quinta-feira, 2 de julho de 2009

Crônica - Os Anônimos Assassinos & Psicanálise -

- Tic-tac-tic-tac - Olhei pro relógio e ele me piscou nervosamente - “Velhinho, qual é a sua? São cinco e trinta e cinco da manhã!” – O tom austero soou demasiadamente crítico -
Desinteressado eu o ignoro apesar de não conseguir me esconder da sua surpresa: o que eu poderia estar fazendo acordado? – Na verdade nem eu mesmo sabia. Sabia sim que há sobre a falta ou do excesso de sono um estudo científico que diz que pessoas senis têm por hábito dormir e acordar mais cedo que as outras. Porém, mesmo que verídico essa regra não se aplicava a mim. Exceção, um cara atormentado por hábitos que me mantêm distante de tudo que possa me tornar um sujeito razoável, espreguiço-me, ajeito os ombros e ligo o computador e dedilho no teclado sem a genialidade ou maestria de um Schuberth ou Tchaikovskyi. Ao contrário, mantendo-me calmo e reflexivo vou intercalando pensamentos, usufruindo das minhas terminações nervosas enquanto observo as idéias se tornarem realidade nos minúsculos caracteres cibernéticos, impressos ali na tela do meu computador

Porém, apesar de tentar tapear o inevitável como se fosse um atrapalhado bailarino russo a espera dum impossível 10 na Marquês de Sapucaí, a pergunta insistiu não calar. E não silenciando, questiono-me do porque do sono ter ido embora as três da madruga. Inconcluso, digo ao relógio que não faço a menor idéia de ter acordado assustado, caminhado à geladeira e me servido de um refrescante copo de água gasificada. Boca estalada, feição cerrada devido ao gás que pareceu queimar minha garganta, saio pelo corredor e vou ao banheiro para uma mijada noturna e previsível. Terminado, lavo as mãos (certamente) e me encaminho ao quarto, onde a tempo assisto pela TV um filme pra lá de interessante: a trama de 5 sujeitos que mataram um velho que julgavam morto por enfarte, emocionado que estava por um bilhete vencedor de loteria – US$ 6 milhões o prêmio -
O filme teve como pano de fundo um ambiente de bar. Foi muito triste e desolador ver o velhote, olhos esbugalhados, desabado numa das mesas.
A cena dilacerou qualquer bom senso, esbofeteou-me as faces, como me questionando: Hei velhinho, você não quer participar dessa mamata? – Pensei muito a respeito e não soube o que responder. Afinal tudo parecia tão plausível e justificável praquela cambada de perdedores a fim de se dar bem na vida. E de todos havia a que sobressaia: uma pretensiosa e petulante garota (que invariavelmente dizia: Sou uma advogada) que terminou por sufocar o velhote diante da perplexidade dos outros. Porém, crime cometido, a grana falou mais alto e eles se esforçaram em descobrir um jeito de sumir com o corpo, principalmente diante do enervante vai-e-vem de dois policiais, que por um ou outro motivo sempre retornavam ao bar – “O velhote desmaiou de porre” - diziam pra eles – Pois é! A maionese começava a desandar -

Evidente, a trama me deixou sensibilizado. Foi então que percebi que quando divorciado da coisa real, os filmes e livros detém o poder de nos confundir e colocar nossos indecifráveis “EUS” sob pressão.
Mais que isso, tecendo tramas como aranhas que aguardam suas indefesas presas, eles embaralham nossos discernimentos e faz assimilarmos pontos de vistas insustentáveis, inclusive justifica-los com a mais inequívoca das convicções. Quantas vezes lendo um livro não nos apaixonamos pelos personagens, vivemos suas angustias e assumimos suas posições? Ou mesmo, assistindo filmes onde a ingênua e quase romântica maquiagem do bandido obrigou-nos a torcermos descaradamente por ele?
Muitas e muitas vezes, suponho.

E o exemplo disso me fez retornar a um filme que assisti na adolescência e que tratava da trajetória de um marginal de fama nacional - “O Bandido da luz vermelha” – Em sã consciência, acho que não houve um único cidadão nesse país que não tenha torcido por ele, pelo menos nas telas do cinema.
E isso fez questionar novamente: Eu também não poderia ter me tornado um?
A pergunta me angustia. E angustia-me principalmente por não saber como funciona a redoma de sensações movidas na mente de um bandido. Talvez para eles, primeira bala cravada no corpo de alguém seja a resposta para tudo. Talvez essa bala lhe represente a surpresa de constatar que é possível apertar o gatilho e, mais ainda, que isso acabe se tornando o vício que não se livra, tal qual o primeiro dos mais de 40.000 cigarros que fumei em toda minha vida. Há o remorso para tanta nicotina que envenena meu corpo? Claro, sempre haverá, mas, viciados são permissivos e suficientemente coniventes com qualquer tipo de devastação.

Talvez isso tenha a ver com o estigma que cada um traz ao nascer. E eu não consigo supor que seja outro o motivo de tanta gente se enfileirar nos quadros efetivos da polícia militar ou civil. Como talvez também seja mais provável que policiais e bandidos consigam conviver com esse dilema de forma mais serena, afinal os seus dedos são colocadas à prova a todo momento. E outra vez eu me pergunto: Eu poderia ter me tornado num deles? Não, eu jamais seria um ou outro, pois a minha irritante natureza pacífica jamais permitiria – E mesmo assim, dono dessa tranqüilidade toda já matei muita gente. Já dizimei pessoas onde meu sentimento julgou-se ferido de morte – Porém esses assassinatos foram cometidos no plano do espírito, sem violência, relegada que foi, uma ou outra vez nos sopapos dos tempos de garotão, nas brigas de rua e sob ao som da “Do you wanna dance” do Johnny Rivers.

De lá pra cá muitas tempestades se formaram suficientes para me acostumarem com a morte rondando a mim e a todos nós. E ela nos cerca nas manchetes de jornais, nos programas de rádio e nos noticiários da TV – é um vírus infectando por todos os lados - E quando ela vem, beija por vezes doce e meigamente. Um beijo de quem não escolhe o sujeito e que poderá ser dado num coração doente, num fígado putrefato, nos de velhice natural ou mesmo naqueles que se descuidam ao atravessar o asfalto. E ela, insaciável clamará por mais vítimas, induzirá governos e insensíveis decretos: morre-se mais pela desumana omissão e pelo pouco caso, que propriamente pelos estampidos das armas de fogo.
E apesar de eu nunca ter matado alguém a dúvida permanece: E se houvesse o meu primeiro tiro ou se estivesse naquele bar? Seria eu a mesma matéria de todos os guaranás?

Talvez ao me lerem se perguntem: mas de que porra o China ta falando? - Talvez me vejam matéria para analistas, terapeutas grupais e esses babados todos. Evidente, eu nem queria entrar no mérito, mas, se assim insistirem.... considero sim as opiniões alheias. Porém se persistirem em me entregar nas mãos da psicanálise, sinceramente, a minha opinião? Estarão errados! - Optaria por gastar o meu dinheiro numa das montanhas russas do Hopi Hari. E isso, necessariamente, não quer dizer que haja qualquer preconceito da minha parte com os psicanalistas – eu os respeito tanto quanto aos que acreditam neles e que crêem piamente que seus problemas serão resolvidos logo após abandonarem seus divãs. Talvez também esse meu ceticismo se deva ao fato de ser tão antiquado quanto aos guarda-chuvas de 16 varas revestidos de nylon tão grosso que não se corrompia nem mesmo com brasas de cigarro.
Mais: Acho que da mesma forma que somos capazes de criar nossos problemas, muitos de nós somos possíveis em resolvê-los. Porém, como os tempos são outros e a indiscriminada cultura de entorpecer nossos corpos e mentes com alguma coisa, achamos por bem entregar todos os nossos problemas e bens nas mãos da ciência, num típico “Toma que o filho é teu”, um claro lavar de mãos, um Pôncio Pilatos subjugado à multidão - E isso aos nossos olhos justificará dividirmos responsabilidades na esperança que esse alguém enquadre nossas angustias e encontre todas respostas, comparadas que serão aos volumosos casos contidos nos anais da psicanálise.
Geralmente é assim que funciona, e isso satisfará a muitos dos abastados que aliciados surfarão nessa praia: Pagar-se-á para ser menos infeliz -
Porém, em simples e leigo resumo, o trato da psicanálise é para mim nada mais, nada menos que um convidativo e caríssimo produto de consumo, uma finíssima roupa de seda exposta numa vitrine de cristal. Uma fuga alucinante e desesperada de muitos que procurarão nos espelhos do seu passado o angulo onde possivelmente a roupa não lhe vestiu bem. O exato número do dado, o segredo do cofre, algo ou alguém a que se impute toda ou parte da responsabilidade. Talvez o trevo da sorte, a possibilidade de encontrar, uma em um milhão, o prendedor de gravatas de safiras e brilhantes entre as finas areias do Saara.