim, pois por mais que quisesse transferir a sua devassidão, sabia,  dona Eunice seria insubstituível.

E assim foi  por todo tempo que permaneceu  no Colégio São Paulo onde cursou até o quarto ano ginasial e sem jamais se livrar do estupendo traseiro da  professora de religião. E quem sabe se ela não o esperasse  para se casarem num futuro não tão distante? Sim, afinal dona Eunice era solteira.
Que Deus o perdoasse!




Copirraiti20Dez2012
Véio China©

sábado, 8 de dezembro de 2012

Os esquisitos


Desligo o aparelho.
Tinha terminado uma longa ligação quando o celular toca novamente. Sob os acordes de "My Way" na voz de Frank Sinatra olho para o visor e reconheço o número de Cecília. Aliás, era a sua quarta ou quinta ligação enquanto eu estivera no aparelho. Atendo.

-Que saco, Adriano! Faz uma hora que estou tentando falar com você e o seu celular só dá ocupado. Ah sim, não me tem a menor importância com quem esteve falando - Ela diz secamente.

-Sim, e? - Respondi lacônico. Jamais gostei  de pessoas que se saem com a pergunta dum "Sim" para te fazerem vomitar quer o que seja. Porém, não sabia se funcionária com ela.

-Bem... É sobre a máquina e as fotos, e como te conheço melhor que ninguém, sei que deve tê-las copiado para o teu notebook. Portanto quero que as delete, uma por uma. Entendeu bem, entendeu? E por favor, deixe a minha Sony na portaria do seu prédio que amanhã quando você estiver no trabalho passo para retirar – Ela disse num tom aborrecido.

Nessa ligação quem ficou atônito e engasgado nas palavras fui eu, e nem foi pelo fato de ter sido a cobrar, pois deveria estar sem crédito, mas sim com os desaforos despejados. Óbvio, ouvi calado todas as últimas frases, merecidas e que justificavam as suas mágoas de uma mulher:

-Cafajeste, mulherengo, safado, pervertido! E saiba seu idiota! Rasguei todas as suas cartas de amor, uma a uma. Piquei todas e depois joguei na lata do lixo! –  Por fim um derradeiro suspiro, desligou e saiu da minha vida para sempre.

Talvez achem esquisito o fato de Cecília ter dito “rasguei todas as suas cartas”. Sim, e ela rasgou mesmo, em papel e tinta! E o por que disso? Bem..sou daqueles que acreditam nas coisas de próprio punho, de deixar fluir a emoção sem a necessidade de softwares revisores de textos. Portanto, não sou do tipo de sujeito que usa o e-mail para certas coisas entre as quais o amor, que envolve a paixão, afinal, os e-mails me parecem frios demais, eletrônicos demais, sem sensibilidade demais. Portanto todas as minhas cartas para Cecília foram enviadas pelos Correios e com o AR (aviso de recebimento) e  mantenho comigo os recibos de entrega, apesar de nada valerem nesse momento.

Claro que cabe análise mais apurada quanto às fotos que ela se refere. Na verdade eram alguns instantâneos  com ela no lombo dum jumento, no banco de uma Lambreta 61 reformada, e por último, dando um tchauzinho no interior duma Romiseta 1960, vermelha, também recuperada. E pra quem jamais ouviu falar em Romiseta explico; foi um dos “charmes” dos anos 60, um veículo de motor de mínima potência e com a aparência de um ovo deformado onde somente duas pessoas tomavam o assento. Sim, talvez estranhem, mas também é importante salientar que essas fotos foram tiradas num condomínio de milionários. Como assim? estarão se perguntando. B em...vou contar essa história de  episódios tristes e estranhos e que nos levaram naquele mesmo dia ao rompimento definitivo dum relacionamento de quase dois anos. Aliás, não fomos "nós" que rompemos e sim ela, que fique bem claro. Talvez descubram também que Cecília, apesar de geniosa e impulsiva fosse exceção ao não compartilhar os mesmos traços esquizofrênicos de alguns membros da sua família, sabe-se lá se até por questões hereditárias. Bem, o que sei é que todo esse conjunto de desacertos acorreu no mesmo dia da comemoração do aniversário da sua tia Luiza, irmã de sua mãe.   

E os fatos foram protagonizados num sítio próximo de São Paulo e no interior daquele condomínio há coisa de duas semanas. Sobre o sítio só posso dizer que é um lugar espetacular e raro de encontrar, afinal, conseguem imaginar uma mini fazenda dentro dum condomínio imóveis suntuosos?  E o tal sítio conta muito da excentricidade dos milionários, no caso um primo de Cecília que, adquirindo  12 lotes do empreendimento imobiliário contratou uma empreiteira e depois de algum tempo viu aqueles 12.000 metros  transformados numa cinematográfica sede de campo com jardins, piscinas, cachoeiras e lagos artificiais, além de inusitados estábulos. E como  ricos são essencialmente extravagantes as ruas internas do empreendimento ganharam os nomes dos grandes atores de Hollywood  das décadas de 50/60.
Consequentemente naquela manhã a primeira das minhas sensações de perplexidade ocorreu logo após chegarmos ao lugar.  Assim que chegamos fomos barrados à portaria e confirmada a nossa integridade fomos autorizados a entrar sem não antes nos fincarem no peito um crachá de identificação. Adentrando ao condomínio  procurávamos pela Humphrey Bogart, 777, quando numa rua próxima a ela ( a James Dean) avistamos uma garota montada num imponente cavalo. Sorri discretamente ao me cientificar que estava diante de algo incomum  enquanto o negro animal vinha calmamente pela rua arborizada num fantástico contraste com os Mercedes Benz, BMW, Jaguar e outras marcas estacionados às portas de casas maravilhosas -"Olha, é a minha prima!" - Exclamou Cecília ao identificar a garota do cavalo. Como também íamos à direção da garota Cecília pediu para que eu  parasse o carro. Estacionei o veículo e aguardávamos que a garota passasse para pudéssemos cumprimentá-la.  Assim que ladeou o nosso carro notei o quanto era linda aquela garota de talvez uns  22 ou 23 anos. E o seu ar ganhava uma certa fidalguia no traje de amazonas que vestia, além das longas e refinadas  botas negras. E o óbvio, reconhecendo Cecília a garota abriu um largo sorriso e e puxou as rédeas do seu animal. 

-Oah Elvis! - Ela bradou obrigando o cavalo a parar:

-Oi prima, há quanto tempo! - Cecília exclamou para ela saindo pela porta e se escorando no alto dela.

-Nossa prima, verdade! Quanto tempo mesmo! Acho que mais de quatro anos, não? - Respondeu a moça num sorriso que faria Audrey Hepburn enciumar-se. 

Bem, me senti sem jeito ao olhar para a jovem e inspecionar o Elvis. Realmente a espalhafatosa crina do cavalo lembrava em muito o topete de Elvis Presley. Fora isso havia alguma coisa em Elvis que me remetia ao ídolo, talvez fosse a vestimenta em seda chinesa que cobria o seu peitoral, algo brilhante, encorpado, branco, adornado nas extremidades com lantejoulas douradas em forma de estrelas Antes que minha namorada nos apresente, a prima se antecipa

-Elvis, essa é Cecília! Cecília, esse é Elvis!  : Muito prazer, Elvis – Foi a resposta de Cecília num tom de quem estava adulando um menino arteiro.

Fiquei aguardando que Cecilia fizesse a gentileza de fazer as apresentações, porém como ás vezes ela se desligava do mundo nada fez, obrigando assim a dona do cavalo tomar a iniciativa.

-Muito prazer, moço! Eu sou a Magali! – Apresentou-se ao me encarar firmemente. Depois falou para o seu cavalo: Elvis, esse aqui é o...o...o - A garota dicou engasgada naqueles "o" como agulha no risco do disco de vinil. Óbvio, era a deixa para que dissesse o meu nome.

-Adriano – Respondi num discreto sorriso ao olhar com desconfiança para o animal. Preocupei-me; Será que teria que me apresentar ao cavalo? Ai meu Deus, pensei naquilo e me senti profundamente ridículo. Portanto eu aguardava e Cecilia sorria, a prima sorria, e eu disfarçava ao levar o meu olhar pra o revestimento de courvim do volante numa tentativa desesperada de fugir ao confronto do quadrúpede.  Passam-se poucos segundos e uma nova exclamação de Magali me faz  levantar os olhos; novamente ela tagarelava com seu cavalo

-Então Elvis, como eu estava dizendo esse aqui é o Adriano, o namorado da minha prima Cecília! Olhe bem para ele e não vá confundi- lo,  tá? - Ela recomendava ao cavalo como se ele fosse um garotinho das escolinhas da pré infância que fez xixi no banheiro das meninas. Pensei naquilo e talvez o cavalo ao assimilar conseguia distinguir as pessoas, porém, talvez  fosse necessário que lhe dessem algum tempo para que isso acontecesse. Ainda persistiam minhas desconfianças com Elvis  quando Magali saiu-se com outra loucura, e nessa, juro, tive vontade de rir, mas me segurei.

- Diga alô para o moço, Elvis! Vamos, cumprimente o moço para que veja como você é educado!  - A jovem pedia docilmente ao cavalo com  meigos tapinhas junto ao pescoço do animal.

Foi estranho ouvir um discreto e breve relincho enquanto bem próximo à minha janela a sua cabeça subia e descia agitadamente. Eu estava admirado; Será que ele havia compreendido? Evidente, mesmo que fosse possível entender as falas da garota eu me julgaria um alienígena se me apresentasse para um cavalo. Enfim,  não sabia se Elvis entendia as dificuldades da minha limitação humana, portanto só lhe dei um "Ok" ao fazer um sinal com o polegar  voltado para cima. Elvis pareceu-me compreensivo diante o meu constrangimento e apenas se manifestou num  relincho menos entusiasta e agitou a enorme cabeça por duas vezes e depois lacrou-se no silêncio.  Elvis era um bom garoto! Compreendidos, Elvis se manteve quieto, imóvel, majestade cintilando suas estrelas sob um sol de verão, apenas me olhando, olhando, olhando.  Despertado daquele transe por novas ordens que Magali  imprimia ao animal, nos despedimos. E novamente la se foi o quadrúpede:

- Acelera Elvis! – E Elvis partiu numa desabalada corrida para um pouco mais à frente se firmar num trote calmo até sumirem das nossas vistas ao dobrarem à esquerda ao fim da rua.

Talvez o fato de vê-la montada na sela de um belo hipomorfo, para mim e naquele momento o fato se constituiu alívio, colírio, afinal eu e meu Golzinho 2007 nos sentíamos hiper acanhados em meio à ostentação de tantos carros importados às portas dos casarões; Ao menos eu e meu Gol estávamos num patamar de superioridade se comparados a um animal. Porém aquilo que me servia de consolo foi tão provisório que, eu o meu Gol ficamos mais putos ainda diante das desnecessárias informações de Cecília:

-Sabe Dri, minha tia ligou para a minha mãe e ela soube do cavalo nesta semana. E como eu não sabia, além de me contar, me perguntou: Sabe quanto o teu primo Alfredo pagou por um Manga Larga?  - Eu respondi, não mãe, quanto? - Minha mãe esbugalhou os olhos e despachou-me sem só e nem piedade com todos dentes que tem: Cento e cinquenta mil reais! - Ao se referir ao valor, Cecília me pareceu bem irritada.

Olhei para ela com surpresa e pensei naqueles números por instantes e antes que razão me espetasse com as   adagas do absurdo ouvi de Cecília a conclusão da infame história  -

-Puta que pariu! Cento e cinquenta mil reais! Pode um negócio desses, Dri?  Cento e cinquenta mil reais!
A gente passando por dificuldades, pagando aluguel,  e aquele perdulário gastando uma fortuna com um cavalo! – Finalizou irada, socando a coxa direita com o punho cerrado.

-Me abstenho dos comentários! – Respondi para ela. Estava perplexo

Porém a razão fazia um toc toc no alto da minha cabeça, tipo " Alôouu posso entrar?" -  Então fiz os cálculos e eles indicavam que com aquele dinheiro eu  adquiriria 12 automóveis da mesma marca e ano do meu. Sim! ou seja, eu receberia a grana pra comprar 12 carros e daria em troca para o excêntrico comprador o topetudo animal. Era isso? Sim, era, e estava bem claro,  e outra... evidente que nessas condições e se o cavalo fosse meu o sujeito ainda levaria de quebra e gratuitamente a glamurosa roupa  - Concluí, perplexo, deixando escapulir o cigarro da boca , aceso,  e lançado entre as minhas pernas. Jesus Cristo!  Nervosamente bati as mãos no assento,  e depois com a brasa jogada para longe acelerei o Gol e  rezei para que ele não engasgasse e nem punisse do desgosto no primeiro poste que aparecesse.
Entrando na propriedade levei o meu veículo até ao estacionamento dos visitantes e o meu Gol parecia querer sumir dali, pois os colegas que o ladeavam eram carros potentes e de luxuosos. Olhei para os carros, para os olhos de Cecília e pensei – “Maldição, Ce! Você tinha que fazer parte da banda pobre da família?” – Inexplicavelmente, Cecília sorria, e eu não sabia por que.

Esqueci o assunto  e caminhávamos de mãos dadas já bem próximos da casa-sede quando os meus estupefatos olhos puderam testemunhar alguns carros no estacionamento privativo do tal primo. Sim, a garagem  imensa e anexa à casa estava com a porta automática levantada e isso permitiu observar que, além da Lambreta e da Romiseta, havia por lá outros carros como uma legítima Ferrari  F40 ano 90, um Van Mercedes-Benz, e por último um Corvette do ano. Pensei por mais alguns instantes e concluí que foi bom o  Golzinho estar distante dali, afinal não seria de se duvidar que se sentisse um"bolsa família"  diante tanta extravagância.
Chegando à porta da suntuosa mansão construída num estilo mediterrâneo fomos recepcionados por um sujeito magérrimo,  loiro e de olhos claros. Algo me incomodava naquele loirinho sorridente de talvez uns 30 anos ou pouco mais.  Logo descobri o motivo que me fizera sentir desconfortável à sua presença:

-Sintam-se bienvenidos, hermanos! Entrem y diviértete! – Ele nos saúda e recepciona num misto de castelhano e português. Não  me faltava mais nada; eu odiava argentinos!

Provavelmente aquele sujeito, além de mordomo deveria ser o “cacho” do parente afrescalhado de Cecília. E a desconfiança se explicitou na clara a afetação do primo que, ao se juntar à porta e nos cumprimentar fez um carinho no rosto do seu pequeno Gardel:

-Oh! Que bom que vieram! - Saudou-nos numa expressão  que remetido ao falecido Clodovil.  - Quem é o bonitão, Cecília? – Ele perguntou embrenhando alguns dedos nos longos cabelos de mechas platinadas para depois jogá-los ao lado direito, assim como fazia Ronnie Von. Eu apenas o olhei, perplexo e desconfiado de tanta frescura, ou vice-versa, não sei.

Depois de oficialmente apresentados me senti desnudo tal a voracidade do olhar do primo Alfredo para a minha pessoa, melhor dizendo, para o meu corpo, aliás, complete-se;  Alfredo Ronaldo. Além dos mais, raramente as pessoas demasiadamente  ricas se deixam escapar da empáfia, daquele ar de superioridade, como se nós os pobres fôssemos apenas passageiros de classe turística, fato que ficou demonstrado na galhofa de sua observação:

-Que gracinha ele, Cecília! – Onde você conheceu o seu bebê... num jogo do Corinthians? – Perguntou com empáfia. Sim, só podia ser gozação, talvez um desdém à minha aparência que se vestida numa calça Levi's desbotada,  par de tênis Nike de  2ª linha, e uma camisa social branca e de mangas longas que nem de grife era.  Porém para a ingênua Cecília tudo era maravilha e  seus olhos pareciam saltar para fora das órbitas oculares.

-Pela Virgem de Caropita, primo. Você é demais! Como foi que descobriu? –  Olhei para ela e o meu olhar a fuzilou.  PQP! Será que aquele puto tinha bola de cristal, parte com o demônio? Sim, Cecilia e eu desgraçadamente éramos corintianos, fanáticos, e foi no Pacaembu que nos conhecemos, para ser mais exato, na fila do hot dog. 

Parecia-me tão evidente e não me seria surpresa que Alfredo Ronaldo fosse sãopaulino. Em verdade tive vontade de mandá-lo se ferrar, mas me pareceu impróprio. Enfim, depois do requinte de sua humilhação ele passou a me acompanhar seguidamente com olhares e aquilo me dava nos nervos à ponto de pegar na mão de Cecília e convidá-la para que me levasse para conhecer o lugar. E foi daquela forma que demos no estábulo e com a ajuda dum funcionário da manutenção e da bela máquina Sony de Cecília  que tiramos a foto com ela no alto do jumento. Ainda perguntei pro rapaz de olhos verdes o por que daquele pequeno animal entre os dois ou três cavalos de raça, ao que respondeu:

-Moço, ali atrás daquela cerca tem jumentinha... - Assim que me viu olhando para o lado onde apontou, continou. -Pois é! O doutor Alfredo de vez em quando vem aqui e pede pra ajuntar os dois. Depois fica com um olhar muito esquisito olhando a "cobertura" - Concluiu. Olhei pros olhos dele e percebi a malícia

-Ah, entendi... - Balbuciei. Definitivamente o tal Alfredo Ronaldo era um pervertido.

E foi conhecendo aquele rapaz  e boa parte do sítio que pude perceber que havia sim a questão da segregação, da discriminação racial, pois não vi um único serviçal negro vagando pelas dependências daquele paraíso.  A começar pelo casal de caseiros, descendentes duma segunda geração da Alemanha do pós guerra, e que segundo a sua informação foram trazidos de Santa Catarina. Nem mesmo a cozinheira era negra, nem as copeiras, nem os funcionários que cuidavam do resto do sítio, enfim, o que via era um pequeno exército de pessoas brancas, loiras e de olhos claros

Porém coisas mais ridículas e menos importantes aconteciam por ali, como por exemplo nas dependências da imensa piscina em formato de coração. Foi lá que Cecília me levou e encontrei e conheci pessoalmente a aniversariante, tia Luzia, mãe de Alfredo Ronaldo. Sim, digo pessoalmente por que até então soubera dela o que me fora dito por Cecília à caminho do sítio. Segundo a sua mãe lhe contou, a irmã Luíza, mãe de Ronaldo Alfredo, quando jovem trabalhara numa casa de tolerância numa pequena cidade do interior de São Paulo. E foi lá que ela conheceu um milionário uruguaio. E mais, o homem era casado e se apaixonou tão perdidamente por ela que,  retornou ao Uruguai, separou-se da mulher e voltou a para o Brasil de mala e cuia trazendo para cá grande parte da sua fortuna. Todavia, se tornaram uma família de pessoas mesquinhas, satisfeitas com o próprio bem estar e que  jamais se preocuparam com ela e a mãe, especialmente aquela senhora com mais de 90 quilos, distribuídos talvez em um metro e sessenta e que agora me abraçava tão efusiva como se fosse eu o aniversariante. E o pior, ao me abraçar tia Luiza ensopou a minha camisa branca a bordo dum ridículo biquíni fio dental que ruborizaria até a Bruna Surfistinha.

Deus do céu! Consegui me desvencilhar dela com algum custo, e mesmo não querendo encará-la a indignação dos meus olhos estava ali cravada naquele festival de banhas, pelancas, celulites, varizes, estrias  e  tudo mais que com facilidade se desprendia dela, assim como as  folhas no outono. Não, jamais fui discriminador, portanto não tenho contra a obesidade e os obesos, afinal os  meus pais são e eu posso me tornar um. Mas o que não aceitava era o fato de tentarem chamar a atenção com coisas e atitudes que os expõe ao ridículo. Contudo tia Luiza parecia  ser daquelas  que não se dão conta da aberração, além sugerir um certo orgulho ao trajar aqueles minúsculos tecidos em tons mesclados entre o verde-escuro e verde-limão. E tudo era tão assustadoramente surreal que provavelmente ela deveria se sentir na leveza da garça ao dar uns oito passos para trás e impulsionar o corpo numa desconjuntada corrida e atirar-se na de pernas abertas à água na tentativa de cair em pé. Óbvio! Não conseguiu uma única vez, e não seria exagero considerar que o ato da explosão do seu corpo junto à água mais parecia um evento nuclear aquático ao formar um cogumelo que espirrava água para todos os lados. O pior foi relembrar, não o abraço da apresentação, mas o momento após dar-lhe a parabenização. Disse tia Luiza para a minha namorada:

-Nossa, que gato que ele é, Cecília! Ele tem a cara do Roberto Carlos! –  Disse num sorrisinho sacana.Hã, cara de Roberto Carlos? - Pensei comigo -  PQP! Aquela mulher só poderia estar maluca. Roberto e eu  éramos como a água e vinho, ele era feio, eu, bonito, ele milionário, eu, quase à linha da pobreza.. Ainda se ela dissesse um Antonio Banderas...vá lá.

Bem, com tia Luiza retornando para os seus novos e espetaculares saltos ornamentais foi que sumimos dali. As coisas pareciam correr bem quando atrás de nós ouvimos um “psiu” Olhamos e era Alfredo Ronaldo e seus estranhos olhares.

-Afê, Cecília, estava procurando por vocês! Aposto que seu gatinho deve estar ansioso pra dar umas voltas naquela Ferrari vermelha que está na garage! – Exclamou de forma afetadíssima e meneando a cabeça e jogando suas madeixas novamente para o lado direito. Olhei pra ele, pros cabe los dele e,  por São Tomé das Letras, só havia loucos naquela casa.

-Não é mesmo, Flalviano? – Ele me pergunta num olhar à Rock Hudson. PQP de novo... Flaviano? Não me faltava mais nada!  Claro, ele queria que eu confirmasse, porém fiz que não ouvi.

Foi aturdido e num estado patético que o vi apoderar-e do meu braço e me levar de braços dados á direção da sede. E ele falava e exclamava  considerações e fatos e  Cecília nos seguia rindo, literalmente rindo, tudo lhe parecia lindo, e o sujeito pretendendo algum envolvimento homossexual com o seu namorado, e ela rindo, rindo, rindo. Passando pela porta da mansão e o pequeno Gardel nos olhava atentamente, e então  chegamos à garagem ele me fez entrar na Ferrari e se apressou ao travar o meu cinto de segurança, instante em que  propositalmente roçou a mão no meu peito. Que grande sacana! – Pensei comigo – Bem, se parasse por ali até que valeria a pena das umas voltas naquela Ferrari, enfim, quem em sã consciência não gostaria de dar uma volta numa F40 vermelha?  Quando ele ligou e acelerou, o motor esturrou como uma dúzia de famintos tigres siberianos. Uau! Aquilo era demais. E assim partimos diante de Cecília que ainda nos dava “tchauzinhos” e a recomendação para que não corrêssemos muito. Daí partimos e não seria impróprio confessar que durante os vinte ou trinta minutos que rodamos para fora do condomínio, Alfredo Ronaldo por umas quatro ou cinco vezes insinuou coisas de cunho sexual, porém eu me fazia de desentendido e mostrava estar mais preocupado com as reações daquela máquina mortífera. Claro! Foi mágico quando Alfredo pegou um atalho para a estrada e percorreu uns 10 quilômetros numa velocidade  próxima aos 300 por hora; Foi fantasticamente estarrecedor.

Voltamos para o condomínio e o coração parecia me saltar da boca. E lá estava o sorriso tolo de Cecília nos esperando; Ah se aquele sujeito de mechas platinadas fosse a Mulher Samambaia... ah se fosse! - Pensei ai descer da Ferrari. De lá fomos para a confraternização de almoço e a fartura era de impressionar; uísque 25 anos, camarões, bacalhau em postas grelhadas e de vários tipos de feitura, alcachofras, carnes nobres e grelhadas, exóticas como a carne carneiro e javali, e outras tantas variedades que nem saberia como identificá-las.  Depois de me fartar e ainda sob o insistente olhar de Alfredo Ronaldo me dirigi ao  jarro em porcelana e me servi de um café quente,  passado na hora. Pensei por alguns instantes e olhando pra fina louçaria chinesa perguntei-me: “Será que vale mais que meu Gol?”.  Sem querer saber da resposta me encaminhei sozinho à entrada da mansão afim de tragar um cigarro, pois Cecília odiava o fumo.  Ali, relapso divaguei sobre outras  coisas daquele paraíso  quando sinto a mão pousar em meu ombro. PQP – pensei. Lá vinha Alfredo Ronaldo novamente. Dessa vez eu iria colocar os pingos nos “is”, ah se iria! Viro-me e a surpresa; A mão era de alguém com feição severa e que intencionava soar ameaçador.

-Que usted quieres com Alfredo Ronaldo, brazialino de mierda? – Olhei estarrecido. O que? Um gringo vindo lá dos quintos dos infernos iria falar assim comigo? Ah, não iria mesmo!

-Ah! vá se foder, seo Maradona afrescalhado! Não quero porra nenhuma com o teu Alfredo Osvaldo! –

-Alfredo Oswaldo, no! Alfredo Ronaldo, habla correctamente, si? – Ele me corrige. Olhei para ele, pro seu diamante no brinco de orelha esquerda, olhei pras mechas acastanhadas em seu cabelo loiro e perdi a paciência.

-Ahh, vá te ferrar  cara! Alfredo Ronaldo, Buzualdo, Agnaldo, Josivaldo, Arnaldo, é tudo a mesma merda, entendeu seu gringo babaca? – Disse-lhe encostando a minha testa na dele, tipo provocador, pois se fosse necessário eu cobriria aquele gringo na porrada. Momentaneamente ele retraiu a fronte. e dando uns passos para trás, ameaçou:

-Estoy-te viendo, estoy de olho em tu! Tengas mucho cuidado comigo, hermano! – Disse ao continuar dando passos para trás à medida que insistia  com o dedo em riste.

-Ah...vá se catar Evita Peron! – Respondi e ameacei ir para cima dele. Bem, ele fugiu rapidinho. Com argentino é sempre assim; encaramos e eles dão no pé. Talvez em Buenos Ayres eles tentem fazer o mesmo com a gente.

Sei que voltei tão puto para a festa que comecei no uísque 25 anos, afinal aquilo mais parecia um  manicômio de primeiro mundo isento de cordatas pessoas numa festa de aniversário duma senhora sexagenária e obesa.
Talvez estivesse pela minha terceira dose quando Cecília percebendo a minha fala enrolada e olhos claudicantes me repreendeu duramente:

-Adriano, por favor, não vá começar na bebida! Quando começa a beber sei que no fim vai dar algum vexame. Mas que merda isso! – Ela exclama numa voz tão insuportável e à madre superiora que tomei o rumo do barzinho e me servi no capricho duma dose dupla do ótimo escocês.

Claro, ao se sentir contrariada Cecília achou por bem me deixar de lado e  ignorar-me para ter com seus outros parentes. Sim, claro, eu estava um pouco ébrio, mas sabia perfeitamente o que estava se passando, portanto me senti como se ela estivesse me abandonando. Para sorte minha, Alfredo Ronaldo não estava por perto para vir com aquelas  xaropadas e olhares, talvez até estivesse em algum namorico com o seu deus platino, talvez e quem sabe se até no interior da sua Mercedes, por que não?.
Após a quinta dose senti a necessidade de um novo cigarro e fui para fora da casa. Antes me muni da sexta e com ela no copo e na mão e com as pernas um pouco bambas rumei para a entrada e lá me escorei numa das colunas e acendi o meu cigarro. Ia dar o primeiro gole no uísque quando ouço:

-Ei..ei! – Era voz de mulher, uma voz que me soava algo conhecida.

Viro e dou com  a linda Magali. Olho para ela e agora ela é outra, e está num vestido vermelho de cinco ou seis dedos acima do joelho e seu corpo me parece espetacular. Sem que lhe dissesse qualquer palavra ela me tira o copo da mão e  traga o meu uísque de forma decidida. O seu olhar faísca e quando Magali diz a primeira frase eu percebo que já estava um pouco tocada.

-Caraca, primo! Esse uísque é fodaço de bom! – Me assusto com aquela expressão crua para alguém tão abastado e cheio dos fricotes.

Dei risada e ela riu também. Depois tocando o seu dedo indicador em meus lábios ela diz:

-Espere, my dear, espere que já volto! – Ela sorri envolvente e trepidamente se encaminha para a sede. Olho e percebo que se a sua intenção fora um trajeto em linha reta, óbvio, não obtivera sucesso.

Menos de 5 minutos e lá estava de volta, aliás, ela e uma garrafa lacrada de Jack Daniels e dois novos copos

-Sim, aquele uísque é muito bom, primo, mas gosto mesmo é dessa porra! - Ela exclamou e riu com o mesmo  deboche de uma prostituta. Yeah! Eu também adorava o velho e bom Jack, além daquele seu riso de meretriz.

Depois me pediu para ir com ela, e eu nem sabia para onde. Antes porém deu-me os dois copos e ela seguia à frente empunhando o Jack na sua  mão direita como se ele fosse algum troféu. o escalpo dum bravo guerreiro da aldeia rival. Um tanto trôpego a seguia e nos aprofundávamos num jardim de muitas árvores e pequenas trilhas. Num determinado ponto ela disse-me “É aqui, vem comigo!” E eu continuei seguindo e olhava para a suas nádegas subindo e descendo, e elas me deixavam louco, e via suas grossas coxas  que faziam o vestido subir à medida dos passos que dava. Eu me sentia entorpecido de desejos e por aquele corpo espetacular e bem torneado, e a bebida surtia cada o efeito, ao contrário do que  causa em outros mortais, já que a bebida me atinge em cheio, me excitava, torna-me mais vigoroso para o sexo. Caminhamos por uns 1 ou 2 minutos e fomos dar num local onde as árvores, as plantas e as outras folhagens se fechavam e escondiam quem lá estivesse.  E foi ali que ela pediu para que eu me deitasse. Sem pressa alguma ela abriu o Jack Daniel com uma facilidade enorme. Depois serviu os nossos copos e propôs um brinde “Ao futuro!” Disse ela – “Ao futuro” – Respondi. Em seguida deitou-se também e roçou o seu corpo no meu, me tocou, me bolinou e por fim beijou a minha boca e sugou a minha língua como se fosse onça atacando a presa. Estava  fora de mim quando abri a camisa e tirei a calça e o tênis e levantei seu vestido e a olhei a maciez do seu corpo, embevecido.

-Jesus Cristo, menina! Você está sem calcinha? - Lembro de ter perguntado. O meu estado de excitação exacerbava e ela rastejou pela grama, me lambeu o abdome e depois cravou a boca no meu pau e eu ou via o barulho que ela fazia ao me me sugar, um exaustor na velocidade máxima. Depois me olhou nos olhos e cuspiu no membro e ordenou:

-Venha, my dear, aqui dentro! – E aquilo me estimulou e entrei duma única vez, e ele gemeu, esturrou e cravou as unhas nas minhas costas e me levava cada vez mais para as profundezas dela. Olhei nos seus olhos e ela me parecia tão  furiosa como cobra que se sente em risco.

Era a mais animalesca das trepadas e eu a bombeava como um louco e os nossos orgasmos se aproximavam á medida que os movimentos se tornavam compassados e rápidos, e ela gemia, eu gemia, e fomos juntos.... Porém a vida jamais foi perfeita.

-Ahhhhhhhhhh! – Ela explodiu a força dos pulmões ao atingir o orgasmo.

Era o gozo mais escandaloso que eu presenciava. Ela não cessava os "ahhh" eu tentava tapar a sua boca, porém ela mordia os meus dedos, impossível. E Magali persistia histérica e o som do seu prazer inundava plantas, flores, árvores e parecia não ter fim e reverberava em minha cabeça como os sinos da Catedral da Sé conclamando os fiéis, algo tão marcante quanto o  berro do boi ao ser abatido com três marteladas na cabeça num desses matadouros clandestinos. Conclusão, mal tive o tempo de fechar os botões da camisa ao surgir a família dela, em peso. E não era só isso, também estava ali diante dos meus olhos a minha garota, aquela que eu amava, e eu só de cueca e a desesperada tentativa de fechar os botões da camisa como se aquilo pudesse me redimir, conceder-me respeitabilidade. E o ato lhes foi tão indigno que  Alfredo Ronaldo ordenou aos serviçais que me tirassem dali, que me levassem para o carro, que me sumissem da vida deles. Bêbado e trôpego eu tentava me equilibrar e pegar os meus pertences e me curvei e agarrei tudo como se fosse uma bola, o guardião da meta tentando evitar o gol do time adversário. Sim, constrangedor, e foi assim que me carregaram e o gringo desferia dolorosos socos no meu estômago, e minhas coisas ficavam  pelo caminho, tênis, meias, calça, carteira e documentos. Porém a sorte não me abandonara de todo, e Cecília vinha logo atrás recolhendo os pertences no trajeto.

Chegando ao carro  pretendiam me socar no assento do motorista quando Cecília protesta e pede para que me colocarem no banco traseiro. Lembro que me atiraram de encontro ao assento como se fosse saco de batatas, e então ouvi o o ronco do motor e Cecília estava ao volante. Durante uns 10 minutos em que me mantive lúcido não trocamos uma única palavra. Ainda olhei para o teto do carro e preso nele apenas apenas o acessório da luz de emergência, e ainda tentei alcançá-lá, queria acendê-la, mas com o braço e  dedos esticados mas não consegui os dez centímetros que faltaram para liga-la. Talvez minha vida toda tenha se lastreado na falta, no nunca chegar em algo, no jamais alcançar os objetivos, objetivos que ás vezes nem imaginava ter..
Acordei com frio e as pernas tremiam. Ao me dar por achado me pego na garagem do meu condomínio ás quase quatro da manhã. No banco do passageiro se encontravam todos os meus pertences; calça, meias, tênis, documentos e o dinheiro. Provavelmente a contrariedade de Cecília deve ter sido tão intensa que ela não se deu conta que a sua Sony Digital havia ficado no piso traseiro do veículo. Saio do carro pela porta do meu lado e dou a volta  e vou ao banco do motorista.  Sobre ele unicamente uma folha do meu bloco de anotações que mantinha no porta-luvas. Dizia:

“Nunca mais me procure. Por Deus! Esqueça que eu existo” Cecília pede.

Visto-me ali mesmo e subo para o apartamento e tomo uma boa ducha. Após, tento ligar para Cecília e ela não atende. Confuso e aborrecido pelo vexame e constrangimento nada tive vontade de fazer até que reparei na digital Sony colocada sobre a mesinha da sala. Meio que transtornado a levo até o computador e transfiro para ele todas as fotos que ela havia tirado. Sim! Cecília me conhecia mais que eu próprio.
No dia seguinte e por por quase duas semanas tentei falar e ela jamais me atendeu. Fui diversas vezes ao seu prédio e o zelador só me dava como resposta “A dona Cecília não está”.  Fui ao seu trabalho com a máquina e além de olharem-me com feições rudes não me permitiram que fosse até à sua sala com evasivas de que Cecília estava visitando clientes. Ainda tentei aguardá-la à entrada do estacionamento à saída do expediente, mas assim e que de surpresa se viu tocada pela minha mão se pôs a gritar e pedir por socorro. Enfim, a coisa era feia e séria.
Passadas quase duas semanas do rompimento toca o meu celular e é um número que desconheço. Porém não sou daqueles que desprezam números não conhecidos, pois eventualmente poderia ser algum amigo ou algum parente ligando dum aparelho de terceiro, talvez até por motivo de força maior.

-Alô, é o Adriano? – Pergunta-me uma voz de mulher.

-Sim, é ele! Quem gostaria?  – Devolvo educado.

-Ô my dear, aqui é a Magali! Cara, desculpe, consegui o telefone da firma que trabalha, e lá com um amigo teu, o seu celular ao contar uma triste história. Desculpe, tá? Mas...sei que meti você na maior enrascada, pois soube através da minha mãe que vocês romperam. Talvez tenha sido a minha  excitação ou o meu estado etílico, mas quando chego ao clímax fico completamente  fora de mim. Inclusive já me expulsaram de alguns motéis, pousadas, etc tc. - Ela se justificou e riu discretamente: -Uma vez até dum Camping  fui expulsa, e foi o próprio gerente que foi me retirar! –  Dessa vez  ela não precisou rir; ri por ela.

-Poxa garota, foi fria mesmo, você nem imagina. Mas deixa pra lá. Ta tudo bem agora, o que não tem remédio remediado está. – Não há por que pedir desculpas, pois fui tão ou mais culpado que você –  Tranquilizei Magali com um tom calmo de voz.

-Ah...mesmo assim, perdão cara! Me desculpe mesmo! - Senti que ela estava sendo honesta.

Bem...sei que um assunto levou a outro, mais outro, outro mais, e assim fomos conversando quando meu celular acusou a primeira chamada de Cecília. Olhei e disse para mim mesmo: Ah, tu vai esperar, ah se vai!
Claro que muitos homens sempre usaram da bebida para se  sentirem verdadeiros, reais, como se a bebida vestisse o manto da verdade suprema e a qual a bebida não permite fugir. Para mim não, a bebida sempre me foi a maior das mentiras, e tudo que eu fizera sob o efeito dela, de alguma forma ou de outra virava contra mim. Há outros que em nome do álcool se imaginam com super poderes; Eu mesmo tive um tio que morreu ao enfrentar o trem em numa passagem de cancela, pois achava que detinha os mesmos poderes do Superman. E também ao contrário, e isso sim dizia a respeito de Cecília, há a verdade suprema nela que  jamais bebeu, a "cara limpa" pois pessoas com os conceitos iguais ao dela dificilmente perdoam o que "nós" possamos fazer ao estarmos bêbados. Não que eu fosse um completo perdedor, não era, era irresponsável, a falta de compromisso com a coisas sérias, até ao ponto de uma amiga sempre observar em mim; Cara, você tem a pele de 25, aparência de 20 e a irresponsabilidade dos 15 - Ela costuma dizer.. E talvez ela esteja  certa, talvez seja essa a minha sina,  e mesmo não me sentindo um perdedor nos 36 que  estou, dia sim, dia não sei que surgirão as ondas que pretendem me afogar. Sim, sei que  terei que de enfrentar o meu oceano.

Portanto, irresponsável por irresponsável continuei conversando com a Magali e até marcamos um encontro para um sábado próximo para vermos um show de rock duma banda que ambos gostávamos.
Evidente que, desde já o fato preocupava, já que se rolasse algum lance depois, fatalmente não poderia ser em meu apartamento, afinal eu jamais tivera qualquer problema com os meus vizinhos de apartamento. E na mesma hora que conversávamos pensei em pesquisar na internet e tentar encontrar algum motel com suítes á prova de som. Não sei e seria possível, se existia, porém no mundo de hoje tudo pode acontecer, absolvem corruptos, matam inocentes, santificam  diabos, e assim, encontrar um motel com suíte à prova de som não me parece tão impossível. 
E no intervalo de tempo em que estive conversando com Magali foi que Cecília ligou aquelas quatro ou cinco vezes. Agora, na  última, livre, atendo:


-Que saco, Adriano! Faz uma hora que estou tentando falar com você e o seu celular só dá ocupado. Ah sim, não me tem a menor importância com quem esteve falando...
 Bem... o resto vocês já sabem...

Sobre Cecília e eu? Sim, eu a amo e talvez amarei para sempre, e mesmo não me vendo perdedor nato torço para que também não seja super herói azarado que enfrenta oceanos bravios para  morrer próximos à praia em coletes salva-vidas, misturado a bagres e baiacus nas  inocentes redes de arrasto.


Copirraiti08Dez2012
Veio China©



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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A casca do ovo


-Porra! Tu não vai me atender não? – O homem da barba grisalha reclama ao barman. Óbvio, queria mais uma dose da bebida predileta.

Era estranho e mesmo após a sétima dose de vodca o homem parecia firme como uma rocha apesar das palavras abandonarem a sua boca num tanto de arrasto. A feição tolerante do barman, um sujeito atencioso e  de talvez uns 25 anos sugeria preocupação que se confirmava no franzido da testa e na pergunta que dele não se omitia - “E se o homem morrer de overdose alcoólica bem aqui no meu balcão?” – Sim, era o seu temor, mas tinha a plena certeza que homens morressem de excesso alcoólico numa única noite. Não, ele não sabia, afinal, há menos de três meses ele estava atrás daquele balcão e próximo dos seis que completara o curso numa autarquia nacional. Contudo e mesmo no seu exíguo conhecimento dos limites humanos pressentiu que era tempo de tomar alguma atitude:

-Senhor, desculpe a intromissão, mas está pedindo a oitava dose de vodca. O senhor não tem medo que possa ter um “piripaque”? –  Perguntou-lhe com toda a educação. O homem ao ouvir a questão cerrou o semblante de pedra e rangeu os dentes.

-Hum.. piripaque? Ta de gozação comigo? Que porra que é isso garoto? – Respondeu irritado e num tom grave e lamacento. O rapaz procurava ser o mais simpático possível.

-Ah meu senhor, queira me desculpar... esse era o termo que a minha falecida avó usava para dizer que as coisas poderiam sair erradas – Ele se justificava no mesmo momento que fazendo uso da garrafa de Smirnoff  serviu a a dose reclamada por aquele sujeito ríspido.

-Ah! Frases e frases! Sim, frases, afinal no encontramos na era das frases de efeito. Cada qual cria a sua ou a busca no baú das antiguidades e com elas pretende sobressair-se mais que o outro. Quer saber, garoto? Eu acho o fato uma perfeita merda! – Exclamou para depois concluir reticente: Há pouco tempo me disseram que quebrei a casca de um ovo...

O rapaz do balcão compenetrou-se à da lamúria do cliente, porém não sabia traduzir o sentimento. Será que  aquele senhor falava do ato  físico ao se quebrar um ovo? Não, não sabia, portanto a sua ansiedade voltou-se para as três da manhã, horário que retornaria para casa afim de descansar, afinal estava ali desde ás 18 horas. Porém em sua mente retumbava “casca de ovo.. casca de ovo”  E aquilo o deixava curioso, e tão curioso que foi inevitável a pergunta:

-Como assim meu senhor? O senhor quebrou os ovos de alguém?

-Jesus Cristo! - Foi a crua resposta - :Não quebrei a porra da casca ou ovo algum! Eu usei apenas de metáfora!– Vociferou o homem a bordo duma feição mais rude ainda.

-Desculpe senhor, mas não foi isso que entendi - O barman se defendeu da grosseria e persistiu: O que o senhor dexou a entender foi que havia quebrado a casca do ovo de alguém – Todavia o homem ainda não se dava por satisfeito, tinha encontrado a sua válvula de escape:

- PQP garoto!  Agora é que percebo que o teu negócio é unicamente servir bebidas e rebolar esse cantil com tuas mentas, anis, cerejas, cremes de morango, chantilis e todas essas frescuras que as mulheres tanto gostam! A tua compreensão é pequena, diminuta – O sujeito respondeu de forma bruta, embriagada e o pior, denotando chacota.

Sim, parecia bem claro que o cantil que o homem referia seria a coqueteleira, e que o tal “rebolado” nada mais era que a frenética agitação dos braços na misturar dos ingredientes. Porém o sujeito denotava estar cada vez mais inconformado e o barman apenas mantinha atento a todos os seus movimentos – “Ai meu Deus, e se esse sujeito tem um infarto aqui na minha frente, o que eu faço?” – Enquanto o rapaz se perdia em medos o homem cravou o olhar no cedro do balção. Depois desviou o olhar do cedro e reparou no novo copo com a bebida colocado ao seu lado. Os seus olhos pareciam sombrios ao emborcar com sofreguidão a sua mais nova dose. Depois da bebida terminada simplesmente lançou seu olhar ao teto e ficou  olhando alguma coisa por la, talvez o grafite desenhado por um desses artistas de rua.. Ao  descer o olhar a sua voz assumiu a gravidade de sempre, mas que se vestia agora num amargor visceral

-Meu Deus... como fui quebrar a casca e não perceber? . Como não notei?  Por tanto tempo eu disse a ela que, nós os humanos cedemo-nos a insensibilidade, apesar de sempre estarmos á procura  de alguém que nos quebre a “casca do ovo, nos fazendo retornar”. Então...como não fui me dar conta? – O homem murmurava num outro lamento.

-Senhor, está tudo bem? – O barman perguntou receoso. O seu cliente parecia transtornado com aquela conversa sobre a casca do ovo.

Sim, agora ele percebia que o que doía no homem era a dor do amor. E ele apesar de não ter aquela idade, talvez nem a metade, sabia algumas coisas sobre as pontiagudas paixões. E compreendia o homem e sabia que a bebida também era uma das alternativas para este tipo de ferimento. Não que ela curasse, não curava, mas funcionava como morfina, poderoso sedativo que entorpece e que  engana a dor, ludibria as sensações.
E assim e sem que o homem o solicitasse serviu para ele a nona e depois a décima dose. E veio a outra e o homem grisalho tentava desesperadamente dar cabo dela, porém já sem qualquer coordenação motora naquelas palavras que escapuliam da sua boca e soavam incompreensíveis, exceto a queixa Mater  -“Como não fui perceber?”-

Com a metade da dose restando no copo e de posse de alguma altivez ou a que dela restou o cliente pediu o valor da conta e ao tentar pagá-la derrubou ao chão todo o dinheiro que havia no bolso. O barman percebendo a sua dificuldade deu a volta no balcão e recolheu as notas pelo chão e retirou o valor necessário e retornou o restante para o bolso do homem. Era patético o olhar do homem e a sua necessidade de manter-se equilibrados. E apesar da força de vontade o que o senhor grisalho sugeria era parecer-se  com um equilibrista que num domingo de circo espanta a garotada ao tentar manter-se numa corda bamba.

Foi assim com alguma tristeza que  o rapaz companhou a figura do homem deixando o estabelecimento. Ele prestava atenção a cada um dos seus passos e o homem mais parecia agora um coqueiro em dia de tempestade. Claro, era  impossível não compadecer-se daquele sujeito acabrunhado. A esta altura o bar estava completamente vazio e faltavam 15 minutos para encarrar o expediente, e o cliente ao alcançar a porta de saída engasgou num pranto. O rapaz das bebidas se preocupou e foi até ele, então ouviu o seu lamento. Talvez tenha sido a emoção que fez o homem da barba grisalha a falar, mesmo que claudicante, ao menos, de forma audível :

-Sim, garoto... foi o que ela disse... Ela me disse assim...você quebrou a minha casca e não percebeu! E depois numa mesma tristeza de ave que perde  filhotes para predadores desaguou a sua decepção num choro -  "Se você não percebeu é porque a sensibilidade jamais esteve com você" - Ana finalizou e foi embora para nunca mais voltar.

Vomitado o sentimento ele se calou e insistiu no manter-se equilibrado. E agora livre daquilo que o matava o homem saiu pela porta enquanto o barman pensando na "casca do ovo" notou as semelhanças com algumas das suas questões com uma ex-namorada,  alguem por quem ainda era apaixonado; Ela se queixava da sua falta de sensibilidade ao dizer que nele a única e  fantástica suscetibilidade  “trepar”.
E ele, tanto quanto o homem que agora sofre pensou que enlouqueceria ao sentir-se abandonado. Porém o mundo sempre se reverencia à luz do dia, e agora ele estava ali num serviço com bebidas e salários de 1.500 pratas que, se não o deixaria rico, ao menos evitaria que passasse necessidades

Terminando o seu turno e ao sair pela porta qual não foi a sua surpresa ao flagrar o cliente deitado à sarjeta há uns 10 metros distantes dali. Sensibilizado tentou ajudar o homem e notou que os forros dos bolsos da calça estavam para fora, e isso denunciava o assaltado. Apesar do roubo e das escoriações num rosto ralado pelo asfalto, o sujeito ainda tentava manter-se lúcido, porém fraquejava e ria e ria até que gemeu sua dor num novo soluço

-Jesus, eu não percebi. Quebrei a casca do ovo e não percebi! Ah!  Ela estava apaixonada por mim e eu não notei – Logo após voltava a  voltava e socava o próprio peito e depois confessava com a fala mole: Eu era bem mais velho e tinha medo que sabendo a afastasse do meu amor - Ele gemeu

Consternado, o rapaz foi á rua lado onde estacionava o seu carro e retornou com um Uno 93 de lataria avariada e motor prestes a fundir. Com alguma dificuldade conseguiu ajeitar o homem no banco do passageiro e rumou para a solidão do seu quarto/cozinha alugado. Sim, em casa que morasse, por menos que fosse sempre existiria um colchão sobrando.

E no caminho de casa e atento aos semáforos vermelhos pensou em todos os ovos que jamais se quebram. Pensou na prepotência das pessoas, nas suas mentiras, meias verdades, seus egos, na idolatria da própria trapaça, e, principalmente na falta de tato do semelhante ao interagir com o seu próprio semelhante quer seja em amizades, família, local de trabalho e até mesmo nessa coisa confusa que chamamos de amor.
Chegando ao destino e num novo esforço deitou o sujeito no colchão que sempre existe e o homem fazia ruídos com a garganta e repentinamente passava a silvar feito cobra para terminar num ronco grave e persistente. Sim, ele sabia; seria aquela uma noite muito difícil.

Depois de algum tempo e antes de ferrar no sono pensou nas mesmices de sempre, mas se animava em seguir adiante. Ele sabia que o amanhã, chegaria e depois viria um outro, e mais outro e mais outros, e também haveria ovos e a delicadeza de suas cascas e novas oportunidades para serem quebrados por  sensibilidades.
E isso o fez divagar: Será que aquele homem voltaria a encontrar seus novos ovos? E ele mesmo? Também teria pelo caminho finas cascas a serem rompidas?
Sim, fora essa a exata e última pergunta que se fez antes de cerrar os olhos e dormir profundamente.
Não demorou muito e ambos roncavam.

Copirraiti04Dez2012
Véio China©