sábado, 30 de abril de 2011

A Realeza e a Plebe ( Croniqueta )

Meus intestinos fervem e os gases acumulam-se, graves e hediondos.
Contudo, alguém quereria saber de minhas flatulências? Ninguém, aposto!
Enquanto meus gases não criam fama e nem ganham espaço top entre os vídeos do Youtube, na casa real, provavelmente, tendo em vista o matrimônio, o orifício anal da duquesa foi depilado com tecnologia laser.
Uau! Isso sim é coisa muito chique!  - Provavelmente diria Elton John -

Em que pese tais inerências serem afeitas ao poder, o dinheiro e futilidades, acredito termos (a duquesa e eu) alguns traços no patamar do comum e naquilo que o exercício de nossas sacrossantas existências afere.
Claro! Diferenças existirão já que não me verão sob o sol de Côte d'Azur ou nos paddock de Monte Carlo, eu sei.  Portanto, elas serão bem outras que as de nossas vis humanidades.
E nem há de se falar do sangue. Não há o sangue azul e nem Real! Há um mesmo que é vermelho lá como é rubro cá. Talvez apenas difiram os tipos sanguíneos ou o teores álcoólicos impregnados neles.

O que preciso, de verdade, é urgentemente encontrar formas mirabolantes de chamar as atenções da platéia global e sem que precisse  ostentar uma melancia de 450 quilos na corrente de ouro 14 com Lady Gaga acima e nua.
Sim, claro! Para mim não há a menor dúvida; A princesa e eu somos  parte dessa mesma turba que processa, boceja e defeca diariamente toneladas de merdas que entopem os esgotos das cidades.

Contudo, para mim é pouco, para ela não. Quem sabe se eu pudesse saltar de qualquer uma das pontes ao longo do Rio Paraná e me afogar junto aos bagres dos dentes serreados ou às tilápias de rabos dourados? Surtiria algum efeito prático? Provavelmente não! Persistiria sendo muito pouco ou quase nada para chamar a atenção daquilo que reside superficial em nós meros mortais com batimentos cardíacos entre 70 a 120 vezes por minuto
E,  certamente se afogado fosse, talvez o meu tanto de fama não superasse a reles nota de rodapé duma página policial num desses jornalecos populares e de baixa tiragem. A notícia bem ínfima persistiria grandiosa nas mais necessárias fantasias:

“Bêbado morre afogado ao colidir com uma vaca e cair da ponte"
*Nota da Redação: Não houve tempo sequer de ver na TV o matrimônio da realeza britânica”


Copirraiti Abr2011
Véio China©

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Madá, Justin Bieber, e outras Drogas & Afins

Havia algo de errado, começando pelas rugas e descendo pela minha proeminente barriga, e ela fazia dobras e que recaiam sobre a cueca. E essas disparidades jamais combinavam com a textura suave da sua pele de fêmea, e muito menos com os seus surpreendentes 37 anos incompletos que não pareciam 29. Talvez outras coisas deixavam-nos distantes daquilo que deveríamos ter ou poderíamos ter sido. Eu, apesar dos 58, que à verdade mais se assemelham aos 62, queria apenas curtir as minhas bandas de rock pesado. Ela, em direção oposta, estacionara num universo teen frequentado por ídolos pop. Talvez fôssemos o par da coisa desconexa,  duas aberrações e cada qual ao seu estilo. E as disparidades me fazem lembrar duma certa ocasião.

-Paizinho, ta sabendo que hoje a tua gatinha ta hiper carente? – Ela me piscara um dos olhos naquela  noite mormacenta enquanto em seus ouvidos  imensos headphones davam-lhe um ar de alguém deslumbrado com o momento.Para ela era como se não existisse a tristeza do roxo ou o negro, mas somente o rosáceo das alegrias e dos bons sonhos.

O seu corpo serpenteava á melodia que ouvia, algo que eu supunha ser a irritante “S.O.S” dos Brothers.
Porém, aquela canção parecia praga, uma grande desgraça e que ela tanto insistiu e cantou  pelos cantos da casa que acabei por me apegar à maldição melódica assobiando-a constantemente como se isso fosse  a coisa mais natural desse mundo. Para piorar,  quando não assobiava eu a cantava, na sala, cozinha, debaixo do chuveiro, e algumas vezes à cama enquanto fazíamos amor.
Por outro lado eu não dera a mesma sorte que a dela. Ela era radical comigo, e isso foi escancarado e inconteste numa das últimas fodas que tivemos; Eu queria ação, me sentir um revolucionário, portanto deixei deixara rolando um som do AC\DC no system da sala. Claro, rock para mim tinha que ser alto, heróis vikings sentindo o gosto da lâmina, mas abatendo seus inimigos um á um. Entretanto os efeitos do volume não demoraram a se manifestar:

-Paizinho, pelo amor de Deus! Com esse barulho não dá! – Ela reclamou ao virar o corpo fazendo-me sair de dentro dela de cima dela

Talvez o tom grave e abrangente do contrabaixo que fazia trepidar os vidros da sala a incomodasse. Incomodava-a também os riffs de Angus, principalmente em “Black in Black”. Como eu não fizera qualquer menção de levantar-me para dar um jeito na situação, ela, furiosa curvou as costas sobre o colchão e num impulso soergueu-se abruptamente fazendo-me deslizar em cima.

E, desequilibrado me lamentei, e  foi pena, afinal, depois de mais de 20 e tantos minutos duma árdua batalha aquilo começava a ficar muito bom.

- Ah papai, desculpe, mas... trepar com esses caras canindo como leões esfomeados, não dá! –

Evidente, com ela eu me divertia por muitos fatores; Ao estar nervosa sua burrice e outras pequenas coisas extravasavam. Naquelas ocasiões um de seus olhos se tornava bem mais dilatado que o outro. Portanto ao vê-la com um olho maior eu ri e tive vontade de corrigi-la, explicar que leões não cachorros.Entretanto, por experiência própria achei melhor fingir que não ouvira, pois havia toda a possibilidade de ser quebrado o encanto e  sedução que ás duras penas eu consegui
Também nao estaria com conversa fiada ao admitir que Madá fosse mesquinha, e que parte das suas atitudes e reclamações jamais se justificaram. E digo assim porque numa noite daquelas fizera-me ver três vezes  consecutivas o DVD dum ídolo teen retardado cantando suas idiotas e alienantes canções; “Baby Ft Ludacris” era uma delas. Claro, eu  faria qualquer coisa por Madá,  assistir como assisti Justin com aquele seu ridículo corte de cabelo, inclusive de pernas entrelaçadas como dois adolescentes comendo  pipocas e tomando o guaraná Taí.

Porém, como o tempo é o senhor da razão, repentinamente aos seus olhos  fui perdendo o charme, o encanto, a novidade. Eu deixara de ser o velho e descolado transgressor para me tornar apenas um idoso que vestia surradas calças Levis e tênis acamurçados da Adidas. Não estranharia se inesperadamente surgisse na estante de casa um volume do “Estatuto do Idoso”. O descaso, inclusive abrangeu os meus CDs do Led, Floyd, Who, Clapton e Bob Dylan e outros tantos que passaram a ser desdenhados e tratados meras relíquias dum  museu musical. Nos últimos tempos ela me tinha como o grande troglodita, um dinossauro tão velho quanto aos seus velhos ídolos. Recrimináva-me também ao dizer que eu me tornara obsoleto, desses que se fazem acompanhar dum tempo onde o aperto de mão equivalia à palavra e um fio de barba um documento de idoneidade. Óbvio que havia um grande exagero de sua parte.

As coisas persistiram  desta forma e tomaram contornos dramáticos quando deixei de ser o seu “papai” para tornar-me simplesmente “Alfredo”. Daí para o fim era um pulo de brincar amarelinha, e eu sabia.

Malas postas na sala. Madá maquiada ao estilo de Mortícia Gomes esperava por algo ou por alguém. Não tardou e a campainha se fez soar.

-Pode deixar que eu atendo, Alfredo. – Ela comunicou.

-Tudo bem - Eu disse.

Ao abrir a porta soou uma voz de tonalidade juvenil. Esgueirei o olhar o suficiente para ver a quem pertencia. Um garoto de olhos verdes e de pernas magras que pareciam dois bambus fincados sorria e tagarela bastante. Repentinamente ela voltou para a sala e pegou um dos três volumes de suas malas. Fiz menção de ajudar:

-Pode deixar aí onde está Alfredo! Sou independente! – Ela disse com certa empáfia.

-Tudo bem outra vez!  – Eu concordei ao dar de ombros.

Assim que o último volume saiu eu ouvi um clik e a porta se fechou. Definitivamente Madá não fazia mais parte do meu mundo. Curioso, fui até a janela e a tempo de vê-los saindo diante uma das cenas mais engraçada que Madá me proporcionou.
Foi  hilário ver aquele pirralho grudado à cintura de Madá. Os quase um metro de oitenta dela contrastavam com pouco mais de metro e sessenta do meninote. Pareciam um gráfico de variações de produtividade; altos e baixos
Estranhamente, Madá era a mulher dos opostos, das inconsistências.

E assim eu os vi partirem. Talvez Madá carregasse na mala algo que jamais pendurou no cabide ou nos guarda-roupas de sua vida; a sensatez. Eu não estranharia se o seu próximo alvo fosse um tenor fracassado ou algum perspicaz pagodeiro.
Dei uma última olhada quando fecharam o portão da frente e percebi que o garoto tinha aquele mesmo corte de cabelo do tal Justin.  Eu ri gostoso.

Encaminhei-me para o rack, liguei o system e “Perfect Stranger” foi curtida no último. Gillan continuava sendo um dos maiores vocalistas do rock mundial, e Steve Morse um espetacular virtuose que fazia sua guitarra Enie Ball gemer como a mais espetacular das prostitutas. Contudo, saudosista que sempre fui dou por falta de Ritchie Blackmore e do Deep Purple dos anos 70.

Ao fim da canção me lembrei da cena de Madá e do seu garotinho Bieber agarradinhos um no outro.

-É isso aí, Madá! Uvas verdes também fazem vinho bom – Concluí ao colocar  "Black Dog" do Zeppelin.

-Caraca! Como eu gostava do John Borman! Ele batia legal. – Lamentei ao ouvir os primeiros acordes e relembrar a estupidez de sua morte no próprio vômito.

Eu sabia que nós enquanto humanos temos a necessidade da lamentação, da automutilação e da falta de comiseração por nós mesmos; Meã culpa, meã culpa, mea máxima culpa, gostamos de nos sentenciar. Porém o transcorrer da vida me ensinou algumas coisas, e alguns  conselhos bons que procuro seguir; Se a vida te deu um limão, faça uma limonada -  Lamentar? Lamente-se sim!  Mas somenten aquilo onde haja algum verdadeiro valor a ser lamentado.

-Boa sorte, Madá! Que ela nunca te abandone! - Brindei ao tocar as cordas da minha guitarra imaginária.

Eu e Jimmy Page éramos o máximo. Melhores que os outros três, óbvio!


Copirraiti Abr28/2011
Véio China®

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cenas pueris


-Tio, tio! Eu quero avisar pro senhor que o ca...

-Quereria meu rapaz! Quereria... –

Respondeu bruscamente o sujeito de aparência austera enquanto batia as mãos nas pernas e nos fundilhos da calça. Ele acabara de levar um tombo medonho ao tropeçar no meio-fio daquela movimentada rua. Contudo e para piorar o que bom não era,  a barba,  numa tonalidade arruivada e o olhar severo acrescido da calvice tornavam sua feição mais rude que propriamente era.

-Não tio, mais é só pra te dizer pro senhor que...–  Novamente foi interrompido

-Jovenzinho, antes de tudo seja mais cordato e tenha para você que não se pode ficar interpelando desta maneira pessoa que mal conhece!

-Eu sei tio, mais é que..

-De novo? Que garoto maçante! Certamente a civilidade e polidez não lhe foram ministradas em casa, muito menos herdadas de berço. Será que é nesse desentoar maleducado que caminha para a sua puberdade? - Dessa vez o homem o admoestava tão braviamente que parecia que seus olhos poderiam saltar das cavidades oculares.

-Eu sei tio! Mais, mais... – O garoto tentava expressar, porém e apesar da insistência não obtinha sucesso.

-Não tem mais mais e nem menos menos! E saiba! Não é mais, é MAS! - Praticamente berrou.

-Eu sei tio, mais  pelo amor de Deus, o senhor não ta entendendo que o Maic.. - Definitivamente aquele jamais seria o seu dia. O homem se mantinha irredutível e o abortou com rudeza, novamente

-Por que não se cala, ser pueril e inconveniente? – Foi a nova bravata, porém, dessa vez,  num  mesmo grau de rudeza, mas com maior sofisticação.

-Ta bom, tio! Se o senhor acha melhor assim... - Desestimulado o menino deu de ombros, virou as costas e se retirou.

Assim que o garoto se afastou o homem caiu em si. Havia agido com muita severidade com menino e sem oferecer-lhe ao menos a oportunidade de dizer o que se entalava na garganta. Arrependido chamou o garoto:

-Ei, meu jovem! O que poderia apalavrar-me de tão importante e essencial? – O garoto girou sobre o próprio eixo e voltou para ter com ele.

-Bem, tio. Agora nem dá mais jeito. Agora é tarde! - Exclamou com certo receio.

-Tarde? Tarde pra que?

-Bem... é assim tio. Quando o senhor tropicou na calçada e se esborrachou, não percebeu, mas... a sua peruca avuou pra bem longe.

-Voou... - O homem o corrigiu irritado com a opacidade do seu linguajar. Porém não bastaram mais que poucos segundos para que desse pela gravidade da informação

-Como? A minha peruca? - Questinou enquanto levava uma das mãos ao cocurutu  e dava por falta dos cabelos.

-Isso, tio! Ela avuou pra longe. E foi nessa hora que tava passando o cachorro do Tininho, o Maicou Jéquison, e ele abocanhou aquele negócio cheio de cabelo e deu no pé! -  O homem o olhou com certa raiva:

-E por que não me disse naquele momento, garoto indolente?

-Indo, quem, tio? –  Obviamente, além de não saber o peso das palavras, perguntava-se o porque do homem usar palavras tão difíceis para ele.

-Indolen... ah, deixe pra la! – Irritou-se ainda mais o suejito que não deixou de  insistir: Deveria ter-me avisado a tempo, garoto aparvalhado e lerdo!

De fato o homem, apesar da ira, sentia-se constrangido sem os seus cabelos avermelhados. Todavia agia de forma insólita e hilária ao tentar esconder a calvice espalmando ambas as mãos onde antes havia o chumaço de cabelos. O garoto, sentido-se cobrado tentou defender-se:

-Bem.. tio. Eu até que tentei, mas o senhor ficou me ensinando o dicionário todinho... Mais aí já era! Não deu mais tempo - Concluiu derrubando os ombros.

-Então, tudo está sacramentado! -  O Homem suspirou inconsolável. Porém, brasileiro, surgiu a luz, esboçou-se a esperança:

-Ei garoto, você tem o endereço do tal canídeo? -  Perguntou num olhar de súplica e ainda com as mãos no alto da cabeça.

Afinal, era a chance que a sua calvice  precisava. Talvez nem tudo estivesse perdido.
O olhar de rogo se manteve cravado em sua fisionomia diante do garoto que parecia matutar.
Passado alguns segundos, vestido numa expressão de incerteza, o garoto se manifestou:

-Canídio, Canídio...  bem tio, desse eu não tenho não. Pra falar a verdade eu nem sei se esse sujeito mora por aqui. Se ainda fosse o do Maicou Jéquisom dava pra quebrar um galho!


Copirraiti Abr2011
Véio China©


Violação

São Paulo, março de 1984.

Linda. Talvez 18 ou 19 anos. Menina de predicados, boa alma e o xodó dos pais apaixonados.
Humana, a libido e os desejos se dobraram à razão e à aparência máscula de um corpo perfumado e muitos músculos. Dos gemidos e sussurros apenas a lembrança do que trazia no ventre, apesar de ainda pouco perceptível. – Graças a Deus o bebê estará bem – Dizia para si ao perambular em seu calvário dos dias que não tinham fim.

Do namorado, o que lhe fizera o mal, não mais dera sinal. Relembra que ele se desapareceu. A casa onde Cesar morava, pequena, agora se abandonava e deixava-se varrer pelos ventos de outono que assopravam as folhas no jardim.
Contudo em sua vida não existia trégua.
Imprescindível,  ela o sabia, era acreditar nos seus sonhos e numa existência que poderia ser melhor, apesar de saber difícil contar com o fato.

Ah! Se fosse somente essa a dor! Não, infelizmente não era. Lembra-se da outra, logo após,  ocorrida na volta da faculdade para casa.  23h30min, horário de sempre. Recorda-se até do trajeto que  ônibus fez naquela noite. Um caminho de ruas sombrias e alumiadas de lua cheia, das luzes fracas  nos postes e por faróis do coletivo que a desembarcou na parada de todo dia.
Recorda que ainda pensava nele quando fora do coletivo caminhou pelas ruas solitárias e fantasmagóricas, pouco menos de 15 minutos até chegar em casa.
Rememora ainda que escutou barulhos enquanto prosseguia. Eram sons das solas de sapatos que vinham logo atrás e freneticamente tamborilavam o asfalto, aproximando-se rapidamente.
Tensa, tentou apressar os passos até dar no fim da rua onde se abria um enorme descampado. A relativa claridade permitia que distinguisse as marcas de cal no campinho de terra onde seu sobrinho Euzébio fazia bonitos s gols para o time da escola municipal.

Foi naquele ponto que os passos a alcançaram. A mão forte e ágil selou a sua boca enquanto uma pontiaguda lâmina de retalhar churrasco reluziu ao luar, ameaçando-a.
Um calafrio percorreu todo seu corpo ao reparar na feição transtornada do homem. Era horrível, principalmente o seu olhar insano. Foi então que esperou pelo pior.
Talvez se a vida fosse unicamente se dua posse  não se importaria em reagir e tentar gritar. Talvez os gritos de horror apavorassem o maníaco e aquele nauseante odor de bebida deixado no ar. Porém sabia; há quase três meses a vida deixara de ser apenas sua. Portanto, não poderia arriscar.

E assim foi sob o clarão da lua que ela foi estuprada, submissa e deixada ao relento num chão de terra batida. Talvez se ele a estacasse no solo não haveria qualquer surpresa e nem desencantos.  Para ela naquele momento tanto faria ser pau, pedra, sol ou chuva.
Sarcástico, o estuprador antes de partir  ajeitou as calças na cintura e subiu o zíper. Ele a fitava com os mesmos olhos insanos. Todavia era hora de ir. E antes mesmo que desaparecesse na noite clara, ainda lhe pareceu por bem galantear:

-Menina, jamais esquecerei estes olhos tão grandes que poderiam ser bolas de futebol –

Depois da vergonha e humilhação a vida teve que persistir apesar da doença. Houveram noites que pensou em desistir, mas, logo recobrava a força interior e pensava no seu bebê. Os meses passaram e ela quase se deu por morta-viva. Não havia mais a beleza e o seu corpo definhava apesar da pequena bola arredondada em sua barriga. Todavia, diante de todas orações e rogos e o bebê nasceu saudável e liberto da doença.


Dezembro de 1985

Até que chegou o dia que um dos seus poucos desejos foi concretizado; Investigadores bateram à sua porta e disseram que era necessário que ir à delegacia reconhecer um homem.
Pelos relatos dos policiais talvez houvessem capturado o maníaco  daquela noite de lua clara
O coração acelerou ao adentrar no distrito. Em companhia do pai e sentada numa cadeira de rodas remexeu o corpo cadavérico por detrás do vidro espelhado e que a mantinha isolada dos suspeitos. Focos de luzes fortes desnudaram todos aqueles rostos. Um a um ela os observou com muita atenção apesar da comoção.

-Sim, é ele! Confirmou ao ver o detido com plaqueta de número 5 .

-Por favor! Eu preciso ter com ele! – Rogou ao delegado num tom fraco e quase que inaudível.

Apesar de tentar perssuadí-la sem sucesso, e com pena da pobre moça a autoridade cedeu e o trouxeram.

O maníaco quase nada entendeu a se ver diante daquela criatura definhada e esquelética. Por segundos se olharam.
Algo o incomodava além da sua tosse seca e persistente, pois o seu olhar não conseguia se desvencilhar da mulher
.
-Lembra-se de mim? – Ela perguntou firme e decidida, como se algo sobrenatural a fortalecesse.

-Talvez! – Ele respondeu, para  depois, finalizau: Apesar que tenho a impressão que conheço os seus olhos.

-E conhece! – Sou a garota dos olhos tão grandes quanto bolas de futebol. Lembra-se?

Estarrecido ante figura tão disforme,  pergunta:

-Por Deus, menina! O que Aconteceu com você?

-Comigo nada! Apenas com você.

-Comigo? Como assim? – Parecía-lhe um diálogo desconexo e surreal. A moça devia estar delirando – Concluiu.

Ela continuou olhando-o firmemente. Seus lábios ressecados tremiam, emocionados.

-Moço, você está morto! Sabia?

Ele riu o riso dos ignorantes. Tudo parecia tão incompreensível.

-A dona deve estar maluca. Tenho uma saúde de ferro. – Riu-se com escárnio.

-Moço, re o pare no meu estado. Sabe o que é isso? Se não fosse o pavor de morrer eu teria dito a você que era portadora do HIV..

Dito isso levou as mãos à cadeira de rodas e girou o aparelho no sentido da porta de saída. O pai percebendo as dificuldades da filha ajudou.

Para trás ficou apenas um olhar estarrecido dum  homem que ja apresentava os sinais da doença.


Copirraiti abr2011
Véio China®

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A editora, o litígio e o mala

Eu andava preocupado, aliás, mais que preocupado, atazanado talvez fosse o termo exato. E esse atazanamento tinha nome: Editora J.J.Gusmão, herança vinda de família, propriamente dos meus bisavós paternos.

Porém, os negócios e a realidade nua e crua e da quase nenhuma rentabilidade esbofeteavam-me no rosto, esfacelando os meus bolsos. Talvez fosse chegado o momento inadiável de abrir mão daqueles escritores cujas publicações pretendiam entreter o leitor com material fartamente culto e erudito, e substituí-los por alguns da nova geração e que estivessem mais antenados com os fatos do nosso tempo, além do uso de um linguajar, mas abrangente, abrasivo e popular.
Lembro que era a primeira vez em seis anos que não renovaríamos com Jonathan Seinberg, que inclusive já possuía farto material para a publicação de mais um livro.
Com certa tristeza relembro da reunião que mantivemos e discutimos esses e outros fatores que motivavam a minha decisão.

-Seinberg, sinto muito, mas, nesse ano não faremos e edição do seu novo livro.

-Como? Assim, sem mais e nem menos? Após seis anos de uma convivência produtiva e rentável é isso o que tem a me dizer? Acha que meus leitores cansaram do bom trato gramatical, dos termos refinados, estilizados, rebuscados até? – Dito isso deixou pousar desanimadamente as mãos sobre os joelhos

Provavelmente Seinberg andava tão distante da realidade que não notara que seu último livro vendera nada mais que míseras 434 unidades. Também não deveria saber que a renda sequer superou os 20% de custo de produção. Evidente, tais assuntos não eram da sua seara. Contudo era minha obrigação manter-me e mantê-lo com os pés fincados no chão.

-Perceba Seinberg, os leitores estão cada vez mais distante daquilo que possamos considerar cultura. Estão também aquém da prolixa erudição que os teus livros carregam - E continuei -
Isso pode ter funcionado há mais de três décadas onde qualquer estudante ou leitor guardava em sua estante edições dos grandes como Machado e Aluízio, além, claro, dos grossos dicionários para consultas.

Eu, procurando ser razoável argumentei inclusive que nos dias de hoje não há mais a obrigatória necessidade de dicionários se empoeirando em prateleiras. E que o fato, tão cristalino, se dava pela obtenção pela consulta online em diversos sites de internet, assim como em softwares que nos trazem Aurélio, Houaiss e outros tantos gravados em CDs. Todavia ele não se deu por vencido:

-Veja, Dra ( Dra era a simplificação do meu nome, Dráuzio, e como gostava de me chamar) Voltando à questão da leitura e do aparato leitoril, não é nenhuma novidade a baixa receptividade da prosa nos tempos de hoje. – Tentou se justificar.

-Epa! Não é bem assim não, Seinberg! – Protestei – Estão aí escritores que a despeito de nem mais existirem ainda faturam altas somas para seus herdeiros genéticos.

-Quais, por exemplo? – Ele desafiou;

-Oras! Só pra te falar dos malditos, alvos de minha preferência, lá vão alguns; Celine, Bukowski, Fante, Hemingway, Miller, Kerouac e tantos outros abarrotando as livrarias. Agora... Imagine se falarmos dos escritores universais e suas obras de maior expressão? Inimaginável seria nos aproximarmos desses números! – Exclamei.

- Bem.. – Ele respondeu – Eles são exceções concedidas a temas polêmicos. Esse pessoal que citou só vê arte em pornografia e devassidão. São escritores para um classe de leitores (a ralé) que se ufanam e interagem com os autores como se eles ainda se mantivessem vivos. Não é de se duvidar que nos aniversários de suas mortes haja um sem números de bêbados e pervertidos golfando vodkas e fazendo surubas em seus túmulos – Ironizou.

-Sim, mas... – Tentei interferir. Foi impossível.

- Mas, mas nada meu caro Dra! Nessas questões de más escolhas literárias o que menos se vê é o trato e discussão da literatura, propriamente ditos - Ele persistia -
Esses que você citou nada mais são que lixo escrevendo sobre lixo – Discursou num tom de raiva, invejoso diria até.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. O seu olhar nervoso passeava pela sala e se atinha ao quadro de meu bisavô postado acima de minha poltrona. Lá estava o velho João Juvenal Gusmão, o desbravador de toda essa sinuca de bico em que me metera. Naturalmente, parceiro mudo de todos os meus dias, JJGusmão deveria saber que a J.J Gusmão estava num quase regime pré falimentar devido a minha pífia atuação empresarial. Claro, ainda haviam algumas chances e eu tinha que agarrá-las. E elas começavam por Seinberg, o number one da lista.

-Seinberg, desculpe. Agradeço pela parceria que tivemos por todos esses anos, mas agora é inevitável. Não mais temos interesse em suas obras. Ok?

- Jonathan Seinber desgrudou o olhar em JJ Salomão e fuzilou-me com aqueles seus olhos negros.

Ansioso levantou-se estapeou duas Mont Blanc prateadas que se encontravam em meu porta-canetas. Em pé, o homenzarrão de mais de metro e noventa esbravejou. Sua voz soou forte apesar de não conseguir distinguir os lábios que se escondiam sob a espessa barba grisalha.

-Ad infinitum, Allegatio partis non facit jus! Audiatur et altera pars! – Disse-me numa impostação pedante tal qual ele. Depois completou:

-Em breve terás notícias minhas, meu caro! – Dito isso ajeitou a gravata borboleta dentro da imensidão daquele seu paletó de risca de giz, caminhou até a porta de saída e ganhou a rua.

O que aquele chato não sabia é que eu fizera três anos de direito até desistir e abraçar a editora após o falecimento do meu saudoso pai. Portanto eu entendi o recado. Em todo caso era inacreditável o fato dizer-me que estaria colocando a Editora no “pau” num pretensioso latim jurídico, peça fundamental dos grandes advogados. Assim que ele se foi eu apenas ri.
Até naquilo o sujeito conseguia ser um grandíssimo mala.


Copirraiti 2011Abr
Véio China©

sábado, 9 de abril de 2011

Flagrantes da virtualidade consentida

Tudo estava como devia ser. Banho tomado, cabelos aparados e os inconfundíveis óculos escuros apesar de estarmos em plena noite. Também me perfumara com farta porção de Paco Rabanne, apesar de nem haver a necessidade.
Já era hora, aliás, passara da hora de conhecê-la menos virtual que até então.
Naqueles dois meses de chat em uma sala de bate-papo travei contato com sua alma e ela se abriu como as asas de borboleta num voo inicial e discorreu seus sentimentos e flertou-me com frases carinhosas e de fácil assimilação.Evidente e como era de se esperar na última de nossas conversas trocamos nossos endereços de msn.

Sentei  ao rack ansioso como uma criança que assiste o seu primeiro filme da Walt Disney  e retirei o equipamento da embalagem e li o manual de instruções e o acoplei ao meu antigo notebook seguindo as instruções do fabricante. Isto posto coloquei o CD de instalação e depois de pronto testei o microfone e a webcam. Com tudo funcionando ajustei o brilho e uma tonalidade menos densa em cor e de forma a me deixar mais amorenado que propriamente sou. Daí foi só domar as expectativas e conectar àquele programa de comunicação utilizado por 10 entre 10 internautas,  e apesar da minha pouca experiência com câmeras tive a certeza que aquela configuração escondia  os pequenos orifícios em meu rosto e outras perceptíveis imperfeições. Com tudo pronto estava chegando o momento de conhecê-la, e eu torcia para que tivesse uma webcam, para não continuarmos naquele esquema de fotos estáticas e visíveis num chat, mas sim vermos com nossos próprios olhos os trejeitos do ser, a expressão do olhar, os contornos dos lábios e aquilo que me sempre foi fundamental, ou seja, a  forma de sorrir.

A angustiante espera me apavorava, portanto, para abrandar o anseio  fui à cozinha e de lá voltei a munido de duas garrafinha de Ice da Smirnoff. Decorridos 20 minutos eu a aguardava online e a ansiedade me tomava, então da segunda  pra  terceira, e da quarta para a quinta garrafinha de Ice  foi vapt e vupt. Olhava atentamente para a tela e a dona não aparecia, e a  minha agonia dizia que aquela bebida continha muito açúcar, portanto voltei à geladeira e peguei duas Skol e retornei para o notebook. "Era doce, mas era gostoso, porra!" - Disse para mim ao terminar a segunda latinha de cerveja - " Bem...e se misturamos o Ice e as cervejas?" - Questionei - "É...é boa ideia " - Convenci-me. Portanto lá fui eu para cozinha e voltei com mais duas Ice e um par de latinhas de cerveja. E a espera persistia e a dona não aparecia e ao terminar as bebidas retornei mais duas vezes á cozinha. Portanto não seria necessário mencionar que  ao fim dos primeiros oitenta minutos eu estava bêbado.

Plimmmmmmmmmm – No canto direito inferior direito do meu notebook um aviso  visual seguido de um som de fliperama indica que Manuela, uma loira de mais ou menos  35 anos acabava de entrar online.
Sim, era ela.

-Oi, Augusto, boa noite! desculpe o atraso. Tudo bem com você? - Apuro as vistas e leio na tela a sua saudação

-Tudp mwu amorr. E vpcè? To morrwmdp de saidade de bocé – Respondo, aliás, eu não, os meus dedos. e por intuição.

-Hã, como assim, o que você quis dizer  com isso Augusto? – Ela parecia não entender as frases que eu me esforçava por digitar

-É tap sinpled  de emtander queruds, tá tudi aí! - Tentei explicar

-Hã? - Ta gozando com a minha cara, não é Augusto?

-Nap! Clsro quy nai meu samor! Jamaid! - Justifiquei

Lógico, achei que lhe faltou um pouco de boa vontade, afinal, mesmo que não entendesse as  palavras não seria  impossível para qualquer inteligência mediana  utilizar o poder de dedução, ou, no pior das hipóteses substituir os caracteres  errados  pelos vizinhos para que entendesse perfeitamente, apesar de saber que o trabalho seria maior.
Logo notei que não iríamos longe na interação, pois meus dedos incertos tocavam teclas que pareciam dançar rumba. Enfim, se pretendesse interagir com a linda moça da foto era necessário parar de digitar, afinal, não fora para isso que me preparara à noite toda? Portanto seria aquele o grande momento, e então  percebendo o ícone indicativo de sua webcam enviei o convite para a liberarmos as nossas câmeras, já que estávamos em condições de igualdade. Minha pulsação acelerou e eu ofeguei   quando Manuela aceitou o convite e alguns segundos após lá estava ela em carne e osso, maquiagem e resolução. Definitivamente Manuela era um pedaço de mau caminho.

-Auguuuuuuuuuusto! É você? – Ela exclama num sorriso bom.

-Zzzuzu bem meu amor? - Respondo sem precisar digitar, via microfone, atropelando palavras e com a fala de quem tivesse um ovo cozido na boca. Pelo jeito não eram somente as teclas e os  dedos que estavam com problemas.

-Augusto, por que desses óculos escuros? Por acaso você é deficiente visual?

Foi então que dei por mim ao me olhar atentamente no vídeo do canto esquerdo da tela. Nos meus olhos a  armação metálica e as lentes negras e redondas me conferiam a aparência dum gangster distrital. Nos ouvidos os imensos fones  estouravam meus tímpanos com a “Wont¨t get fooled again” do Who. Assim que percebi o ridículo da situação tentei disfarçar e tirei os óculos, desconectei os plugs do fone de ouvido  e o retirei da cabeça. E óbvio, ao tomar essas medidas acabei por  trazer a música para um som ambiente.
A essa altura os meus olhos brilhavam, e não somente de ansiedade, mas também pelo estado de torpor.
Ao lado direito e esquerdo do rack se aglomeravam alguns pares de  garrafetas de Ice e outras tantas de latas de cerveja, todas vazias. E com a noite extremamente quente deixara os botões da minha camisa negra abertos até a altura do umbigo e isso deixou à mostra os grisalhos pelos do peito de alguém com pouco mais de cinquenta anos. Ao me ver sem os ósculos ela exclama:

-Uiiiiii Augusto! – Você é maduro, tem um olhar insinuante e é bonitão! Que tórax forte você tem!

-Você acha  meu amor? - Respondi ainda tropeçando nas palavras.

-Acho! Ah, vem cá, que música mais barulhenta é essa? Parece que estamos na pista de pouso  do Galeão! Posso ouvir as turbinas daqui.. Quem são esses metaleiros horrorosos? -  Manuela me pergunta colocando ambos os indicadores nos seus ouvidos.

-Essa é a "Uante guét fuuled Aguém" E a banda é o De Hu  – Respondo num inglês incompreensível e continuo meneando a cabeça e compassando o solado do tênis  direito ao chão na mesma batida da bateria.

-Nossa! Que música pavorosa! Que péssimo gosto musica você tem, Augusto! – Ela disse com cara de insatisfeita. Depois me pergunta – Ah, você não tem aí alguma coisa de Daniel, Zezé di Camargo e Luciano, Chitão e Xororó? Acho eles tão românticos!

-Hã? - Dignei-me a responder.  Por Deus! Aquela mulher só poderia estar louca. Onde estava aquele oceano de sensibilidades que me falava coisas tão inteligentes? Zezé di Camargo e Luciano, não me faltava mais nada.  Mas, infelizmente não parou só por alí.

-Você fuma? – Questionou num tom professoral ao me ver colocando um cigarro na boca – Isso causa câncer, além de um mau hálito desagradável, sabia? - Complementa torcendo nariz e boca.

Foi outro choque para mim! Traguei o cigarro e expeli uma longa baforada e a fumaça serpenteou à frente da tela e eu olhava pra quela figura atraente e  me fixava no vão do decote generoso dum tomara que caia de alças onde seios fartos e redondos pareciam suplicar por liberdade. Sim, a impressão que tive é que eles queriam se ver livres como os  pássaros, afinal era  visível a olho nu  que seus seios eram dois números maiores que o sutiã que vestia. E  digo isso porque também deu pra ver uma parte da peça vermelha e com a  bordas rendadas.
Manuela percebeu que eu olhava, então deu um jeito de deixar o decote e os seios mais á mostra. Inesperadamente disse que não se sentia bem com aquela a roupa e me pediu licença e se levantou e pude reparar os contornos do seu corpo voluptuoso. Ao sair rebolou as nádegas empinadas que se ajustavam esplendidamente num desses trajes femininos em cotton. E seguida ouvi o ranger da porta de um guarda roupas e pela sombra projetada na parede notei que trocava de roupa. Passados alguns minutos ela retorna com uma blusa ainda mais decotada juntamente duma saia amarela rodada e de talvez quatro ou cinco dedos acima dos joelhos. Diante a surpresa dos meus olhos esbugalhados  afastou-se da webcam o suficiente para manter o seu corpo em foco e deu duas voltas sobre o próprio eixo e sua saia subiu permitindo-me ver rapidamente uma sensualíssima calcinha negra. Depois com um jeito de mulher fatal  penetrou os dedos nos cabelos e os empurrou para trás como se fosse Ingrid Bergman, uma das musas do cinema dos anos 50.

-Manu, vou me ausentar um pouquinho, mas volto num minuto - Foi a minha reação.

Claro, mesmo  bêbado eu estava excitado e alguém parecia ganhar vida por debaixo da cueca,  todavia não pretendia dar bandeira,  não naquele momento. Saio da rack um tanto trôpego e com a mão cobrindo a frente da bermuda  vou à cozinha onde dou um tempo e depois volto com outro Ice e mais uma cerveja. Olho para o monitor e Manuela não se encontra em sua cadeira giratória,  mas deixa sua  impressões registradas na tela do msn.

“Augusto, to reparando que você bebe um bocado. Homem, isso pode te matar, apodrecer teu fígado. Quanto ao cigarro, já te falei e todos devem te falar,dá câncer, além do mau hálito e dentes amarelos. Agora... to achando extremamente juvenil uma pessoa na sua idade estar curtindo rock pesado. Isso nada mais é que barulho, é transferência de crise existencial adolescente, sendo que você não é adolescente. Você não percebe que já passou da idade?”

Porra! Eu não acreditava no que estava lendo. Tantas mulheres para conhecer e eu fora dar com uma do tipo - "Mamãe é gostosa e te quer" -  mas cheia dos  - “ Mas mamãe não gosta disso” -   E o pior, a severidade das suas críticas se assemelhavam à somatória de tudo que pode tolher a liberdade e o bem estar  de um homem. Em poucos minutos Manuela exercera a profissão de crítica musical, odontóloga, psicóloga, médica oncologista, hepatologista e personal trainer, dessas que malham doentiamente ao acreditarem que a saúde perfeita se adquire nas malditas esteiras ergométricas (sim, eu havia visto uma ao fundo, no canto direito do seu quarto) Se por acaso Manuela curtisse Yoga  fatalmente eu desconectaria o meu msn.

Repentinamente perdi a vontade e o encanto de conversar com Manuela. Ela retornou e apenas ficamos nos olhando enquanto as músicas se sucediam uma após outra. Porém para não desagradá-la por completos coloquei as canções  mais maneiras do `Pink Floyd, Led Zeppelin, Purple e do Genesis do Peter Gabriel. Ainda    não recordo se foi sonho, mas passou algum tempo e me peguei ligado e de olhos bem abertos e nossas câmeras ainda permaneciam abertas, porém ela não estava lá, mas tinha a nítida  impressão de tê-la visto se desfazer da blusa e da saia.  Olhei para mim e a braguilha de minha bermuda estava aberta, mas não havia nada que denunciava que houvera algo de sexo. Mesmo que tenha sido sonho as lingeries eram deliciosamente devassas e os seus seios  simplesmente mágicos. Ainda me lembro de ter tomado outra garrafeta de Ice e uma latinha de cerveja, tê-la esperado por alguns minutos antes que apagasse de  vez.
Acordo três horas e meia depois ao me sentir incomodado com a friagem da madrugada. Olhei para todas aquelas garrafas e latas vazias e pensei – Ainda vou morrer disso -
Concentro o olhar na tela e não mais havia a webcam ligada e nem Manuela, mas sim e apenas a  página offline do MSN e um recado deixado em caixa alta:

“AUGUSTO   VOCÊ  É  O FIM  DA  PICADA. UM SUJEITO VELHO, BÊBADO E DESINTERESSANTE. E O QUE É PIOR...ALÉM   DE BABAR,  RONCA!  BYE”

Sim, acabei sorrindo. Foi a última vez que falei com a devorada de sujeitos bêbados e idosos, se é que realmente tenha existido aquele fantástico strip-tease de lingeries negras.
Talvez eu não precisasse de virtualidade, mas somente daquilo que tinha e que era só meu; cigarros, rocks e algumas bebidas. Talvez eu precisasse de muito mais.
Talvez eu devesse me enquadrar à normalidade e ao que pessoas aparentemente sensatas aguardam de outras que não aparentam sensatez alguma.
Talvez o universo virtual detivesse o tom da contradição, o dom de fazer parecer o que é insano em algo perfeitamente viável, e aquilo  que é correto em coisa sórdida e feito na cabeça de malucos.
Pela primeira vez pensei em jogar o meu notebook fora e tentar a sorte no Bingo da esquina. Pensei naquilo por segundos e desisti, pois estava muito velho para abrir mão de pequenas futilidades, e não precisava de sorte  ou do prêmio da milhar completa, mas sim apenas de compreensão.
Porém... bem, porém, os anormais não se rendem jamais.

Tirei a bermuda e me olhei e reparei nas minhas pernas e apesar de uma ou outra artéria sutilmente azul a musculatura ainda não aparentava a idade que tinha. Olhei para trás e tentei ver a minha bunda, porém sem saber o motivo, afinal, quem se preocupa com o glúteo são as mulheres.
Fui ao banheiro dei uma mijada, escovei os dentes, lavei o rosto e me dirigi para o quarto. Lá puxei a colcha e o coberto e entrei para dentro e uma sensação agradável e quente me tomou; era a hora de completar  o sono que me faltou. Antes de dormir olhei para o teto á procura de aranhas e não havia qualquer vestígio delas. Ainda pensei em rezar, já que há muito eu não o fazia, mas desisti também;  Provavelmente ele não perderia o seu tempo com alguém como eu.

Antes de ferrar no sono relembrei o obsoletismo do meu note e da chatice de ficar ajeitando a webcam  numa posição que me favorecesse. Sim, pensei e resolvi que seria hora de economizar com as bebidas e adquirir um note de última geração, desses que já vem com câmera e o microfone embutido. Tal como nós as máquinas se tornavam ultrapassadas e eram substituídas sem qualquer apego por outras  mais novas e de tecnologias recentes. Revi todos os conceitos e percebi que mesmo que evitasse a rota da velhice também me tornava obsoleto, pois em sã consciência jamais correria contra alguém com 23 de idade. Mas o que era obsoleto para um obsoleto se vestiria de novidade para algo recente como o meu neto que, adoraria inclusive o fato da webcam estar inclusa no pacote de doação.

-Pô, vô, que bacana! Obrigado! Agora dá pra conversar e ver os meus colegas e amigas de classe com essa câmera! - Fatalmente ele me diria em agradecimento vestido  do mais belo dos seus sorrisos.

-Creison, tem certeza que não utilizará essa webcam pra qualquer safadagem? - Perguntaria para ele, preocupado, óbvio.

-Com assim, vô? - Ele me questionaria com olhos surpresos mas sem perder o sorriso nos lábios

-Nada não, Creison! Nada nao! - Eu responderia para ele, esquecido por instantes que o fedelho só tinha a pureza dos dez anos de idade.



Copirraiti 11Jan2013
Véio China©