domingo, 23 de setembro de 2007

Flagie, eu e o bar.


Com ela tudo fora sempre inusitado. Desde a primeira vez que bati os olhos naquela mulher algo jamais me abandonaria; a paz de espírito. Lembro-me dos seus olhos negros,  cabelos levemente aloirados e do sorriso meio garota, meio mulher. Estávamos no bar, uma reunião pré natal entre colegas e fomos apresentados por um amigo gay e em comum. A sintonia foi automática, e os nossos olhares se entregaram cúmplices e recíprocos. Estávamos numa grande turma e o vai e vem num agradável e refinado ambiente fazia da noite algo excitante. Como insistíamos em nos olhar, a curiosidade foi nos aproximando rapidamente. Lembro-me que na sua volta do toilette propositalmente esbarrei nela por uma das mesas. E foi ali parada à minha frente que ela me permitiu penetrar em seu olhar. E lembro que ficamos como duas estacas,  estátuas perdidas e inertes e sem saber o que falar, salvo estarmos ali nos olhando, permitindo a ternura tocar. Foi estranho, mas, naquele instante o mundo poderia terminar sem que percebêssemos. E todo o alarido que nos cercava e as vozes altas das pessoas envoltas em sorrisos, contando suas vidas, seus negócios, suas conquistas e piadas  não nos faziam qualquer sentido ou diferença Sutilmente toquei-a no braço e ela entendeu que eu gostaria que me acompanhasse. O garçom passou naquele exato momento. Chamei-o:

-Por favor, para mim um bloodmary e para a senhorita um.... -

-Para mim um Martini duplo – Confirmou num sorriso tão gentil que fez valer a noite do solícito funcionário.

Fomos para a sacada no Bar, e ali cúmplices, trocamos as primeiras palavras e então eu soube do seu nome; Flagie

-Sim, Flagie! Mas por que exatamente esse nome? –  Eu perguntava e ela sorria ao tentar explicar a origem. E foi um sorriso tão apaixonante que foi impossível não achá-lo a coisa mais importante de algum tempo.

Logo após chegaram as bebidas e nós ali, no úmido ar das dez da noite, ombreados como dois pássaros friorentos fomos para um ante-salão de iluminação quase psicodélica e onde rolava um vídeo do U2. Enfiamo-nos entre as pessoas que conversavam e assistiam o show projetado num telão, pois sentimos a necessidade de carinho, de aproximar corpos e do calor que se amana deles. Focos de luzes coloridas pairavam sobre as pessoas quando encostamos nossos braços e pressionamos um contra o outro.Ali nos dissemos quem éramos e nos beijamos pela primeira vez. Foi um beijo avassalador e eu não poderia imaginar como uma criatura tão meiga pudesse ser tão visceral com seus lábios. Senti sua boca e língua dentro de mim, e ela pressionava a minha,  se enroscava  como cobra furiosa. Meus braços a envolveram e a sua resistência foi cedendo aos poucos e então grudou em mim como se fizéssemos parte de uma única peça. A excitação, latente, a fez pressionar a xana de encontro ao meu pau como se fôssemos marginais acuados  pela polícia.

Eu conhecia bem aquele Bar e há muito que o frequentava, já que era de propriedade do meu velho amigo Heitor. Eu conhecia todas as suas dependências e ali mesmo já acontecera tantas coisas que se Deus não soubesse, até  ele duvidaria. Heitor formou-se na mesma turma que a minha; éramos publicitários e amigos de farra, e ele me devia alguns favores de juventude  ao usar meu quarto para trepar com algumas namoradas dos tempos de cursinho, afinal,  eu era filho de pais separados, e mamãe chefiava o RH duma importante multinacional, passando mais tempo à empresa que propriamente em casa. E era a o que recordava ao tocá-la no braço indicando que deveríamos sair dali. Flagie percebeu que deveria me seguir. Passei pelo caixa, pisquei para Heitor e um parde chaves foi passado para  minhas mãos. Dali fomos mais ao fundo do bar onde transitavam apenas funcionários e subimos uma pequena escada espiral. No topo demos com uma porta, e eu enfiei uma das chaves e ela se abriu. Ao entrarmos demos num  terraço envidraçado e com persianas. Evidente, notei o olhar espantado de Flagie, ja que a percebi algo exitante ao me seguir. Adentramos mais aquele ambiente escuro e onde o cheiro de mofo predominava. e acendi a luz e ela em forma de pingente brilhou, tênue e nostálgica acima da mesa de bilhar. Estávamos excitados e nossas bocas se encontraram novamente e as mãos se livraram do pudor. Escorado na mesa de bilhar eu tateava o seu corpo voluptuoso,  percorrendo todos os contornos enquanto suas mãos procuravam abrir os botões da minha calça. Não foi difícil, e então senti seus  dedos ansiosos dispensar meus botões um por um.

Daí pra frente foi fácil. E ao ter a minha  arriada Flagie se ajoelhou e mordiscou meu pau por cima da cueca. Eu sentia as mordiscadas enquanto suas mãos pressionavam baixo o tecido que lhe tolhia o desejo. Não demorou e ela conseguiu e a sua boca se sua boca ficou defronte ao meu pau, duro, latejando. Eu gemi quando contornou a glande com uma língua úmida e  quente e depois deliciosamente brincou co meu pênis, ora engolindo, ora mordiscando a cabeça. E ela me dizia coisas que me deixavam maluco,e acariciava as minhas bolas e depois enfiava sua mão por debaixo da própria saia e acariciava suas partes.  Era incrível o que ela fazia conosco, e eu a deixei agir por conta própria ao olhar o seu deslizar de mãos pelas grossas  coxas para depois acariciar seu sexo por sobre uma fina calcinha branca.  Excitado eu peguei por debaixo do queixo e docemente ergui o seu rosto e ela surgiu inteira diante de  mim.. E novamente seus lábios estavam nos meus, e após algumas carícias as minhas mãos penetraram por baixo da sua saia. Uma saia num tecido leve e florido que conferia a ela o frescor da juventude. Suavemente conduzi as  mãos tocando suas coxas com as pontas dos dedos, e fui seguindo mar acima até roçar a seu sexo por sobre a calcinha, e depois pressioná-lo com a palma da mão num movimento abre/fecha. Foi o instante dum longo suspiro de   Flagie. Com o dedo indicador sutilmente desloquei o elástico separando o tecido da virilha. e o  penetrei pelo vão. Ele estava excitada, molhada. Retirando as a mãos sob a saia ajudei a se livrar dela ao descer um longo ziper lateral. Sem movimentos bruscos o abaixei  e a saia se afrouxou da cintura e foi morrer nos calcanhares. Flagie era uma delícia naquela peça  de tecido semi transparente, e inda mais sensual e misteriosas sob o parco brilho da luz que, acesa,  iluminava nostalgicamente o centro da mesa, algo de apelo noir. Tirei a sua blusa e seios  fartos e firmes arquejavam sob o sutiã.. Com a libido aflorada mordisquei-os por cima do tecido de rendas e depois introduzi as mãos por dentro dos bojos trazendo seus seios para fora do sutiã. A visão foi maravilhosa, e um cheiro suave de perfume se desprendi das mamas, induzindo-me a   levar o rosto à direção e voltear com a língua cada um dos seus mamilos. Flagie  gemeu e sua boca em desespero procurou a minha,  e sentia as lambidas da sua língua em meu rosto, para depois mostrar os dentes e me mordiscar sutilmente no queixo e pescoço. Agora o olhar era o desejo da fera ao fincar garras na presa, e ela se desvencilhou da minha camisa e seus dentes cravaram em meu peito e eu gemi com alguma dor.
Sofrega, Flagie emitia pequenos grunhidos e sua língua me tocava os mamilos, subindo e descendo pelo meu tórax. Um pouco depois sua boca alcançou meu abdome e brincou com o umbigo.. Com as mãos ávidas nos desnudamos e a ajudei a se livrar da calcinha e do  sutiã num mesmo instante que ela se empurrava as laterais  da minha cueca pra baixo. Enfim, estávamos completamente nus quando com alguma paixão nos beijamos, e depois lambemo-nos. Ela sentou-se na borda da  mesa e  rastejou o corpo até o seu centro dela. .

Era lindo vê-la ali, nua, sob o reflexo da luz. Duas garrafas de champanhe vazias e envelhecidas pelo tempo encontravam-se à ali. Como fêmea defendendo o território ela se livrou das garrafas com um empurrão de antebraço e elas se estilhaçaram ao chocarem-se contra o piso. Um cheiro de sexo misturado à   perfume instigou-me. Foi então que ela separou suas pernas, acariciou seu sexo e me chamou flexionando o seu indicador. A visão me era indescritível e foi impossível manter o controle ao meter o meu rosto no meio de suas coxas. Em pé à borda da mesa sussurrei bobagens, puxei-a pelas pernas até ficar rente a beirada da mesa, e levei a mi ha boca até sua xana. Como se fosse um animal sentindo o gosto da caça eu a lambi de baixo para cima, e depois penetrei a língua bruscamente. Flagie gemeu e murmurou "Chupa!" -  E eu a fodi gostoso, insano, e minha língua entrava e saia da sua buceta,  impregnada de minha saliva e do líquido que  expelia. Era o momento da loucura e ela me pedia pressa, rapidez, que a fodesse com mais vigor, que penetrasse a língua bem no fundo. Eu sentia a  língua molhada pela saliva e por seu líquido enquanto ela gemia, suspirava,  e pedia para que a lambesse mais rápido e forte. Fui para cima  da mesa e me estirei sobre ela. Agora nossas bocas se possuíam,  era como se copulassem, e nos beijávamos e mordíamos.
Me desvencilhei dos lábios e fui descendo até chegar aos seios  e voltear com a língua cada um dos mamilos. Ante o contato da língua os seus mamilos enrijeceram, e eu,  sofrego os sugava insanamente à ponto de ela se queixar que os dentes machucavam os mamilos. Aliviei  pressão e apenas os sugava quando ela suspirou e depois proferiu palavras obscenas que me deixavam maluco. Meu pau latejava à ponto de explodir de tesão, quando ela se abriu por completo e ordenou que a possuísse.  O encontro do meu pau com a sua buceta foi pura redenção, e eu a penetrei e sua xana parecia me engolir levando-me ainda mais para dentro dela ao passar os braços sobre as minhas costas e puxar-me pelas nádegas. Eu a bombeava e não havia qualquer timidez nos gemidos e nem das palavras que dizíamos um ao outro, pois nossos desejos eram  reis, soberanos. Eu a estocava com ardor quando ela ordenou; "Tira daí" - Eu tirei o pau de dentro, e ela  num hábil meneio de corpo saiu debaixo do meu corpo e se pôs de quatro e rebolou empinando a bunda.

E parca luminosidade da luz fazia o ato parecer uma cena de putaria dos tempos de gangster. Flagie murmurava ao olhar para trás. Sua voz soou trêmula "Vem, me bate na bunda e penetra teus dedos nos meus cabelos“ - Ela pediu - Eu sabia o que ela queria. Então eu fui, calmo, sem pressa, com o pau latejando, melado pelo líquido de  minha própria excitação. Flagie sentiu o meu pênis tocando o seu rabo, e ela  empinou mais e suavemente lhe pincelei o rego fazendo o pau subir e desce, enquanto dava- lhe palmadas nas nádegas. Isso a excitava loucamente e ouvi os seus gemidos e a ordem“Venha agora”
Estava fora de mim diante tanta excitação quando a penetrei e ela murmurou e gemeu " ais" num misto de dor e prazer. Com movimentos compassados eu a estocava mais fundo e forte. Flagie agora não mais se continha e seu tom perdia a suavidade e ela ordenava num tom autoritário - "Vamos porra, me fode!" - E conforme o pau seguia mais à frente ela  gemia e  pedia mais - "Bata na minha bunda, anda!" - Ordenava, num  prazer absoluto que o sexo anal lhe causava. O meu pau ardia , e então acelerei e estoquei forte, e ela meneava os quadris fazendo com que ele deslizasse mais facilmente. E enquanto era enrabada ela friccionava rapidamente o clitóris com os dedos, e seus gemidos eram altos, sinal indicativo que o  momento chagava. Foi então que enterrei, de uma única vez,  e ela gemeu, grunhiu num mesmo instante que eu, num insano e fantástico gozo. Um gozo que, sabia,  à partir daquele instante dificilmente nos deixaria longe do outro.

Claro, as probabilidades de isso acontecer com você talvez seria de uma chance em mil, mas, foi assim que aconteceu conosco. Foi assim que ela gostou, e que eu gostei. E foi assim, porque assim tinha que ser assim e, só teria sido bom se tivesse sido desse jeito. Talvez estivesse sacramentado nas estrelas ou nas ondas do mar, não importava.  Após nos recompormos voltamos para o Bar sob alguns olhares curiosos, afinal, ficáramos um bom tempo longe do convívio dos amigos. Passe com Flagie agarrada pela cintura e Heitor olhou para mim e sorriu e depois piscou; sim, ainda continuávamos sacanas e amigos. À caminho de nossas mesas sorrimos para todos e todos sorriram para nós. E era gostoso ter seu corpo grudado ao meu. Depois pedimos licença aos companheiros de farra e pegamos uma mesa só para nós. Eu e Flagie sentamos um á frente do outro, e nossas pernas roçaram por debaixo da mesa, e rimos ingênuos e maliciosos, e nos olhamos fartos de alegria e tesão.Sim, eramos olhos insinuantes, desses que  percebem tudo.

E foi tocando nossas mãos que notamos que a cumplicidade que nos acompanharia. Sentíamos algo mágico, e era como se protegêssemos a relação.
Jamais poderíamos garantir nada, mas nascera sim o sentimento, não só o de tesão ou simpatia, mas o de imenso prazer de estarmos ali olhando um para o outro. Era como se seus olhos negros me dissessem; cara, estou aqui e nós vamos curtir um barato legal, vamos nos ajudar a suportar esse mundo individualista e difícil de ser compartilhado.
Sim, soubemos disso naquele instante e não íamos deixar escapar a chance.
Paixão? Não, claro que não. Era algo e além mais dum corpo que se deseja e olhos que sorriem, mas que uma manhã de segunda feira te faz esquecer.
Eram duas da manhã quando a levei em casa. Ao desligar o motor à frente do seu portão, luzes s  acenderam no interior do imóvel. - "Xi, papai é fogo!" - Ela disse.
Eu apenas sorri, afinal, para não se queimar há um único caminho; não brincar com fogo.
"Foda-se, quero me queimar!" - Disse para mim ao dar um rápido beijo em sua boca e depois  vê-la descer do  automóvel.
Flagie adentrou o portão cabisbaixa, e eu pensei; Ah, se  papai soubesse eu seria um cara tostado.

-Que venham as brasas - Murmurei baixinho enquanto ela entrava pela porta da sala.

Whiskey On The Rocks.


O seu olhar era desolador.

-Não há nenhuma chance de erro?

-Nenhuma Erico – concluiu ele.

Sai do consultório um tanto confuso. Eu havia sido o último paciente de uma consulta marcada para as 18:30 hrs. Direita ou esquerda? Eu não sabia e só via os longos corredores brancos e o piso de mármore refletindo lâmpadas das sofisticadas luminárias. Dei-me por achado e seguindo o da direita aguardei o elevador. Desci os 15 dos 25 andares daquele edifício refinado e totalmente voltado para os médicos e assuntos da área da medicina. Olhei párea o relógio; 19:00 hrs. Sai e sem vontade de retirar o meu carro do estacionamento andei pelas calçadas e atravessei alguns faróis. Eu somente andava, não havia rumo, somente o andar e as luzes que começavam a piscar;; era mais uma miserável noite na maior cidade do país. Ao atravessar uma daquelas rua a placa acrílica com letreiros em néon azul surgiu à minha frente e me chamou à atenção. “Snake Bar” Achei o nome sugestivo; entrei.

-Por favor, um Jack Daniels duplo com duas pedras de gelos - pedi.

Fui servido. Eu me encontrava sentado no balcão e de ambos os lados os acentos estavam ocupados por pessoas, algumas interessantes, outras não. Repassei o olhar e na sua extremidade esquerda percebi uma mulher. Olhei novamente e ela me pareceu perdida entre nuvens das tardes ensolaradas de janeiro. Na mão direita o copo e dentro dele, provavelmente, boiavam duas ou três pedras de gelo agitadas no mesmo sentido de um ponteiro dos segundos. Eu estava chamando atenção já que meu pescoço. completamente voltado para a direita, analisava aquela mulher bonita. Naquele exato momento a pessoa que ocupava o banco ao seu lado levantou.
Ergui-me do meu banco e me dirigi para lá, As pedras do meu Jack também giravam como o ponteiro de segundos num copo em minha mão. Sentei e permaneci quieto. Ela reparou na minha presença e sutilmente virou a sua cabeça e rapidamente me olhou. Eu me fiz de indiferente. Isso pareceu incomodá-la já que, talvez, não estivesse acostumada a esse tipo de reação dos homens – imaginei - Permanecemos lá, quietos os dois, concentrados cada um em sua bebida. Continuamos assim por mais alguns minutos.

-Por favor! Mais um Jack – pedi novamente

O barman colocou diante de mim o novo drink. Peguei o copo e o girei em sentido horário. “Acho que as pedras já se acostumaram a girar” Balbuciei para mim mesmo
Ela ouviu e sorriu.docemente. Era um sorriso mágico de um rosto de faces perfeitas e de lábios sesuais que se alargaram ao sorrir.

-Pelo jeito, tens a minha mania – Disse, demonstrando surpresa

Claro, ela se referia ao fato de ficarmos lá, interminavelmente, girando no ar, ocupando o espaço vazio com aqueles copos, nos divertindo com o som causado pelas pedras de gelo em contato com o líquido e o material de vidro.
Eu concordava e só pude dizer um “É”. Foi o suficiente para que eu me fizesse menos difícil e travássemos o nosso primeiro e amistoso contato.. Laura era o seu nome.

-Muito prazer! Laura – Apresentou-se numa voz discreta e sensual

-O prazer é meu, Laura! Sou o Érico. – confirmei, já sentindo o toque da sua mão.

Eu era Erico Zambi. Um escritor, 55 anos, e alguns livros publicados, dos quais, dois; best-seller. Eu me encontrava naquele bar, aliás, um interessante bar que mantinha na sua prateleira de bebidas caras e importadas uma enorme sucuri, envolta, grossa, arrepiante e embalsamada.
Estava ali após ter saído do consultório do Dr. Jaccques, meu médico particular que havia recebido do laboratório o resultado do meu exame de sangue. Ainda me lembro do seu olhar de comiseração, afinal mantínhamos essa relação de médico&paciente há mais de 20 anos. E a sua sentença representava um novo mundo para mim. Provavelmente haveria para mim novas sensações e uma outra e desconhecida percepção da vida. Ao descer pelo elevador, duas imperceptíveis lágrimas, solidárias, desceram juntas.
Eu havia contraído o vírus do Hiv. Eu havia contraído a popular e conhecida Aids, e os sintomas juntamente com as avermelhadas manchas na pele me fizeram procura-lo. Eu já desconfiava do resultado, mas como as vezes nos apegamos em esperanças do impossível, acreditei. Evidente, eu fora infectado há muitos anos atrás, talvez dez, ou mais, ou menos, nunca eu saberia ao certo.
E foi assim que entrei naquele bar: procurando dentro de mim o sentimento da conformação. Não havia nada á reclamar e muito menos de quem havia me infectado já que provavelmente ela não soube por quem foi infectada salvo se, o relacionamento fosse com um pessoa estável e fiel. E eu era justo ao admitir que há muito tempo eu não mantinha qualquer relacionamento com essas características, sempre transando com garotas de programas ou essas meninas perdidas nas noites da intelectualidade paulistana. Portanto, lá estava eu nesse bar com aquela enorme cobra em sua prateleira principal, travando contato com uma deliciosa mulher dos seus trinta e poucos anos. E, se tornou óbvio que havíamos nos interessado um pelo outro e nós, sempre sabemos quando isso acontece. Talvez a notícia tivesse me causado carência e a necessidade da presença de uma mulher.. Eu queria uma “mulher” e não uma garota que fosse pra minha cama por ser eu , quem sou. Enfim, já me encontrava descrente do amor e de parte da natureza humana. E, conversando com ela era nisso que eu pensava, talvez eu quisesse recuperar um tempo perdido de uma vida que eu jamais tive. Mais algumas bebidas e com uma certa intimidade saímos do bar e eu a levei para casa. Estava ali uma mulher sensível, madura, dilacerada pelo abandono de um sujeito em que ela havia acreditado, que tinha jurado ficar com ela. Doce engano. Laura ainda acreditava na raça humana e em homens casados.
Havia acreditado em mais um desses caras que mentem e que munidos da sua melhor piada convencem-nas num - “vou ficar com você” . E elas, por carência absoluta, acreditam, apesar de permanecerem sensíveis para essa mentira. É a simples necessidade de aceitar a mentira como se ela pudesse se tornar uma verdade.
E com ela não foi diferente e assim lá estava ela e a sua justificativa para permanecer ali, sentada naquela banqueta de bar. Além do mais, estávamos lá é porque deveríamos estar. Estávamos lá, compactuando com o desaforo de um destino que nos convocou, que nos induziu, que nos aproximou. Era alentador nos pegarmos em esperanças, tentando desesperadamente nos manter coma cabeça acima das ondas gigantescas do oceano da decepções. Era a vontade de não errar, e nem que o tempo não fosse o necessário ou o suficiente, a meta agora era não errar.
Ainda ao sair, lembro de ter olhado praquela imensa sucuri ambalsamada e envolta em si. E pareceia que os seus olhos não me largariaam até que eu deixasse atrás de mim a porta do “Snake Bar”. Ao sair, já na rua e ao lado da Laura, tive a nítida impressão que a cobra me houvera me dado um toque:
“Cara! A morte nos aguarda todo em cada batimento do coração. Deixe batê-lo até não pulsar mais. Só isso ”.
Pensei nisso e sorri num riso triste, de esperança até. Ela, sem saber de nada, sorria para mim.
Voltamos por todas as calçadas que eu já havia percorrido. O meu carro e o banco do passageiro aguardavam no estacionamento.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O elevador


- Mas que merda! porra! - Todos se assustaram.

Talvez houvesse uma duzia de pessoas na cabine do elevador, quem sabe mais, ele não precisava ao certo.
Foda-se! - pensou - surpreso com os olhares dos demais.
"Oh, que sujeito horrível!" - disse uma garota gordinha, talvez uns 23 anos, do qual não se via-lhe a bunda, apenas a silhueta ampla, larga, nuns peitos rechonchudos, tamanho 52.
Um cara, executivo ou parecendo um o olhou-o com desdém. Ao ser retribuido, o suspeito empresário sentiu-se desconsertado. Evidente que encarar um sujeito daqueles, que do nada solta um "Mas que Merda! porra!" não era tarefa das mais fáceis.- é bom tomar cuidado com esse tipo de sujeito -deve ter imaginado ao se desvencilhar do olhar. Do lado esquerdo, de relance percebeu uma loirinha. Ela parecia atraente a bordo daquele sorriso discreto porém, sensual.
Talvez não fosse gostosa já que não lhe via as formas, encobertas que eram por um sujeito barrigudo e de terno desalinhado. Naturalmente, o amavável sorriso, aliado ao fato de não tê-lo censurado nem mesmo com um olhar fizeram-no imaginá-la interessante.
Todos ali, com exceção de uns quatro ou cinco davam mostras de sentirem-se incomodados com sua presença. Olhou para o pulso esquerdo e no relógio o ponteiro dos segundos girava insano, numa louca corrida, sem cabimento e sem motivos, como quisesse alcançar algo que estivesse muito a sua frente, porém, sem nunca conseguí-lo. E a viagem transcorria e a medida que os andares iam sendo vencidos o elevador não mais parou e nem acolheu qualquer passageiro, descendo rumo ao pavimento inferior. E ali, naquele universo de quatro metros quadradados ele se sentiu solto num mundo sem perspectiva e sem se dar conta haviam chegado ao destino. Nem notou a porta metálica abrir-se a sua frente.

-Térreo! - Exclamou a ascensorista.

E aquele pequeno mundo de gente se locomoveu, uns mais apressados que os outros. E todos, de alguma forma, partiam para os afazeres de suas vidas repletas das mesmices de sempre. A loirinha fora a penúltima. Era a sua oportunidade. E ela saiu, linda, mágica e ele percebeu toda classe que desprendia daquela garota. Reparou no estilo do caminhar e o voluptoso rebolar de nádegas encoberto pelo delicado linho de um refinado tallieur. - gostosa - concluiu.
Talvez lhe faltasse melhor senso e critérios na definição do era ser "gostosa". Geralmente se fixava na rigidez e curvatura das nádegas como se esses fossem os únicos critérios possíveis e aceitáveis. Repentinamente imaginou se ele não estaria acometido por alguma espécie de um desvio comportamental, e então sorriu com desdém. Afinal, sempre ouvira dizer que essa obsessão, esse fanatismo por um belo rabo significava que pudesse estar enrustido dentro de si o desejo de dar a bunda. E os defensores dessa tese insistiam que já que isso nada mais representava do que as vontades de pessoas, reprimidas e envergonhadas de se assumirem na homosexuaalidade. Bah! quanta baboseira! -repudiou- Afinal, se a teoria fosse válida, seríamos obrigados a admitir que éramos um país de viados. E, além do mais, ser defensor de uma teses dessa natureza era claramente assumir-se na viadice. -concluiu-

-Senhor! Térreo! Chegamos!

Acordou do pensamento surpreendido pela macia voz da ascensorista. Ali, parado, fixou-se atentamente naquela jovem. -Linda- definiu. Linda, mas no lugar errado.- ruminou ainda. Concentrou-se mais e atentou para os detalhes daquela figura tão feminina e tudo nela lhe pareceu tão extraordinariamente mágico e sensacional. As formas, a rigidez das ancas , os seios fartos, redondos, as pernas explendidamente torneadas, a doçura da voz e, finalmente aqueles olhos negros que o devoravam.

-Senhor! Térreo! - insistia ao olha-lo fixamente e sem compreender-lhe a resistência.

Nem ele entendia o motivo de estar parado ali com o olhar fixo nela como se fosse a presa ds mais faminto dos leões. Só ali, estático, vislumbrando, admirando. sentindo o suave perfume e a irrestível atração que ela exercia. E continuava ali, parado como se atingido no queixo por um demolidor cruzados de esquerda, nocauteado no primeiro de uma luta de dez assaltos. E ela, sem qualquer resposta dele, como se estivesse hipnotizada,olhava-o de forma sedutora e os seus negros olhos faíscavam e então, num simples toque de botão fez a porta se fechar. Repentinamente os olhares tornaram-se cúmplices e ardentes. Ouviu-se o "plim" de uma campainha que certificava que o elevador estava novamente em movimento. Eles estavam excitados, inexoravelmente atraídos. Ele percebeu todo o momento e então agiu. Suas mãos de homem adentraram por sob a saia da funcionária, e os seus dedos ágeis subiram até o seu sexo e suavemente roçou sutilmente os dedos por sobre o tecido da calcinha. Um longo e sensual suspiro de mulher preencheu a atmosfera. Ele foi mais fundo e seus dedos penetraram-na e sentiu o quanto ela era quente e molhada. O elevador subia sem qualquer escala a caminho do 43o andar.

sábado, 15 de setembro de 2007

Porfírio e a cúpula do trovão.


- Alôuuuuuu! – Perguntou a voz do outro lado.

- Agência de detetives “Faro fino”! – respondi tentando ser agradável.

- Por favor, gostaria do falar com o senhor Porfírio! – insistiu numa voz irritante e que por momentos me relembrou a voz de uma garota que fez um antigo comercial de shampoo.

- Sim! ele mesmo. Em que posso ajudá-la? – disse-lhe pigarreando

- Senhor Porfírio, o meu chefe gostaria de marcar uma entrevista com o senhor. È urgente, viu? –concluiu.

Na manhã seguinte, 8 horas, lá estava eu no endereço que Tina havia me passado na ligação. Aliás, não só eu como também meu terno panamenho e de ombros largos. Era curioso e causava um certo mal estar a qualquer pessoa que me analisasse vestido naquele terno. Ao levantar-me, fiz o meu café da manhã, um café preto e forte e o digeri com algumas bolachas água e sal já que a manteiga, aliás, margarina acabada e então fiquei lá vendo o pote vazio e raspando a ponta do indicador pelo seu fundo até retirar de lá alguma coisa que fizesse me lembrar do sabor. Tomei banho fiz a barba e escolhi o melhor dos dois únicos ternos que eu tinha. Era 7 horas da manhã quando desci do apartamento e entrei no meu Gordini que sempre deixava estacionado em frente ao edifício e não havia qualquer preocupação em deixa-lo ali, parado e ninguém haveria de se interessar no seu roubo -ladrões são idiotas mas não são otários- eu pensava. Liguei a chave de ignição, dei as 15 bombeadinhas de praxe para ser injetada a gasolina no carburador e pedi a Deus que ele pegasse. – Vrhummm.... rugiu alto – então parti. Bom, foi assim que eu estava parado ali na frente daquele belo edifício comercial numa das ruas mais chiques da cidade e a fachada imponente e envidraçada, de vidros que certamente seriam Ray-ban me deu a dimensão exata com quem estaria me entrevistando.
Na portaria fizeram-me entregar um documento e me enfiaram no puído bolso superior do paletó um crachá de identificação – VISITANTE – e eu partia para o 25o andar daquela suntuosidade.
Dentro do elevador me olhavam curiosos já que era o meu terno panamenho destoante de todos aqueles que se encontravam naquela cabine num festival de grifes caras e sapatos em cromo.

-Por favor senhorita, marquei uma entrevista com o Sr. Herbert – disse a estonteante secretária que me atendeu com um sorriso cordial mas um tanto desconfiado.

-A quem devo anunciar? – Meu Deus! Era ela! Reconheci a voz de imediato e não me conformei em ver tanta beleza perdida ali naquela voz irritante.

-Porfírio, o meu nome é Porfírio – Riso cretino no rosto.

-Ah sim! o Sr. Herbert o aguarda! – Dito isso me encaminhou para a sala do Sr Herbert e, quando ela se levantou para encaminhar-me vi luzes cintilando, era simplesmente sensacional e suas pernas numa sai cinco dedos acima do joelho eram excepcionais e o perfume suave, feminino, demolidor, fez-me rastejar atrás daquela fêmea como se eu fosse um animal no cio.

O Sr. Herbert me aguardava com olhos de poucos amigos e então indicou o lugar onde deveria sentar. O seu escritório era impressionante de belo e a mobília riquíssima imperava soberana e contrastava com todos os objetos de decoração que haviam por lá.. Num dos cantos de uma estante repousava uma coleção de miniaturas de carros esportivos e eu reconhecia aqueles carrinhos num festival de grife automotiva e as Ferraris, Lamborguines, Mercedes e Porches desfilavam. Num dos cantos de sua mesa havia uma caravela, linda, minuciosamente construída por algum artesão e que dava um certo ar de nobreza ao ambiente.

-Senhor Porfírio! – sua voz era máscula e grave. E antes mesmo que eu abrisse a boca, continuou.

- O senhor me foi indicado pelo José, um colega seu de faculdade de direito e muito meu amigo.

- Ah sim! o Ernesto – Conclui dando a entender que sabia do que ele estava falando., afinal, na época da faculdade só na minha turma deveria haver uns 15 ou mais Josés.

E foi assim que eu soube, depois de termos acertamos os honorários e haver recebido em grana viva um adiantamento, que teria de investigar a sua esposa. Disse que um dos motivos foi às sucessivas ligações anônimas que davam conta que ela se relacionava com um dos seus funcionários e que, nessas horas, o denunciante nunca o deixava esboçar qualquer reação e desligava em seguida. A primeira ligação fora há mais de 30 dias e após muita insistência a srta Tina havia passado a ligação dizendo que o sujeito insistia que tinha “informações importantíssimas” a lhe fornecer. Foi dessa forma que ele soube. Saí da sua sala munido da fotografia da esposa e com alguns dos endereços que ela tinha por hábito freqüentar. A porta fechou-se as minhas costas e então sobraram Tina e eu e perdidos ali na imensa recepção. Talvez estivesse me precipitando mas, senti algo de carinhoso no seu olhar ao se despedir de mim.

-Aguardamos o seu contato, Sr. Porfírio – Disse-me antes de atender uma ligação.

Magicamente a sua voz não me pareceu irritante desta vez. Fui para o hall do elevado e chegando, desci e o seu perfume ainda impregnava o meu olfato num cheiro que não mais existia mas que imaginava ainda estar ali.

Naquela mesma tarde liguei para o escritório. Não, eu não tinha notícia nenhuma e era só o pretexto para ouvir a voz de Tina. No fim da tarde estava lá, de prontidão esperando Tina sair. Vi quando partiu do estacionamento com seu Simca Chambord prata, a segui sem não antes deixar de dar as 15 bombadas de praxe. Nos dirigíamos em direção das Perdizes e foi lá, diante de um Bar, uma espécie de "cafeteria" que seu carro estacionou.
Entrou- Sai do carro e passei e parei diante da fachada e olhei por entre as esquadrias envidraçadas e a vi encaminhar-se para uma mesa de canto, solitária. Fiquei ali, zanzando, sem saber o que fazer e a vontade de entrar era enorme mas, não sabia se deveria faze-lo ou não. Tina não era dessas garotas do meu meio, uma porra louca, boemia, de vida e de hábitos tortos. Definitivamente não o era. Voltei para o meu carro, dei as 15 bombadas e parti – houvera amarelado tal qual a gasolina que insistia em não subir para o carburador.

Na manhã seguinte lá estava eu de plantão próximo da mansão do Sr. Herbert. Fiquei lá por umas quase 3 horas quando um Mercedes Benz deixou saiu dos seus jardins.- era a dona Helena- Bombeei o costumeiro e pedi para que ele não falhasse e, partimos. Segui-a por todo aquele dia e nada houvera de espetacular nas coisas de praxe de uma mulher rica; cabeleireiro, shopping, compras e mais compras e um almoço num dos melhores restaurantes da cidade.. Evidente, aguardei do lado de fora, distante e me contentando com os dois sanduíches de pão francês, presunto e mussarela que havia levado, afinal, sou previdente. No fim da tarde ela rumou de volta para casa e ao vê-la adentrar os jardins dei meia volta e fui embora.
Na manhã seguinte toca o telefone.

-Alôuuuuu, agência de detetives faro Fino – eu disse, tentando transmitir segurança a um possível qualquer cliente.

- Porfírio? –

- Sim! ele! – Eu já sabia quem era e aquela voz era inconfundível. – Ela disse que estava ligando pra matar o tempo já que o patrão havia ido para a Argentina cuidar de alguns negócios e que o seu trabalho intenso só se dava na presença dele, com ligações, atendimentos, papeis, cartas e todas essas burocracias executivas. E ficamos ali conversando por mais de uma hora e era gostoso ouvir a sua voz, aguda e a qual eu já estava me acostumando. No fim da nossa conversa arrisquei um convite e já, antecipadamente acharia que não aceitasse.

- Eu adoraria, Porfírio! Ok! Você pode me pegar as 20,30 –

Eu não podia acreditar! Naquele dia não me preocupei com a dona Helena – ela não me interessava de momento- No horário combinado lá estava eu em frente ao endereço que ela me dera. O prédio era simples mas de arquitetura bonita. Estacionei em frente da portaria e a vi descer magnificamente aqueles provavelmente doze degraus até entrar no meu carro. Fiquei constrangido mas, ela, me pareceu simples e natural ao sentar no banco do passageiro do meu Gordini. Eu quis causar boa impressão e lavá-la num bom restaurante e indiquei o nome para onde iríamos, mas, aquela garota além de mágica sabia das coisas;

-Porfírio, não! Vamos num lugar mais simples. Não podemos nos dar ao luxo de jogar dinheiro fora já que não somos ricos – Acho que ela entendia o meu terno de ombros panamenhos melhor do que eu. Naquele momento vislumbrei uma jogada genial e disse que conhecia um lugarzinho delicioso em Perdizes e, qual não foi à surpresa dela ao me ver parar em frente daquele Bar- Cafeteria. –eu era um mestre, alias, um detetive mestre-
E ali conversamos por horas e eu soube a criatura meiga que ela era. A agudez da voz tornava-a cativante como se fosse uma menina adulta dentro daqueles olhos vorazes e negros. Ali eu soube da sua vida, das suas tristezas, das alegrias e até de um noivado de quase 9 anos que terminou uma semana antes do altar. De lá pra cá se desiludira com os homens e os queria ver longe já que todos eram iguais. Senti meio desconfortável com essa observação mas, como era mágica e sutil logo deu um jeito na situação. Ali entre os drinques, entre os meus bloodmarys e os seus matines com azeitona fomos próximos, íntimos, suaves e românticos. Lá eu vi lagrimas brotarem ao falar da mãe partida há mais de um ano, e da única irmã, casada e que morava em Recife numa vida difícil. Disse que havia pedido para que voltasse para São Paulo que ela daria um jeito mas, que o que, o marido, um pernambucano arretado a mandou tomar naquele lugar.
Foi com as faces rosadas que fez essa observação. Era quase 11,30 da noite quando saímos daquele bar e rumamos para o meu apartamento. Dessa vez quase dei azar e o meu Gordini precisou de duas sessões de bombeadas para acordar. “ Vrhummmmm” E lá se fomos nós.
Amanheceu e o despertador pontualmente me acordou às 6 horas. Olhei para o meu lado e Tina abria os olhos e não havia como não me perder dentro daquele negro infinito e da boca de maçã. Beijamo-nos apaixonadamente, levantamos, nos trocamos e a levei para casa e as 8 da matina ela deveria estar formosa e sentada na mesa da secretária da presidência.
Jesus! –pensei-. Talvez fosse tarefa árdua descobrir qual o funcionário que trepava com a mulher do patrão – tarefa difícil para se descobrir um entre mais de 100 funcionários instalados naqueles 10 andares de propriedade da empresa. Aproveitando a ausência do patrão, pedi a Tina que me arrumasse todos as fichas de empregados homens que trabalhavam por lá. Ela, a princípio recusou – Ah! Porfírio não estou autorizada – Mas, com jeitinho eu soube persuadi-la já que o seu trânsito livre pela empresa permitiria que obtivéssemos sucesso.
Por volta das 8,30 da noite me deparei com um rosto que não me inspirou confiança;

-Tina! Veja esse aqui! Quem é?

-Ah! Esse é o Marcos Augusto, gerente de marketing! – Esqueça dele, Porfírio..é afeminado - Olhei praqueles olhos vedes dentro daquele rosto aparentemente másculo e só consegui expressar;

- Vejam vocês !

Ela riu, eu ri e continuamos olhando as demais fichas. Por volta das 10 da noite estávamos exaustos daqueles registros todos e então a convidei;

-Tina, vamos lá pra casa? Te pago um delivery de comida chinesa. Topas?

-Comida chinesa, Porfírio? Topo! É comigo mesmo! – Eu poderia estar enganado mas, e evidente, eu estava me apaixonando por ela. Novamente as 6 hrs da manhã o despertador me acorda e lá estavam os olhos negros e a boca de maçã. – eu estava me acostumando-

Pontualmente as 8,30, ainda manhã, lá estava eu e meus dois sanduíches de presunto bem próximos da esquina da mansão. Para minha surpresa, o Mercedes Benz ganhava as ruas.

-Pega, miserável! – Dessa vez na oitava bombeada ele pegou, pra minha sorte. Chegamos no mais luxuoso Shopping da cidade e ela adentrava uma das lojas mais luxuosas. Dessa vez eu a observei de perto e pude ver como era bela aquela mulher. Bom, ricos, geralmente se tornam belos mesmo não os sendo – supus – Ela estava num taieur lindíssimo, cinza, coisa de milionário e num par de sapatos, salto 15, vermelhos, belíssimos. Aquilo me chamou à atenção pois não achava que os sapatos combinavam com a sua roupa – coisas de milionários-. Aguardei sair de uma loja e a se foi por entre as ruas do complexo. Parei, disfarcei e a vi entrar num toillet feminino. Aguardei uns vinte minutos e ela não retornava e achei estranho o fato. Mais 5 minutos e saem algumas mulheres do toillet e entre elas eu distingui um lindo par de sapatos vermelhos, salto 15. numa bela mulher em óculos esportivos, enormes e escuros e um cabelo diferente, penteado pro lado oposto do lugar original. O taieur dera vez ao conjuntinho, jeans, comportado e jovem. Reconheci aqueles sapatos então era somente uma questão de seguí-los. Antecipei-,e corri pára o estacionamento e a prudência me dizia que devia espera-la do lado de fora do empreendimento. O carro, desta vez não me deixou na mão, foi na primeira..
Aguardava-a quando reparei uma moça bonita em conjunto jeans, na calçada em que eu estava, dando sinal para um Táxi.

-Ahhhhh, te peguei sua safada! Ouviu seu Gordini filho dumégua!, pegamos ela!- exclamei entusiasmado.

Segui o carro e o vi entrar num motel. Era um dos motéis mais caros da cidade. Entrei atrás e ainda vi o taxi entrar por uma daquelas pequenas ruas, cercadas por chalezinhos de aparência suíça. Ali, na cancela, em frente ao guichê de atendimento, parei e desci.
O recepcionista me olhou assustado :

-Garoto, por favor! Preciso pegar em flagrante essa dona que acabou de ser deixada pelo taxi – energicamente disse a ele.

-O senhor está louco? Vou chamar a gerência! – protestou nervosamente

-Calma! Calma, garoto! Disse tirando duas notas 100 cruzeiros – talvez o seu ordenado do mês- Ele me olhou surpreso mas percebi que seus olhos e feições abrandaram.

- E tem mais duas na saída se tudo dar certo! Como eu faço pra fotografar essa dona?

Ele então pegou as duas notas e me explicou o macete. E as fotos eu consegui pelo local que é servido a refeição e só foi esticar o braço e trazer com os dedos da portinha de correr e lá estavam eles sentados na cama. Ela já em calcinhas e ele com a calça aberta e lhe aparecendo à cueca. De onde permaneciam não se aperceberam do que se tratava já que era impossível distinguir a minha feição por detrás daquele pequeno duto. Tive que ser rápido e só foram três fotos que conseguira tirar deles antes que ouvissem as minhas desculpas, em voz afrescalhada.,

_Perdoem-me, atendi o quarto errado – O pedido era na suíte 315, Um Lapso, desculpem-me.

Na saída rápida, sei as restantes duas notas pro garoto, cumprindo o prometido. E além do mais, ele mereceu cad nota daquela e foi ágil ao me introduzir naquele corredor, desapercebido dos demais funcionários.Evidente que, isso, futuramente demandasse alguma posição judicial dos que se sentiram melindrados e quando isso viesse à tona, mas, pela minha experiência, nada aconteceria e ninguém é bobo pra dar a cara à tapa.
Chegando no carro é que pude retirar aquelas três fotos da máquina Polaroid já que elas estavam dependuradas numa única tira. Me ative cuidadosamente nelas e então;

-Opa! Conheço esse rosto! – exclamei surpreso com o que eu acabara descobrir.

Liguei o carro e duas esquinas à frente parei e liguei pra Tina.

-Tina! Aquele funcionário que eu havia cismado e que você disse que era “Biba” ta por aí?

- Não, não está não Porfírio. Ele deve estar em Campinas, numa empresa, divulgando a nossa nova linha de produtos.

- Tina! É ele!

- É ele o que, Porfírio?

- É ele, Tina! O amante da esposa do patrão!

- Não pode ser Porfírio! Ele é o empregado de maior estima do patrão. Está com ele há m ais de 15 anos e é !bicha. Você deve estar enganado. – disse atônita.

Bem, isso foi há quase três meses atrás. Evidente, o meu caso com a Tina não deu certo e ela era muita areia pro meu caminhãozinho. Eu simplesmente não merecia uma mulher daquela e não seria justo enfiá-la neste mundo de sacanagem e miserabilidade em que vivo. Mas, isso, apesar de triste não foi o mais curioso. Como era d esse esperar, o senhor Herbert deu um pé no rabo da sua mulher – divorciou-se e parece que fez um bom acordo com ela. No fim do serviço me chamou e pagou-me regiamente, duas vezes mais que o combinado. Agora, uma coisa me chamou à atenção naquele dia e dentro da sua sala.
Eu já estava na porta da sua sala para as despedidas quando ouvi uma outra voz vinda do toilllet do escritório

-Já estou indo meu bem, já estou indo!

Virei e olhei assustado e reconheci o dono daquela voz afrescalhada. Era Marcos Augusto Souto.

O Sr. Herbert pareceu se divertir. Tirou mais 5 notas 100 e enfiou no bolso do meu paletó. E, antes que me despachasse por completocompleto pude ver por entre a fresta da porta que estava se fechando , a figura de Marcos, já sem camisa.

- Grande, garoto! - Piscou-me o Sr. Herbert, fechando por completo a porta diante de mim

Passei pela recepção e a Tina me sorriu, um sorriso amarelo, de quem sabia e fingiu não saber e até demonstrou surpresa naquele dia que lhe telefonei. Sorri e o meu sorriso não foi irônico, foi sim o meu reconhecimento que ela era um funcionária leal e assim deveria permanecer sempre, como entendendo que por mais que gostasse de mim não poderia confiar por completo.
E foi ali que percebi que ela não fazia parte do meu louco mundo.

O advogado


17:26 hrs :

Acabávamos de estacionar quando algo estranho me acometeu. E foi ali no carro de minha filha que senti o coração bater descompassado causando-me considerável desconforto. Com dificuldade desci, travei a porta  e caminhamos para o escritório, apesar de fazer o possível para não deixar transparecer, afinal, poderia ser apenas um mal estar passageiro e eu não pretendia preocupá-la.


17:28 hrs :

Ao entrarmos pela recepção cumprimentei as atendentes com um aceno de mão e me dirigi à sala do advogado de causas ganhas e umas tantas perdidas. Apesar de gozar dum certo conceito entre os ótimos escritórios de advocacia, sei que nós advogados  equilibramo-nos em fios e lâminas, e em ocasiões que seremos coroados de glórias, e talvez em outras, onde passíveis de erros e repercussões haveremos por enterrar de vez a vida de um profissional. das leis.
E era nesse exato momento em que me ocorria as divagações que senti a dormência no braço esquerdo, e logo após a dor aguda que me fez espalmar a mão direita sobre o peito, um inequívoco indício de ataque do miocárdio. Que hora mais imprópria para ter um  infarto e dor tão desumana que sequer permitiu manter-me em pé. Inevitável, desabei, e o barulho do meu corpo ao encontro do piso de tábuas largas chamou a atenção de minha filha que acabara de adentrar o seu escritório, ao lado.
Grace era o seu  nome, e ela veio correndo. Em seu lindo rosto sobressaiam os olhos negros e curiosos, esses, ávidos por conhecimento. Evidente, Grace sempre foi a menina dos meus mimos, porém a admiração ia além à advogada brilhante que era. E assim digo porque era generosa e preocupada com as cosias que me cercavam, pois ao ouvir qualquer dos meus espirros vinha à minha sala para certificar-se que tudo se encontrava bem.
Entretanto sua apreensão não evitou que eu estivesse ali ao chão diante aquela dor que me rajava no peito como se mil abelhas me picassem.
Seria dessa forma que a vida terminaria para mim? - Questionei -

Talvez fosse, entretanto o ataque vinha no momento impróprio, num instante em que travávamos uma batalha envolvendo milhões de dólares com uma das grandes multinacionais do setor alimentício
Óbvio, passados dois anos de sua formatura, Grace esbanjava competência e inteligência ao raso dos seus quase 25.  No entanto desconhecia a totalidade dos macetes jurídicos e as minúcias processuais, detalhes pequenos, mas que  poderiam cegá-la e fazê-la perder uma excepcional causa. Portanto não foi essa a melhor hora de abandoná-la e deixá-la a merce das bestas feras.
E assim não me é difícil concluir, pois tínhamos pela frente não só a batalha por um elevado valor, mas a excepcional perspicácia de César Carvalhaes, o advogado da parte contrária. Cesar deveria estar na faixa  dos 30, um desses sujeitos que personificam a realidade daqueles que honram o exercer da profissão. E a adjetivação saltava aos olhos naquele talentoso jovem descendente de um clã de notáveis advogados, pondera-se, todos formados nos bancos da  Faculdade do Largo de São Francisco.
No caso de Cesar embutiam-se ainda outros pesos, pois o demônio parecia deter um dom especial, já que todas as rotas que trilhávamos pareciam ser esperadas por ele, e isso facilitava as suas protelações. Por vezes me perguntei como o advogado conseguia vislumbrar as decisões da minha razão, porém, fossem quais fossem as suas premonições tinha que curvar-me à sua estupenda capacidade de se antecipar.


17:29 hrs :

Apenas mais um minuto e o meu coração agonizava.  Minha filha ao me flagrar deitado gritou por socorro, e Valquíria, a secretária, surgiu e  presenciei a aflição ao  ligarem para o Hospital Bom Coração, o qual, diga-se, fui um dos  beneméritos. Desesperadas clamavam que para que viessem logo, porém tanto esforço não resultaria em nada, pois ainda havia o relógio com os ponteiros quase inertes pelas pilhas desgastadas.
Antes de exalar o último suspiro, Valquíria ainda rogava ao telefone, e no rosto de minha filha apenas a amargura e lágrimas deslizando, formando um pequeno afluente que borrou a sua maquiagem.
Com os  meus ponteiros prestes a estancar cravei os olhos no meu diploma de Direito afixado  logo acima da cadeira executiva e tentei sorrir.


17:30 hrs :

Antes que cerrasse os olhos consentindo o fim da vida,  flashes espocaram em minha  mente como néons coloridos, e na consciência aflorou a necessidade de voltar a reviver esse mesmo dia, o de minha morte. Talvez naqueles milésimos de segundos eu estivesse confuso, pois nada me parecia mais importante que retornar para poder reviver as últimas 24 horas junto das pessoas por quem nutri algum sentimento. Talvez o desejo aflorou por não estava preparado para a morte, portanto, entre as dores só me restou a rápida  prece e na qual clamei a realização. Já agoniza quando tudo se fez torpor ao senti o inexplicável,  algo assim como se extraíssem coisas do meu corpo, e fui tocado pela paz que apenas se interrompeu no desespero de Grace que ainda insistia por socorro.
Num derradeiro esforço tentei movimentar os lábios para enviar a ela o mais doce dos beijos, depois sorri.
E assim foi que morri.


22:00 hrs :


Fazia muito frio no salão lúgubre, o lugar onde  tomei consciência de mim no sono talvez  interrompido por um conjunto de potentes lâmpadas encaixadas nas luminárias presas ao teto. Elas refletiam não tão fortes, mas me importunavam os olhos.  O local apesar do requinte, mais parecia pesadelo.
Olhei para mim e me peguei-me deitado em algo rígido que adormecia as minhas costas. Portanto soergui a cabeça levando o tórax adiante e sentei e olhei para os lados e me vi cercado por pessoas que zanzavam de um canto para o outro. Elas se mantinham silenciosas, ou quando não cochichavam baixinho, gesticulando com alguma discrição. Firmei as vistas e notei algumas pessoas sentadas, talvez ansiosas por um bom sono. Atentei-me em cada uma de suas fisionomias para depois me dar conta do lugar que estava.
Surpresa! Estava de corpo presente em meu próprio velório –
Fiquei por mais alguns instantes olhando para as pessoas, mas me sentia cansado, entorpecido, e aquilo me confundia, portanto deitei-me novamente. Ao me acomodar no caixão meu cotovelos esbarraram em flores, e eu estava cercado por elas, e ali tinham rosas, jasmins, begônias e outros tipos. Movimentando levemente a cabeça para trás pude ver alguns castiças consumindo velas enormes, expurgando um  cheiro que se juntava aos odores adocicados das flores causando-me  náusea.

Voltando com a cabeça agora sim pude reparar que Grace se aproximava de mim. Assim que me viu acariciou-me o semblante, distante, vaga, parecendo estar num outro plano de vida, num grande espaço vazio. Sorri para ela e lhe disse: Eu te amo - Porém ela reagiu como se não me visse ou escutasse, nem mesmo se dando conta de que eu  havia ressuscitado. Preocupei-me com sua inércia e outra vez levantei a cabeça e esticando o braço  tentei acariciar a sua face com a mão direita. Grace permaneceu alheia no momento que meus dedos ultrapassaram a suave tez do seu rosto, cena que me remeteu à situações assemelhadas a de um filme de grande sucesso e que tratou da mesma temática.
Surpreso, e no sentido de provar que não era alguma alucinação repeti o gesto e meus dedos entraram e saíram do seu rosto sem que Grace sentisse o contato. Desisti daquela traquinagem e olhei para o lado esquerdo da sala e mais adiante, sentada numa confortável poltrona estava a minha esposa, Elisabeth, mais conhecida como Belinha.
Fitei bem o seu olhar, e como seria de esperar não havia lágrimas nos olhos, ou em sua fisionomia algo que lhe denunciasse a dor, o desespero, ou mesmo a saudade.

Ainda soerguido revirei o ambiente à procura de semblantes conhecidos. Sim, havia muita gente por lá; Estagiárias do escritório, magistrados, gente da OAB, clientes amigos, companheiros de futebol Society, e até pessoas com bom trânsito nas colunas sociais. Parte deles sussurravam amistosamente coisas que, mesmo apurando os ouvidos não consegui ouvir.
Deus! Será pesadelo? – Murmurei.  Contudo continuei confuso, e sem saber como proceder decidi levantar do caixão e postar-me de pé e ao seu lado. E assim o fiz sem me perder das pessoas, e nelas nenhuma reação, nem mesmo quando fiz barulho ao bater o pé direito do sapato de grosso solado na cerâmica. Não, nada eu consegui, então voltei o meu olhar para a urna e o pavor tomou conta de mim:  O meu outro EU permanecia dentro do caixão, adormecido, placidamente.
Olhei para mim, para minhas feições,  e eu estava pálido, porém atraente num clássico terno Armani, inclusive era a primeira vez que o vestia, um avant-premiére por assim dizer .  Percorri-me dos pés à cabeça à procura de algo que fizesse algum sentido, mas não fazia. E o certo é que eu não poderia mudar o destino e nem fato de ser eu a pessoa que se encontrava no interior da urna.

Continuei por ali dissecando o significado de cada uma daquelas feições, e aproveitando-me da poltrona vaga ao lado de Belinha, sentei e fiquei olhando para ela na tentativa de traduzi-la. O seu olhar ainda permanecia vago, era como se ali nada trouxesse interesse, portanto Belinha fuçou o interior da bolsa e retirou o aparelho celular. Iria ligar para alguém? Não, não ligou para ninguém, e apenas apertou a tecla e acendeu o Smartphone, e entrando na secção de games e procurou por um conhecido jogo de cartas. Por Deus! Como uma mulher poderia jogar "Paciência" num momento daquele?  Talvez o ato tenha me deixado circunspecto, portanto me aproveitei do seu entretenimento para revisar um pouco de nossas vidas, e algo da minha própria história. Certo, óbvio que minha existência não denunciava um homem de plena retidão, mas eu até que fora um bom  sujeito para me ver morto aos 57 anos, quinze anos mais que os 42 de Belinha. Ah sim, falemos de Elisabeth! Era bonita, dona de uma beleza madura, mesmo que coisas em si fossem  lapidadas com tecnologias de clínicas mundialmente reconhecidas, além, claro, dos melhores cirurgiões plásticos deste  país. Eu também era um sujeito que não se jogava fora, mas por alguma situação que nunca conheci a fundo, eu e Belinha  jamais conseguimos nos relacionar satisfatoriamente como marido e mulher.  Recordo-me também que o estopim dessa frieza  acentuou-se após os nascimento de nossos dois  filhos, talvez até pelo fato da gravidez interferir em sua vaidade e na estética do corpo, pois desde a primeira gestação Belinha se recusou a fornecer o peito para fortalecer as nossas crias.

E foi assim que os nossos dois filhos se criaram, e com o tempo ela acabou se tornando tão distante e indiferente com eles, assim como sempre fora comigo, e não me houve outra alternativa a não ser a de aceitar o fato. Porém, neste espaço de tempo, e mesmo que distantes estivéssemos, tentávamos ser cordiais um com o outro.
Ah sim! Acredito que queiram saber sobre o sexo em nossas vidas.  Bem..parece-me que isso nunca lhe trouxe grande importância, e há muito deixáramos de viver a sexualidade, inclusive nos últimos 12 anos passamos a dormir em camas separadas; Não consigo me mexer com você aqui! - Ela disse numa bela manhã ao comunicar que a partir daquela noite eu passaria a dormir num dos quartos de hóspedes. Como nossa vida de então apenas resumia em um cutucar as costas do outro pedindo por mais espaço, até que não me importei.

Ah Belinha, Belinha Belinha! Ela era rápida no raciocínio, tanto com a vida quanto naquele malditas fileiras de cartas que aos seus ligeiros toques ruíam com uma facilidade espantosa. Levantei da poltrona e fui à porta do salão, e na parte externa algumas pessoas conversavam discretamente. Voltei para a sala e olhei para o meu filho Cláudio de 22 anos, e ele permanecia sentado num canto oposto acariciando o joelho da sua amalucada namorada, uma criatura que nos fins de semana nos deixava em polvorosa ao fazer topless em nossa piscina, mesmo que diante do constrangimento meu e de Grace. Sempre achei incrível aquela garota desfilar por ali como estivéssemos numa praia para nudistas, e o mais curioso é que Belinha jamais se importou com a nudez dos seus seios, talvez até pelo fato da jovem ter peitos pequenos, flácidos e com muitas estrias. Quanto ao Claudio, ele cursava o penúltimo período numa universidade federal, optando por caminho oposto ao meu e da irmã  filosofia.
Eu achava estranho aquele rapaz tão comunicativo e fã das reflexões de Platão e Sócrates ser totalmente avesso aos valores de família, pois para ele tanto faria se saíssemos de casa e nunca mais voltássemos. Aliás, melhor dizendo, não se importaria, mas desde que continuasse a  depositar em sua conta a substanciosa mesada mensal
E sobre ela, diversas vezes me perguntei em que usaria aquele dinheiro, pois jamais o vi na posse de cosias de valores relevantes.

Ah sim, claro, estou esquecendo alguém nessa minha lista de sentimentos; Valquíria, a secretária.
À respeito dela começo por aqui mesmo; no velório. Valquíria permanece sentada ao lado de Grace, e em seus olhos apenas as marcas das lágrimas ressecadas, e um ar tristonho. Ah Valquíria!  Mulher soberba, linda, 35 anos, e que há quase oito trabalha comigo. Recordo-me que foi numa festa de comemoração de ano novo no meu escritório que o surpreendente interesse por aquela garota surgiu.
À época ela  estava conosco há menos de um ano, e por necessidade, pois perdera o marido, atropelado pelo violento trânsito de São Paulo .Pensando sobre os olhares daquela noite, é mais provável que a minha carência aliada à dela e ao ótimo uísque Johnnie Walker servido na festa nos despejaram em nossos colos. Valquíria era um criatura doce e eu costumava compará-la à suavidade do Chanel Número Cinco, e as suas curvas ao violão de madeiramento nobre. Óbvio, com o passar do tempo aconteceu o inevitável, e nos tornamos amantes. Sobre Valquíria é sempre bom relembrar do seu demasiado zelo, do seu cuidar esmerado e eficiente dos assuntos do escritório,  do seu dedicar igual apreço a mim e às minhas coisas pessoais. - “Eu te amo!” - Ela dizia a toda manhã ao ir ao meu encontro na sala. Depois disso ela me beijava a boca e saia porta fora rescendendo.um perfume bom Sim, isso me causava a sensação de bem estar, de compensação, algo como a vida devolvendo um amor que fez que me deu, restituindo à frações algo que me usurpou sem comunicar.
Em suma, eram essas as pessoas do meu relacionamento e todas se encontravam  no meu velório.


Bem, já assumido na pele do fantasma que não tinha o que fazer, zanzei por entre alguns figurões do mercado jurídico, e até me surpreendi  com a presença do meu inimigo mais notório; O  advogado Lauro Carvalhaes. Como a sua fisionomia sempre me ocasionou asco resolvi sair dali e caminhei até a cantina do cemitério onde algumas de minhas estagiárias comiam salgados junto de refrigerantes, pois a surpresa da morte  não lhes dera tempo para a refeição. Mais uma vez pensei naquela insanidade toda e me convenci que  só poderia ser obra do Todo Poderoso. Era mais que certo que sua infinita misericórdia me permitia reviver as 24 horas que antecederam a minha  morte. E talvez a parafernália toda era para que me acostumasse com a situação e absorvesse a sua inquestionável decisão. Repentinamente sentia-me elucidado e feliz, portanto voltei para o caixão retomando o corpo do meu outro EU.
Ali e em paz cerrei os olhos e deixei-me levar. - Seria maravilhoso  retornar e reviver o meu último dia -


O Dia da Morte.

7:00 hrs :

Jamais necessitei de despertador, e não seria agora, morto, que necessitaria dele. Como de hábito acordei e e fui ao toalete para uma ducha e depois fiz a barba.  Após o ritual que me tomou mais de 40 minutos desci para a sala de inverno onde o café da manhã estava servido. Ali entre croissants, frios e frutas foi que tomei uma xícara de café o preto junto de duas unidades de pão de queijo. Terminado, engoli dois sucos de laranja enquanto tentava ler as manchetes do jornal . Recordo-me exatamente o que foi dito por Belinha antes de nos deixar à mesa:

-Querido, estou de saída. Preciso fazer compras para casa. Antes, porém, vou dar uma passadinha no cabeleireiro pois marquei hora. Se sobrar tempo darei uma pulo no shopping para comprar alguns jogos de cama e mesa, pois estamos precisando.

-Sim, querida! Também estou indo, pois tenho um processo urgente e que preciso rever as posições - Confirmei ao também abandonar a mesa.

Após nossa comunicação relembro que nos despedimos com a frieza dum encostar de lábios nas faces. O  milagre se daria a a partir daquele momento, pois  enquanto o outro EU físico se dirigia ao trabalho, eu, o espírito fantasma, viveria o meu dia com cada um deles na despedida oficial. Convém lembrar que espíritos são espíritos, portanto transitam em todos os lugares e a qualquer momento.



8:00 hrs:

Belinha tirou uma das nossas Mercedes da garage e eu, o “Ghost New Version” sentei-me no banco do passageiro. Ela partiu e após percorrermos algumas ruas conhecidas ela toma um atalho para a Radial Leste, diga-se,  um trajeto estranho e bem distante ao que daria oposto no salão de beleza. E assim que entramos na Radial rodamos por coisa de meia hora  até estacionamos numa ruazinha da Vila Carrão,    endereço qual não tinha qualquer referência.

Belinha, saindo do carro andou alguns metros e tocou a campainha duma casa de aparência simples. Menos de um minuto  e um garotão aparentando uns 23 ou 24 anos saiu pela porta, e sorrido caminhou até o pequeno portão de ferro vazado na entrada. Ali eles se beijaram selvagemente. Aborrecido foi que percebi que ela se sentia à vontade nos atléticos braços do rapaz. Mesmo que à distância eu podia notar-lhe a proeminente musculatura do corpo, talvez conseguidas às custas desses anabolizantes que se destinam aos animais. Notei também também seus sorriso ao caminharem abraçados pela viela dum pequeno jardim até ganharem o interior da casa.  Belinha lembrava uma colegial, e apesar de reconhecer que não tinha motivos, foi-me impossível não segui-la. Porém travei meus passos à porta da entrada e aguardei alguns minutos até que decidi entrar.  Já no interior da casa ouvi sons da voz masculina, algo que me remetia aos urros do leão, diante os gemidos sufocados de Belinha. Aturdido caminhei até a porta do quarto entreaberta e olhei para o interior. O que vi me deixou desconsertado. Simplesmente eu não podia acreditar que fosse ela.  Belinha agora urrava enquanto o rapaz entrava impiedosamente por trás. Seus modos eram grosseiros, e ele dizia coisas pornográficas e  batia ambas mãos espalmadas no bumbum da minha mulher. Eu os assisti boquiaberto, e mesmo que não quisesse ver não consegui desgrudar os olhos da cena. Estranho, mas meu meu coração descompassava. No fim, saciados como felinos após o deguste da caça largaram-se na cama.

Reprisei cada uma daquelas cenas amantes com o ar surpreso, pois  Belinha jamais admitiu que sequer tocasse um dedo em seu traseiro.  Em seguida acenderam cigarros e ficaram por lá fumando até apagá-los num cinzeiro de letão.Terminado, dirigiram-se ao banheiro, e eu ouvi um barulho de chuveiro elétrico. Suas vozes tinham o som da alegria, da felicidade, e pude reparar o imenso carinho que havia entre eles. Ainda perplexo sentei no sofá da sala e fiquei aguardando por eles. Será que haveria outras surpresas?  - Perguntei-me - Minutos após ouço vozes satisfeitas saindo do quarto, e eles vinham abraçados e aos beijos. Definitivamente, Belinha, agia como uma adolescente e pouco se importava com as mãos dos garoto apertando as suas nádegas por sobre o vestido floral.

Ali no portãozinho de ferro eles se despediram num apaixonado beijo.  Depois eu a vi retirar o tolão de cheque da bolsa e destacar um folha já preenchida e entregar a ele. Ele olhou para a folha e sorriu. Não era à toa que era necessário ganhar rios de dinheiro - Concluí com certa amargura.
Ao fim ele acenou para ela com uma feição idiotizada quando ela entrou no carro e se acomodou no conforto do banco de couro. Enraivecido sentei-me no banco ao seu lado. Porra! Eu gritei para ela, claro, em vão. Que o fedelho anabolizado fosse ganhar seu próprio dinheiro - Resmunguei para ela; tempo perdido, mortos não são ouvidos.
Como era de se esperar, no caminho de volta não houve qualquer cabeleireiro ou ao shopping center, e mesmo que eu estivesse em casa Belinha encontraria as justificativas, apesar de jamais ter inquirido sobre os seus destinos
Chegamos em casa pontualmente ás 10:00 hrs, e Claudio que, acordara fazia pouco ainda deglutia o seu café da manhã.



10:20 hrs :

Sentado à mesa eu o observava; Cláudio parecia demasiadamente com a mãe. Terminado o breakfast levantou-se e se dirigiu à biblioteca onde usou o telefone. Claudio aguçava a minha curiosidade, pois com ele, fora as brincadeiras, tudo era sigiloso, aos sussurros., portanto o segui. Me postei atrás dele e com certa surpresa vi que ele discara o número do escritório, apesar de ter dado a cara por lá uma vez na vida.

-Alô, é o meu tesão? –  Ele galanteou num tom meloso e safado. A conversa íntima continuou caliente e sussurrada

-Então ta!  Te pego naquele lugar de sempre, às 13 horas. Ok? –  Foi o que ele comunicou à pessoa e desligou.

Aquele garoto era mesmo um filho de uma mãe! - Pensei -  Fatalmente o danado estaria se relacionando com uma de minhas estagiárias por debaixo dos panos. Bem,  não podia recriminá-lo, nem a ele e nem ao seu bom gosto, afinal, havia belíssimas garotas trabalhando em meu escritório.  Claro, eu nunca me aproximara de qualquer uma delas, já que Valquíria sempre se manteve por perto. Aliás, não só ela, mas o seu ciúmes doentio também. Portanto, eu jamais cutucaria a onça com vara curta.

La em meu escritório, e passado poucos minutos Valquíria estaria pedindo ao meu EU para  sair no horário de expediente, já que iria ao ginecologista para uma consulta importante – “Estou com muitas cólica e pequenos sangramentos” Ela disse num sorriso que pareceu preocupado. Inquieto o EU perguntou-lhe se seria algo sério, ao que ela respondeu que não, pois deveria ser algum processo inerente às menstruações ocorridas em datas cada vez mais imprevistas.   Assim o assunto foi encerrado com a nossa autorização; “Vá sim meu amor.”  Foi o que lhe dissemos.
Por volta de meio dia e vinte ela fechou as gavetas, arrumou a mesa e  despejou um pouco de água nas flores acomodadas em pequenos vasos colocados na estante dos meus livros jurídicos.


12: 30 hrs :

-Querido! Estou indo, porém antes das quatro estarei de volta – Ela comunicou -  “Tudo bem, amor!” – Respondi.

No entanto o que Valquíria não sabia foi que, ao se retirar estava levando o fantasma.
Sentei-me no banco ao seu lado. Ela  ligou o, contato do Honda Civic que lhe dera de presente em seu último aniversário, e nos mandamos dali. Recordo-me que daquela noite e da sua retribuição ao presente; Valquíria me brindou com uma das mais espetaculares galopadas que dei em toda minha vida. Bem, deixando as recordações de lado percorremos algumas avenidas, tomamos o caminho para o Butantã, até que surpreendentemente desembocamos na Rodovia Raposo Tavares. - Putz, ela não poderia ter um médico mais próximo? - Outra vez me questionei.  A dúvida cedeu à decepção quando ela deu seta e entrou numa saída à direita e seguiu por uma pequena rua de paralelepípedos, depois percorreu as bucólicas alamedas dum motel de refinadas suítes, aliás, foi lá que eu a levei numa das primeira vezes ao locar uma das suas melhores suítes com direito à cachoeira, piscina e um florido jardim de inverno.
Não seria diferente, e eu estava estarrecido e decepcionado; Então era assim que funcionava?  Traição com um cafajeste qualquer?.  Era o reconhecimento que eu merecia? Quanta mentira e dissimulação! Valquíria  me enganara por todo o tempo. Eram falsas as suas atenções, os seus cuidados ao me tratar como um bebe.  Maldita mentirosa! – Ah, como gostaria de poder estar vivo naquele momento!

Mas, coisas piores ainda estavam por acontecer; A carinhosa recepção da atendente evidenciou o fato que Valquíria era pessoa conhecida por lá. - “Dona Valquíria, ele já está aguardando a senhora na suíte 15" A moça a comunicou com um sorriso profissional impregnado nos lábios. Por coincidência quando estivéramos ali também escolhi a mesma suíte, VIP, pois pretendia causar-lhe uma ótima impressão.
E agora era isso?  Fatalmente Valquíria estava sacaneando outro trouxa, talvez mais milionário, um babaca endinheirado, mesmo que eu nada pudesse fazer –
E assim, com o coração com novo descompasso foi que entramos na garage privativa e ela saiu do carro, acionou um botão na parede e a porta de aço da garagem se fechou atrás dela . Em seguida subimos quatro lances de degraus e adentramos a suíte onde o homem a esperava.

-Val, minha putinha safada! Que saudades de você e dessa sua bundinha deliciosa! – O sujeito disse escrotamente. - Merda! O sujeito eu conhecia, era o meu filho!

E mais uma vez á tudo eu tive que assistir. Sentei numa poltrona defronte a cama e fiquei olhando os seus atos de carinho, as bolinações, os risos escandalosos  e chupadas animalescas, Valquíria também fazia amor duma maneira que jamais fizera comigo. Até sexo oral que vez ou outra praticávamos diante seus veementes protestos, desde que interrompido no momento do gozo. Sim, era isso que ela fazia ao gemer de prazer, incentivando-o a atingir o clímax em sua boca. Eu vi a tudo, impassível, magoado. Vi as cenas tórridas e não me excitei, pelo contrário, enojei-me.
Por último, Valquíria e Claudio se banharam na piscina, voltaram para a sala principal e Claudio solicitou a recepcionista:

- Um Moet Chandon, no gelo, por favor, moça! - E depois concluiu – “Ah sim, poderia fazer o obséquio para aqui 30 minutos servirem o nosso prato de minha namorada!  Lagosta ao creme de aspargos com champignons - Ele solicitou com a pompa de um biliardário - Ah...Então era assim que o safado torrava a minha grana! Eu acabava de entender.


15:30 hrs :

Logo após a refeição abandonaram o motel. Ela rumou para o escritório enquanto eu e o Cláudio voltávamos para casa. Pai e filho, se fôssemos irmãos, Caim e Abel.
Cheguei em casa arrasado; Como ele se atrevera  a seduzir a única mulher pela qual nutria algum sentimento?  Ainda mais ao vê-la daquela forma, indefesa hiena sendo devorada  por um vigoroso e jovem leão.  E isso me doía, afinal, será que ele não tinha percebido que eu e Valquíria eramos amantes? E mesmo que eu estivesse vivo Claudio se defenderia  alegando desconhecer o fato, sempre o maldito papo furado. Claro, essas horas são as que se destinam aos hipócritas, e, infelizmente o meu filho era mais um deles. O meu coração batia ainda mais descompassado e dolorido, pois a minha despedida se dava diante um oceano de decepções. E Claudio, mesmo que não soubesse, me magoara tal qual a mãe com o Mister Músculos.
Enfim, qual seria a verdade de Valquíria com relação a mim? Será que ela não gostava de fazer amor comigo, ou que meus beijos e carinhos não agradassem?. E isso me aborrecia, macho ferido, a cicatriz aberta expurgando sangue, a minha consciência se questionando de não ter sido o bastante para uma fêmea, a morte zombando de mim ao fazer-me ao ver um amor que jamais foi feito comigo.
Portanto, doía e doía, e eu tinha que admitir.
Voltamos para casa, e eu me sentia um fantasma idiota por ter clamado para voltar, e o pior, ter passado por isso. Não, não! Definitivamente Deus não teve culpa, e se houve um culpado, esse fui eu - Tive que consentir.
E outra; Deus jamais permitiria que eu fosse enterrado com mágoas no peito, e assim me deu Grace, a parte doce da minha vida, uma flor repleta de belezas e que desabrocha, e era só com ela que poderia contar. Ela e mais ninguém. E quanto a mim?  Justo comigo que procurei servir a todos, do meu jeito, é claro, mas...servir a rodos.


 16:00 hrs :

Entrando em casa ouço cochichos e o reconhecido riso feminino vindos da biblioteca. Entro pela porta e vejo uma Grace esfuziante ao telefone. Reparei- a bem e ela parecia feliz e os olhos cintilavam e a meiguice em sua voz  fazia-me perceber que dedicava especial carinho à pessoa na outra ponta

-Sim amor, estou de saída! Não, não! Não há problema algum. Não, não  me esqueço, inclusive já coloquei na pasta. Sim! Levo sim. Estou indo para o escritório, mas antes eu passo na tua casa. Ok? Beijos! Amo-te!

Surpreendi-me, afinal Grace nunca me falara de algum atual namorado, pois sempre foi reservada e discreta com a sua pessoalidade.  Todavia a culpa também deveria ser minha, já que tinha andado demasiadamente ocupado para falarmos sobre o que pudesse causar sensibilidades, ou mesmo, o amor. Ao contrário, conversávamos sobre ações, linhas de processos  e teses jurídicas, e os traçados a serem seguidos E não parávamos por aí, não! Discutíamos sobre contestações, defesas, apelações, sobre   incertezas, probabilidades, tão notória a minha ausência nas coisas da trivialidade do seu dia a dia, fatos que, agora conclusos não havia como remediar. E eu lamentava por isso.



16:30 hrs :

Grace tira o carro da garagem, e eu ali, firme, e ao seu lado. Minha hora estava chegando e nada mais justo que passar meus últimos instantes ao lado de quem mais amei nessa vida. Era importante aproveitar cada segundo antes das cinco e meia, o prazo final para que retomasse meu corpo á fim de morrer em paz e ser enterrado decente.  Eu estava feliz por vê-la tão linda e animada, naqueles cabelos que cintilavam ao sol e ao prazer do vento. E eles esvoaçavam, tonalidade avermelhada que combinava magicamente com as linhas suaves e femininas do rosto. Assim que paramos no primeiro semáforo os olhares dos homens através das vidraças dos carros eram todos dirigidos a ela, e ela parecia nem se importar. Ah, que menina de fibra! E ter fibra era o traço marcante de sua personalidade
O sol reinava soberanos e as nuvens brancas adornando um céu límpido e azul tornavam os momentos sublimes, uma tela de Picasso acrescentando os retoques finais para a posteridade Era eu me despedindo das ruas de São Paulo, da terra que amei e certamente  por ela fui amado. Apesar de todas  as decepções daquele dia eu estava grato ao Todo Poderoso por permitir-me tais instantes.


16:50 hrs :

O carro seguiu até darmos num endereço do Jardim Europa, bairro próximo ao lado de nossa casa e bem próximo de nosso escritório. Ruas amplamente  arborizadas combinavam com a imponência de suntuosas  mansões. O nosso carro parou em frente à  um imenso portão de ferro fundido com motivos de anjos e demônio, um contraste mais que perfeito. Eu conhecia aquela casa, portanto foi surpreso que a vi sacar um controle remoto da bolsa e acioná-lo, para lentamente abrir-se o portão.
Eu senti um arrepio na alma:  O que poderíamos fazer ali?
Grace deslizou suavemente o carro pelas alamedas floridas, e alguns metros adiante estacionamos na porta da mansão de estilo renascentista. O rosto maduro de alguém com feição asquerosa e aristocrática veio em nossa direção. Eu o olhei aterrorizado; Era Lauro Carvalhaes. Pai de Cesar Carvalhaes.
Cafajestes!  – Pensei –  Cesar nem se dera ao trabalho de receber a minha filha com o entusiasmo que um namorado recebe a mulher que ama. Conclui aborrecidamente.

-Oi querida! Trouxe-nos os dados? -  Lauro perguntou sorridente ao se aproximar de Grace. Estranhei a questão - Quais seriam os dados ao que o lobo se referia?

Foi então que o mundo explodiu como se tivessem jogado a bomba, não em Nagasaki, mas dentro de mim. Óbvio, eu podia sentir a traição.

-Trouxe sim, amor! – Minha filha responde com olhos resplandecentes e apaixonados.

 “Amor.. amor? - Eu balbuciava petrificado. Foi o instante que tudo compreendi.

 -Sim! Está comigo a cópia da petição que meu pai impetrará na próxima quarta. Ai, Lauro! Sinto como estivesse enfiando uma adaga no coração de papai – Ela diz num tom preocupado e de quase remorso.

-Não se desgaste com isso minha flor! Ele jamais saberá do nosso segredinho! – O cão sorriu para Grace com o indicador apontando para a pasta que ela trazia - Depois completou;

 -Assim que resolvermos essa causa, prometo-te que teu pai ficará ciente do nosso relacionamento. Já decidiu em que país pretende passar nossas  núpcias?  – A velha raposa pergunta numa tonalidade afetada, mas confiante.

-Ai, Lauro, se ele souber... - Ela devolveu divagando. Depois completou: -Apesar  que você tem razão, e ele há de entender o nosso amor apesar do antagonismo que há entre vocês. Mas...como afirma que nossa felicidade depende disso, está aqui está o que você necessita, pois sei que dessa vez o seu contragolpe será definitivo – Grace respondeu com a voz dos apaixonados ao entregar-lhe o envelope.

Com a minuta da minha contestação em poder de Lauro foi que se beijaram apaixonadamente, ou pelo menos Grace o beijou apaixonada. Antes de se despedirem Lauro passou sutilmente a mão pelo traseiro de minha filha, e eu senti vontade de matá-lo. Porém eu já estava morto, e morto não mata ninguém.
A insanidade  que se apoderava de minha filha a tornaria refém dum sujeito  quase 40 anos mais velha que ela?   Por Deus! Os contrastes entre eles eram degradantes!
E eu bem reconhecia um lobo na pele de cordeiro, conhecia a falsidade daquele sorriso dissimulado.
Ah...como eu gostaria de estar vivo e alertá-la: - Filha! Caia fora enquanto há tempo! Esse sujeito não presta e só está te usando! – Mas, mortos sequer falam, protestar então...
Sim, óbvio! Lauro é um advogado brilhante, poderoso,  desses que enchem sua casa com suntuosas festas para magistrados, todas regadas à caviar e  uísque 25 anos, e os meios forenses não desconhecem os fatos. Ah Lauro! Advogado maldito, inescrupuloso, desses que são capazes de plantar provas provas, corromperem testemunhas, venderem a própria mãe desde que lhes traga algum benefício. Antes que saíssemos eu o ouço sussurrar tão falso como uma nota de mil.

-Então amor! Aguardo-te às 10 da noite aqui em casa! Estou doido para ficar com você! Adoro esse esses teus seios  que...que...  - Ele diz com cara safada e gestos exagerados de quem carregaria nas mão seios como o volume das bolas de boliche.

 Ah, Deus! Como eu gostaria de matar aquele sujeito enfiando em sua pele um milhão de agulha
Grace sorriu constrangida e nada respondeu. - "Pústula!" - Ruminei entre dentes. Não me admiraria se que o miserável comprasse todo o estoque de Viagra das farmácias da redondeza



17:05 hrs:

Entro no carro de Grace e sento no banco do passageiro. Eu olho para ela e  tristeza e decepção me invadem. Repentinamente nada mais faz sentido. A vida não faria sentido, a morte agora parecia fazer algum. Olhei mais uma vez para o seu rosto bonito,  pros cabelos avermelhados e as lágrimas me desceram conforme o carro  abandonava as paisagens bucólicas das alamedas da mansão. Eu não sabia que espíritos choravam, mas sim, espíritos choram. Fora-me um rude golpe, o mais doloroso de todos eles, e,  infelizmente eu não estaria aqui para amortecer a sua queda quando despencasse no precipício.


17:26 hrs :

O carro de Grace adentra o portão do nosso prédio e ela se dirige para o estacionamento quando repentinamente os batimentos cardíacos acelerarem de forma estupenda e descompassada.
As pulsações são demasiadamente rápidas e eu posso sentir tais latejamentos no céu de minha boca.
E a aceleração evolui rápida, cada vez mais rápida e eu sinto um desconforto no peito. Ao entrarmos no escritório aceno com a mão para as recepcionistas, enquanto Grace se encaminha para a sua sala e eu rumo para o meu escritório, porém com certa dificuldade.


17:28 hrs

Ao adentrar minha sala deparo-me à frente do outro EU, e tanto ele quanto eu levamos as nossas mãos ao centro do peito: Era a dor, insuportável, definitiva. Ele e eu sentíamos nossas pernas pesadas e o ar pareceu rarear em nossos pulmões. Desabamos.                                                                


17:29 hrs

O som do meu corpo ao cair é grave e minha filha vem às pressas e grita ao me ver desabado. Minha mão continua espalmada em meu peito, a voz não sai, e apenas dói, dói muito, uma dor que não cessava,  e vieram outras pontadas mais intensas.
Decorrido talvez menos de um minuto sinto algo preencher-me; É a reincorporação do meu espírito.


17:30 hrs:

E foi assim num fim de tarde cheirado a mormaço, fumaças e textos jurídicos que exalei meu último suspiro. Antes ainda houve tempo de mover os lábios na intenção dum derradeiro beijo em Grace.
Logo após tentei sorrir para elas.
Foi a última imagem que tiveram de mim, a fotografia de um sorriso trajando amor e perdão.

Eram exatamente dezessete horas e trinta minutos quando entrei em óbito.


Copirraiti 15Set2007
Véio China©




O escritor

-Morra, Tolentino, assassino miserável! - Gritei.

E então detonei e a bala chispou da minha arma e foi se alojar no coração do infeliz. Ainda me restou tempo de ver o seu olhar misericordioso suplicando que a vida  não esvaísse. Porém era tarde, tarde demais, a existência não mais lhe pertencia. E além de tudo, a vida havia sido justo para nós dois;  ele tivera a mesma chance que eu. Ele errara, eu, não.
O povo estava feliz,  afinal, eu livrava a cidade do mais insano assassino que por la se teve notícia. A partir do dia que o infeliz tombou, os velhinhos retornaram às suas rotinas,  à  paz merecida. Agora sim sem a ameaça rondando suas rugas poderiam retornar aos bancos desgastados do INSS, ou às filas bancárias à procura das suas aposentadorias aviltantes. Tudo terminara, a ansiedade, o medo e o pavor de um  psicopata a solta.

Para mim foi uma semana de glórias. No decorrer dos dias fui cumprimentado efusivamente pelos habitantes locais, e até homenageado pelo conselho da câmara municipal. Todavia, o melhor viria depois:  O espetacular prêmio em dinheiro por tê-los livrado do demônio. - Procura-se assassino, VIVO ou MORTO -  Incitava o enorme cartaz afixado na Praça da Matriz, dias antes, à descoberta dos criminoso. O miserável, além de ter fixação por gente idosa, esperto, mal deixava pistas. Contudo, o que o infeliz não contava era com minha picardia e inteligência: há muito eu desconfiava daquele estranhíssimo sujeito por quem Gina nutria verdadeira veneração. E essa impressão viera desde o dia que o conhecera no Bar da Cristal, apresentado que me foi pela sacana. O seu olhar me causava calafrios apesar de reluzir num azul quase celeste. Efetivamente os malandros se conhecem pelo cheiro.  Claro que meu ciúme não ajudava em muito, porém, eu pressentia que ali tinha mais coisas. Enfim... águas passadas, defunto enterrado. 

E a grana viera a calhar. Agora eu reunia condições e poderia me impor à vadia que me fizera sofrer. Dela nada tive exceto um amor  renegado, mesquinho como o avaro que nega ao mendigo um prato de arroz e dois pedaços de carne. Contudo, o que ela não sabia era que, sigilosamente eu tabulava a compra da fedorenta  espelunca onde eram combinados seus sórdidos michês. Ah sim! Não haveria qualquer clemência para Gina. Vingativo, usaria o seu corpo unicamente para me gerar prazer. Queria vê-la menear os quadris em cima da mesa,  trajes ínfimos, chicote à mão e a máscara cobrindo seus devassos olhos amendoados. Iria absorvê-la, ali e por inteiro. Queria-a  devassa,  expelindo palavrões  entre os lábios pervertidos e tingidos de carmim Era bom que soubesse que vida não era apenas um guardar de notas dentro do sutiã de terceira categoria.  Sim! A  trataria de forma quase profissional,  porém,  atiraria em seu rosto as mesmas  migalhas que se dão aos porcos. Eu a faria valorizar  cada dinheiro, cada um dos seus  gemidos de quenga. E ao fim, se ainda pretendesse usar o estabelecimento para seus agenciamentos, eu a faria  passar  meus  ternos de linho branco e  lustrar os negros sapatos de pelica  que ainda haveria de ter.
Afinal, a partir daquele momento ela era  teria que dar por si,  conscientizar-se que era uam simples rameira, uma bunda rebitada e exposta em vitrine como  peças de carne de segunda. Assim seria.  Agora e mais que nunca eu era o novo rei do pedaço, o  dono da cocada preta.

Fim.



E era assim que eu terminava “Vidas Amargas” um romance que após seis meses de trabalho estava em condições de ser entregue. Por conta dele eu já que havia recebido o valor que cobrara da editora.  Leigos, apenas leitores, jamais compreenderão o que é escrever. Jamais saberão que o nosso sangue  jorra em cada palavra, frase ou linha que produzimos numa folha em branco. Nem mesmo as editoras  nos compreendem. Muitas delas nos desprezam, desvalorizam – Teus livros não vendem! – Exclamam ao nos proporem valores absurdos e com os quais, sem alternativas, acabamos por aceitar.  Neste caso em específico menos mal, afinal, além de ter livrado da obrigação, estava libertos dos destinos daqueles quatro personagens  que me deixaram tantas vezes insone.

Os personagens:

Personagem central: Vilfredo Tavares. Um sujeito esperto, tanto vagabundo, mulherengo e galante. Sua natureza mundana  a tornava um sujeito sem rumo e sem prumo. Vaidoso, vivia de pequenas vigarices  no 21 e nas mesas de sinuca.  Depois tínhamos Gina. Prostituta da trama, era de uma beleza fatal, além de ser a amada de Vilfredo. Porém, Gina tinha ojeriza do nosso herói. Transaria o diabo se necessário, mas jamais com Vilfredo Tavares.  Tolentino, nosso terceiro personagem, o mal travestido de bem. Contudo Gina o amava desesperadamente a despeito do déspota que era.  Tolentino era um desses corretores de imóveis chegado à cidade a pouco. Fala fácil, dissimulado, tipo apreciado pelas pessoas e que sempre se da bem com a maioria das garotas. Por fim a nossa quarta personagem;  Jeny. A garota mais linda e casta da cidade. Milionária e inexperiente, fez aquilo que jamais deveria; apaixonar-se por Vilfredo Tavares. Constantemente assediado por ela, Vilfredo a desprezava e a  tratava-a com indiferença apesar de tirar casquinhas com ela.  Conta-se também à boca miúda que, Vilfredo  desvirginou  Jeny. Porém, ela não era  do tipo de garota que ele gostava.


A trama:

Fala de um assassino misterioso e cruel que caçava suas vítimas pela fator da  idade. Suas  preferências eram os velhos,  os fracos,  desvalidos. Preparava seus ataques ao iniciar da noite e ia até ao ponto de ver suas vítimas encurraladas. Para tanto usava de muitos requintes; dos mais simplórios  aos terrivelmente desumanos . Dotado de uma inteligência privilegiada jamais deixava pistas, transformando a Polícia da cidade numa anedota  de muitas gargalhadas.
Indignado com tamanha incompetência, Vilfredo resolveu agir por conta própria e desvendar os assassinados. Claro, para se garantir muniu-se de uma Taurus 38  à bordo de algumas desconfianças praticou campanas diante dos lugares que seu desafeto freqüentava, inclusive à sua casa. No 9º dia  flagrou Tolentino entrando sorrateiramente numa casa de um longo jardim. Corajoso, Vilfredo rezou um padre nosso e escalou o muro pode detrás da casa e  entrou silenciosamente  por uma das janelas abertas. Surpreendido, enquanto tentava sufocar a pobre velhota, Tolentino sacou da arma ao mesmo instante que Vilfredo, porém sem a mesma sorte. Foi o seu fim.

Foi assim que á título de recompensa, que o nosso herói  herdou um vultuoso valor dos fundos da municipalidade, reforçado  generosas cotas do comercio local, já que o turismo,  fonte de vigorosos dividendos à cidade se tornara praticamente inexistente após as notícias dos assassinatos.



Bem, era isso! O fim é aquele que todos já sabem. Sim,  sobre o meu conto?  Pra ser bem sincero, sabia que o enredo era sofrível  e cheio de clichês de toda sorte. Todavia foi o melhor que consegui fazer. Para idéias que não brotaram e pelo valor que foi pago não deveriam aguardar por um Best seller.
Peguei todas as folhas datilografadas e juntei-as para levá-las na manhã seguinte ao sanguessuga do Ezequiel, meu editor. Eu estava desanuviado por conseguir terminá-lo, além do fato  de me desvencilhar dos malditos enredos, por vezes nos tomam noites e noites de sono e saúde.  Recordo-me que mesmo dormindo, quantas vezes não sonhei com a trama e suas dificuldades? Quantas vezes não surgiram caminhos que ao acordar sequer lembrava?
 Portanto, naquela noite eu enchi a cara com a Sputnik, minha vodka favorita até sentir o estômago enjoado, as pálpebras pesarem, e sem perceber, adormecer.

Acordei assustado com uma sensação de aperto. Tentei levantar e senti dor vinda nos pulsos. Olhei para mim e eu estava preso em minha cama. Tentei mover os pés e eles também doeram. Algemas nos pulsos e calcanhares me mantinham refém. Tentava entender o que poderia estar  havendo quando um barulho de descarga seguidos por  passos vindos à direção onde me encontrava. Chegaram e eu a vi.
Incrível, era Gina em lingeries negras  combinando calcinha e sutiã, negros com filetes vermelhos. Ela ria, debochada, cara e trejeitos de puta. Impressionei-me; jamais imaginei que ela pudesse ser tão bela quanto ao que supus ao  dar-lhe a vida em meu livro.

-E aí seu escritor sacana! Porque teve que tornar-me a puta ordinária da tua estória suja? Perguntou. Seis olhos fulminavam

-Ei, Gina! Aquilo é apenas uma estória – Tentei justificar

- Sim, tudo é estória na vida. Mas, não é disso que falo. Pergunto o por que de ter feito de mim a  vadia da tua trama? – Interpelou-me furiosa – Surpreso não reagi. Ela continuou:

- Eu queria era o papel da Jeny!  Aquilo é que é personagem! Linda, olhos azuis, faculdade, pais ricos e carro do ano - . Eu mantinha-me perplexo. Aquilo era muito louco. Gina, nervosa, não se dava por satisfeita:

-Claro, a única coisa que detestaria era  o fato de apaixonar-me  por você.  Sabia que você e Vilfredo são farinha do mesmo saco? A merda do mesmo pinico? Seus olhos expeliam veneno.

Evidente. Gina só poderia estar louca, Vilfredo era o personagem e eu, o escritor. Ela não conseguia separar um do outro, apesar de reconhecer em parte que Vilfredo seria algo como uma extensão de mim.  Porém, aquele não era o local e nem momento de concordar com partes. Ela me parecia um tanto insana. Silenciosamente dirigiu-se à cozinha e voltou com um copo americano na mão. Nele, entornou a minha vodca e sentou numa poltrona de frente à cama. E dali ficou olhando para sua presa. Excitavam-me aqueles olhos dementes e suas lingeries negras.  Seu olhar ainda me consumia quando ouço o fechar da porta da sala. Novos passos ecoam pelo corredor. Entra.

-Ah! Você conseguiu prender o canalha, Gina? – Exultou a garota de aparência juvenil.

Por Deus! Era Jeny.  Linda, faces coradas, olhos azuis e roupas de grife,  rescendendo perfume importado, deixando sempre a impressão que acabar de sair de um banho tal o frescor que  irradiava.  Definitivamente eu não gostava de Jeny e nem das garotas de sua estirpe; eram chatinhas demais.  Ante meu olhar de perplexidade, Jeny continuou:

-E fez muito bem, Gina! Esse babaca não sabe mesmo escolher qualquer  mulher. Idiota fui eu que o amei, dei meu corpo à ele como prova do meu amor. Faria qualquer coisa, até convencer  papai a dar-lhe um emprego de chefia. Mas, ele não quis! Queria a a prostituta. – Expeliu rancorosa.

-Pois é! – Teve que concordar, Gina – Acabei de reclamar com ele que se dependesse de mim teria trocado de lugar com você! É  muito chato bancar a prostituta em romances. Putas apenas soam poéticas em livros. Porém,  na vida real a história é outra e a discriminação dolorosa. –  Discursou  enquanto Jeny a olhava com atenção.

Repentinamente Gina emocionou-se. Percebeu então que era melhor concluir. A voz soava algo embargado, quase ao choro:  

-Aprenda, Jeny... Bêbados e prostitutas são unicamente interessantes na devassidão dos livros ou na sordidez dos  filmes!  Na vida real,  bêbados e putas  uns merdas e só se fodem! – Exclamou dramática. Jeny parecia emocionada.

Por Cristo! Aquilo não poderia estar ocorrendo. Surreal demais para ser verdadeiro.
Era insano  ver-me ali preso na própria cama, ainda mais rendido pelos mesmos personagens que eu criei. Pra piorar, as duas dementes ainda achavam que autor e personagem eram  a mesma pessoa. Momentaneamente me descontrolei ao pressentir algo de ruim:

-Pelo amor de Deus, meninas! . Eu sou apenas o escritor! – Não sou o Vilfredo. Sou o Neves, o escritor! – Eu rogava

No exato momento do meu desespero toca a campainha.  Jeny, cordial e imbecil  como sempre, abandona a cadeira e vai ver quem é. Novamente passos no corredor. Agora uma voz de homem. Pela sua reação,  parecia conhecer Jeny:

-Oi menina! Que saudades! Imaginei que nunca mais veria! – Exclamou

Meu Deus, mais um  louco? –  Questionei-me enquanto os passos vinham na direção donde eu e Gina estávamos.

-Ah! Aí está o canastrão! O pervertido, o  deflorador de jovens inocentes. Além disso, esse canalha é um exterminador de pessoas que pretendem se dar bem na vida! –  A pessoa gritava para mim. Olhei-o minuciosamente.

Por satã!  Era Tolentino! Agora sim não faltava mais nada no festival de horrores! Outro louco surgido do nada, supondo que eu fosse o Vilfredo. Assim que Tolentino e Gina se notaram, agarraram-se   e trocaram um longo beijo.
Podíamos ver-lhes as carícias, as mãos do safado  trabalhando avidamente o  majestoso rabo de nossa prostituta. Um pouco mais e separaram-se. Todos cochichavam quando resolveram sentar, beber da minha Sputnik, e ficarem me olhando. Assim que a garrafa esvaziou Jeny foi à cozinha e trouxe outra nova. Eu estava fodido; acabariam com  a minha vodka.  Bem, se me sobrasse vida já estaria fazendo em excelente negócio. – Concluí -

 Jeny, que não tinha o habito de beber,  bebia, e bem. Não demorou para começar a rir. Tentava caminhar em minha direção, porém as pernas não obedeciam.   Tolentino a ajudou levantar  do chão e puxou-a para  si beijando aquela boca de romã. Jeny, cedia enquanto a mão do safado explorava por debaixo do vestido de grife. Jeny gemeu, e sussurrou; estava gostando de sentir a mão do sacana resvalando sua xana por cima do tecido. Aquilo pareceu excitar Gina. Levantou-se calmamente  e se encaminhou até Jeny, desnudando-a das peças externas até deixar seminu  aquele corpinho  esbelto e sem celulites.  Tolentino a tudo olha. Devasso, despe-se  e se engalfinha-se com as duas.  Meu quarto esta se tornando um cômodo de bordel. Os três rolam pelo assoalho enquanto Tolentino bolina as partes íntimas das garotas. Elas gemem, urram e riem, e depois o livram  da cueca com o Pato Duke estampado na parte frontal.  A imensidão do membro surge. Tolentino, o grande galã é dono de um  pau imenso.  Elas deliram e se atiram sobre ele com voracidade enquanto eu, preso, não tive como me insurgir.

Exaustos  e depois de foderem por muito tempo,  os miseráveis praticamente terminaram com a minha última garrafa de Sputnik. Eu mesmo jamais me imaginaria bebendo o que aqueles sujeitos beberam.  O som das talagadas foi cortado pela voz de Jeny:

-Tolentino! Você não vai fazer aquilo, não é? – Tolentino olhou surpreso. Não sabia exatamente ao que Jeny se referia. Foi necessário que Gina viesse ao seu socorro, fazendo-o recordar com daquelas piscadas sacanas.

-Ah, é mesmo! Aquilo! Vou sim, meus amores – Sorriu todo sádico. O imenso pau de Tolentino balangava entre as coxas de uma alvura irritante, diria até que, desbotadas.

Olhei disfarçadamente praquela coisa dependurada e a impressão era horrível. As duas se levantaram e aninharam nele. Cochichavam e riam, suas bocas exalavam palavras e frases que não conseguia decifrar, salvo suas sacanas risadas. Repentinamente Jeny se livra de Tolentino e vai até a cômoda onde abre a bolsa de couro de crocodilo e retira algo que reluze. Olho para sua mão.  Assusto-me. É um revolver Taurus, calibre 22 –
Uma peça linda, prateada, que cintilava ao reflexo da lâmpada no teto. Delicadamente e com aquele sorrisinho besta impregnado nos lábios, num sinal de Gina, passa a arma para as mãos do Tolentino.  De posso do objeto ele ri. Um riso medonho, sarcástico, doentio.  Inspeciona arma, gira o tambor, e me informa:

-Vilfredo, reze! Há uma única bala nesse tambor de seis tiros – Eu o olhei atônito. Iriam me assassinar?

Entre risos, dementes, me comunica:

-Moço! Vamos brincar de roleta russa.

 Todos riram ao se postarem um atrás do outro como se fosse fila indiana.
 O primeiro a deflagrar o tiro foi Gina.  Senti a frieza do metal na minha cabeça onde um fio de suor escorreu da testa indo morrer na ponta do meu queixo. – clik – Nada.  A bala não esteva na agulha, dessa vez. O segundo foi dado por Jeny – Sorte! Novamente eu me safara. O terceiro falhou ante o olhar de desaponto de Tolentino. No quarto e quinto eu ainda não havia morrido.  Gina e Jeny riam, divertidas – surpreendentemente eu ainda estava vivo e me sentindo como um peru de Natal.  Talvez tivesse sido melhor sucumbir ao primeiro tiro. Era muito sofrimento – Assenti arrasado.

Com o meu destino selado nas mãos de Tolentino, o tiro de misericórdia viria justamente daquela a quem assassinei no conto. Aliás, eu não, o personagem!  À essa altura já nem sabia ao certo quem eu era. Portanto não acreditava que surtisse efeito tentar convencê-lo que não fora eu o mentor de sua morte. Eu pagaria pelo erro de ter tentado me tornar um autor.  Era meu destino. Escritores morrem todos os dias. Fenecem diante de suas linhas que não avançam, das idéias que não surgem. Morrem nos  finais óbvios prostrados aos  lugares comuns, ao clichês deformados e descarados.
Tolentino com ares de perversão se dirige ao radio-vitrola e enche o copo com a minha última dose de Sputnik. Com o copo na mão vem ao meu encontro. O sorriso da besta fera se estampava. Olha para mim. Não mais vejo a tonalidade dos seus olhos quando  aporta o revolver em minha têmpora. Senti quando armou o tiro.

- Vai morrer agora seu abusador de virg...
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- TRIMMM... TRIMMMM...TRIMMMM...TRIMMMM -

A mesma campainha irritante de sempre - Era o despertador.

Olho para o relógio; 8:00 hrs.  Travei-o e permaneci quieto, assustado, olhando para o teto enquanto o corpo se mantinha envolto por suores e cobertor. Instantes instigantes onde eu revivia o medonho pesadelo. Repentinamente o telefone toca.  Sem  vontade de atendê-lo esperei que a pessoa desistisse. La pelo décimo toque o aparelho silencia. Levantei, fui à cozinha preparar um café instantâneo. De lá ouço o maldito telefone tocando novamente. Voltei para o meu quarto e fiquei olhando  pro crápula negro e percebi que ele não se calaria tão cedo. Será que o mundo não podia perceber que para  mim pouco importava quem estivesse do outro lado da linha?  Tanto faria se fosse a pompa de uma Jacqueline Kennedy ou o cineasta que mostrou para o mundo a calcinha de Marylin Monroe sendo abatida por um ventilador oculto e gigante. O mundo tinha por obrigação compreender e respeitar o meu  mau humor. Era um direito meu.  O telefone parecia não entender os pensamentos e os desejos humanos, portanto persistia esgoelando, histérico. O som da campainha adentrava em meus ouvidos, pavoroso, estridente, fazendo-me relembrar  a sirene duma fabricava onde trabalhei e que pontualmente ao meio dia avisava-nos da hora da bóia.  Atendi antes que me sentisse pior.

-Alô, Neves, aqui quem fala é o Ezequiel! – Identificou-se o meu editor.

-Ta certo, ta certo! Sei que estou atrasado. Mas, está pronto, terminei nesta noite. – Respondi de má vontade. Ele estava à caça do conto.

-Porra, Neves! Você insiste em nos fazer de palhaços! Faz mais de mês que você promete, promete, só promete! - Inquestionavelmente ele demonstrava sua irritação. Talvez, Neves estivesse mais impaciente  que eu.

-Mas, mas.....  - Tentei argumentar. Fui interropido por ele, aos berros.

-MAS,  MAS, MAS, É  O  CARALHO, NEVES!  SE  VOCÊ  SONHASSE  COM  ESSA  MERDA  TODO  SANTO  DIA,  SE TIVESSE  PESADELOS  COM  ESSE  FAMIGERADO  CONTO  JÁ NOS TERIA ENTREGUE  HÁ  MUITO  TEMPO!

-Ezequiel! – Devolvi calmamente enquanto ele persistia gritando - Ezequiel! Ouça-me, por favor – Insisti. Ele parecia não ouvir. Continuava vociferando seus palavrões,  recriminando a minha falta de responsabilidade. O sangue me subiu aos cornos e eu gritei com ele na mesmice do seu tom:

-EZEQUIELLLLLLLLLLL –  Após o meu desagravo, silêncio. Pelo menos era o sinal que me escutara. Ainda insatisfeito resmungou:

-Fala Neves, o que é agora?

-Ezequiel! – Insisti, suave, quase cordial.

-Sim, Neves, estou ouvindo - Abrandou

-Ezequiel...meu anjo.... VÁ PRA PUTA QUE O PARIU! -  Urrei ao bater o telefone.

No início da tarde o romance estaria em suas mãos. Éramos dois safados cheios das frescuras e conhecidos de longa data. Sabíamos das jogadas um do outro. Sabíamos que haveria mais trabalho. Ah sim! A preço de rabanetes, é verdade, mas, haveria. E isso só era um mero detalhe para quem iria se tornar um dos maiores escritores que esse país ja viu.