terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O escritor safado, a atriz pornô e duas pérolas


-Papai, vieram e instalaram no quarto a nova Tv 42 de plasma. Dê uma olhadinha e veja que linda! Ah, também trouxeram o home theater e o modelo é bárbaro!

Essa é a Anna! Anna com dois “N” como ela gosta de frisar, e eu, evidente, o seu marido. Somos aquilo que podemos dizer; “novos ricos”. E por sermos “novos” significa que nossa grana não veio por herança, mas sim por um fulminante golpe de sorte. Foi há coisa de 25 anos, ao ser sorteado com um bilhete de loteria federal - deu a milhar inteira no primeiro prêmio. Até àquela altura eu era um simples “ “joão ninguém”, desempregado e louco por Anna. Ah sim! O seu nome não era tão peculiar e infinitamente menos sofisticado que o de Anna Rachel que o usa e do qual se orgulha nos dias de hoje. Naqueles tempos a conhecíamos por “Ana Ventania”. E eu, fã, me virava e arrumava uns trocados pra admirá-la num palco, onde fazia um número pra lá erótico, aliás, na verdade, um espetacular strip-tease. O local, conhecido como Teatro Aurora, era nada mais que uma espelunca onde nós os desvalidos e miseráveis íamos a fim de vermos algumas garotas se despirem e instigarem instintos animalescos que habitavam na maioria de nós. No seu show, eu era o primeiro a chegar e último a sair. Naqueles dias, se alguém quisesse me encontrar era só me procurar na primeira fileira do teatro que me acharia facilmente. Ana Ventania também dava índícios de gostar de mim, talvez porque eu fôsse o único entre aqueles imbecis que não me masturbava durante a sua apresentação. E isso, de alguma forma deveria surtir algum efeito como se entendesse na minha atitude, ou falta dela, alguma espécie de respeito pelo seu trabalho “artístico”.

Verdade seja dita; pra quem gostasse de estética, era impossível não cobiçar aquela deliciosa jovem de pernas grossas e de bunda arrebitada. Por outro lado, eu nunca fora suficientemente bonito e as feições rudes me acompanhavam por onde quer que eu fosse. Assim, ao meu entendimento, era esse o motivo de fazer Ana simpatizar comigo.


Lembro da primeira vez que me munido da coragem dos heróis a convidei para beber. Foi logo após um dos seus shows de sábado. Ana, além de ter o seu próprio número, ainda participava de outros onde fazia algumas “pontas”. Num deles, hilário, atuava como uma empregadinha que vivia trepando com o patrão, que sacana sempre lhe prometia aquilo que nunca cumpria; um aumento de salário. E eu achava aquilo engraçado e me divertia vendo os "atores” interpretarem os textos como se fossem profissionais de teatro. Uns, levavam a coisa mais a sério e com suas vozes impostadas em tons dramáticos faziam o possível para nos convencerem apesar do cript capenga, que em nada ajudava. Nessa cena, o interessante ficava por conta de Ana e do seu curtíssimo vestido de copeira, que deixava literalmente à mostra as suas curvas e a fenomenal bunda. No fim, simulando uma mega trepada numa cama de casal empurrada as pressas para o centro do palco e logo após o orgasmo, o patrão era acometido de fortes dores no peito e terminava por morrer enfartado. O curioso visão um tanto proletária que tínhamos sobre os hábitos dos ricos, já que a morte sempre os pegavam vestidos em “hobby de chambre”, mesmo após uma bela de uma trepada.

Bem, assim que o show terminou lá estava eu esperando a Ana. Ela surgiu, sorridente, gentil e simplesmente vestida. “Vamos?” perguntei-lhe. “Sim, claro!” confirmou – Nos demos os braços e saímos andando pela miserável Rua Aurora, lugar de todos os tipos de malandros. A partir daquele dia começamos a nos ver com regularidade e o nosso relacionamento, por muitas vezes, foi mantido às duras penas já que, eu dera de enciumar-me das suas cenas em palco. “ Ah, papai! assim vai dar não!” dizia, áspera e nervosa. Quando eu percebia o seu olho direito tremer, sabia que a coisa ficaria ruim, e aí eu dava uma maneirada, tentando ser o mais conciliador possível. “Tá bom amor! Mas, precisava arrebitar a bunda daquele jeito?”. “ Ah papai! Para com esse ciumes besta! É só o meu trabalho!” - ela se defendia - Como não queria levar a coisa adiante, eu aceitava as suas justificativas e não tocávamos mais no assunto.


Aquela situação perdurou até o dia do bilhete premiado. Ao conferir o resultado, lá estava : 87.793 –
Havia dado o veado e o número completo do do meu bilhete inteiro.
Eu estava rico! Naquela mesma noite saímos pra comemorar e entre juras de amor e promessas acabamos dormindo num bom hotel da Avenida Ipiranga. No dia seguinte lá estávamos, Ana e eu, pedindo a sua demissão que, de má vontade foi aceita pelo safado empresário. Bem, a partir daí passamos a viver juntos, e assim nos encontramos até nos dias de hoje. Ela, por ter vivido alguns anos nesse segmento erótico (ela odeia que falemos... pornográfico) acabou por constituir uma produtora, cujo objetivo era o de criar bons filmes eróticos. Modéstia à parte, Anna se deu bem pois sempre foi eficiente naquilo que se propôs, e a sua produtora é uma das mais concorridas nesse segmento, sendo que a maioria dos melhores títulos pornôs, que inundam as bancas de revistas, levam a sua grife. Por meu lado, sem profissão definida, encarei uma vida de escritor, sem sucesso nenhum, díga-se de passagem. Mas, mesmo assim, vez por outra surgem lá em casa, jovens - geralmente universitários - sedentos por saberem quem é, e como vive o verdadeiro Érico Zambini, meu pseudônimo literário. As vezes trazem bebidas e em outras alguns dos meus livros para serem autografados. Acho-os engraçados e alguns, talvez decepcionados com o Zambini que vêem, me alfinetam: “Hey Érico, é verdade que tu casou com uma puta?”. E dito isso passam a me olhar com aqueles seus rostos idiotas à espera das minhas reações, que surgem a seguir: “Com uma puta, casou o corno do seu pai!” - costumo responder, colocando ambos os braços à frente, como se fosse um daqueles lutadores profissionais e fracassado. Diante da postura, desistem e se vão com seus risinhos imbecis adornando suas espinhas purulentas. Vez ou outra, a Anna ao me flagrar de conversa mole com alguma daquelas amalucadas garotas, logo dava um jeito de se livrar delas e as punha pra correr com uma das suas habituais tacadas :
“Ah, minha filha! Isso aí é galo velho. Cantar, até que canta, mas é somente um galho velho e cheio de pose! ” Dizia sorridente enquanto me piscava, mas sem que a guria percebesse. Geralmente, oor detrás da garota eu retribuia o sorriso. A guria acabando por achar que eu nao estava com aquela bola toda, sorria palidamente e se ia embora.

Fora essas questões, temos duas filhas, todas Anna com os dois "N", iguais à mãe. Uma delas, cujos os 18 anos serão completados nesse ano, já têem os preparativos para sua festa em franca providência. Anna Helena é o seu nome. Helena é uma garota linda, e não porque seja minha filha, mas, é um dos rostos mais belos que já vi. Talvez me perguntem: como alguém tão feio pôde produzir algo tão belo?
Eu lhes respondo com outra questão: Deus também não escreve certo por linhas tortas? Então!

Ah sim! Antes que me chamem de "baba ovos", confesso que ela carrega a parte defeituosa do meu "gen" no nariz levemente curvo, mas que na minha opinião ameniza a sutileza quase aristocrástica ds linhas do seu rosto. Mas ela, como toda garota rica e vaidosa nunca está e jamais estará satisfeita com aquilo que se tornou, e sempre procurará consertar as imperfeições que imagina ter, alterando algumas coisas em si. Tanto que, não satisfeita com a originalidade do dia que foi concebida, está reduzindo num caríssimo cirurgião plástico alguns centímetros em sua zona lombar, como não reconhecesse a originalidade, muito menos os esforços insanos dos espermatozóides do papai, naquela noite de uma corrida maluca. Além disso, a inexperiência a faz imaginar-se a dona do mundo, como a maioria das garota nessa faixa de idade. Além desses "pequenos" defeitos, elegeu o maior dos que possa ter; Fredy, seu namorado.

Fredy é um garoto duns 23 ou 24 anos, um gênio cibernético, disputado à preço de ouro pelas multi-multicionacionais que garimpam pessoas super dotadas em nosso país. E essa batalha feroz, faz com que sempre tenha ofertas milionárias para sossegar o rabo numa dessas empresas. Apesar disso, acho estranho a sua aparência. Se o olharmos bem, veremos nele um protótipo quase parecido com Bill Gates;rosto magro, nariz agudo e uma míopia excessiva, vestida de imensos e profundos óculos quadrados. Mas, isso é fichinha diante meu estranhamento diante o fato de vê-lo constantemente dormindo Acho mais estranho ainda o fato de ele estar dormindo em casa e com a nossa filha. Anna Rachel me convenceu com o argumento que é melhor estarem protegidos dentro de nossa casa, ao vagaraem por aí, em algum lugar, e com a vida à mercê de bandidos de toda a sorte, principalmente desses que infestam as grandes capitais. Olho para a Fredy e sinto pena da vida que ele e a Anna Helena poderão levar. Sei que irão se casar pois ele é do tipo de babaca que se encanta com a primeira garota que faz sexo com ele. Certamente foi ela.

Anna Helena sempre me fascinou pela sua independência e liberdade sexual. Acho hipócritas aqueles pais cheios de "não-me-toques" com os filhos. Evidente, quando saem de casa deixam de ficar sob nossa supervisão, e o mundo abre-lhe as portas para as coisas mais bacanas e safadas que se possam imaginar. E isso me faz ter longas conversas com ela e dar-lhe alguns toques que imagino necessários. Não sei se foram esses toques, mas, Helena me parece tranquila e apaixonada por ele. Sei que se casarão e terão 5 filhos. Sei também que todos os anos sairão em férias para Barcelona ou Paris. Sei também que ele dará um jeito e abreviará a viagem com o argumento de ser imprescindível o seu retorno, face a um mirabolante contrato que fará a sua empresa abocanhar a maior fatia no mercado nacional de software, gerando portanto, alguns milhões de dólares a mais. Talvez, se assim acontecer, Anna arrumara um amante, um desses caras bom de cama e o que poderá ocasionar uma reviravolta fascinante nessa estória do Fredy nunca poder estar com ela e as crianças.
Mas, mesmo acometido desses pressentimentos, não me sinto vontade de falar com ela sobre o assunto; - Cê tá ficando louco, pai? - Sei que vai responder. Então é melhor deixar as coisas como estão, sem me preocupar demasiadamente com o magnata dos sofwares.



Ah, agora aobre a minha paixão; Anna Isabel. Essa é a minha princesinha, Nesse mes completará 8 anos e é esperta como ela só! No começo do ano, Rachel cismou que os conhecimentos da pequena estavam aquém do ideal, conclusão; colocou um anúncio à procura de uma babá. Nele especificou que a canditada fosse ávida leitora de literatura infantil e que soubesse de todas as estórias de Monteiro Lobato. Segundo Rachel, uma pessoa que conheça todas essas estórias, está capacitada a ensinar algo de produtivo. Achei interessante o ponto de vista de Rachel, e suspirei aliviado pelo fato da contratação não depender dos meus conceitos, já que encontraria nos leitores de Fante, Bukowski, ou Céline, alguém talhado pra transmitir algumas verdades da vida, mesmo que amargas.

No dia marcado para entrevista eu não me intrometi e só fiquei sentado olhando atentamente para a candidata. Chamava-se Francine, e percebí o quanto ela impressionou a Rachel.
Fran, como passamos chamá-la, era uma bela garota dos seus 24 ou 25 anos. Tinha pernas estupendas, ótima bunda e um ar superior, daqueles que se acham grande coisa só porque sabem um pouco das estórias de Lobato, e de alguns outros monstros sagrados da literatua mundial. Claro, fiquei apreensivo e impressionado já que no fim da reunião parecia ser ela a entrevistadora, como se fôssemos nós que deveríamos nos provar dígnos e à sua altura.
Anna Rachel, toda impressionada com a garota, respondendia as suas perguntas como se estivesse fazendo um "exame de ordem" -" 0 que fazem? São formados? Essa casa é de vocês? - e mais algumas que não lembro. Teve um momento que tive vontade de dar um basta naquilo, mas, sabendo que nessas questões domiciliares quem decide tudo é a mulher, achei melhor deixar pra lá. Entrevista terminada, Francine foi contratada para ser a babá de Anna Isabel. Anninha, a princípio foi com a fachada de Fran e me pareceu se darem bem, cumplices que eram em olhares e sorrisinhos. Eu ainda me mantinha desconfiado e achava que alguma coisa poderia estar fora de lugar. Essa impressão logo se confirmou:

-Papai, é verdade que Sartre e a uma Simone num sei de que, eram casados mas não dormiam na mesma cama? - ou -

-Papai, o senhor nao achou uma violência que fizeram com o amor de Romeu e Julieta?

-Papai, o que Shakespeare quis dizer com " Ser ou não ser..eis a questão!"

-Ah papai, o senhor gosta das poesias de Baudelaire?



Puta que pariu! Aquilo já era demais. A babá, ao contrario de tentar contar estórias infantis pra menina, como seria de se esperar, preferia encher a cabeça da Anninha com baboseiras que nao lhe serviam pra nada naquele momento. Sem consultar a Rachel, despedí-a. Claro, Rachel gostava da garota e então pediu para darmos nova chance a ela. Tudo bem - concordei - porém a deixamos a par que não mais permitiríamos novos absurdos. Como ela já havia se afeiçoado a Anna Isabel, concordou plenamente e por uns 15 dias lá estava a pequena a me questionar coisas que eram compatíveis com a sua idade e que saudavelmente deveriam ser do seu conhecimento:
-Papai, quanto media o nariz do Pinóquio?

-Papai, é verdade que eram louras as tranças de Rapunzel?

Finalmente tudo voltava à normalidade e estávamos todos plenamente satisfeitos.Isso durou um mês até querm certo dia:

-Papai, o senhor não acha que Getúlio Vargas cometeu uma atitude covarde tirando a própria vida?

Aquilo foi demais para minha paciência, e, sem falar ou querer saber a opinião Rachel, dispensei-a no mesmo dia. Juntos foram algumas lágrimas, suas belas pernas e o rabo fantástico. Talvez o que a garota nao tenha percebido é que a Anna Isabel ainda se depararia com situações emergenciais e cruciais na sua caminhada de vida. Que haveria para nossa garotinha, num futuro não muito distante, amores e amizades que lhe fariam doer. Haveriam desilusões, falsidades, mentiras, vindas de gente que ela jamais poderia supor. Haveria o relacionamen comigo, com sua mãe, sua irmã e todas suas dúvidas se estaríamos sempre presentes ou se negaríamos o apoio caso pedisse socorro. Essas questões afligiriam a nós e a nossa pequena numa estrada logo adiante. Porisso, achei que a insistência da babá em transformar a nossa criança num adulto prematuro, descabido e imprópria. Todos devemos permanecer atentos. Crianças estão para brincarem, as putas para se prostituirem e os adultos para fazer o que lhes der na telha, desde que respondam por seus atos. É assim que deve ser, é assim que se forma o ser, num progresso lento mas constante. Trilhando nestes caminhos se forjam sentimentos, relacionamentos, bandidos e mocinhos. E mais ainda; a vida não é exatamente uma dádiva, é um árduo exercício.


Francine, partindo, esquecemos por completo aquela coisa de "suplemento educacional" e deixamos Anna Isabel voltar a ser feliz com seus patinhos e a 3a série do primeiro grau.
Esses somos nós; apenas uma família. Somos a executiva Anna Rachel e sua produtora de filmes éróticos. Somos suas atrizes de seios siliconados, somos seus atores - garotos funcionados a base de sildenafil -. Somos eu e meus livros de contos sujos e por vezes engraçados.
Somos, acima de tudo, nossas crianças; Helena, linda, charmosa, apaixonada por um babaca, um futuro Midas da informática, que fará fortuna eu sei, mas que torço para que o dinheiro não o cegue por completo e o faça destruir valores reais que a vida nem sempre nos propõe.
E por fim, somos a nossa garotinha, Anna Isabel, meu xodó, linda, de um sorriso infindo e dum olhar quase tão divino que até o Papa se enciumaria.
Essa é a minha princesinha de braços amáveis que envoltam o meu pescoço, e que nada me faça separar.

Racionalmente, por enquanto estão fora das nossas atividades, longe dos meus livros de sacanagem e da safada nudez dos filmes eróticos. Sempre haverá espaço para outros estilos de vida e, o que elas precisam saber de momento é que a vida é um dom, um exercício e que é preciso saber vivê-la da melhor forma possível.
Por hora várias auras de felicidade contornam nossos corpos e mentes. Será sempre assim? Apesar de torcermos, nunca teremos a absoluta certeza.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Bar Flower


Nina estava à procura de Joyce a noite toda e havia passado por muitos lugares e até que se lembrou do “Flower”.
O “Bar Flower” era uma espécie de bar-boate um tanto democrático, anarquista até e agitado por pessoas sem qualquer compromisso com a estética, cultura e sexualidade. Aliás, o descompromisso podia se notado ali na irreverência de pessoas em trajes multicoloridos que contrastavam com os garotos e garotas naqueles seus cabelos vermelhos, verdes e com os rapazes um tanto “voyeur” em ternos de tons sóbrios e mulheres em blazers executivos. O local mais lembrava a psicodélica Londres e seus bares underground do fim da década de 60 e, o único compromisso daquela gente, se é que havia algum, era o de tentar parecer feliz. E no espírito que vingava nessa multiplicidade, homens que beijavam homens, mulheres acariciavam mulheres e homens e dentro da normalidade, homens e mulheres se bolinavam em liberdade total , isentos de censura. Nina já estava lá há algum tempo e só não se aproximara antes ao perceber que Joyce, sorridente, conversava com um rapaz e parecia se divertir e estar feliz como há muito tempo ela não a via. Sem que Joyce percebesse, Nina acomodou-se numa mesa de canto e permaneceu observando suas atitudes. Continuou lá, quieta remoída de ciúmes dos olhares sensuais que o casal trocava até que o fato começou perturbá-la. Tudo se tornou ainda mais insuportável quando percebeu Nina e o rapaz se dirigindo para a pista de dança e lá, ela encostar o seu rosto na face daquele jovem atraente. Era uma noite de músicas antigas, um verdaeiro “flashback” e então rolou uma do MacCartney, “My Love”. A música, excepcionalmente romântica, além de aproximar os rostos unia também os seus corpos. Nina sentiu-se apunhalada ao ver Joyce grudada naquele sujeito, cruzando a sua nuca com suas mãos perfumadas.
Doía percebê-los na sensualidade da dança. O fato de notar as delicadas mãos deslizando num vai e vem pela nuca do rapaz causou-lhe desconforto. E esse inconformismo se traduziu em algum tipo de sofrimento. Era o sofrimento de uma dor que incomodava dessas que não se curam através de médicos ou de algum processo de curandeirismo. Era uma dor invisível, impossível de se extirpar, daquelas que fazem doer à alma. E assim, a sensação de ser sentir algo jorrado dentro de si; a dor da traição. Estavam juntas há cinco anos, portanto a conhecia o suficiente para sentir que algo estava ocorrendo, aliás, algo que a fazia sentir amargurada.
E, aqueles sentimentos tão ambíguos já que ao mesmo tempo em que destilava a sua amargura, também não se permitia ver a sua companheira com outros olhos que não fossem o da possessividade e da proteção. Era como sentir a necessidade de proteger a sua cria contra todo e qualquer perigo que a existência nos imputa e às vezes de forma surpreendente, até. Nina, nervosamente olhou no relógio; quase duas da madrugada. Pressentindo cada vez mais o perigo que aquele rapaz e representava, relutou por alguns minutos. Decidida se encaminhou para a pista de dança onde eles permaneciam. Num movimento rápido e brusco retirou o braço de Joyce do pescoço do rapaz e a puxou para si. Eles, dançavam de rostos colados e surpresos com o ato sentiram-se desconsertados.

-Cai fora, cara! – Ordenava Nina. Olhava para o rapaz com um certo ódio, enquanto ele, atônito, tentava dar-se por achado.

-Por favor, poderia nos deixar a sós? – Joyce pediu gentilmente ao rapaz. Ela sempre fora assim; feminina e conciliadora.

-Que aquele filho da puta queria com você? – Exasperou-se Nina, se certificando que o rapaz afastáva-se de ambas.

-Nada, meu amor! – Tentou contornar Joyce com os olhos fixos nos dela e se permitindo no despontar de uma lágrima que suave atravessou a maçã do rosto e foi morrer numa das extremidades dos lábios.

Joyce, com o olhar penetrado em Nina, fazia-se a pergunta que nunca calara dentro de si -Por que eu sou assim?- Era essa a questão que Joyce levantava quando se via em situação que os seus sentimentos se mostravam inseguros. E desta feita não foi diferente e a resposta veio a mesma de sempre - Não sei! - Definitivamente ela não sabia quais eram ou foram os motivos que a tornaram lésbica, mas, supunha que deveriam existir diversos fatores e sentiria a alma leva, feliz até se os motivos da sua opção fossem descobertos. Chegou pensar em fazer análise, mas, a sua timidez em falar de si e do seus problemas deixaram-na distante dessa opção. Além do mais, a sua relação com Nina vinha sofrendo um certo desgaste, talvez pelo seu ciúme doentio, ou quem sabe pelo fato dela mesmo sentir-se em desacordo com a natureza onde reza a cartilha que mulheres são destinadas aos homens e vice-versa. Ainda que a sua condição lésbica nunca fora conhecida e nem assumida diante de terceiros. Ela mesma era por demais cortejada pelos os colegas do escritório de engenharia onde trabalhava e, eles jamais imaginariam a sua opção sexual. Lembrava-se ainda eu há um ano tivera problemas com Mauro, um engenheiro da empresa que, só desistiu dela após um cem números de negativas para que tomassem apenas um chopp.
Com esses pensamentos na cabeça e isso, invariavelmente. não há levando a nada desviou-se do questionamento e se concentrou nos olhos de Nina. O beijo veio, apaixonado. Um beijo longo, visceral, saboreado naquelas bocas entre abertas e de línguas que se contorciam tal qual um par de cobras furiosas. Tocavam-se com as mãos, acariciavam os seus rostos e permaneciam dançando, juntas, fundidas como uma única peça forjadas no mais puro e indestrutível aço.
O rapaz, um tanto próximo, ainda as observava surpreso. Olhava atentamente para Joyce e para si não havia qualquer dúvida; de todas, ela era a garota mais linda do lugar. Elas continuavam naquele insano jogo de sedução e seus corpos cada vez mais se esfregavam um no outro, e as luzes de efeitos pirotécnicos transformavam aquelas duas mulheres em diabas, como se fossem iniciar a qualquer momento um ritual de acasalamento. As cenas se tornaram tão incrivelmente sedutoras que foi impossível conter a libido e o seu pau se tornou rijo, mesmo que disfarçado dentro da calça larga e de pregas italianas. O jogo erótico continuava e ele vislumbrava a olho nu, Nina massageando as nádegas de Joyce. As pessoas em volta, dançavam e pareciam não se dar conta do fato, aliás, davam, mas, não se importavam com o que acontecia, já que estavam mais preocupados com as suas vidas prazeres do que com aquelas duas malucas.
O rapaz, um tanto aborrecido por ter sido preterido olhou para Joyce pela última vez e ele bem sabia que teria feito qualquer loucura para que conseguisse foder aquela garota de corpo monumental. Sabia que deliraria em ter aquela mulher em cima de uma cama de lençóis limpos e cheirosos. Sabia de todas as posições que utilizaria para penetrar naquele corpo voluptuoso. Repentinamente saiu do transe e desviou seu olhar de Joyce e fixou-se momentaneamente em Nina. Atendo-se em seus detalhes viu nela outra bela mulher. Os cabelos eram curtos e seios exuberantes se exibiam num decote pra lá de generoso. Teve vontade de tocá-los com os lábios e essa visão o convenceu que ela também seria uma trepada fantástica, apesar de Nina não ser tão sensacional quanto à outra. Elas permaneciam na pista de dança e os seus pés praticamente não se movimentavam e apenas os leves meneios nos quadris faziam-nas perceberem que dançavam. Seus corpos continuavam colados e ao som de “Lady Jane” se bolinaram com maior agressividade. Retribuindo, Joyce acariciava as protuberantes nádegas de Nina, que sobressaiam deliciosamente num linho negro de uma justíssima saia com um corte lateral. As pernas de ambas se pressionavam e era visível aquele naco de coxa bem torneada que fugia sensualmente da abertura para encontra-se com as pernas de Joyce. Ambas demonstravam a loucura de uma paixão e seus olhos não se desgrudavam e nem perdiam qualquer movimento uma da outra. O amor se tornou soberano e, não houve a partir daí qualquer espaço para a sensação de traição. Lentamente o rapaz voltou as costas para a pista de dança e caminhou lentamente em direção do bar. Lá pediu o seu drink e sentou-se numa das confortáveis poltronas que se fixavam em frente ao balcão.
De onde estava ainda admirava a sensualidade que vertia daqueles corpos de mulheres. Sentado, olhou para a braguilha da sua calça e ainda pode observar um leve movimento do pau, que ainda latejava por dentro dela. Percebeu um vulto encostar ao seu lado. Uma garota de lábios vermelhos e de aparência pra lá de atraente acabava de sentar-se na poltrona ao lado da sua. Olhou pára ela e foi retribuído pelos magníficos olhos esverdeado da jovem. Misericordiosamente sentiu o frágil e delicioso perfume de mulher invadir a atmosfera. Era o cheiro da fêmea sensual, expelido por aquele corpo de pernas perfeitas, adornadas num vestido curto de jeans. Sorriu para ela e num olhar cúmplice foi retribuído. Ofereceu-lhe um drink e ela aceitou e dando início ao jogo da sedução, charmosamente jogou os cabelos para trás. As primeiras frases foram ditas por bocas lindas e dentes bem cuidados. Sorriram novamente já demonstrando alguma intimidade. Ele nem mais se lembrava de Joyce e ela nunca poderia imaginar tudo o que se passara naquela noite. A sorte continuava ao seu lado, aliás, ao lado de ambos, e eles bem o sabiam. O barman sorriu ao servir-lhes os drinks. Feito, seus copos se tocaram ao outro com o mesmo prazer daquelas duas mulheres. Ele sorveu o primeiro gole do seu Absinthium 1792 e seus olhos cerraram-se pressionados. Ela pareceu suportar melhor o trago do lendário Jack Daniels.
A noite prometia ser mágica e quente.
O "Bar Flower", tradicionalmente orgulhava-se de servir bem os seus clientes.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A mangueira.


Foi ali o seu refúgio
O refugio de uma infância complicada,
tão complicada que fez da mangueira,
a amiga mais amada
Foi lá, na meninice que se valeu daqueles braços,
não os do corpo, mas de ramos fortes e resistentes
Foi trepado nela que deixou parte das suas insistências,
incompreensões e desenganos.
A árvore sabia que meninos não são adultos,
 e que são sempre confusos, mas adoram brincar,
brigar e acima de tudo; vadiar como legítimos vagabundos
Então ela permitiu que a vida, pelos os seus galhos ele conhecesse
Que não temesse, pois ali ela estava para abrigá-lo
Sim! Riram juntos das tantas vezes que ela o livrou dos vergões do cinto do pai!
Ah, menino esperto! Na primeira bufada do seu Agenor,
lá ia ele na amiga se abrigar

Foi nela, numa fase que, percebendo coisas na vida aprendeu a se excitar
Pois por mais que as folhas escondessem sua irmã,
sempre foi  possível ver ela e o namorado a se bolinar
Mas também assimilou outras coisas,
e lá do alto conheceu e presenciou as mentiras, falsidades,
viu polícia trocando tiros com marginais
E com ela também vivenciou  com algumas tragédias,
 e numa delas as chamas na favela
Que ardiam altas diante um corre-corre de tanta gente
Ah! Como aquela árvore foi boa para ele,
e dele nada ou poucos fatos escondeu
E mesmo que se agitasse os galhos furiosamente
na rudeza do tempo, sim, tinha ouvidos para ele, pois confidente
participara das suas muitas aventuras
E  nada em troca lhe pediu, apenas o ouvia, quieta, meiga e cúmplice
Apenas acolhia todos os lamentos e sentimentos que dele vertiam

E ela esteve lá numa noite escura testemunhando o amargor do primeiro amor
Foi uma paixão de criança, mas tão imensa e isenta de maldade
Mas que fizeram gotas cristalinas desaguarem no rosto do seu protegido,
as primeiras dores do amor, que, definitivamente o expulsavam da inocência
E a ferida foi tão intensa que ela sentiu o baque e estremeceu
de baixo a cima, de norte a sul
Era o medo que o seu garoto não mais necessitasse dela
Todavia, antes que a mágoa se apoderasse dela,
 antes mesmo que o menino crescesse por completo
pra nunca mais voltar ali nos seus galhos, ela chorou,
Chorou por ele, pranteou uma única e derradeira vez
A verdade que aflora quando a dor é a da separação

Google.com Is God!



Talvez a melhor coisa que lhe acontecera fora se tornar ateu – Analisou, acreditando que fizera a melhor coisa para si. E, ter trocado o Todo Poderoso por aquela primeira experiência a bordo de um PC Pentium IV com mais de um giga de memória estava sendo fascinante, mesmo que adquirido com dificuldade nas intermináveis prestações mensais. E foi isso que concluiu no alto do riso irônico que lhe estampava o rosto enquanto fizia uma pesquisa no mais completo instrumento de busca da Internet.

- Pra que preciso de DEUS se tenho esse tal de "Gôgou" e "Viquipédia"? - debochou.

-E ainda foram legais comigo lá na loja ao gravarem esses dois sites nos meus "Favoritos". Tudo bem mais simples do que eu imaginava!

-E, além do mais não estamos mais na idade média onde éramos dominados pela Igreja e por seguidores fanáticos e sanguinários!

-Ah! E fora o fato da Inquisição! dessa eu nao quero nem lembrar! - suspirou, quando o resultado surgiu na tela do monitor:

(Your search did not match any documents) – Foi a resposta do Google.

Domingo, 18:30 hrs de um desanimado horário de verão e dum sol tênue e morno, mas que ainda refletia frágeis raios solares. O ar, um tanto abafado, juntamente com todos aqueles cinzeiros repletos de bitucas de um recém acabado maço de Hollywood travavam a sua garganta, mal os deixando respirar.

Inconformado, trocou sua bermuda e camiseta polo por uma calça e camisa social de mangas longas. Antes de sair passou gel nos cabelos sem não antes constatar que ainda vestia o par de tênis. Sorriu ao vê-los lá, desajeitos no contraste. Dirigiu-se à sapateira e o trocou pelos negros "bico fino" comprado numa liquidação, dois anos anteriores
Fechou a casa, deu ração ao gato e entrou no Fusca -1300-74.
Após cinco bombadas de praxe, ligou a ignição, deu partida e ele funcionou.
Teria que se apressar. O culto das 19:00 estava por começar e ele não queria se atrasar, já que nunca soubera uma única palavra em inglês.

"Aleluia, irmão!" - Ainda ouviram-no clamar quando o culto começou.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Insano


Para ele era algo incontido. Quantas vezes se pegou acariciando o corpo daquela garotinha nos dedos da sua mente? Ele tinha noção da sua insanidade, justo ele, o pai de uma menina de 11 tal qual essa dos dedos da sua mente. Uma garotinha, Jasmim era o seu nome, mas não estava mais aqui, não pelos males que lhe fizera e sim por outras dores de que fora acometida. E assim seguia em sua obsessão compulsiva até que num fim de tarde de uma sexta ao voltar do serviço,já que aquele era o seu caminho, defrontou-se com a menina que transtornava seus pensamentos. Era linda! Olhos negros, feição suave, serena, e o jeito de quem achava que tudo de bom estava para lhe acontecer. Sorriu para ela e foi retribuído.
Prometeu-lhe um chocolate e a aceitação veio fácil.
–Ali na esquina, vamos? – e ela foi, rindo, olhos resplandecentes de quem ia ganhar sua guloseima. Comprou o chocolate e ela lhe sorriu em agradecimento. Mais uma vez olhou com paixão praquela criatura em corpo de menina-moça, mas com o olhar de uma criança. - Ah! Quantas recordações a pequena criatura lhe trazia à mente. Recordações tristes e doloridas. Sorriu novamente para ela.
-Em casa eu tenho um monte desses. Você quer? – Os olhinhos brilharam novamente e juntamente com os passos os seguiram. Ao chegarem na sua casa, laconicamente a despiu das suas roupas de garotinha.Ela, assustada, chorava. Ele, ansioso procurou no guarda-roupa a veste de anjo que sua filhinha usara num ano anterior, o da sua morte. Encontrando-a fixou-se nela e entao lhe veio na mente o sorriso e a felicidade da sua menininha vestida de branco. Recordou-se também da pequena biblia que ela portava nas mãos e entao foi impossível deter as duas lágrimas que marejaram seus olhos.Era a roupinha de 1a comunhão. Sua memória avançou mais um pouco e lembrou-se da mulher de quem nunca mais soubera - talvez perdida numa esquina desse mundo de Deus -imaginou.
Voltou à realidade e ao percebê-la assustada a carregou pelo braço e se dirigiram á cozinha. E lá, de um dos armários retirou da prateleira um enorme pote e de lá surgiu uma deliciosa barra de chocolate. Insistiu para que ela pegasse e em se negando carregou-a novamente pelo braço e voltaram para o quarto. A garotinha, agora de anjo, um anjo branco já não mais chorava. Só os seus saltitantes soluços substituiam as lágrimas que de medo não a deixavam chorar.
-Fique em pé! Olhe para cima! – A voz soou dura, autoritária. Ela, como se hipnotizada nem se mexeu. Ele se despiu e enfiou-se numa túnica branca feita de sacos de farinha. Acima da penteadeira uma coroa de folhas secas e amareladas pelo tempo ornamentavam a armação de arames feita por ele, manualmente. Colocou-a e se olhou no espelho por uns bons dois minutos. Após, caminhou até a poltrona, sentou-se e, num riso angelical,e doçura na voz, proferiu:
- Vinde a mim oh pequena criança pois tu herdará o reino dos céus! Depois, nada mais falou, nada mais agiu. Repentinamente a singeleza do olhar foi sunbstituido por um olhar severo, rude. Seus olhos se fixaram num ponto perdido enquanto sua mente mergulhava em pensamentos profundos e sombrios. Novamente a feição o modificava e entao um sorriso um tanto satânico se apoderou de si e se imaginou salvando os pecados do mundo, livrando toda humanidade dos seus infelizes pecados. A garotinha, agora mais curiosa do que assustada desviou o olhar de um ponto qualquer do teto e o foi abaixando lentamente até encontrar os olhos daquele homem estranho. Fitou-o atentamente enquanto tentava compreender o motivo daquilo tudo, mas sem conseguir.
As mãos do homem agora subiam em direção aos céu e as palavras balbuciadas lhe abandonavam a boca, sem nexo, rápidas e sem que ela entendesse qualquer um dos seus significados. Ele já não fazia mais parte desse universo e acabava de assumir pra si a condição do Todo Poderoso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Homenagem ao amigo João



As lentes escuras, grossas denunciavam-lhe a cegueira. Não se tornara cego por acidente e nem por nascença. Estava cego por mera questão de opinião. Um ser hilário, imbecilizado, traído num casamento e alcunhado de corno. Aceitou tudo. Nunca foi covarde, foi frágil. Como pai, tanto amoro e distante pelo labor, viu o único filho se afundar nas drogas pra delas nunca mais sair. Fez o que pode, procurou clínicas, internações e todo o quanto que o seu contado dinheiro pudesse pagar. Foi um caminho sem volta e sem perdão, mas onde lhe imputaram a responsabilidade- Você foi o único culpado- se defendeu aquela que nao suportou a reciprocidade da culpa.

Do funcionário de quase 28 anos (que imagino exemplar), nada restara se não uma carta de demissão, tapinhas e olhares chorosos ao definitivamente sair pela porta da recepção. Da vida, o que falar? Que ela lhe dera supiros de algumas alegrias? Sim, verdade, mas estas nunca contrastaram com os tons cinza-enegrecidos das suas devastadoras decepções.

- Sejamos mais brandos? - disse-me sorrindo.
-Falemos de coisas mais amenas. Do Brasil, então! - aí foi ele que me fez sorrir
AH, Brasil de governantes imundos, Brasil dos corruptos e de ambulâncias propineiras!
Ah! ele poderia falar tanto e tanto, mas para que? a sua cegueira já era suficiente? Não há grau para cegueira, ou se enxerga ou não se vê - argumentou e eu aceitei.

E mesmo assim, por mais que se mantivesse nesse torpor da anestesia de um parto que não se volta, queriam-no retornado e enxergando, talvez por sentirem falta a quem espezinhar. E bastaria um único desejo seu para que isso acontecesse.
-Não, isso jamais- sentenciou. Depois que desenvolvera o dom da visão consentida seus olhos não derrubaram uma única lágrima sequer. Cego, ela mantinha o domínio sobre si, seus sentimentos, suas emoçõe. Era tão bom não enxergar - me disse num sorriso pálido
Era bom não distinguir o verde, amarelo, o amor, o ódio, a tristeza, a felicidade, a lealdade, a falsidade e tantas outras coisas que os fizeram algumas sorrir e muitas sofrer - Conseguira o inusitado, o insólito e então atrelava as imagens que não via aos sentimentos que, progressivamente permitiu manterem-se ausentes -
Era bom estar cego, mesmo que por opção - me definiu em irônica conclusão-

E foi assim o nosso último encontro em maio desse ano. Foram apenas algumas cervejas e toda a falta de alegria na opacidade daquele olhar que nem longe lembrava o brilho incandescente, as labaredas flamejantes que seus olhos golfavam nos anos 70. Eramos como quase todos jovens da época; irresponsáveis. Vivíamos para a roda de amigos na esquina, bailes, garotas, bebidas, algumas viagens e rockinroll. Enfim, típicos jovens dos anos 70.

E antes de ir, aí sim para nunca mais enxergar, acredito eu que deva ter rolado uma sua última lágrima. E se ela rolou acho que, surpreso, rapidamente limpou os olhos com as costas dos dedos e sem não antes se aperceber de tudo que passava ao seu redor. Provaveolmente deva ter visto as pessoas sorrirem, mas não para si, pois em si ninguem deve ter notado o seu lacrimejar.
E então, acho que nesse momento ele se foi. Se mandou de vez desse mundo de insanos e donde os sentimentos já nao valem mais o preço de uma garrafa de cerveja. Desistiu, abaixou a guarda pra esse universo de cegos e de gente que não consegue enxergar nada e nem niguém que naõ seja a sua mesquinhes, o seu próprio bem estar.
Vai na boa amigo. Fica na paz!

domingo, 23 de setembro de 2007

Flagie, eu e o bar.


Com ela tudo fora sempre inusitado. Desde a primeira vez que bati os olhos naquela mulher algo jamais me abandonaria; a paz de espírito. Lembro-me dos seus olhos negros,  cabelos levemente aloirados e do sorriso meio garota, meio mulher. Estávamos no bar, uma reunião pré natal entre colegas e fomos apresentados por um amigo gay e em comum. A sintonia foi automática, e os nossos olhares se entregaram cúmplices e recíprocos. Estávamos numa grande turma e o vai e vem num agradável e refinado ambiente fazia da noite algo excitante. Como insistíamos em nos olhar, a curiosidade foi nos aproximando rapidamente. Lembro-me que na sua volta do toilette propositalmente esbarrei nela por uma das mesas. E foi ali parada à minha frente que ela me permitiu penetrar em seu olhar. E lembro que ficamos como duas estacas,  estátuas perdidas e inertes e sem saber o que falar, salvo estarmos ali nos olhando, permitindo a ternura tocar. Foi estranho, mas, naquele instante o mundo poderia terminar sem que percebêssemos. E todo o alarido que nos cercava e as vozes altas das pessoas envoltas em sorrisos, contando suas vidas, seus negócios, suas conquistas e piadas  não nos faziam qualquer sentido ou diferença Sutilmente toquei-a no braço e ela entendeu que eu gostaria que me acompanhasse. O garçom passou naquele exato momento. Chamei-o:

-Por favor, para mim um bloodmary e para a senhorita um.... -

-Para mim um Martini duplo – Confirmou num sorriso tão gentil que fez valer a noite do solícito funcionário.

Fomos para a sacada no Bar, e ali cúmplices, trocamos as primeiras palavras e então eu soube do seu nome; Flagie

-Sim, Flagie! Mas por que exatamente esse nome? –  Eu perguntava e ela sorria ao tentar explicar a origem. E foi um sorriso tão apaixonante que foi impossível não achá-lo a coisa mais importante de algum tempo.

Logo após chegaram as bebidas e nós ali, no úmido ar das dez da noite, ombreados como dois pássaros friorentos fomos para um ante-salão de iluminação quase psicodélica e onde rolava um vídeo do U2. Enfiamo-nos entre as pessoas que conversavam e assistiam o show projetado num telão, pois sentimos a necessidade de carinho, de aproximar corpos e do calor que se amana deles. Focos de luzes coloridas pairavam sobre as pessoas quando encostamos nossos braços e pressionamos um contra o outro.Ali nos dissemos quem éramos e nos beijamos pela primeira vez. Foi um beijo avassalador e eu não poderia imaginar como uma criatura tão meiga pudesse ser tão visceral com seus lábios. Senti sua boca e língua dentro de mim, e ela pressionava a minha,  se enroscava  como cobra furiosa. Meus braços a envolveram e a sua resistência foi cedendo aos poucos e então grudou em mim como se fizéssemos parte de uma única peça. A excitação, latente, a fez pressionar a xana de encontro ao meu pau como se fôssemos marginais acuados  pela polícia.

Eu conhecia bem aquele Bar e há muito que o frequentava, já que era de propriedade do meu velho amigo Heitor. Eu conhecia todas as suas dependências e ali mesmo já acontecera tantas coisas que se Deus não soubesse, até  ele duvidaria. Heitor formou-se na mesma turma que a minha; éramos publicitários e amigos de farra, e ele me devia alguns favores de juventude  ao usar meu quarto para trepar com algumas namoradas dos tempos de cursinho, afinal,  eu era filho de pais separados, e mamãe chefiava o RH duma importante multinacional, passando mais tempo à empresa que propriamente em casa. E era a o que recordava ao tocá-la no braço indicando que deveríamos sair dali. Flagie percebeu que deveria me seguir. Passei pelo caixa, pisquei para Heitor e um parde chaves foi passado para  minhas mãos. Dali fomos mais ao fundo do bar onde transitavam apenas funcionários e subimos uma pequena escada espiral. No topo demos com uma porta, e eu enfiei uma das chaves e ela se abriu. Ao entrarmos demos num  terraço envidraçado e com persianas. Evidente, notei o olhar espantado de Flagie, ja que a percebi algo exitante ao me seguir. Adentramos mais aquele ambiente escuro e onde o cheiro de mofo predominava. e acendi a luz e ela em forma de pingente brilhou, tênue e nostálgica acima da mesa de bilhar. Estávamos excitados e nossas bocas se encontraram novamente e as mãos se livraram do pudor. Escorado na mesa de bilhar eu tateava o seu corpo voluptuoso,  percorrendo todos os contornos enquanto suas mãos procuravam abrir os botões da minha calça. Não foi difícil, e então senti seus  dedos ansiosos dispensar meus botões um por um.

Daí pra frente foi fácil. E ao ter a minha  arriada Flagie se ajoelhou e mordiscou meu pau por cima da cueca. Eu sentia as mordiscadas enquanto suas mãos pressionavam baixo o tecido que lhe tolhia o desejo. Não demorou e ela conseguiu e a sua boca se sua boca ficou defronte ao meu pau, duro, latejando. Eu gemi quando contornou a glande com uma língua úmida e  quente e depois deliciosamente brincou co meu pênis, ora engolindo, ora mordiscando a cabeça. E ela me dizia coisas que me deixavam maluco,e acariciava as minhas bolas e depois enfiava sua mão por debaixo da própria saia e acariciava suas partes.  Era incrível o que ela fazia conosco, e eu a deixei agir por conta própria ao olhar o seu deslizar de mãos pelas grossas  coxas para depois acariciar seu sexo por sobre uma fina calcinha branca.  Excitado eu peguei por debaixo do queixo e docemente ergui o seu rosto e ela surgiu inteira diante de  mim.. E novamente seus lábios estavam nos meus, e após algumas carícias as minhas mãos penetraram por baixo da sua saia. Uma saia num tecido leve e florido que conferia a ela o frescor da juventude. Suavemente conduzi as  mãos tocando suas coxas com as pontas dos dedos, e fui seguindo mar acima até roçar a seu sexo por sobre a calcinha, e depois pressioná-lo com a palma da mão num movimento abre/fecha. Foi o instante dum longo suspiro de   Flagie. Com o dedo indicador sutilmente desloquei o elástico separando o tecido da virilha. e o  penetrei pelo vão. Ele estava excitada, molhada. Retirando as a mãos sob a saia ajudei a se livrar dela ao descer um longo ziper lateral. Sem movimentos bruscos o abaixei  e a saia se afrouxou da cintura e foi morrer nos calcanhares. Flagie era uma delícia naquela peça  de tecido semi transparente, e inda mais sensual e misteriosas sob o parco brilho da luz que, acesa,  iluminava nostalgicamente o centro da mesa, algo de apelo noir. Tirei a sua blusa e seios  fartos e firmes arquejavam sob o sutiã.. Com a libido aflorada mordisquei-os por cima do tecido de rendas e depois introduzi as mãos por dentro dos bojos trazendo seus seios para fora do sutiã. A visão foi maravilhosa, e um cheiro suave de perfume se desprendi das mamas, induzindo-me a   levar o rosto à direção e voltear com a língua cada um dos seus mamilos. Flagie  gemeu e sua boca em desespero procurou a minha,  e sentia as lambidas da sua língua em meu rosto, para depois mostrar os dentes e me mordiscar sutilmente no queixo e pescoço. Agora o olhar era o desejo da fera ao fincar garras na presa, e ela se desvencilhou da minha camisa e seus dentes cravaram em meu peito e eu gemi com alguma dor.
Sofrega, Flagie emitia pequenos grunhidos e sua língua me tocava os mamilos, subindo e descendo pelo meu tórax. Um pouco depois sua boca alcançou meu abdome e brincou com o umbigo.. Com as mãos ávidas nos desnudamos e a ajudei a se livrar da calcinha e do  sutiã num mesmo instante que ela se empurrava as laterais  da minha cueca pra baixo. Enfim, estávamos completamente nus quando com alguma paixão nos beijamos, e depois lambemo-nos. Ela sentou-se na borda da  mesa e  rastejou o corpo até o seu centro dela. .

Era lindo vê-la ali, nua, sob o reflexo da luz. Duas garrafas de champanhe vazias e envelhecidas pelo tempo encontravam-se à ali. Como fêmea defendendo o território ela se livrou das garrafas com um empurrão de antebraço e elas se estilhaçaram ao chocarem-se contra o piso. Um cheiro de sexo misturado à   perfume instigou-me. Foi então que ela separou suas pernas, acariciou seu sexo e me chamou flexionando o seu indicador. A visão me era indescritível e foi impossível manter o controle ao meter o meu rosto no meio de suas coxas. Em pé à borda da mesa sussurrei bobagens, puxei-a pelas pernas até ficar rente a beirada da mesa, e levei a mi ha boca até sua xana. Como se fosse um animal sentindo o gosto da caça eu a lambi de baixo para cima, e depois penetrei a língua bruscamente. Flagie gemeu e murmurou "Chupa!" -  E eu a fodi gostoso, insano, e minha língua entrava e saia da sua buceta,  impregnada de minha saliva e do líquido que  expelia. Era o momento da loucura e ela me pedia pressa, rapidez, que a fodesse com mais vigor, que penetrasse a língua bem no fundo. Eu sentia a  língua molhada pela saliva e por seu líquido enquanto ela gemia, suspirava,  e pedia para que a lambesse mais rápido e forte. Fui para cima  da mesa e me estirei sobre ela. Agora nossas bocas se possuíam,  era como se copulassem, e nos beijávamos e mordíamos.
Me desvencilhei dos lábios e fui descendo até chegar aos seios  e voltear com a língua cada um dos mamilos. Ante o contato da língua os seus mamilos enrijeceram, e eu,  sofrego os sugava insanamente à ponto de ela se queixar que os dentes machucavam os mamilos. Aliviei  pressão e apenas os sugava quando ela suspirou e depois proferiu palavras obscenas que me deixavam maluco. Meu pau latejava à ponto de explodir de tesão, quando ela se abriu por completo e ordenou que a possuísse.  O encontro do meu pau com a sua buceta foi pura redenção, e eu a penetrei e sua xana parecia me engolir levando-me ainda mais para dentro dela ao passar os braços sobre as minhas costas e puxar-me pelas nádegas. Eu a bombeava e não havia qualquer timidez nos gemidos e nem das palavras que dizíamos um ao outro, pois nossos desejos eram  reis, soberanos. Eu a estocava com ardor quando ela ordenou; "Tira daí" - Eu tirei o pau de dentro, e ela  num hábil meneio de corpo saiu debaixo do meu corpo e se pôs de quatro e rebolou empinando a bunda.

E parca luminosidade da luz fazia o ato parecer uma cena de putaria dos tempos de gangster. Flagie murmurava ao olhar para trás. Sua voz soou trêmula "Vem, me bate na bunda e penetra teus dedos nos meus cabelos“ - Ela pediu - Eu sabia o que ela queria. Então eu fui, calmo, sem pressa, com o pau latejando, melado pelo líquido de  minha própria excitação. Flagie sentiu o meu pênis tocando o seu rabo, e ela  empinou mais e suavemente lhe pincelei o rego fazendo o pau subir e desce, enquanto dava- lhe palmadas nas nádegas. Isso a excitava loucamente e ouvi os seus gemidos e a ordem“Venha agora”
Estava fora de mim diante tanta excitação quando a penetrei e ela murmurou e gemeu " ais" num misto de dor e prazer. Com movimentos compassados eu a estocava mais fundo e forte. Flagie agora não mais se continha e seu tom perdia a suavidade e ela ordenava num tom autoritário - "Vamos porra, me fode!" - E conforme o pau seguia mais à frente ela  gemia e  pedia mais - "Bata na minha bunda, anda!" - Ordenava, num  prazer absoluto que o sexo anal lhe causava. O meu pau ardia , e então acelerei e estoquei forte, e ela meneava os quadris fazendo com que ele deslizasse mais facilmente. E enquanto era enrabada ela friccionava rapidamente o clitóris com os dedos, e seus gemidos eram altos, sinal indicativo que o  momento chagava. Foi então que enterrei, de uma única vez,  e ela gemeu, grunhiu num mesmo instante que eu, num insano e fantástico gozo. Um gozo que, sabia,  à partir daquele instante dificilmente nos deixaria longe do outro.

Claro, as probabilidades de isso acontecer com você talvez seria de uma chance em mil, mas, foi assim que aconteceu conosco. Foi assim que ela gostou, e que eu gostei. E foi assim, porque assim tinha que ser assim e, só teria sido bom se tivesse sido desse jeito. Talvez estivesse sacramentado nas estrelas ou nas ondas do mar, não importava.  Após nos recompormos voltamos para o Bar sob alguns olhares curiosos, afinal, ficáramos um bom tempo longe do convívio dos amigos. Passe com Flagie agarrada pela cintura e Heitor olhou para mim e sorriu e depois piscou; sim, ainda continuávamos sacanas e amigos. À caminho de nossas mesas sorrimos para todos e todos sorriram para nós. E era gostoso ter seu corpo grudado ao meu. Depois pedimos licença aos companheiros de farra e pegamos uma mesa só para nós. Eu e Flagie sentamos um á frente do outro, e nossas pernas roçaram por debaixo da mesa, e rimos ingênuos e maliciosos, e nos olhamos fartos de alegria e tesão.Sim, eramos olhos insinuantes, desses que  percebem tudo.

E foi tocando nossas mãos que notamos que a cumplicidade que nos acompanharia. Sentíamos algo mágico, e era como se protegêssemos a relação.
Jamais poderíamos garantir nada, mas nascera sim o sentimento, não só o de tesão ou simpatia, mas o de imenso prazer de estarmos ali olhando um para o outro. Era como se seus olhos negros me dissessem; cara, estou aqui e nós vamos curtir um barato legal, vamos nos ajudar a suportar esse mundo individualista e difícil de ser compartilhado.
Sim, soubemos disso naquele instante e não íamos deixar escapar a chance.
Paixão? Não, claro que não. Era algo e além mais dum corpo que se deseja e olhos que sorriem, mas que uma manhã de segunda feira te faz esquecer.
Eram duas da manhã quando a levei em casa. Ao desligar o motor à frente do seu portão, luzes s  acenderam no interior do imóvel. - "Xi, papai é fogo!" - Ela disse.
Eu apenas sorri, afinal, para não se queimar há um único caminho; não brincar com fogo.
"Foda-se, quero me queimar!" - Disse para mim ao dar um rápido beijo em sua boca e depois  vê-la descer do  automóvel.
Flagie adentrou o portão cabisbaixa, e eu pensei; Ah, se  papai soubesse eu seria um cara tostado.

-Que venham as brasas - Murmurei baixinho enquanto ela entrava pela porta da sala.

Whiskey On The Rocks.


O seu olhar era desolador.

-Não há nenhuma chance de erro?

-Nenhuma Erico – concluiu ele.

Sai do consultório um tanto confuso. Eu havia sido o último paciente de uma consulta marcada para as 18:30 hrs. Direita ou esquerda? Eu não sabia e só via os longos corredores brancos e o piso de mármore refletindo lâmpadas das sofisticadas luminárias. Dei-me por achado e seguindo o da direita aguardei o elevador. Desci os 15 dos 25 andares daquele edifício refinado e totalmente voltado para os médicos e assuntos da área da medicina. Olhei párea o relógio; 19:00 hrs. Sai e sem vontade de retirar o meu carro do estacionamento andei pelas calçadas e atravessei alguns faróis. Eu somente andava, não havia rumo, somente o andar e as luzes que começavam a piscar;; era mais uma miserável noite na maior cidade do país. Ao atravessar uma daquelas rua a placa acrílica com letreiros em néon azul surgiu à minha frente e me chamou à atenção. “Snake Bar” Achei o nome sugestivo; entrei.

-Por favor, um Jack Daniels duplo com duas pedras de gelos - pedi.

Fui servido. Eu me encontrava sentado no balcão e de ambos os lados os acentos estavam ocupados por pessoas, algumas interessantes, outras não. Repassei o olhar e na sua extremidade esquerda percebi uma mulher. Olhei novamente e ela me pareceu perdida entre nuvens das tardes ensolaradas de janeiro. Na mão direita o copo e dentro dele, provavelmente, boiavam duas ou três pedras de gelo agitadas no mesmo sentido de um ponteiro dos segundos. Eu estava chamando atenção já que meu pescoço. completamente voltado para a direita, analisava aquela mulher bonita. Naquele exato momento a pessoa que ocupava o banco ao seu lado levantou.
Ergui-me do meu banco e me dirigi para lá, As pedras do meu Jack também giravam como o ponteiro de segundos num copo em minha mão. Sentei e permaneci quieto. Ela reparou na minha presença e sutilmente virou a sua cabeça e rapidamente me olhou. Eu me fiz de indiferente. Isso pareceu incomodá-la já que, talvez, não estivesse acostumada a esse tipo de reação dos homens – imaginei - Permanecemos lá, quietos os dois, concentrados cada um em sua bebida. Continuamos assim por mais alguns minutos.

-Por favor! Mais um Jack – pedi novamente

O barman colocou diante de mim o novo drink. Peguei o copo e o girei em sentido horário. “Acho que as pedras já se acostumaram a girar” Balbuciei para mim mesmo
Ela ouviu e sorriu.docemente. Era um sorriso mágico de um rosto de faces perfeitas e de lábios sesuais que se alargaram ao sorrir.

-Pelo jeito, tens a minha mania – Disse, demonstrando surpresa

Claro, ela se referia ao fato de ficarmos lá, interminavelmente, girando no ar, ocupando o espaço vazio com aqueles copos, nos divertindo com o som causado pelas pedras de gelo em contato com o líquido e o material de vidro.
Eu concordava e só pude dizer um “É”. Foi o suficiente para que eu me fizesse menos difícil e travássemos o nosso primeiro e amistoso contato.. Laura era o seu nome.

-Muito prazer! Laura – Apresentou-se numa voz discreta e sensual

-O prazer é meu, Laura! Sou o Érico. – confirmei, já sentindo o toque da sua mão.

Eu era Erico Zambi. Um escritor, 55 anos, e alguns livros publicados, dos quais, dois; best-seller. Eu me encontrava naquele bar, aliás, um interessante bar que mantinha na sua prateleira de bebidas caras e importadas uma enorme sucuri, envolta, grossa, arrepiante e embalsamada.
Estava ali após ter saído do consultório do Dr. Jaccques, meu médico particular que havia recebido do laboratório o resultado do meu exame de sangue. Ainda me lembro do seu olhar de comiseração, afinal mantínhamos essa relação de médico&paciente há mais de 20 anos. E a sua sentença representava um novo mundo para mim. Provavelmente haveria para mim novas sensações e uma outra e desconhecida percepção da vida. Ao descer pelo elevador, duas imperceptíveis lágrimas, solidárias, desceram juntas.
Eu havia contraído o vírus do Hiv. Eu havia contraído a popular e conhecida Aids, e os sintomas juntamente com as avermelhadas manchas na pele me fizeram procura-lo. Eu já desconfiava do resultado, mas como as vezes nos apegamos em esperanças do impossível, acreditei. Evidente, eu fora infectado há muitos anos atrás, talvez dez, ou mais, ou menos, nunca eu saberia ao certo.
E foi assim que entrei naquele bar: procurando dentro de mim o sentimento da conformação. Não havia nada á reclamar e muito menos de quem havia me infectado já que provavelmente ela não soube por quem foi infectada salvo se, o relacionamento fosse com um pessoa estável e fiel. E eu era justo ao admitir que há muito tempo eu não mantinha qualquer relacionamento com essas características, sempre transando com garotas de programas ou essas meninas perdidas nas noites da intelectualidade paulistana. Portanto, lá estava eu nesse bar com aquela enorme cobra em sua prateleira principal, travando contato com uma deliciosa mulher dos seus trinta e poucos anos. E, se tornou óbvio que havíamos nos interessado um pelo outro e nós, sempre sabemos quando isso acontece. Talvez a notícia tivesse me causado carência e a necessidade da presença de uma mulher.. Eu queria uma “mulher” e não uma garota que fosse pra minha cama por ser eu , quem sou. Enfim, já me encontrava descrente do amor e de parte da natureza humana. E, conversando com ela era nisso que eu pensava, talvez eu quisesse recuperar um tempo perdido de uma vida que eu jamais tive. Mais algumas bebidas e com uma certa intimidade saímos do bar e eu a levei para casa. Estava ali uma mulher sensível, madura, dilacerada pelo abandono de um sujeito em que ela havia acreditado, que tinha jurado ficar com ela. Doce engano. Laura ainda acreditava na raça humana e em homens casados.
Havia acreditado em mais um desses caras que mentem e que munidos da sua melhor piada convencem-nas num - “vou ficar com você” . E elas, por carência absoluta, acreditam, apesar de permanecerem sensíveis para essa mentira. É a simples necessidade de aceitar a mentira como se ela pudesse se tornar uma verdade.
E com ela não foi diferente e assim lá estava ela e a sua justificativa para permanecer ali, sentada naquela banqueta de bar. Além do mais, estávamos lá é porque deveríamos estar. Estávamos lá, compactuando com o desaforo de um destino que nos convocou, que nos induziu, que nos aproximou. Era alentador nos pegarmos em esperanças, tentando desesperadamente nos manter coma cabeça acima das ondas gigantescas do oceano da decepções. Era a vontade de não errar, e nem que o tempo não fosse o necessário ou o suficiente, a meta agora era não errar.
Ainda ao sair, lembro de ter olhado praquela imensa sucuri ambalsamada e envolta em si. E pareceia que os seus olhos não me largariaam até que eu deixasse atrás de mim a porta do “Snake Bar”. Ao sair, já na rua e ao lado da Laura, tive a nítida impressão que a cobra me houvera me dado um toque:
“Cara! A morte nos aguarda todo em cada batimento do coração. Deixe batê-lo até não pulsar mais. Só isso ”.
Pensei nisso e sorri num riso triste, de esperança até. Ela, sem saber de nada, sorria para mim.
Voltamos por todas as calçadas que eu já havia percorrido. O meu carro e o banco do passageiro aguardavam no estacionamento.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O elevador


- Mas que merda! porra! - Todos se assustaram.

Talvez houvesse uma duzia de pessoas na cabine do elevador, quem sabe mais, ele não precisava ao certo.
Foda-se! - pensou - surpreso com os olhares dos demais.
"Oh, que sujeito horrível!" - disse uma garota gordinha, talvez uns 23 anos, do qual não se via-lhe a bunda, apenas a silhueta ampla, larga, nuns peitos rechonchudos, tamanho 52.
Um cara, executivo ou parecendo um o olhou-o com desdém. Ao ser retribuido, o suspeito empresário sentiu-se desconsertado. Evidente que encarar um sujeito daqueles, que do nada solta um "Mas que Merda! porra!" não era tarefa das mais fáceis.- é bom tomar cuidado com esse tipo de sujeito -deve ter imaginado ao se desvencilhar do olhar. Do lado esquerdo, de relance percebeu uma loirinha. Ela parecia atraente a bordo daquele sorriso discreto porém, sensual.
Talvez não fosse gostosa já que não lhe via as formas, encobertas que eram por um sujeito barrigudo e de terno desalinhado. Naturalmente, o amavável sorriso, aliado ao fato de não tê-lo censurado nem mesmo com um olhar fizeram-no imaginá-la interessante.
Todos ali, com exceção de uns quatro ou cinco davam mostras de sentirem-se incomodados com sua presença. Olhou para o pulso esquerdo e no relógio o ponteiro dos segundos girava insano, numa louca corrida, sem cabimento e sem motivos, como quisesse alcançar algo que estivesse muito a sua frente, porém, sem nunca conseguí-lo. E a viagem transcorria e a medida que os andares iam sendo vencidos o elevador não mais parou e nem acolheu qualquer passageiro, descendo rumo ao pavimento inferior. E ali, naquele universo de quatro metros quadradados ele se sentiu solto num mundo sem perspectiva e sem se dar conta haviam chegado ao destino. Nem notou a porta metálica abrir-se a sua frente.

-Térreo! - Exclamou a ascensorista.

E aquele pequeno mundo de gente se locomoveu, uns mais apressados que os outros. E todos, de alguma forma, partiam para os afazeres de suas vidas repletas das mesmices de sempre. A loirinha fora a penúltima. Era a sua oportunidade. E ela saiu, linda, mágica e ele percebeu toda classe que desprendia daquela garota. Reparou no estilo do caminhar e o voluptoso rebolar de nádegas encoberto pelo delicado linho de um refinado tallieur. - gostosa - concluiu.
Talvez lhe faltasse melhor senso e critérios na definição do era ser "gostosa". Geralmente se fixava na rigidez e curvatura das nádegas como se esses fossem os únicos critérios possíveis e aceitáveis. Repentinamente imaginou se ele não estaria acometido por alguma espécie de um desvio comportamental, e então sorriu com desdém. Afinal, sempre ouvira dizer que essa obsessão, esse fanatismo por um belo rabo significava que pudesse estar enrustido dentro de si o desejo de dar a bunda. E os defensores dessa tese insistiam que já que isso nada mais representava do que as vontades de pessoas, reprimidas e envergonhadas de se assumirem na homosexuaalidade. Bah! quanta baboseira! -repudiou- Afinal, se a teoria fosse válida, seríamos obrigados a admitir que éramos um país de viados. E, além do mais, ser defensor de uma teses dessa natureza era claramente assumir-se na viadice. -concluiu-

-Senhor! Térreo! Chegamos!

Acordou do pensamento surpreendido pela macia voz da ascensorista. Ali, parado, fixou-se atentamente naquela jovem. -Linda- definiu. Linda, mas no lugar errado.- ruminou ainda. Concentrou-se mais e atentou para os detalhes daquela figura tão feminina e tudo nela lhe pareceu tão extraordinariamente mágico e sensacional. As formas, a rigidez das ancas , os seios fartos, redondos, as pernas explendidamente torneadas, a doçura da voz e, finalmente aqueles olhos negros que o devoravam.

-Senhor! Térreo! - insistia ao olha-lo fixamente e sem compreender-lhe a resistência.

Nem ele entendia o motivo de estar parado ali com o olhar fixo nela como se fosse a presa ds mais faminto dos leões. Só ali, estático, vislumbrando, admirando. sentindo o suave perfume e a irrestível atração que ela exercia. E continuava ali, parado como se atingido no queixo por um demolidor cruzados de esquerda, nocauteado no primeiro de uma luta de dez assaltos. E ela, sem qualquer resposta dele, como se estivesse hipnotizada,olhava-o de forma sedutora e os seus negros olhos faíscavam e então, num simples toque de botão fez a porta se fechar. Repentinamente os olhares tornaram-se cúmplices e ardentes. Ouviu-se o "plim" de uma campainha que certificava que o elevador estava novamente em movimento. Eles estavam excitados, inexoravelmente atraídos. Ele percebeu todo o momento e então agiu. Suas mãos de homem adentraram por sob a saia da funcionária, e os seus dedos ágeis subiram até o seu sexo e suavemente roçou sutilmente os dedos por sobre o tecido da calcinha. Um longo e sensual suspiro de mulher preencheu a atmosfera. Ele foi mais fundo e seus dedos penetraram-na e sentiu o quanto ela era quente e molhada. O elevador subia sem qualquer escala a caminho do 43o andar.

sábado, 15 de setembro de 2007

Porfírio e a cúpula do trovão.


- Alôuuuuuu! – Perguntou a voz do outro lado.

- Agência de detetives “Faro fino”! – respondi tentando ser agradável.

- Por favor, gostaria do falar com o senhor Porfírio! – insistiu numa voz irritante e que por momentos me relembrou a voz de uma garota que fez um antigo comercial de shampoo.

- Sim! ele mesmo. Em que posso ajudá-la? – disse-lhe pigarreando

- Senhor Porfírio, o meu chefe gostaria de marcar uma entrevista com o senhor. È urgente, viu? –concluiu.

Na manhã seguinte, 8 horas, lá estava eu no endereço que Tina havia me passado na ligação. Aliás, não só eu como também meu terno panamenho e de ombros largos. Era curioso e causava um certo mal estar a qualquer pessoa que me analisasse vestido naquele terno. Ao levantar-me, fiz o meu café da manhã, um café preto e forte e o digeri com algumas bolachas água e sal já que a manteiga, aliás, margarina acabada e então fiquei lá vendo o pote vazio e raspando a ponta do indicador pelo seu fundo até retirar de lá alguma coisa que fizesse me lembrar do sabor. Tomei banho fiz a barba e escolhi o melhor dos dois únicos ternos que eu tinha. Era 7 horas da manhã quando desci do apartamento e entrei no meu Gordini que sempre deixava estacionado em frente ao edifício e não havia qualquer preocupação em deixa-lo ali, parado e ninguém haveria de se interessar no seu roubo -ladrões são idiotas mas não são otários- eu pensava. Liguei a chave de ignição, dei as 15 bombeadinhas de praxe para ser injetada a gasolina no carburador e pedi a Deus que ele pegasse. – Vrhummm.... rugiu alto – então parti. Bom, foi assim que eu estava parado ali na frente daquele belo edifício comercial numa das ruas mais chiques da cidade e a fachada imponente e envidraçada, de vidros que certamente seriam Ray-ban me deu a dimensão exata com quem estaria me entrevistando.
Na portaria fizeram-me entregar um documento e me enfiaram no puído bolso superior do paletó um crachá de identificação – VISITANTE – e eu partia para o 25o andar daquela suntuosidade.
Dentro do elevador me olhavam curiosos já que era o meu terno panamenho destoante de todos aqueles que se encontravam naquela cabine num festival de grifes caras e sapatos em cromo.

-Por favor senhorita, marquei uma entrevista com o Sr. Herbert – disse a estonteante secretária que me atendeu com um sorriso cordial mas um tanto desconfiado.

-A quem devo anunciar? – Meu Deus! Era ela! Reconheci a voz de imediato e não me conformei em ver tanta beleza perdida ali naquela voz irritante.

-Porfírio, o meu nome é Porfírio – Riso cretino no rosto.

-Ah sim! o Sr. Herbert o aguarda! – Dito isso me encaminhou para a sala do Sr Herbert e, quando ela se levantou para encaminhar-me vi luzes cintilando, era simplesmente sensacional e suas pernas numa sai cinco dedos acima do joelho eram excepcionais e o perfume suave, feminino, demolidor, fez-me rastejar atrás daquela fêmea como se eu fosse um animal no cio.

O Sr. Herbert me aguardava com olhos de poucos amigos e então indicou o lugar onde deveria sentar. O seu escritório era impressionante de belo e a mobília riquíssima imperava soberana e contrastava com todos os objetos de decoração que haviam por lá.. Num dos cantos de uma estante repousava uma coleção de miniaturas de carros esportivos e eu reconhecia aqueles carrinhos num festival de grife automotiva e as Ferraris, Lamborguines, Mercedes e Porches desfilavam. Num dos cantos de sua mesa havia uma caravela, linda, minuciosamente construída por algum artesão e que dava um certo ar de nobreza ao ambiente.

-Senhor Porfírio! – sua voz era máscula e grave. E antes mesmo que eu abrisse a boca, continuou.

- O senhor me foi indicado pelo José, um colega seu de faculdade de direito e muito meu amigo.

- Ah sim! o Ernesto – Conclui dando a entender que sabia do que ele estava falando., afinal, na época da faculdade só na minha turma deveria haver uns 15 ou mais Josés.

E foi assim que eu soube, depois de termos acertamos os honorários e haver recebido em grana viva um adiantamento, que teria de investigar a sua esposa. Disse que um dos motivos foi às sucessivas ligações anônimas que davam conta que ela se relacionava com um dos seus funcionários e que, nessas horas, o denunciante nunca o deixava esboçar qualquer reação e desligava em seguida. A primeira ligação fora há mais de 30 dias e após muita insistência a srta Tina havia passado a ligação dizendo que o sujeito insistia que tinha “informações importantíssimas” a lhe fornecer. Foi dessa forma que ele soube. Saí da sua sala munido da fotografia da esposa e com alguns dos endereços que ela tinha por hábito freqüentar. A porta fechou-se as minhas costas e então sobraram Tina e eu e perdidos ali na imensa recepção. Talvez estivesse me precipitando mas, senti algo de carinhoso no seu olhar ao se despedir de mim.

-Aguardamos o seu contato, Sr. Porfírio – Disse-me antes de atender uma ligação.

Magicamente a sua voz não me pareceu irritante desta vez. Fui para o hall do elevado e chegando, desci e o seu perfume ainda impregnava o meu olfato num cheiro que não mais existia mas que imaginava ainda estar ali.

Naquela mesma tarde liguei para o escritório. Não, eu não tinha notícia nenhuma e era só o pretexto para ouvir a voz de Tina. No fim da tarde estava lá, de prontidão esperando Tina sair. Vi quando partiu do estacionamento com seu Simca Chambord prata, a segui sem não antes deixar de dar as 15 bombadas de praxe. Nos dirigíamos em direção das Perdizes e foi lá, diante de um Bar, uma espécie de "cafeteria" que seu carro estacionou.
Entrou- Sai do carro e passei e parei diante da fachada e olhei por entre as esquadrias envidraçadas e a vi encaminhar-se para uma mesa de canto, solitária. Fiquei ali, zanzando, sem saber o que fazer e a vontade de entrar era enorme mas, não sabia se deveria faze-lo ou não. Tina não era dessas garotas do meu meio, uma porra louca, boemia, de vida e de hábitos tortos. Definitivamente não o era. Voltei para o meu carro, dei as 15 bombadas e parti – houvera amarelado tal qual a gasolina que insistia em não subir para o carburador.

Na manhã seguinte lá estava eu de plantão próximo da mansão do Sr. Herbert. Fiquei lá por umas quase 3 horas quando um Mercedes Benz deixou saiu dos seus jardins.- era a dona Helena- Bombeei o costumeiro e pedi para que ele não falhasse e, partimos. Segui-a por todo aquele dia e nada houvera de espetacular nas coisas de praxe de uma mulher rica; cabeleireiro, shopping, compras e mais compras e um almoço num dos melhores restaurantes da cidade.. Evidente, aguardei do lado de fora, distante e me contentando com os dois sanduíches de pão francês, presunto e mussarela que havia levado, afinal, sou previdente. No fim da tarde ela rumou de volta para casa e ao vê-la adentrar os jardins dei meia volta e fui embora.
Na manhã seguinte toca o telefone.

-Alôuuuuu, agência de detetives faro Fino – eu disse, tentando transmitir segurança a um possível qualquer cliente.

- Porfírio? –

- Sim! ele! – Eu já sabia quem era e aquela voz era inconfundível. – Ela disse que estava ligando pra matar o tempo já que o patrão havia ido para a Argentina cuidar de alguns negócios e que o seu trabalho intenso só se dava na presença dele, com ligações, atendimentos, papeis, cartas e todas essas burocracias executivas. E ficamos ali conversando por mais de uma hora e era gostoso ouvir a sua voz, aguda e a qual eu já estava me acostumando. No fim da nossa conversa arrisquei um convite e já, antecipadamente acharia que não aceitasse.

- Eu adoraria, Porfírio! Ok! Você pode me pegar as 20,30 –

Eu não podia acreditar! Naquele dia não me preocupei com a dona Helena – ela não me interessava de momento- No horário combinado lá estava eu em frente ao endereço que ela me dera. O prédio era simples mas de arquitetura bonita. Estacionei em frente da portaria e a vi descer magnificamente aqueles provavelmente doze degraus até entrar no meu carro. Fiquei constrangido mas, ela, me pareceu simples e natural ao sentar no banco do passageiro do meu Gordini. Eu quis causar boa impressão e lavá-la num bom restaurante e indiquei o nome para onde iríamos, mas, aquela garota além de mágica sabia das coisas;

-Porfírio, não! Vamos num lugar mais simples. Não podemos nos dar ao luxo de jogar dinheiro fora já que não somos ricos – Acho que ela entendia o meu terno de ombros panamenhos melhor do que eu. Naquele momento vislumbrei uma jogada genial e disse que conhecia um lugarzinho delicioso em Perdizes e, qual não foi à surpresa dela ao me ver parar em frente daquele Bar- Cafeteria. –eu era um mestre, alias, um detetive mestre-
E ali conversamos por horas e eu soube a criatura meiga que ela era. A agudez da voz tornava-a cativante como se fosse uma menina adulta dentro daqueles olhos vorazes e negros. Ali eu soube da sua vida, das suas tristezas, das alegrias e até de um noivado de quase 9 anos que terminou uma semana antes do altar. De lá pra cá se desiludira com os homens e os queria ver longe já que todos eram iguais. Senti meio desconfortável com essa observação mas, como era mágica e sutil logo deu um jeito na situação. Ali entre os drinques, entre os meus bloodmarys e os seus matines com azeitona fomos próximos, íntimos, suaves e românticos. Lá eu vi lagrimas brotarem ao falar da mãe partida há mais de um ano, e da única irmã, casada e que morava em Recife numa vida difícil. Disse que havia pedido para que voltasse para São Paulo que ela daria um jeito mas, que o que, o marido, um pernambucano arretado a mandou tomar naquele lugar.
Foi com as faces rosadas que fez essa observação. Era quase 11,30 da noite quando saímos daquele bar e rumamos para o meu apartamento. Dessa vez quase dei azar e o meu Gordini precisou de duas sessões de bombeadas para acordar. “ Vrhummmmm” E lá se fomos nós.
Amanheceu e o despertador pontualmente me acordou às 6 horas. Olhei para o meu lado e Tina abria os olhos e não havia como não me perder dentro daquele negro infinito e da boca de maçã. Beijamo-nos apaixonadamente, levantamos, nos trocamos e a levei para casa e as 8 da matina ela deveria estar formosa e sentada na mesa da secretária da presidência.
Jesus! –pensei-. Talvez fosse tarefa árdua descobrir qual o funcionário que trepava com a mulher do patrão – tarefa difícil para se descobrir um entre mais de 100 funcionários instalados naqueles 10 andares de propriedade da empresa. Aproveitando a ausência do patrão, pedi a Tina que me arrumasse todos as fichas de empregados homens que trabalhavam por lá. Ela, a princípio recusou – Ah! Porfírio não estou autorizada – Mas, com jeitinho eu soube persuadi-la já que o seu trânsito livre pela empresa permitiria que obtivéssemos sucesso.
Por volta das 8,30 da noite me deparei com um rosto que não me inspirou confiança;

-Tina! Veja esse aqui! Quem é?

-Ah! Esse é o Marcos Augusto, gerente de marketing! – Esqueça dele, Porfírio..é afeminado - Olhei praqueles olhos vedes dentro daquele rosto aparentemente másculo e só consegui expressar;

- Vejam vocês !

Ela riu, eu ri e continuamos olhando as demais fichas. Por volta das 10 da noite estávamos exaustos daqueles registros todos e então a convidei;

-Tina, vamos lá pra casa? Te pago um delivery de comida chinesa. Topas?

-Comida chinesa, Porfírio? Topo! É comigo mesmo! – Eu poderia estar enganado mas, e evidente, eu estava me apaixonando por ela. Novamente as 6 hrs da manhã o despertador me acorda e lá estavam os olhos negros e a boca de maçã. – eu estava me acostumando-

Pontualmente as 8,30, ainda manhã, lá estava eu e meus dois sanduíches de presunto bem próximos da esquina da mansão. Para minha surpresa, o Mercedes Benz ganhava as ruas.

-Pega, miserável! – Dessa vez na oitava bombeada ele pegou, pra minha sorte. Chegamos no mais luxuoso Shopping da cidade e ela adentrava uma das lojas mais luxuosas. Dessa vez eu a observei de perto e pude ver como era bela aquela mulher. Bom, ricos, geralmente se tornam belos mesmo não os sendo – supus – Ela estava num taieur lindíssimo, cinza, coisa de milionário e num par de sapatos, salto 15, vermelhos, belíssimos. Aquilo me chamou à atenção pois não achava que os sapatos combinavam com a sua roupa – coisas de milionários-. Aguardei sair de uma loja e a se foi por entre as ruas do complexo. Parei, disfarcei e a vi entrar num toillet feminino. Aguardei uns vinte minutos e ela não retornava e achei estranho o fato. Mais 5 minutos e saem algumas mulheres do toillet e entre elas eu distingui um lindo par de sapatos vermelhos, salto 15. numa bela mulher em óculos esportivos, enormes e escuros e um cabelo diferente, penteado pro lado oposto do lugar original. O taieur dera vez ao conjuntinho, jeans, comportado e jovem. Reconheci aqueles sapatos então era somente uma questão de seguí-los. Antecipei-,e corri pára o estacionamento e a prudência me dizia que devia espera-la do lado de fora do empreendimento. O carro, desta vez não me deixou na mão, foi na primeira..
Aguardava-a quando reparei uma moça bonita em conjunto jeans, na calçada em que eu estava, dando sinal para um Táxi.

-Ahhhhh, te peguei sua safada! Ouviu seu Gordini filho dumégua!, pegamos ela!- exclamei entusiasmado.

Segui o carro e o vi entrar num motel. Era um dos motéis mais caros da cidade. Entrei atrás e ainda vi o taxi entrar por uma daquelas pequenas ruas, cercadas por chalezinhos de aparência suíça. Ali, na cancela, em frente ao guichê de atendimento, parei e desci.
O recepcionista me olhou assustado :

-Garoto, por favor! Preciso pegar em flagrante essa dona que acabou de ser deixada pelo taxi – energicamente disse a ele.

-O senhor está louco? Vou chamar a gerência! – protestou nervosamente

-Calma! Calma, garoto! Disse tirando duas notas 100 cruzeiros – talvez o seu ordenado do mês- Ele me olhou surpreso mas percebi que seus olhos e feições abrandaram.

- E tem mais duas na saída se tudo dar certo! Como eu faço pra fotografar essa dona?

Ele então pegou as duas notas e me explicou o macete. E as fotos eu consegui pelo local que é servido a refeição e só foi esticar o braço e trazer com os dedos da portinha de correr e lá estavam eles sentados na cama. Ela já em calcinhas e ele com a calça aberta e lhe aparecendo à cueca. De onde permaneciam não se aperceberam do que se tratava já que era impossível distinguir a minha feição por detrás daquele pequeno duto. Tive que ser rápido e só foram três fotos que conseguira tirar deles antes que ouvissem as minhas desculpas, em voz afrescalhada.,

_Perdoem-me, atendi o quarto errado – O pedido era na suíte 315, Um Lapso, desculpem-me.

Na saída rápida, sei as restantes duas notas pro garoto, cumprindo o prometido. E além do mais, ele mereceu cad nota daquela e foi ágil ao me introduzir naquele corredor, desapercebido dos demais funcionários.Evidente que, isso, futuramente demandasse alguma posição judicial dos que se sentiram melindrados e quando isso viesse à tona, mas, pela minha experiência, nada aconteceria e ninguém é bobo pra dar a cara à tapa.
Chegando no carro é que pude retirar aquelas três fotos da máquina Polaroid já que elas estavam dependuradas numa única tira. Me ative cuidadosamente nelas e então;

-Opa! Conheço esse rosto! – exclamei surpreso com o que eu acabara descobrir.

Liguei o carro e duas esquinas à frente parei e liguei pra Tina.

-Tina! Aquele funcionário que eu havia cismado e que você disse que era “Biba” ta por aí?

- Não, não está não Porfírio. Ele deve estar em Campinas, numa empresa, divulgando a nossa nova linha de produtos.

- Tina! É ele!

- É ele o que, Porfírio?

- É ele, Tina! O amante da esposa do patrão!

- Não pode ser Porfírio! Ele é o empregado de maior estima do patrão. Está com ele há m ais de 15 anos e é !bicha. Você deve estar enganado. – disse atônita.

Bem, isso foi há quase três meses atrás. Evidente, o meu caso com a Tina não deu certo e ela era muita areia pro meu caminhãozinho. Eu simplesmente não merecia uma mulher daquela e não seria justo enfiá-la neste mundo de sacanagem e miserabilidade em que vivo. Mas, isso, apesar de triste não foi o mais curioso. Como era d esse esperar, o senhor Herbert deu um pé no rabo da sua mulher – divorciou-se e parece que fez um bom acordo com ela. No fim do serviço me chamou e pagou-me regiamente, duas vezes mais que o combinado. Agora, uma coisa me chamou à atenção naquele dia e dentro da sua sala.
Eu já estava na porta da sua sala para as despedidas quando ouvi uma outra voz vinda do toilllet do escritório

-Já estou indo meu bem, já estou indo!

Virei e olhei assustado e reconheci o dono daquela voz afrescalhada. Era Marcos Augusto Souto.

O Sr. Herbert pareceu se divertir. Tirou mais 5 notas 100 e enfiou no bolso do meu paletó. E, antes que me despachasse por completocompleto pude ver por entre a fresta da porta que estava se fechando , a figura de Marcos, já sem camisa.

- Grande, garoto! - Piscou-me o Sr. Herbert, fechando por completo a porta diante de mim

Passei pela recepção e a Tina me sorriu, um sorriso amarelo, de quem sabia e fingiu não saber e até demonstrou surpresa naquele dia que lhe telefonei. Sorri e o meu sorriso não foi irônico, foi sim o meu reconhecimento que ela era um funcionária leal e assim deveria permanecer sempre, como entendendo que por mais que gostasse de mim não poderia confiar por completo.
E foi ali que percebi que ela não fazia parte do meu louco mundo.

O advogado


17:26 hrs :

Acabávamos de estacionar quando algo estranho me acometeu. E foi ali no carro de minha filha que senti o coração bater descompassado causando-me considerável desconforto. Com dificuldade desci, travei a porta  e caminhamos para o escritório, apesar de fazer o possível para não deixar transparecer, afinal, poderia ser apenas um mal estar passageiro e eu não pretendia preocupá-la.


17:28 hrs :

Ao entrarmos pela recepção cumprimentei as atendentes com um aceno de mão e me dirigi à sala do advogado de causas ganhas e umas tantas perdidas. Apesar de gozar dum certo conceito entre os ótimos escritórios de advocacia, sei que nós advogados  equilibramo-nos em fios e lâminas, e em ocasiões que seremos coroados de glórias, e talvez em outras, onde passíveis de erros e repercussões haveremos por enterrar de vez a vida de um profissional. das leis.
E era nesse exato momento em que me ocorria as divagações que senti a dormência no braço esquerdo, e logo após a dor aguda que me fez espalmar a mão direita sobre o peito, um inequívoco indício de ataque do miocárdio. Que hora mais imprópria para ter um  infarto e dor tão desumana que sequer permitiu manter-me em pé. Inevitável, desabei, e o barulho do meu corpo ao encontro do piso de tábuas largas chamou a atenção de minha filha que acabara de adentrar o seu escritório, ao lado.
Grace era o seu  nome, e ela veio correndo. Em seu lindo rosto sobressaiam os olhos negros e curiosos, esses, ávidos por conhecimento. Evidente, Grace sempre foi a menina dos meus mimos, porém a admiração ia além à advogada brilhante que era. E assim digo porque era generosa e preocupada com as cosias que me cercavam, pois ao ouvir qualquer dos meus espirros vinha à minha sala para certificar-se que tudo se encontrava bem.
Entretanto sua apreensão não evitou que eu estivesse ali ao chão diante aquela dor que me rajava no peito como se mil abelhas me picassem.
Seria dessa forma que a vida terminaria para mim? - Questionei -

Talvez fosse, entretanto o ataque vinha no momento impróprio, num instante em que travávamos uma batalha envolvendo milhões de dólares com uma das grandes multinacionais do setor alimentício
Óbvio, passados dois anos de sua formatura, Grace esbanjava competência e inteligência ao raso dos seus quase 25.  No entanto desconhecia a totalidade dos macetes jurídicos e as minúcias processuais, detalhes pequenos, mas que  poderiam cegá-la e fazê-la perder uma excepcional causa. Portanto não foi essa a melhor hora de abandoná-la e deixá-la a merce das bestas feras.
E assim não me é difícil concluir, pois tínhamos pela frente não só a batalha por um elevado valor, mas a excepcional perspicácia de César Carvalhaes, o advogado da parte contrária. Cesar deveria estar na faixa  dos 30, um desses sujeitos que personificam a realidade daqueles que honram o exercer da profissão. E a adjetivação saltava aos olhos naquele talentoso jovem descendente de um clã de notáveis advogados, pondera-se, todos formados nos bancos da  Faculdade do Largo de São Francisco.
No caso de Cesar embutiam-se ainda outros pesos, pois o demônio parecia deter um dom especial, já que todas as rotas que trilhávamos pareciam ser esperadas por ele, e isso facilitava as suas protelações. Por vezes me perguntei como o advogado conseguia vislumbrar as decisões da minha razão, porém, fossem quais fossem as suas premonições tinha que curvar-me à sua estupenda capacidade de se antecipar.


17:29 hrs :

Apenas mais um minuto e o meu coração agonizava.  Minha filha ao me flagrar deitado gritou por socorro, e Valquíria, a secretária, surgiu e  presenciei a aflição ao  ligarem para o Hospital Bom Coração, o qual, diga-se, fui um dos  beneméritos. Desesperadas clamavam que para que viessem logo, porém tanto esforço não resultaria em nada, pois ainda havia o relógio com os ponteiros quase inertes pelas pilhas desgastadas.
Antes de exalar o último suspiro, Valquíria ainda rogava ao telefone, e no rosto de minha filha apenas a amargura e lágrimas deslizando, formando um pequeno afluente que borrou a sua maquiagem.
Com os  meus ponteiros prestes a estancar cravei os olhos no meu diploma de Direito afixado  logo acima da cadeira executiva e tentei sorrir.


17:30 hrs :

Antes que cerrasse os olhos consentindo o fim da vida,  flashes espocaram em minha  mente como néons coloridos, e na consciência aflorou a necessidade de voltar a reviver esse mesmo dia, o de minha morte. Talvez naqueles milésimos de segundos eu estivesse confuso, pois nada me parecia mais importante que retornar para poder reviver as últimas 24 horas junto das pessoas por quem nutri algum sentimento. Talvez o desejo aflorou por não estava preparado para a morte, portanto, entre as dores só me restou a rápida  prece e na qual clamei a realização. Já agoniza quando tudo se fez torpor ao senti o inexplicável,  algo assim como se extraíssem coisas do meu corpo, e fui tocado pela paz que apenas se interrompeu no desespero de Grace que ainda insistia por socorro.
Num derradeiro esforço tentei movimentar os lábios para enviar a ela o mais doce dos beijos, depois sorri.
E assim foi que morri.


22:00 hrs :


Fazia muito frio no salão lúgubre, o lugar onde  tomei consciência de mim no sono talvez  interrompido por um conjunto de potentes lâmpadas encaixadas nas luminárias presas ao teto. Elas refletiam não tão fortes, mas me importunavam os olhos.  O local apesar do requinte, mais parecia pesadelo.
Olhei para mim e me peguei-me deitado em algo rígido que adormecia as minhas costas. Portanto soergui a cabeça levando o tórax adiante e sentei e olhei para os lados e me vi cercado por pessoas que zanzavam de um canto para o outro. Elas se mantinham silenciosas, ou quando não cochichavam baixinho, gesticulando com alguma discrição. Firmei as vistas e notei algumas pessoas sentadas, talvez ansiosas por um bom sono. Atentei-me em cada uma de suas fisionomias para depois me dar conta do lugar que estava.
Surpresa! Estava de corpo presente em meu próprio velório –
Fiquei por mais alguns instantes olhando para as pessoas, mas me sentia cansado, entorpecido, e aquilo me confundia, portanto deitei-me novamente. Ao me acomodar no caixão meu cotovelos esbarraram em flores, e eu estava cercado por elas, e ali tinham rosas, jasmins, begônias e outros tipos. Movimentando levemente a cabeça para trás pude ver alguns castiças consumindo velas enormes, expurgando um  cheiro que se juntava aos odores adocicados das flores causando-me  náusea.

Voltando com a cabeça agora sim pude reparar que Grace se aproximava de mim. Assim que me viu acariciou-me o semblante, distante, vaga, parecendo estar num outro plano de vida, num grande espaço vazio. Sorri para ela e lhe disse: Eu te amo - Porém ela reagiu como se não me visse ou escutasse, nem mesmo se dando conta de que eu  havia ressuscitado. Preocupei-me com sua inércia e outra vez levantei a cabeça e esticando o braço  tentei acariciar a sua face com a mão direita. Grace permaneceu alheia no momento que meus dedos ultrapassaram a suave tez do seu rosto, cena que me remeteu à situações assemelhadas a de um filme de grande sucesso e que tratou da mesma temática.
Surpreso, e no sentido de provar que não era alguma alucinação repeti o gesto e meus dedos entraram e saíram do seu rosto sem que Grace sentisse o contato. Desisti daquela traquinagem e olhei para o lado esquerdo da sala e mais adiante, sentada numa confortável poltrona estava a minha esposa, Elisabeth, mais conhecida como Belinha.
Fitei bem o seu olhar, e como seria de esperar não havia lágrimas nos olhos, ou em sua fisionomia algo que lhe denunciasse a dor, o desespero, ou mesmo a saudade.

Ainda soerguido revirei o ambiente à procura de semblantes conhecidos. Sim, havia muita gente por lá; Estagiárias do escritório, magistrados, gente da OAB, clientes amigos, companheiros de futebol Society, e até pessoas com bom trânsito nas colunas sociais. Parte deles sussurravam amistosamente coisas que, mesmo apurando os ouvidos não consegui ouvir.
Deus! Será pesadelo? – Murmurei.  Contudo continuei confuso, e sem saber como proceder decidi levantar do caixão e postar-me de pé e ao seu lado. E assim o fiz sem me perder das pessoas, e nelas nenhuma reação, nem mesmo quando fiz barulho ao bater o pé direito do sapato de grosso solado na cerâmica. Não, nada eu consegui, então voltei o meu olhar para a urna e o pavor tomou conta de mim:  O meu outro EU permanecia dentro do caixão, adormecido, placidamente.
Olhei para mim, para minhas feições,  e eu estava pálido, porém atraente num clássico terno Armani, inclusive era a primeira vez que o vestia, um avant-premiére por assim dizer .  Percorri-me dos pés à cabeça à procura de algo que fizesse algum sentido, mas não fazia. E o certo é que eu não poderia mudar o destino e nem fato de ser eu a pessoa que se encontrava no interior da urna.

Continuei por ali dissecando o significado de cada uma daquelas feições, e aproveitando-me da poltrona vaga ao lado de Belinha, sentei e fiquei olhando para ela na tentativa de traduzi-la. O seu olhar ainda permanecia vago, era como se ali nada trouxesse interesse, portanto Belinha fuçou o interior da bolsa e retirou o aparelho celular. Iria ligar para alguém? Não, não ligou para ninguém, e apenas apertou a tecla e acendeu o Smartphone, e entrando na secção de games e procurou por um conhecido jogo de cartas. Por Deus! Como uma mulher poderia jogar "Paciência" num momento daquele?  Talvez o ato tenha me deixado circunspecto, portanto me aproveitei do seu entretenimento para revisar um pouco de nossas vidas, e algo da minha própria história. Certo, óbvio que minha existência não denunciava um homem de plena retidão, mas eu até que fora um bom  sujeito para me ver morto aos 57 anos, quinze anos mais que os 42 de Belinha. Ah sim, falemos de Elisabeth! Era bonita, dona de uma beleza madura, mesmo que coisas em si fossem  lapidadas com tecnologias de clínicas mundialmente reconhecidas, além, claro, dos melhores cirurgiões plásticos deste  país. Eu também era um sujeito que não se jogava fora, mas por alguma situação que nunca conheci a fundo, eu e Belinha  jamais conseguimos nos relacionar satisfatoriamente como marido e mulher.  Recordo-me também que o estopim dessa frieza  acentuou-se após os nascimento de nossos dois  filhos, talvez até pelo fato da gravidez interferir em sua vaidade e na estética do corpo, pois desde a primeira gestação Belinha se recusou a fornecer o peito para fortalecer as nossas crias.

E foi assim que os nossos dois filhos se criaram, e com o tempo ela acabou se tornando tão distante e indiferente com eles, assim como sempre fora comigo, e não me houve outra alternativa a não ser a de aceitar o fato. Porém, neste espaço de tempo, e mesmo que distantes estivéssemos, tentávamos ser cordiais um com o outro.
Ah sim! Acredito que queiram saber sobre o sexo em nossas vidas.  Bem..parece-me que isso nunca lhe trouxe grande importância, e há muito deixáramos de viver a sexualidade, inclusive nos últimos 12 anos passamos a dormir em camas separadas; Não consigo me mexer com você aqui! - Ela disse numa bela manhã ao comunicar que a partir daquela noite eu passaria a dormir num dos quartos de hóspedes. Como nossa vida de então apenas resumia em um cutucar as costas do outro pedindo por mais espaço, até que não me importei.

Ah Belinha, Belinha Belinha! Ela era rápida no raciocínio, tanto com a vida quanto naquele malditas fileiras de cartas que aos seus ligeiros toques ruíam com uma facilidade espantosa. Levantei da poltrona e fui à porta do salão, e na parte externa algumas pessoas conversavam discretamente. Voltei para a sala e olhei para o meu filho Cláudio de 22 anos, e ele permanecia sentado num canto oposto acariciando o joelho da sua amalucada namorada, uma criatura que nos fins de semana nos deixava em polvorosa ao fazer topless em nossa piscina, mesmo que diante do constrangimento meu e de Grace. Sempre achei incrível aquela garota desfilar por ali como estivéssemos numa praia para nudistas, e o mais curioso é que Belinha jamais se importou com a nudez dos seus seios, talvez até pelo fato da jovem ter peitos pequenos, flácidos e com muitas estrias. Quanto ao Claudio, ele cursava o penúltimo período numa universidade federal, optando por caminho oposto ao meu e da irmã  filosofia.
Eu achava estranho aquele rapaz tão comunicativo e fã das reflexões de Platão e Sócrates ser totalmente avesso aos valores de família, pois para ele tanto faria se saíssemos de casa e nunca mais voltássemos. Aliás, melhor dizendo, não se importaria, mas desde que continuasse a  depositar em sua conta a substanciosa mesada mensal
E sobre ela, diversas vezes me perguntei em que usaria aquele dinheiro, pois jamais o vi na posse de cosias de valores relevantes.

Ah sim, claro, estou esquecendo alguém nessa minha lista de sentimentos; Valquíria, a secretária.
À respeito dela começo por aqui mesmo; no velório. Valquíria permanece sentada ao lado de Grace, e em seus olhos apenas as marcas das lágrimas ressecadas, e um ar tristonho. Ah Valquíria!  Mulher soberba, linda, 35 anos, e que há quase oito trabalha comigo. Recordo-me que foi numa festa de comemoração de ano novo no meu escritório que o surpreendente interesse por aquela garota surgiu.
À época ela  estava conosco há menos de um ano, e por necessidade, pois perdera o marido, atropelado pelo violento trânsito de São Paulo .Pensando sobre os olhares daquela noite, é mais provável que a minha carência aliada à dela e ao ótimo uísque Johnnie Walker servido na festa nos despejaram em nossos colos. Valquíria era um criatura doce e eu costumava compará-la à suavidade do Chanel Número Cinco, e as suas curvas ao violão de madeiramento nobre. Óbvio, com o passar do tempo aconteceu o inevitável, e nos tornamos amantes. Sobre Valquíria é sempre bom relembrar do seu demasiado zelo, do seu cuidar esmerado e eficiente dos assuntos do escritório,  do seu dedicar igual apreço a mim e às minhas coisas pessoais. - “Eu te amo!” - Ela dizia a toda manhã ao ir ao meu encontro na sala. Depois disso ela me beijava a boca e saia porta fora rescendendo.um perfume bom Sim, isso me causava a sensação de bem estar, de compensação, algo como a vida devolvendo um amor que fez que me deu, restituindo à frações algo que me usurpou sem comunicar.
Em suma, eram essas as pessoas do meu relacionamento e todas se encontravam  no meu velório.


Bem, já assumido na pele do fantasma que não tinha o que fazer, zanzei por entre alguns figurões do mercado jurídico, e até me surpreendi  com a presença do meu inimigo mais notório; O  advogado Lauro Carvalhaes. Como a sua fisionomia sempre me ocasionou asco resolvi sair dali e caminhei até a cantina do cemitério onde algumas de minhas estagiárias comiam salgados junto de refrigerantes, pois a surpresa da morte  não lhes dera tempo para a refeição. Mais uma vez pensei naquela insanidade toda e me convenci que  só poderia ser obra do Todo Poderoso. Era mais que certo que sua infinita misericórdia me permitia reviver as 24 horas que antecederam a minha  morte. E talvez a parafernália toda era para que me acostumasse com a situação e absorvesse a sua inquestionável decisão. Repentinamente sentia-me elucidado e feliz, portanto voltei para o caixão retomando o corpo do meu outro EU.
Ali e em paz cerrei os olhos e deixei-me levar. - Seria maravilhoso  retornar e reviver o meu último dia -


O Dia da Morte.

7:00 hrs :

Jamais necessitei de despertador, e não seria agora, morto, que necessitaria dele. Como de hábito acordei e e fui ao toalete para uma ducha e depois fiz a barba.  Após o ritual que me tomou mais de 40 minutos desci para a sala de inverno onde o café da manhã estava servido. Ali entre croissants, frios e frutas foi que tomei uma xícara de café o preto junto de duas unidades de pão de queijo. Terminado, engoli dois sucos de laranja enquanto tentava ler as manchetes do jornal . Recordo-me exatamente o que foi dito por Belinha antes de nos deixar à mesa:

-Querido, estou de saída. Preciso fazer compras para casa. Antes, porém, vou dar uma passadinha no cabeleireiro pois marquei hora. Se sobrar tempo darei uma pulo no shopping para comprar alguns jogos de cama e mesa, pois estamos precisando.

-Sim, querida! Também estou indo, pois tenho um processo urgente e que preciso rever as posições - Confirmei ao também abandonar a mesa.

Após nossa comunicação relembro que nos despedimos com a frieza dum encostar de lábios nas faces. O  milagre se daria a a partir daquele momento, pois  enquanto o outro EU físico se dirigia ao trabalho, eu, o espírito fantasma, viveria o meu dia com cada um deles na despedida oficial. Convém lembrar que espíritos são espíritos, portanto transitam em todos os lugares e a qualquer momento.



8:00 hrs:

Belinha tirou uma das nossas Mercedes da garage e eu, o “Ghost New Version” sentei-me no banco do passageiro. Ela partiu e após percorrermos algumas ruas conhecidas ela toma um atalho para a Radial Leste, diga-se,  um trajeto estranho e bem distante ao que daria oposto no salão de beleza. E assim que entramos na Radial rodamos por coisa de meia hora  até estacionamos numa ruazinha da Vila Carrão,    endereço qual não tinha qualquer referência.

Belinha, saindo do carro andou alguns metros e tocou a campainha duma casa de aparência simples. Menos de um minuto  e um garotão aparentando uns 23 ou 24 anos saiu pela porta, e sorrido caminhou até o pequeno portão de ferro vazado na entrada. Ali eles se beijaram selvagemente. Aborrecido foi que percebi que ela se sentia à vontade nos atléticos braços do rapaz. Mesmo que à distância eu podia notar-lhe a proeminente musculatura do corpo, talvez conseguidas às custas desses anabolizantes que se destinam aos animais. Notei também também seus sorriso ao caminharem abraçados pela viela dum pequeno jardim até ganharem o interior da casa.  Belinha lembrava uma colegial, e apesar de reconhecer que não tinha motivos, foi-me impossível não segui-la. Porém travei meus passos à porta da entrada e aguardei alguns minutos até que decidi entrar.  Já no interior da casa ouvi sons da voz masculina, algo que me remetia aos urros do leão, diante os gemidos sufocados de Belinha. Aturdido caminhei até a porta do quarto entreaberta e olhei para o interior. O que vi me deixou desconsertado. Simplesmente eu não podia acreditar que fosse ela.  Belinha agora urrava enquanto o rapaz entrava impiedosamente por trás. Seus modos eram grosseiros, e ele dizia coisas pornográficas e  batia ambas mãos espalmadas no bumbum da minha mulher. Eu os assisti boquiaberto, e mesmo que não quisesse ver não consegui desgrudar os olhos da cena. Estranho, mas meu meu coração descompassava. No fim, saciados como felinos após o deguste da caça largaram-se na cama.

Reprisei cada uma daquelas cenas amantes com o ar surpreso, pois  Belinha jamais admitiu que sequer tocasse um dedo em seu traseiro.  Em seguida acenderam cigarros e ficaram por lá fumando até apagá-los num cinzeiro de letão.Terminado, dirigiram-se ao banheiro, e eu ouvi um barulho de chuveiro elétrico. Suas vozes tinham o som da alegria, da felicidade, e pude reparar o imenso carinho que havia entre eles. Ainda perplexo sentei no sofá da sala e fiquei aguardando por eles. Será que haveria outras surpresas?  - Perguntei-me - Minutos após ouço vozes satisfeitas saindo do quarto, e eles vinham abraçados e aos beijos. Definitivamente, Belinha, agia como uma adolescente e pouco se importava com as mãos dos garoto apertando as suas nádegas por sobre o vestido floral.

Ali no portãozinho de ferro eles se despediram num apaixonado beijo.  Depois eu a vi retirar o tolão de cheque da bolsa e destacar um folha já preenchida e entregar a ele. Ele olhou para a folha e sorriu. Não era à toa que era necessário ganhar rios de dinheiro - Concluí com certa amargura.
Ao fim ele acenou para ela com uma feição idiotizada quando ela entrou no carro e se acomodou no conforto do banco de couro. Enraivecido sentei-me no banco ao seu lado. Porra! Eu gritei para ela, claro, em vão. Que o fedelho anabolizado fosse ganhar seu próprio dinheiro - Resmunguei para ela; tempo perdido, mortos não são ouvidos.
Como era de se esperar, no caminho de volta não houve qualquer cabeleireiro ou ao shopping center, e mesmo que eu estivesse em casa Belinha encontraria as justificativas, apesar de jamais ter inquirido sobre os seus destinos
Chegamos em casa pontualmente ás 10:00 hrs, e Claudio que, acordara fazia pouco ainda deglutia o seu café da manhã.



10:20 hrs :

Sentado à mesa eu o observava; Cláudio parecia demasiadamente com a mãe. Terminado o breakfast levantou-se e se dirigiu à biblioteca onde usou o telefone. Claudio aguçava a minha curiosidade, pois com ele, fora as brincadeiras, tudo era sigiloso, aos sussurros., portanto o segui. Me postei atrás dele e com certa surpresa vi que ele discara o número do escritório, apesar de ter dado a cara por lá uma vez na vida.

-Alô, é o meu tesão? –  Ele galanteou num tom meloso e safado. A conversa íntima continuou caliente e sussurrada

-Então ta!  Te pego naquele lugar de sempre, às 13 horas. Ok? –  Foi o que ele comunicou à pessoa e desligou.

Aquele garoto era mesmo um filho de uma mãe! - Pensei -  Fatalmente o danado estaria se relacionando com uma de minhas estagiárias por debaixo dos panos. Bem,  não podia recriminá-lo, nem a ele e nem ao seu bom gosto, afinal, havia belíssimas garotas trabalhando em meu escritório.  Claro, eu nunca me aproximara de qualquer uma delas, já que Valquíria sempre se manteve por perto. Aliás, não só ela, mas o seu ciúmes doentio também. Portanto, eu jamais cutucaria a onça com vara curta.

La em meu escritório, e passado poucos minutos Valquíria estaria pedindo ao meu EU para  sair no horário de expediente, já que iria ao ginecologista para uma consulta importante – “Estou com muitas cólica e pequenos sangramentos” Ela disse num sorriso que pareceu preocupado. Inquieto o EU perguntou-lhe se seria algo sério, ao que ela respondeu que não, pois deveria ser algum processo inerente às menstruações ocorridas em datas cada vez mais imprevistas.   Assim o assunto foi encerrado com a nossa autorização; “Vá sim meu amor.”  Foi o que lhe dissemos.
Por volta de meio dia e vinte ela fechou as gavetas, arrumou a mesa e  despejou um pouco de água nas flores acomodadas em pequenos vasos colocados na estante dos meus livros jurídicos.


12: 30 hrs :

-Querido! Estou indo, porém antes das quatro estarei de volta – Ela comunicou -  “Tudo bem, amor!” – Respondi.

No entanto o que Valquíria não sabia foi que, ao se retirar estava levando o fantasma.
Sentei-me no banco ao seu lado. Ela  ligou o, contato do Honda Civic que lhe dera de presente em seu último aniversário, e nos mandamos dali. Recordo-me que daquela noite e da sua retribuição ao presente; Valquíria me brindou com uma das mais espetaculares galopadas que dei em toda minha vida. Bem, deixando as recordações de lado percorremos algumas avenidas, tomamos o caminho para o Butantã, até que surpreendentemente desembocamos na Rodovia Raposo Tavares. - Putz, ela não poderia ter um médico mais próximo? - Outra vez me questionei.  A dúvida cedeu à decepção quando ela deu seta e entrou numa saída à direita e seguiu por uma pequena rua de paralelepípedos, depois percorreu as bucólicas alamedas dum motel de refinadas suítes, aliás, foi lá que eu a levei numa das primeira vezes ao locar uma das suas melhores suítes com direito à cachoeira, piscina e um florido jardim de inverno.
Não seria diferente, e eu estava estarrecido e decepcionado; Então era assim que funcionava?  Traição com um cafajeste qualquer?.  Era o reconhecimento que eu merecia? Quanta mentira e dissimulação! Valquíria  me enganara por todo o tempo. Eram falsas as suas atenções, os seus cuidados ao me tratar como um bebe.  Maldita mentirosa! – Ah, como gostaria de poder estar vivo naquele momento!

Mas, coisas piores ainda estavam por acontecer; A carinhosa recepção da atendente evidenciou o fato que Valquíria era pessoa conhecida por lá. - “Dona Valquíria, ele já está aguardando a senhora na suíte 15" A moça a comunicou com um sorriso profissional impregnado nos lábios. Por coincidência quando estivéramos ali também escolhi a mesma suíte, VIP, pois pretendia causar-lhe uma ótima impressão.
E agora era isso?  Fatalmente Valquíria estava sacaneando outro trouxa, talvez mais milionário, um babaca endinheirado, mesmo que eu nada pudesse fazer –
E assim, com o coração com novo descompasso foi que entramos na garage privativa e ela saiu do carro, acionou um botão na parede e a porta de aço da garagem se fechou atrás dela . Em seguida subimos quatro lances de degraus e adentramos a suíte onde o homem a esperava.

-Val, minha putinha safada! Que saudades de você e dessa sua bundinha deliciosa! – O sujeito disse escrotamente. - Merda! O sujeito eu conhecia, era o meu filho!

E mais uma vez á tudo eu tive que assistir. Sentei numa poltrona defronte a cama e fiquei olhando os seus atos de carinho, as bolinações, os risos escandalosos  e chupadas animalescas, Valquíria também fazia amor duma maneira que jamais fizera comigo. Até sexo oral que vez ou outra praticávamos diante seus veementes protestos, desde que interrompido no momento do gozo. Sim, era isso que ela fazia ao gemer de prazer, incentivando-o a atingir o clímax em sua boca. Eu vi a tudo, impassível, magoado. Vi as cenas tórridas e não me excitei, pelo contrário, enojei-me.
Por último, Valquíria e Claudio se banharam na piscina, voltaram para a sala principal e Claudio solicitou a recepcionista:

- Um Moet Chandon, no gelo, por favor, moça! - E depois concluiu – “Ah sim, poderia fazer o obséquio para aqui 30 minutos servirem o nosso prato de minha namorada!  Lagosta ao creme de aspargos com champignons - Ele solicitou com a pompa de um biliardário - Ah...Então era assim que o safado torrava a minha grana! Eu acabava de entender.


15:30 hrs :

Logo após a refeição abandonaram o motel. Ela rumou para o escritório enquanto eu e o Cláudio voltávamos para casa. Pai e filho, se fôssemos irmãos, Caim e Abel.
Cheguei em casa arrasado; Como ele se atrevera  a seduzir a única mulher pela qual nutria algum sentimento?  Ainda mais ao vê-la daquela forma, indefesa hiena sendo devorada  por um vigoroso e jovem leão.  E isso me doía, afinal, será que ele não tinha percebido que eu e Valquíria eramos amantes? E mesmo que eu estivesse vivo Claudio se defenderia  alegando desconhecer o fato, sempre o maldito papo furado. Claro, essas horas são as que se destinam aos hipócritas, e, infelizmente o meu filho era mais um deles. O meu coração batia ainda mais descompassado e dolorido, pois a minha despedida se dava diante um oceano de decepções. E Claudio, mesmo que não soubesse, me magoara tal qual a mãe com o Mister Músculos.
Enfim, qual seria a verdade de Valquíria com relação a mim? Será que ela não gostava de fazer amor comigo, ou que meus beijos e carinhos não agradassem?. E isso me aborrecia, macho ferido, a cicatriz aberta expurgando sangue, a minha consciência se questionando de não ter sido o bastante para uma fêmea, a morte zombando de mim ao fazer-me ao ver um amor que jamais foi feito comigo.
Portanto, doía e doía, e eu tinha que admitir.
Voltamos para casa, e eu me sentia um fantasma idiota por ter clamado para voltar, e o pior, ter passado por isso. Não, não! Definitivamente Deus não teve culpa, e se houve um culpado, esse fui eu - Tive que consentir.
E outra; Deus jamais permitiria que eu fosse enterrado com mágoas no peito, e assim me deu Grace, a parte doce da minha vida, uma flor repleta de belezas e que desabrocha, e era só com ela que poderia contar. Ela e mais ninguém. E quanto a mim?  Justo comigo que procurei servir a todos, do meu jeito, é claro, mas...servir a rodos.


 16:00 hrs :

Entrando em casa ouço cochichos e o reconhecido riso feminino vindos da biblioteca. Entro pela porta e vejo uma Grace esfuziante ao telefone. Reparei- a bem e ela parecia feliz e os olhos cintilavam e a meiguice em sua voz  fazia-me perceber que dedicava especial carinho à pessoa na outra ponta

-Sim amor, estou de saída! Não, não! Não há problema algum. Não, não  me esqueço, inclusive já coloquei na pasta. Sim! Levo sim. Estou indo para o escritório, mas antes eu passo na tua casa. Ok? Beijos! Amo-te!

Surpreendi-me, afinal Grace nunca me falara de algum atual namorado, pois sempre foi reservada e discreta com a sua pessoalidade.  Todavia a culpa também deveria ser minha, já que tinha andado demasiadamente ocupado para falarmos sobre o que pudesse causar sensibilidades, ou mesmo, o amor. Ao contrário, conversávamos sobre ações, linhas de processos  e teses jurídicas, e os traçados a serem seguidos E não parávamos por aí, não! Discutíamos sobre contestações, defesas, apelações, sobre   incertezas, probabilidades, tão notória a minha ausência nas coisas da trivialidade do seu dia a dia, fatos que, agora conclusos não havia como remediar. E eu lamentava por isso.



16:30 hrs :

Grace tira o carro da garagem, e eu ali, firme, e ao seu lado. Minha hora estava chegando e nada mais justo que passar meus últimos instantes ao lado de quem mais amei nessa vida. Era importante aproveitar cada segundo antes das cinco e meia, o prazo final para que retomasse meu corpo á fim de morrer em paz e ser enterrado decente.  Eu estava feliz por vê-la tão linda e animada, naqueles cabelos que cintilavam ao sol e ao prazer do vento. E eles esvoaçavam, tonalidade avermelhada que combinava magicamente com as linhas suaves e femininas do rosto. Assim que paramos no primeiro semáforo os olhares dos homens através das vidraças dos carros eram todos dirigidos a ela, e ela parecia nem se importar. Ah, que menina de fibra! E ter fibra era o traço marcante de sua personalidade
O sol reinava soberanos e as nuvens brancas adornando um céu límpido e azul tornavam os momentos sublimes, uma tela de Picasso acrescentando os retoques finais para a posteridade Era eu me despedindo das ruas de São Paulo, da terra que amei e certamente  por ela fui amado. Apesar de todas  as decepções daquele dia eu estava grato ao Todo Poderoso por permitir-me tais instantes.


16:50 hrs :

O carro seguiu até darmos num endereço do Jardim Europa, bairro próximo ao lado de nossa casa e bem próximo de nosso escritório. Ruas amplamente  arborizadas combinavam com a imponência de suntuosas  mansões. O nosso carro parou em frente à  um imenso portão de ferro fundido com motivos de anjos e demônio, um contraste mais que perfeito. Eu conhecia aquela casa, portanto foi surpreso que a vi sacar um controle remoto da bolsa e acioná-lo, para lentamente abrir-se o portão.
Eu senti um arrepio na alma:  O que poderíamos fazer ali?
Grace deslizou suavemente o carro pelas alamedas floridas, e alguns metros adiante estacionamos na porta da mansão de estilo renascentista. O rosto maduro de alguém com feição asquerosa e aristocrática veio em nossa direção. Eu o olhei aterrorizado; Era Lauro Carvalhaes. Pai de Cesar Carvalhaes.
Cafajestes!  – Pensei –  Cesar nem se dera ao trabalho de receber a minha filha com o entusiasmo que um namorado recebe a mulher que ama. Conclui aborrecidamente.

-Oi querida! Trouxe-nos os dados? -  Lauro perguntou sorridente ao se aproximar de Grace. Estranhei a questão - Quais seriam os dados ao que o lobo se referia?

Foi então que o mundo explodiu como se tivessem jogado a bomba, não em Nagasaki, mas dentro de mim. Óbvio, eu podia sentir a traição.

-Trouxe sim, amor! – Minha filha responde com olhos resplandecentes e apaixonados.

 “Amor.. amor? - Eu balbuciava petrificado. Foi o instante que tudo compreendi.

 -Sim! Está comigo a cópia da petição que meu pai impetrará na próxima quarta. Ai, Lauro! Sinto como estivesse enfiando uma adaga no coração de papai – Ela diz num tom preocupado e de quase remorso.

-Não se desgaste com isso minha flor! Ele jamais saberá do nosso segredinho! – O cão sorriu para Grace com o indicador apontando para a pasta que ela trazia - Depois completou;

 -Assim que resolvermos essa causa, prometo-te que teu pai ficará ciente do nosso relacionamento. Já decidiu em que país pretende passar nossas  núpcias?  – A velha raposa pergunta numa tonalidade afetada, mas confiante.

-Ai, Lauro, se ele souber... - Ela devolveu divagando. Depois completou: -Apesar  que você tem razão, e ele há de entender o nosso amor apesar do antagonismo que há entre vocês. Mas...como afirma que nossa felicidade depende disso, está aqui está o que você necessita, pois sei que dessa vez o seu contragolpe será definitivo – Grace respondeu com a voz dos apaixonados ao entregar-lhe o envelope.

Com a minuta da minha contestação em poder de Lauro foi que se beijaram apaixonadamente, ou pelo menos Grace o beijou apaixonada. Antes de se despedirem Lauro passou sutilmente a mão pelo traseiro de minha filha, e eu senti vontade de matá-lo. Porém eu já estava morto, e morto não mata ninguém.
A insanidade  que se apoderava de minha filha a tornaria refém dum sujeito  quase 40 anos mais velha que ela?   Por Deus! Os contrastes entre eles eram degradantes!
E eu bem reconhecia um lobo na pele de cordeiro, conhecia a falsidade daquele sorriso dissimulado.
Ah...como eu gostaria de estar vivo e alertá-la: - Filha! Caia fora enquanto há tempo! Esse sujeito não presta e só está te usando! – Mas, mortos sequer falam, protestar então...
Sim, óbvio! Lauro é um advogado brilhante, poderoso,  desses que enchem sua casa com suntuosas festas para magistrados, todas regadas à caviar e  uísque 25 anos, e os meios forenses não desconhecem os fatos. Ah Lauro! Advogado maldito, inescrupuloso, desses que são capazes de plantar provas provas, corromperem testemunhas, venderem a própria mãe desde que lhes traga algum benefício. Antes que saíssemos eu o ouço sussurrar tão falso como uma nota de mil.

-Então amor! Aguardo-te às 10 da noite aqui em casa! Estou doido para ficar com você! Adoro esse esses teus seios  que...que...  - Ele diz com cara safada e gestos exagerados de quem carregaria nas mão seios como o volume das bolas de boliche.

 Ah, Deus! Como eu gostaria de matar aquele sujeito enfiando em sua pele um milhão de agulha
Grace sorriu constrangida e nada respondeu. - "Pústula!" - Ruminei entre dentes. Não me admiraria se que o miserável comprasse todo o estoque de Viagra das farmácias da redondeza



17:05 hrs:

Entro no carro de Grace e sento no banco do passageiro. Eu olho para ela e  tristeza e decepção me invadem. Repentinamente nada mais faz sentido. A vida não faria sentido, a morte agora parecia fazer algum. Olhei mais uma vez para o seu rosto bonito,  pros cabelos avermelhados e as lágrimas me desceram conforme o carro  abandonava as paisagens bucólicas das alamedas da mansão. Eu não sabia que espíritos choravam, mas sim, espíritos choram. Fora-me um rude golpe, o mais doloroso de todos eles, e,  infelizmente eu não estaria aqui para amortecer a sua queda quando despencasse no precipício.


17:26 hrs :

O carro de Grace adentra o portão do nosso prédio e ela se dirige para o estacionamento quando repentinamente os batimentos cardíacos acelerarem de forma estupenda e descompassada.
As pulsações são demasiadamente rápidas e eu posso sentir tais latejamentos no céu de minha boca.
E a aceleração evolui rápida, cada vez mais rápida e eu sinto um desconforto no peito. Ao entrarmos no escritório aceno com a mão para as recepcionistas, enquanto Grace se encaminha para a sua sala e eu rumo para o meu escritório, porém com certa dificuldade.


17:28 hrs

Ao adentrar minha sala deparo-me à frente do outro EU, e tanto ele quanto eu levamos as nossas mãos ao centro do peito: Era a dor, insuportável, definitiva. Ele e eu sentíamos nossas pernas pesadas e o ar pareceu rarear em nossos pulmões. Desabamos.                                                                


17:29 hrs

O som do meu corpo ao cair é grave e minha filha vem às pressas e grita ao me ver desabado. Minha mão continua espalmada em meu peito, a voz não sai, e apenas dói, dói muito, uma dor que não cessava,  e vieram outras pontadas mais intensas.
Decorrido talvez menos de um minuto sinto algo preencher-me; É a reincorporação do meu espírito.


17:30 hrs:

E foi assim num fim de tarde cheirado a mormaço, fumaças e textos jurídicos que exalei meu último suspiro. Antes ainda houve tempo de mover os lábios na intenção dum derradeiro beijo em Grace.
Logo após tentei sorrir para elas.
Foi a última imagem que tiveram de mim, a fotografia de um sorriso trajando amor e perdão.

Eram exatamente dezessete horas e trinta minutos quando entrei em óbito.


Copirraiti 15Set2007
Véio China©