sábado, 24 de agosto de 2013

A Balconista

Era um ótimo dia de céu azul e nuvens brancas. Eu estava no parque e aproveitava o sol da manhã para zanzar pelas alamedas e observar os pombos. Vez ou outra marcava ponto por lá e eles me entretinham, e eu olhava os seus pézinhos lépidos e  bicos frenéticos ciscando o chão nervosamente à cata de miolos de pão e outras bobagens que lhes atiravam. Eu achava engraçado a avidez na qual se entregavam aos alimentos, pois provavelmente deveriam supor que tudo lhes seria comida, inclusive as embalagens plástica vazias deixadas por todos os cantos do parque. O fato me causava certa inveja, não daquele amontado de lixo deixado por um povo sem a mínima civilidade, mas do sistema digestivo daquelas aves que, metabolizavam tudo. Fiquei por lá mais alguns minutos observando seus trejeitos e a forma como interagiam, e não percebia qualquer hierarquia entre eles, mas sim a predominância da lei do mais forte, inclusive a de um deles em especial que, estufando o peito e movendo abruptamente as asas se apossava dos nacos maiores dos famintos companheiros. Evidente, nós os humanos também vivíamos numa sociedade parecida apesar de existir entre nós certa preposição hierárquica. Óbvio, oficialmente há o ordenamento, mas a evidência não é o estado da ordem de fato, mas sim a predominância da lei do gatuno, da coisa espúria, do poder que corrompe e é corrompido, mesmo que os partícipes das milionárias negociatas jamais as admitam. Portanto, se assim ocorresse com as aves seria de questionar se haveria entre elas alguma forma de constituição, e em existindo não seria espanto rezar em suas cartilhas o maldito blá blá blá de sempre, a teoria do "somos todos iguais perante a lei", claro, coisa que só inglês consegue ver.
Bem, perdido na estupidez desses pensamentos passaram-se mais de 15 minutos, e eu me sentia enfadado, portanto resolvi me mandar dali antes que mandasse tudo e todos a puta que pariu. Ao abandonar o parque me lembrei de algo importante, logo, rumei para a drogaria mais próxima. Eram dez horas em ponto quando encosto o umbigo no balcão.

-Moça, por favor, duas Jontex lubrificadas – Peço para alguém na posse dum sorriso comercial.

Evidente, eu estava constrangido, pois nunca havia visto naquela farmácia a figura feminina atrás dum balcão. A resposta veio com outra pergunta, fulminante, descabida. Novamente cravo os olhos na garota, e ela não deveria ter mais que 16 anos, a mais linda querubim num corpo do demônio.

-Pe..Eme ou Ge? – Fulmina-me com expressão maliciosa. Eu a olho desconsertado enquanto a garota dedilha os malditos envelopinhos de preservativos colocados num expositor  atrás de si e na parte interna do balcão. Seus tons e olhares me incomodam, e não sei bem o que fazer. Tento a saída clássica

-Por favor, pode me chamar o farmacêutico? – 

Sim, solicitei a presença do dono, já que fatos como aqueles traziam à tona  a minha convicção que homens de negócio deveriam fornecer cursos prévios aos seus funcionários, elucidando dúvidas dos clientes sobre os produtos. Todavia hoje em dia ninguém quem investir  em nada, imaginam que tudo é custo, mesmo que o investimento em treinamento evitasse acontecimentos absurdos como aquele. Talvez ela nem fosse a culpada pela chacota sobre a questão do tamanho, afinal, quem poderia afirmar que seu último emprego não fora no balcão duma loja de confecções? Para a nossa sorte o dono da farmácia acabava de sair por uma porta lateral ao balcão, dessas, estilo vai-e-vem, que comumente vemos nos filmes do velho oeste.

-Por favor, Adamastor, estou envolto numa pequena questão. Pode me dar um minuto da sua atenção? – Solicito-lhe

Adamastor, o farmacêutico do bairro, sujeito sacana e irremediavelmente mulherengo me olha surpreso.
E já que Adamastor é o foco da vez não é impróprio comentar que ele, segundo as más línguas da vizinhança, vivia cercado de problemas, inclusive com o fardo de três pensões alimentícias pagas para suas ex-mulheres. 
E isso me deixava admirado com a sua resistência e fôlego financeiro, pois não é surpresa que grandes redes de drogarias esmagam os pequenos comerciantes ao dominarem o mercado de medicamentos e congêneres, portanto era um milagre que ainda estivesse de portas abertas. Adamastor persistiu me olhando e se manifestou:

-Claro, um minutinho, por favor! – Foi a resposta. Então se locomove lentamente, entra pelo corredor do balcão e ao passar por detrás do bumbum da garota estaciona o corpo, adianta o quadril mirrado e se encaixa no traseiro da menina num movimento amplamente canalha.

Ao presenciar a cena concluí que poderia estar nascendo ali mais um grande prejuízo financeiro e moral para Adamastor, apesar do fato não constituir novidade diante seus eternos problemas com o universo feminino. Olhei para ambos, Chapeuzinho e Lobo Mau, e nele os mais de 60 gritavam desconexos diante daquele rostinho de anjo e corpo do mal. Balancei discretamente a cabeça, pois talvez a idade estivesse prejudicando seu discernimento à ponto de não perceber que entrava numa fria. E o pior; as coisas poderiam ficar  piores, pois a pedofilia, aliciamento ou prostituição de menores eram encaradas com certa rudeza pela legislação.


-Qual é o seu problema, Juvenal? – Ele pergunta ao se livrar da maciez do jovial traseiro. A mocinha meneia levemente as pernas e o bumbum e mostra seus dentes alvos, brindando-nos com um sorriso vagabundo.

-Bem..não há problema algum comigo, Adamastor! Apenas queria dois malditos pares de preservativos Jontex - Respondo para ele - Ah sim...lubrificados, antes que me esqueça – Concluo ainda constrangido. Ele olha para mim, indiferente.

-Ora Juvenal! Para isso poderia ter perguntado à Moniquinha, e ela o atenderia com toda presteza – Devolveu com perceptível  má vontade. Depois emendou: - Ah, não estranhe a brincadeira, pois a instruí para perguntar ao cliente sobre o tamanho do seu preservativo – Pequeno, médio, ou grande. P.M ou G, captou? - Completou num risinho sacana. 

Não, eu não havia captado, portanto olho para ele, incompreensível, expressão que deveria estar lhe questionando algo do tipo: "Você ficou doido, homem?". Ele continuava me olhando, e eu podia notar o ar zombeteiro. Por fim, talvez incomodado pela minha sisuda fisionomia achou por bem explicar o porque daquilo tudo:

-Sabe, Juvenal, é apenas uma toque de bom humor junto ao cliente. Foi a forma mais light que encontrei para quebrar o clima da timidez costumeiramente estabelecido entre os homens e atendentes mulheres.

Ah... agora captei!– Exclamo idiotamente enquanto Moniquinha insiste no sorriso cretino. Olho para ela , para a sua boca de lábios grossos tingidos por um batom provocante, vermelho, quase sangue,  e parece que ela quer me engolir numa só bocada. Ainda demonstrando impaciência, Adamastor solicita.

-Moniquinha, por favor, continue atendendo o meu amigo Juvenal – 

Daí, ainda de má vontade me faz um sinal de até breve batendo na testa os dedos da mão direita em continência. Daí da dois ou três passos, estaciona novamente no rabo da garota e a encoxa. Feito, some pela porta de cowboy.

A moça outra vez se posta à minha frente e retira dois pares de camisinhas lubrificadas do expositor. Sem desgrudar dos meus olhos coloca-os num envelope,  faz a nota e me entrega.

-Pode pagar pra mim, Juvenal – Diz num tom forçado, assim como dessas atrizes  em início de carreira que se imaginam no mesmo status duma Fernanda Montenegro ou Marília Pera. Depois se dirige para o caixa. Penso naquilo por segundos e estranho o seu tratamento e a falta da palavra “senhor”

Vou ao guichê e tiro algumas notas da carteira e as empurro pela fresta do vidro. Ele confere e me dá  o meu troco. Agradeço com um movimento de cabeça e preparo-me para sair da quando novamente sou interpelado por ela.

-Sabe Juvenal, acho que deveriam mesmo implantar esse negócio de P.M.G.

-Hã, como assim? – Questiono. A garota não esquecera daquela bobagem toda. Ela segue adiante.

-Ah, assim, veja...Certa vez sai com um japonês, e pra minha surpresa ele tinha um treco imenso, deveria ser o jegue de Pequim. Num outro lance saí com um cara super musculoso, de academia, bonitão, saradão, e ele me deu um porre de caipirinha de vodka e me levou prum Motel. Nossa! Fiquei ansiosa, excitada, mas foi fria; Ele tinha um pingulinho que, mesmo estando duro coube na palma da minha mão –  Exclamou com os dedos polegar e indicador paralelos e com pequena distância entre si. Aí riu debochada.

Realmente a garota era surpreendente. Olhei para a mocinha que fez de Pequim a capital do Japão, e murmurei um “hum rum”. Antes de dar-lhe as costas ainda ouvi a sua última questão

-Juvenal, desculpe, mas estou muito curiosa a seu respeito – Confessou num tom estranho, intimista assim como o dos amantes.

-E que curiosidade seria essa,  moça? – Questionei, desconfiado e surpreso.

-Bem...bem.. –  Depois de algum embaraço ela arranha a garganta, e assim que percebe que nada atrapalhará a tonalidade da voz, pergunta: O seu é... P...M ou G? 

-Pequeno, médio ou grande....pequeno, médio ou grande - Desconsertado balbucio as palavras, e continuo olhando para ela, e ela, mais que nunca me parece ser uma trepada inexperiente, mas das boas.

Sem que lhe forneça detalhes Moniquinha persiste com o sorriso devasso, e ele macula  a santidade do seu rosto. Foi meu momento de lamentação, assim como também o de Adamastor há 20 anos num buffet próximo dali ao receber os clientes do bairro para a comemoração dos 15 anos de sua  farmácia. 
E o seu lamento naquela noite não deve reviver em sua memória, como deve ter esquecido das dolorosas porradas que ganhou do pai duma ninfeta de saia justa e pernas grossas que se encontrava na festa. Claro, a culpa coube aos seus atos desastrados e à mão boba que insistiu em aliciar o rabo da jovenzinha que, de era à-toa só tinha a pinta. Foi a hora do "deixa disso", de braços apartando os valentões, e só restou a Adamastor aproveitar os cubos de gelo do uísque vagabundo para consolar o enorme hematoma que se formou no olho esquerdo. Terminado o fuzuê, ouvíamos o farmacêutico murmurar "Eu não tive culpa, não tive culpa". Sim, não tinha culpa o safado, e definitivamente ele era um grande cara de pau, pois o mais provável foi o  bumbum ter se locomovido por livre arbítrio até a  sua mão espalmada.

Pois é!  Agora eu também lamentava, um lamento que não era só meu, mas também do meu amigo Sidenafil  religiosamente carregado comigo num dos bolsos da calça. Aquela tentação juvenil estava brincando com fogo, e eu, com meus 55 e barbas grisalhas jamais seríamos tão otários quanto o Adamastor. Pigarreio e olho atentamente nos olhos que se borram duma maquiagem azul e lilás que, combinam com os cabelos tingidos fortemente de ruivo. 

-Olha moça... Espero ansiosamente por essa mesma pergunta daqui dois ou três anos. Tudo bem? – E pela primeira vez abro-me num sorriso franco e honesto.

Como minha resposta ela gargalha estridente e requebra um samba como se fosse a passista campeã do carnaval carioca. Não há música, mas há as pernas dela e um sapato de salto 8, réplica ded marca famosa. E Moniquinha persiste requebrando...requebrando, até cessar a dança e o sorriso desaparecer dos seus lábios grossos.
Definitivamente aquela garota era louca, além duma descomunal porta de cadeia.

Claro, gora não havia qualquer dúvida; Adamastor estava ferrado!


Copirraiti23Ago2013
Véio China©