domingo, 28 de dezembro de 2008

Confissões do Rei deposto.



Eu conhecia à todos e muito bem. Os longos anos de circo me ensinaram que a vida nada mais era mais que um chega e sai de cidades e um interminável sobe e desce lonas, fosse com sol, chuva ou ventania

Afrânio era como me chamavam. Eu, o rei supremo e o mais ameaçador dos 3 colegas que contracenavam comigo, ali, presos numa jaula e bem próxima do picadeiro central. Descendente de estirpe nobre eu me tornara um brutamontes descomunal, dentes pontiagudos, rugido feroz, que vibrava ao ver o pavor estampado nos rostos daqueles que viam minhas garras afiadas chisparem a milímetros de estraçalhar o meu algoz.
Ele e nós éramos a grande atração do circo: O grande domador de leões.

Com o passar do tempo eu percebi que a arte circense era a essência da minha própria vida. Ela me impregnava de tudo: da comédia dos palhaços, das aventuras dos malabaristas e até alguns enganos esporádicos que se tornavam o drama de todos, tal qual numa vez onde o ombro de uma assistente foi perfurado pelo erro grosseiro do atirador de facas.

“O show deve continuar! Sempre! – Dizia-nos invariavelmente o Sr. Galindez, um mexicano septuagenário e dono do espetáculo. E continuava ele - “Nós circenses vivemos da arte e devemos nos caber e protagonizar os papéis bem próximos da perfeição. Haja o que houver!” – finalizava com aquele olhar rabugento de contador de moedas e sabedor das coisas do mundo -

Portanto, partindo dessa premissa era mais que justo que o domador me mantivesse subserviente aos seus caprichos e aos estalos do hediondo chicote. E eu, o rei, catequizado, precavido e ainda mais - conformado - sabia quando era chegado a minha hora de atuar, e então subia numa espécie de plataforma de tecido marrom., e lá, sentado sobre meu próprio rabo eu desferia poderosos “jabs” ao ar como se querendo alcançar e destroçar o opositor que me desafiava. Porém, sabia também que tudo não passava de “Misancene “ – um jogo de cartas marcadas e cujo epílogo estávamos cansados de saber. Evidente, eu não era bobo e apenas me deixava submeter. E o vendo tão próximo, tão ao meu alcance eu poderia ter a sua vida em minhas patas. E a sua vida me apresentaria como tantas outras que abatera e que faziam eu sentir saudades do gosto de sangue e da carne tenra dos alces brejeiros.

Mas, calejado, malandro velho que me tornara resignava-me com a carne de 5ª, quase apodrecida que me ofereciam e que era obrigado a devorar para continuar vivo. Desde a minha captura aprendera no cativeiro que a lei dos homens era bem parecida com a nossa – A lei necessária à sobrevivência-

E isso me era o suficiente para fechar os olhos e concentrar-me para que minhas patas, seguindo a intuição da sua natureza não avançassem demasiadamente durante a apresentação. Eles me fizeram entender e eu captara muito bem que os ínfimos milímetros que me mantinham distantes da pele enrugada do domador faziam toda diferença. E a distância, rotineiramente calculada em menos de meio centímetro me absolvia da morte.
O que eu poderia querer mais que a vida? O que poderia querer mais do que estar ali, além dos aplausos a que tanto me acostumara? Acredito que nada. E assim terminávamos o nosso show; de um lado o sorriso mentiroso do vencedor, do outro um lamento consternado: eu poderia tanto, mas previdente, não podia nada.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Eu não matei Pablo Escobar



Eu não matei o deus da coca, aliás, nunca matei ninguém e o mais perto que cheguei disso foi quando num compreensível acesso de fúria esganei minha mulher, ou melhor: a mulher que estava comigo. Da tragédia quase cômica ficaram apenas as marcas dos polegares aprofundados na pele branca de sua garganta. Eram traços indeléveis da natureza de um homem que se perdia nas inconseqüências dos seus atos. E esses acessos de fúria me surgiam de um momento para o outro e poderiam ser incitados a qualquer instante e por algo tolo e corriqueiro como a bebida. E eu me encontrava bêbado, ébrio o suficiente para tentar e não conseguir engolir aquele sentimento que me atingia. Uma sensação horrível, insuportável, como se repentinamente eu fosse nocauteado em pé diante de uma saraivada de golpes de Mohamed Ali: eu me sentia surradamente traído.

-Seu filho da puta! Você quase me matou - Disse com os lábios trêmulos, esparramada no sofá, joelhos dobrados sobre as coxas, deixando à mostra a a calcinha cor de rosa um tanto desgastada.

Claro, Carla também estava ébria. Eu e ela acabávamos de enxugar três garrafas de um vinho licoroso e excessivamente doce que ganháramos numa rifa de natal, juntamente com um peru. Eu ruminava aquilo que acontecera algumas horas antes até que o álcool não mais permitiu me controlar.
Eu a olhei com cara de macho. Talvez naquele momento até Gisele Büdchen sentisse ameaçada por esse meu lado sombrio. E foi aí que esganei-a.
E assim lá estava ela choramingando no sofá, me xingando de todos os nomes imaginários ou nao.
Eu já estava tanto de saco cheio daquele blábláblá, e antes mesmo que continuasse o rosário de lamentações, despachei-a:

-Filho da puta é a puta que te pariu, sua vaca! Pensa que não te flagrei roçando o rabo nas calças do gerente por entre as geladeiras?

-Euuuuuuuuuu? Como pode falar uma coisa dessas de mim? Ele apenas estava me mostrando um novo modêlo!

Retrucou com um olhar beato. Não sei porque, mas naquele momento pensei em Joana D’Arc.
Nessas horas, nas horas do efeito da bebida eu me suplantava na eloquência:

- Te peguei sim! Te peguei quando eu te olhava pelo ouyto corredor. Peguei você e esse teu rabo descomunal!– Berrei, novamente avançando em sua direção.

-Eu não fiz nada! Isso é mentira seu maldito mentiroso! - Se defendeu tentando esticar o braço e apontar-me o dedo de forma acusatória.
- Não obteve sucesso - O seu braço ficara gravitando por instantes no ar, para depois tombar e voltar ficar rente ao torax - Ela também perdia para a bebida -

E revivendo aqueles momentos anteriores, aquela maldita porta de geladeira ocultando dois seres dos olhos do mundo, me dera essa sensação. A sensação de ter visto Carla se esfregando no sujeito. Porém ( e eu sempre levava isso em conta) o ciúmes poderia estar equivocado e ter obrigado a minha consciência a ver somente o que ela quisesse ver. Talvez ela não estivesse se esfregado no sujeito. Talvez o único culpado ( se é que houvesse algum) fosse o tamanho exacerbado da sua bunda, as suas protuberantes nádegas que esbarravam na gente mesmo que não quisessemos.
E assim continuei olhando pra ela, largada lá onde se encontrava. Fixáva-me nos seus suplicantes olhos amendoados, nas suas lágrimas de crocodilo que vertiam lentas como um video de conta gotas em final de uso.

Repentinamente eu ri. Ri alto e descompassado. Eu olhava praquelas coxas demasiadamente grossas e bem torneadas e me perguntava como Deus conseguira a proeza de fundir um estupendo par de pernas numa curvatura descomunal daquela. Provavelmente ele criara Carla para torná-la o martírio de pobres diabos como eu, ou dos passageiros de ônibus que circulavam por nossa vizinhança, como numa ocasião que estávamos num deles. Ao entrarmos no ônibus lotado o diabo bateu palmas e o inferno ardeu em brasas a partir da roleta e do cobrador.

-Dá licença moço! – Ela pediu a um sujeito que se encontrava a sua frente, estacando firmemente a outra perna no chão, para se necessário dar cabo ao serviço.

Aliás, o tom demasiadamente alto e autoritário era subtendido como ordem, e não uma solicitação. E, se as pessoas continuassem inertes e sem lhe dar passagem, como aquele, Carla, amparada pelos pés estancados em posição estratégica simplesmente remexia as nádegas de um lado para o outro como se fosse um espanador, abrindo assim o caminho à nossa frente, diante de olhares incrédulos e de alguns surpresos “óhs “. Foi dessa forma que nos deparamos com esse sujeito. Um sujeito que exalava uma dessas lavandas baratas e de cheiro nauseante, provavelmente comprada num desses mini shoppings de produtos pirateados.
Carla, como de hábito ao pedir o “Dá licença moço” reparou que e o sujeito agiu como não fosse com ele. Era mais que o sinal para que as revigoradas nádegas entrarem em ação. E o rapaz cheirado à perfume ordinário, desprevenido, sentiu o impacto daquele conjunto contundente. Fortemente tocado, foi arremessado para o lado, indo parar no colo de uma senhora dos seus 70 e poucos anos, que mais desprevenida e assustada que ele, berrou:

-Socorro! Estou sendo atacada por um tarado! Socorro! –

O rapaz, mais assustado que a pobre senhora tentava desesperadamente levantar do seu colo, sob o olhar furioso de Carla. Todos os passageiros que se concentravam na cena viram quando a velhinha retirou a sombrinha da bolsa e a bateu-a sucessivas vezes na cabeça do pobre rapaz:

-Sai daqui seu tarado! Sai daqui seu monstro dos infernos –

E o rapaz, constrangido e envergonhado tentava desesperadamente levantar-se e cair fora dali. Mas, o ônibus abarrotado e um motorista apressado, que costurava o transito de um lado para o outro, ora freando para depois arrancar bruscamente, não permitia o equilíbrio necessário para que o rapaz lograsse algum êxito e saísse do colo da velhota. Portanto, assim Carla o venceu seguiu adiante, amparando-se nos dorsos das pessoas, abrindo um clrão a nossa frente como se fosse um corredor polones. Sentindo-nos vitoriosos chegamos próximos da saída quando ouvimos uma voz de sotaque nordestino. Olhamos para trás: era o nosso sujeito:

-Oxe! Desculpe dona. Que coisa aperriada essa mulher mal educada. Ou eu dava passagem pra ela ou pra bunda dela. – Dizia para a velha na tentativa de se justificar.

A velha o fitava com olhos esbugalhados, mantendo a sombrinha em riste, na posição de ataque. O sujeito insistia:

- Vige, dona! Pelo meu Padim Ciço! Não dava pra passar as duas. Ou passava uma ou outra. Pras duas não tinha como! – Justificou-se mais uma vez, conseguindo equilibrar-se após o onibus parar para embarque, conseguindo assim se desvencilhar do colo da mulher.

-Monstro! Sai daqui seu tarado! – Ela grunhia sem dar a mínima atenção pras suas explicações. Mais que isso: tentando acertar novamente a cabeça do sujeito.

E após todo alvoroço eu me senti desconfortável - eu nunca gostara de baixarias públicas – Portanto fiz-me de desentendido e não falei ou respondi qualquer coisa para Carla. Eu, durante algum tempo apenas fiquei atrás da bunda que havia limpando o caminho. Ao chegarmos perto de nossa casa demos o sinal e descemos. Quando o ônibus partiu, uma cabeça grisalha saiu por uma das suas janelas e gritou:

- Ô gostosa, vem dar um tranco no titio! Vem! - Carla ainda teve tempo de apontar-lhe o dedo médio. Eu, como era de se esperar, berei-lhe um “Vá tomar no cu”. Afinal, eu tinha que provar pra ela o quanto eu era macho.

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-Ai paizinho! Não briga comigo. Eu não tive culpa daquele gerente vir se esfregando em mim! – Disse-me ela chamando-me à realidade, acordando-me do episódio do ônibus.

-Ah é? Então o que eu vi não foi miragem.? Foi real! mMito real, diga-se!

-Ah papai, não! Não vamos brigar novamente, por favor! -

Disse num tom concilatório, conseguindo levantar ambos os braços e deixá-los planados no ar, como se me chamassem “Vem, vem papai!”. Mas não satisfeita, para deixar-me mais louco ainda puxou a saia para cima, ficando à mostra a barriga e o umbigo, acima da tal calcinha rosásea. Eu não sabia exatamente o motivo, mas aquela cor me excitava.

Olhando aquelas pernas mágicas percebí que o futuro estava em minhas mãos. Ou eu continuava brigando, ou abria mão daquele ciúmes exacerbado e ia de encontro da felicidade e do seu corpo. - Era uma decisão difícil -Pensei por alguns segundos:

-Papai tá indo mamãe! – E me enfiei no meio do seu peito, sentindo suas mãos tocarem as minhas partes, fazendo algo que estava adormecido crescer. Ficamos nos bolinando, sentindo seus dentes morderem meus lábios e sua lingua ir de encontro da minha, num duelo de cobras loucas e enfurecidas. A noite prometia. Ah, e como prometia!

E antes que fossemos curar totalmente nossa ressaca debaixo de uma chuveiro de água fria, recordei os meus tempos de ginásio e uma poesia que eu e um colega de classe criamos em homenagem da professora de literatura. Clotilde era o seu nome. Uma deusa de rosto e corpo perfeito. A professôra Clô era fascinada por poesias e personagens da literatura francesa. E mulher, mais que professôra, colocava a nós e aos nossos pênis estudantis à toda prova. E sabia como fazê-lo.


Essa lembrança me fez sorrir e com a poesia ainda em mente recitei para Carla. Queria ter a certeza que o meu francês ainda era razoável e se não havia fugido completamente de mim. Pigarreei garganta para desobistruir qualquer substância das cordas vocais. Assim que me senti apto, iniciei:

"Ils me n'intéressent les amours
de Simone de Beauvoir
Et Jean Paul Sartre

Fascine me plus ton talent
Tes jambes indécentes
Qui me gênent l'odeur
acide et perverse
de ta grotte
Flamboyante"

Ao ouvi-la por completo os seus olhos marejaram:

-Ai amor! Como você é romântico! Ameiiiii! – Disse-me efusivamente, beijando, tentando embaralhando novamente as cobras ferozes.

Eu, mesmo sufocado por sua língua tive vontade de rir, mas me segurei. Afinal, Carla não entendera uma única palavra daquele poema erótico, onde retratávamos que não nos interessávamos pela paixão entre Simone e Sartre, além de libidinosamente mencionarmos o cheiro ácido e perverso que imaginávamos emanar da vagina de Clotilde. Ao ouví-la e vê-la choramingar devo ter parecido um idiota quando lhe respondi:

-É sim meu amor! Esse eu fiz agora e só pra você!

Ela sorriu, levantou-se ainda meio cambaleante me puxando pelas mãos. Assim que me vi em pé ela se despeiu e fez o mesmo comigo.

As suas nádegas rebolavam deliciosamente à caminho do chuveiro, quando reparei que um furo de tamanho razoável adornava o lado esquerdo da calcinha cor de rosa. Era etranho analisar o contraste daquilo. Tom sobre tom: um rosa forte e por baixo um rosado claro, quase bege. Não me contive e bradei:

- C'est la vie ! –

Assim que ouviu, ela retrucou:

-Ah sim! Eu também te amo meu amor!

Eu entrei calmamente no banheiro, abri o registro até o fim e uma ducha gelada me esperava com cara de má. Ao enfiar o corpo debaixo da água fria tive vontade de gritar "Mon Dieu ! Il est très froid ici !" mas eu nada falei. Provavelmente ela entenderia do seu jeito e retrucaria no seu velho e impreciso português:

-Eu não! vá você pegar o shampoo! Está na segunda gaveta do armário, ao lado dos sabonetes de glicerina!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Arco-íris & Estrela e os sorvetes da ilusão.



A tarde caiu mormacenta após a tempestade que perdurou das 15 às 17 horas. A água, debatida em cimento quente fez brotar uma sensação de quentura, não só no corpo onde o suor dava cabo, mas no ar que meus pulmões inspiravam. Eu me encontrava naquela cidade de interior que nem o nome sabia, salvo que ainda permanecíamos dentro do estado. E eu estava lá às custas de uma passagem, comparada de forma aleatória junto a um guichê de ônibus, na rodoviária de São Paulo. E a tinha adquirido com parte do dinheiro do meu acerto de contas com a última firma que trabalhara e que me despedira.

-Senhor Dubuski, sinto, mas não necessitaremos mais dos seus serviços – Disse-me o senhor Franz, em sua sala de gerente, 30 minutos antes do expediente se encerrar.

-Ok! – respondi - Me pagarão o aviso prévio? – Perguntei com cara de imbecil

-Claro! - Disse com cara de poucos amigos - O aviso prévio, férias, 13º e tudo aquilo que o senhor tenha por direito – Despachou-me um tanto entediado e com aparente má vontade.

Evidente, mais uma vez eu me encontrava desempregado e o motivo eu sabia – minhas intermináveis sonolências – E nessa, os 10 minutos de cochilo improdutivo ferraram minha vida, afinal eu deixara passar mais de 300 peças defeituosas que rolaram na esteira e desembocaram no setor de montagem. Assim que a besteira se consumou fiquei imaginando o quanto isso deve ter deixado maluco o pessoal de lá, já que aquelas peças jamais se encaixariam naquilo que se destinavam. Além disso, o maldito cochilo também foi o responsável por me encontrar ali, naquela hora, já que perdera o reembarque do ônibus:

-Pessoal, 40 minutos para o almoço! As 14:10 partiremos. - Comunicou-nos o motorista ao estacionar o veículo na rodoviária da tal cidade.

Portanto, sem mínima intenção de gastar meu dinheiro com fast-food, atravessei a rua da rodoviária e procurei por um boteco ordinário para emborcar os meus dois habituais “rabos-de-galo”. Tragados, abri uma compota que abrigava sardinhas à escabeche e enfiei duas, goela abaixo. Terminado, acendi um cigarro, voltei para a rodoviária e procurei por um banco distante das pessoas - odiava aglomerações - E, como era de se esperar, para alguém que quase nada comera, o álcool surtiu seus efeitos e me fez cair, novamente em sono profundo.

Ao acordar o ônibus já havia partido. Sem nada por fazer resolvi dar umas voltas pela cidade já que o próximo embarque só se daria no início da noite Foi então que a tempestade me pegou. E veio impiedosa, após uma manhã e início de tarde de sol devastador, pegando-me desprevenido, obrigando-me permanecer debaixo de um imenso toldo fixado na paredde frontal de um atacadista de queijos. Assim que a chuva cedeu, um tanto nauseado pelo a cheiro me retirei. Ao sair, avistei no fim da rua a cruz de uma igreja e me dirigi até ela, e, lá chegando vi abrir diante de mim uma esplendorosa praça com jardins floridos e bem cuidados – positivamente, aquilo só poderia ser a Praça da Matriz – Surpreso ainda, caminhei pelas curtas alamedas e fui acompanhado das mais belas e coloridas borboletas que voavam sobre mim sem demosntrarem receios, apenas gravitando no ar, como se fossem saídas do mais espetacular arco-íris que se formou detrás da igreja. Aquilo surtiu os efeitos em mim e eu me encontrava encantando com a bucólica paisagem, inspirando forte e enchendo os pulmões com o cheiro do mato, percebendo a beleza nas flores, coisa que nunca me impressionara antes, curtindo a cidade interiorana, sensível a paz que ela me trazia. E assim eu percorri cada milímetro dos belos jardins, me sentindo plenamente “zen”, até que encontrei um dos seus enormes bancos guardado sob a mais frondosa árvore do lugar. Olhei para os lados e não havia ninguém, então me sentei. Não tardou para que dois meninos viessem por uma das suas vielas, trocando passes curtos com uma pequena bola de futebol e sentaram-se no mesmo banco que eu – tagarelavam e riam bastante –
Assim que acomodaram-se um falou para o outro:



- Luis, ta vendo o arco-íris?

-Claro, né! Não sou cego, ô! – Respondeu o garoto.

- Então! Você sabia que é a minha mãe que toma conta dele? –

-Nossa! É mesmo? – Surpreendeu-se Luis com os olhos arregalados.

- É sim! Meu pai me falou que é ela que cobra os ingressos pra gente escorregar naquela faixa azul, a maior e mais bonita delas – Disse para Luis, apontando a primeira faixa de uma tonalidade celeste delicada.

Luis permaneceu pensativo, fixando as estupendas faixas coloridas. Assim que pareceu dar-se por achado saiu-se com essa:

- Lauro, você já viu aquelas estrelas que riscam o céu nas noite de lua cheia? – Evidente, Luis se referia aos cometas - Com a cabeça meneando positivamente, Luis continuou:

-É o meu pai quem dirige elas. Foi minha mãe que disse. E ela falou também que só quando a gente morre é que pode entrar nelas. E que lá tem um monte de bancos e janelinhas de vidro. Mas, pra gente poder viajar a gente também tem que pagar passagem. – Disse Luis, olhando para o firmamento, como se procurando o seu velho a bordo da direção de uma estrela.

Claro, percebi que Luis se referia ao seu o pai, falecido também.
Os dois continuavam olhar para os céus quando Luis concluiu para Lauro:

-Puxa Lauro! Então vamos ter que juntar dinheiro pra quando a gente morrer. E quando morrer, primeiro vamos nas estrelas do meu pai... depois pedimos pra ele levar a gente no arco-íris da sua mãe! – Finalizou Luis, o mais sensatamente possível.

Ao ver e ouvir todas as cenas tive vontade de gargalhar, e só não o fiz porque seria descarado demais e eu também não queria e nem seria justo terminar com uma fantasia daquelas.
Então eles se levantaram e antes de irem Lauro me interpelou:

-Moço, o senhor pode ajudar a gente com um dinheirinho? Sabe, é pra quando a gente morrer.. Sei que o senhor não sabe, mas minha mãe toma conta de um arco-íris e.......

-Claro, claro! – Cortei, abortanto a sua estória – provavelmente ele me teria contado toda a estória novamente – Tirei 10 reais do bolso e o enfiei no bolsinho do seu short de 7 ou 8 anos.

-Obrigado moço! – Responderam conjuntamente e se foram pela alameda, trocando novamente os passes com a bola de futebol.

Ao vê-los partir eu vivi a magia daquele momento. Vivi a paz, a paisagem exuberante, vivi todas aquelas borboletas me volteando como se eu fosse a santidade do lugar. E assim, levantei e segui por uma das alamedas até me deparar com a rua principal da cidade. Caminhei mais um pouco e parei no sinaleir e aguardei o sinal abrir, quando vi do outro lado da rua os fascinantes garotos. Eles pareciam alegres saindo de uma casa de tons pastéis - Na placa, na altura da marquise se lia - "Sorveteria da Jurema" - Firmando as vistas notei que eles carregam enormes sorvetes – daqueles feitos em máquinas do tipo italiana – e um deles carregava a bola debaixo do braço. Diante da cena inesperada escondi-me para que não me vissem, afinal, demasiadamente pequenos, não queria que provassem da tese “ o crime não compensa” – E evitando, eu transferia para o futuro tal responsabilidade, caso eles se decidissem a trilhar um desses cxaminhos.

Bem, eu os vi irem emnbora e sumirem dos meus olhos ao dobrarem a esquina. Mas, o que valeu nisso tudo foi a lição que me deram e que ficará marcada para sempre em minha memória. Eu fora vítima de golpe de uma dupla mirim de espertalhões - um legítimo “171" infantil” - Foi como me alertassem: “ Cara, te liga! Não vacile no ponto”
E vacilar, eu sabia, era o maior dos meus problemas. Não só o vacilar no sentido “sonolento” da coisa. Mas o "vacilar" com as situações, marcando bobeira, dando bandeira e coisa e tal.

Assim que o ônibus das 8 entrou na plataforma eu me encontrava mais que acordado. Eu tinha, a partir agora, prestar mais atenção nas coisas do mundo. Eu tinha que prestar mais atenção, acima de tudo, em MIM. Eu era a peça mais valiosa do quebra-cabeça que permiti minha vida se tornar. Eu tinha que andar mais ligado, antenado com tudo, com atos e pessoas que me cercavam.

Ao entrar no ônibus eu me disse: “Cara, não durma no ponto” .
E então o ônibus partiu e logo pegou a estrada eu pensei naqueles pequenos espertalhões e sorri. E olhei pela janela e para o alto e a noite caiu com beleza magnânima. Firmei os olhos no firmamento e tive a impressão que um cometa cruzara os céus por entre aquelas estrelas iluminadas, Insisti com os olhos, fechei-os e os abri firmemente - quem sabe eu não poderia vislumbrar o pai do Luis - Sorri novamente - O ônibus seguia solitário por uma estrada de mão simples e os faróis altos lumiavam árvores ainda distantes de nós, e conforme a distância era coberta elas chegavam rapidamente em mim, umas após outras. Foi a última vez na noite que pensei naqueles garôtos - e o sorriso me veio fácil - Eles sabiam das coisas.
Eles sabiam tudo - confessei a mim mesmo -