quinta-feira, 25 de outubro de 2012

-Crônica - Amores, serpentes e desertos




Jamais haverá surpresa na delicadeza das mentiras do amor, mesmo quando ditas dum jeito dramático, o instante que se sacramenta do essencial, de pequenas trapaças que se pretendem reais.
Também não ocorrerão perplexidades dum sim ou não diante do enigmático olhar nostálgico, belo como noite de luar, metafórico como versos de poetas.
E assim se dá porque o encantamento do amor está ao alcance daquilo que pretendemos ver, assim como a nossa admiração ante a fidalguia da onça, o estremecer ao esturro e a imponência do seu porte, mesmo cientes que a sedução sucumba às garras que poderão ferir com desespero e obsessão.

E estas são as garras do amor, pontiagudas,  que se colorem de contrastes e acabam por dar  certo sentido às nossas existências, mesmo que  possibilitando feridas profundas.
Sim,e  muitos conhecem a força  desse amor, e dele o instinto predador que nos tiraniza, subjuga, que nos impõe roupas, ora de caça, ora do caçador. Decerto não há de se negar que muitas vezes fomos presas de armadilhas infames, porém,  num noutro instante  estivemos na pele do predador, e é justo,  pois para os cinco dedos da direita haverá o mesmo tanto na mão esquerda.

E falando em amor, e em muitos casos o vemos sobreviver entre o que é banal e fútil. Evidente, não se trata de fatos generalizados, porém, parte destes descasos sejam atribuídos a internet, onde as sensações se confundem no misto de realidades e fantasias, relações que se contemplam sem o calor o calor do toque, mas que se acariciam por dedos que pressionam teclas. Portanto, não havendo olhos que nos devoram poderemos estar subjugando a importância e o peso das palavras, enfim, o valor do quilate do próprio sentimento. Todavia, dentro ou fora deste planeta virtual é comum ouvirmos a shakespeariana frase "Eu te amo" E a vivência de alguns anos me fez constatar que, em algumas oportunidades a frase se assopra irresponsável e mentirosa, da boca pra fora, e com a mesma singeleza dos sorrisos que nos arranca a primeira paixão. E é diante dessa futilidade que poderão estar nascendo promessas, mesmo que não tenham conotação com a verdade, ou com a farsa das pretensões.

E depois da decepção, virtual ou não, o fato deixará de ser importante, cairá no esquecimento, pois além do grotesco dos erros haverá gente para aplaudir e acariciar nossos egos e cabeças fartas em cabelos ou não  – Ah o amor,  começa aqui e poderá capitular ali – Muitos proclamam munidos do EU racional e estatísticas contempladoras. 
E depois do "inconcretizável"? Bem...depois virão outros relacionamentos, pessoas com novos rostos, matizes de som, e um jeito diferente de olhar ou sorrir. Então se dá  a hora do flerte, e as palavras seduzirão as almas. Contudo nesses relacionamentos jamais saberemos qual a roupagem que o destino nos vestirá; Seremos caça ou caçador?  Presa, ou do predador?

Enfim,  amor é o sentimento que se vivencia indiscriminadamente por gente assim como você, como eu, olhos vendados num mundo que forja a silhueta da paixão que mais convir. E assim é o amor, indomável,  imprevisível e empolgado por palavras que adormecem  com o orvalho das horas.  Talvez, para os que nele se agarram com insensibilidades e hipocrisias haverá a possibilidade da isenção do discernimento, fato preocupante e que nos faz clamar por um planeta menos fútil e banal, um mundo onde o lastro das palavra poderá valer menos que a embalagem pet de água mineral.

Então amigo, é isso, eis aí a paixão, o amor, e ele é como um filme de atores experientes e novatos, elenco que se reúne festivo para as fotos promocionais.  E eu faço parte deste Set, sou também um personagem,  assim faço pose e sorrio e fotografam o sujeito escolado que sou, diga-se, um cara acostumados às garras e dores. Porém não será de todo inesperado que as presas que se atrofiam na decepção, cresçam e voltem a se tornar poderosas, e elas poderão igualmente cravar e ferir. Todavia há de se dar a mão à palmatória, pois no amor o que dói é a mentira. E a mentira é aquilo que faz fenda,  escava nossos sentimentos, crateras com ouvidos à mentira que é dita, calma, convincente, dessas que fazem brotar esperanças em desertos de carências. Sim, a mentira mata, avilta, e ainda se me for possível conferir outras metáforas diria que muitas delas carregam o encanto das najas,  sedutoras, que se esgueiram às areias de nós adentrando entranhas, visando se divertir com desavisados corações. É mais que provável que se faça a pergunta: Existirão antídotos às serpentes que se esgueiram nestas poeiras incautas de nós? Sim, existe! Mas dependerá de cada um. Em mim, quando a emoção se dobra à razão concluo que posso estar a caminho do meu precipício. E nesse caso desfaço-me da venda e armo-me daquilo que resta de lógica tornando-me meu   próprio antídoto, afinal, sou vital e necessário à  preservação de mim mesmo.

Portanto....

Amores sempre serão riscos, apólices de alto valor, é pegar ou largar. Entretanto e mesmo que conteste, outra vez a experiência sussurra que não resta alternativa a não ser  mergulharmos nesse mundo de emoções,  desafiarmos medos, ebulir a paixão deixando transbordar. E se alguém acelera as suas emoções,  lute bravamente por ele,  rasteje às barricadas neste planeta que também se poetiza nos desacertos, desgraças e misérias. Não se surpreenda com nada, tudo é possível, pois viver é ser como folha seca de outono ao sabor do vento que ruge sem se importar com a direção. E se a sua figurinha estiver a  carimbada  é possível que o amor se edifique dentro de você e o mundo lhe pareça melhor. Entretanto e apesar deste entusiasmo nem tudo recenderá o odor das melhores colônias, já que a vida mais se assemelha ao jogo do poker que ao delicado frasco do  fino perfume de mulher. Além do mais, e mesmo que você se sinta vivo e  no jogo, não valorize suas cartas em demasia, mesmo que te sorriam confiantes,  pois blefar, é perigoso, já que a sequência máxima do jogo dificilmente estará em suas mãos, e você poderá desabar junto de suas cartas.
Ah, e em em caso de derrota procure sorrir da própria sorte, e ela nunca é ou será tão má quanto possa parecer. E quando estiver ao chão pelo soco no queixo do amor  duma mulher, esforce-se,  levante-se rápido, afinal, a função das suas nádegas não se destina à frieza dos pisos, às poeiras dos caminhos, ou aos escarros da ilusão.



Copirraiti25Out2012
Véio China©

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Coca-Cola admite!


Eu andava por aí. A vida não estava fácil, nada fácil, sem emprego e com dois meses de aluguel atrasado.
Como quase todo cidadão comum recorri aos classificados e achei um que pareceu encaixar como uma luva

-Frigorífico admite trabalhador para corte. Não se exige experiência anterior–

Algo me pareceu esquisito no anúncio lido ás seis horas da manhã daquele dia,  principalmente o fato de o anunciante não requisitar experiência no ramo. Pensei por alguns minutos e deduzi que seria melhor se estivessem à procura dum executivo para Coca-Cola, inclusive sem experiência, se é que isso fosse possível. Porém não era a Coca-Cola que estava à procura do sujeito num requintado terno cinza da Hugo Boss, camisa branca e gravata grená Pierre Cardin, mas sim o frigorífico à cata dum trabalhador que conseguisse dar umas machadadas em partes de vaca. Portanto, munido de coragem e da minha melhor roupa social tomei dois ônibus e antes das oito já estava na sede do frigorífico com meus documentos pessoais e duas fotos 3x4. Talvez a disposição e a disponibilidade causassem uma ótima impressão.
Eram oito e vinte quando o proprietário puxou duas cadeiras e me pediu para sentar. Ele olhava para mim enquanto checava minha documentação. Eu me sentia deslocado diante um cheiro de carne crua emanado duma imensa perna de vaca que, ao lado aguardava para ser desossada. Também não compreendi o fato de estarmos falando sobre o emprego ali, e não no seu escritório de vidros espelhados no mezanino do galpão.

-Qualé teu nome, gajo? - O homem do bigode esquisito me pergunta.

-Patropi Floriano Peixoto- Respondi incontinente. Não entendi o motivo da pergunta, afinal ele estava passando os olhos pelos meus documentos.

-Ó Patropi, tu queres aprender a desossar uma baca?- “Ó Patropi" - "baca”? -  Matei na hora, não, não matei a vaca, ela já estava morta, o que quero dizer é que percebi na hora que o seu Manuel era português  dos legítimos.

-Bem, posso tentar, Aliás, tentar não, eu posso desencarnar sim! Ops, descarnar!- Confirmei. Depois mentalmente questionei o "desencarnar". Apesar de passar batido pelo português  o engano cometido me remeteria a uma dessas sessões mediúnicas. Contudo e o que importa é que me posicionei à tempo de não perder o emprego que parecia estar conquistando

-É assim que se fala é gajo! Então estás empregado. Vais lá pro “bestiário” e colocas esta roupa, mais o “abental”, este par de botas, e esta luva de “sugurança” – O Sr. Manuel me orientou com aquele seu estranho bigode grosso, estranho, coam as extremidades voltadas para cima.

Eu disfarcei o riso apesar de ter conseguido a vaga.  Bem, o que quero salientar é que achava engraçado o seu modo de falar, determinando cada coisa por “este” “esta” além do sotaque carregado, apesar do "sugurança" ter sido imbatível.
Agradeci ao seu Manuel por ter acreditado em mim e fui para o vestiário colocar o traje de guerra. A verdade é que se ele tivesse fornecido um desses capacetes de Fórmula Um eu sairia de lá me achando um daqueles personagens de Guerra nas Estrelas. Com tudo arrumado eu me sentia na pele de um domador de almas em curtume, todo de branco e com uma estranha luva de malha metálica enfiada na mão direita. Apresentei-me a ele:

-Ó Patropi, ficaste muito boa essa roupa em você! – Ele disse fazendo-me girar sobre o próprio eixo – Depois completou: Agora bamos a baca! – Por fração de segundos eu me senti na passarela do Morumbi Fashion.

Pensei que fosse chegada a grande hora e eu ganharia um daqueles imensos facões reluzentes, porém não foi o que aconteceu, e ele me levou para mais adiante e entramos por uma porta enorme, talvez duns três metros de largura e o mesmo de altura. Ao adentrar o ambiente meu corpo sentiu um clima gélido enquanto eu via partes de vacas dependuradas em anzóis gigantescos. Foi então que percebi que ali era a câmara frigorífica, o local onde as peças se mantinham conservadas sob uma temperatura bem abaixo de zero, mas sem que soubesse precisar. Aliás, o que sabia com certeza absoluta era que jamais havia estado num local tão frio.

-Ó Patropi, perceba agora que vou carregaire um traseiro de baca para tu beres como que é. Tens que fazer assim, tu te posiciones com as costas debaixo da peça a faça ter o máximo de aderência ao teu corpo, então firme as pernas e dê impulso às costas e subas com força erguendo o traseiro. Depois leves o braço ao alto e retires o gancho para ter a peça livre. Entendeste bem como que é?

-Sim, claro, fácil! – Respondi confiante.

E assim ele o fez e aquele monte de carne se ajustou às suas costas. Logo após com o corpo arcado pelo peso da carne atravessou a porta e rumou para o setor ao lado  e despejou a carne acima da enorme mesa de  alumínio opaco e com muitas marcas e riscos de cortes.

-Agora é a tua bez! Bamos lá, Patropi! – Bem, como aquilo que fizera não me parecia tão difícil voltamos à câmara. Eu persistia otimista.

Da forma como orientou, posicionei-me logo abaixo da carne fazendo a superfície das costas ter o máximo contato com ela. Depois impulsionei as pernas e as costas, estirei o braço e com a mão direita desengatei o imenso anzol:

-Hum. hum.hum – Gemi três vezes. Aliás, quatro.

No quarto gemido eu estava ao chão acompanhado daquele nojento traseiro. Por Deus! Aquilo deveria pesar mais de cento e trinta quilos – imaginei - Vendo aquele monte de carne desabado no piso o senhor Manuel não se conteve:

-Ó que gajo mais burro e moleirão! Tu queres me levar á falência ó Patropi? Não sabes que há bactérias por todos os lados e principalmente no chão?
Agora bamos ter que lavar esta peça. Tempo é dinheiro meu rapaz! – Ele berrou para mim. Depois ouvi outro do seu grito: - Ó Firmino, dá um pulinho aqui!

Não demorou nem 30 segundos e lá estava ao nosso lado um negro imenso e musculoso, talvez o capataz do negócio. Olha, não seria de duvidar que o crioulo pesasse 130 quilos ou mais.
O negrão agarrou a peça com as duas mãos como se levantasse dois pacotes de Açúcar União e depois volveu a parte mais encorpada da peça com seus braços e ejetando os membros para o alto como se fosse halteres enganchou o traseiro no suporte. Fiquei olhando bestificado, perplexo, talvez o crioulo tivesse força suficiente pra derrubar o campeão mundial dos pesos-pesados.
Peça colocada ficaram olhando para mim talvez na intenção de fazerem-se sentir um bunda mole, coisa que eu não era.

-Agora eu consigo seu Manoel. É que não estava devidamente concentrado! – Justifiquei-me com o orgulho ferido

-Então bamos la e pegues a mesma peça. Se caíres do novo pelo menos é a que já está com bactérias no cu! - O seu Manuel disse num tom de zombaria

Endireitei  o corpo  e meneei o tórax como se fosse um lutador, dei alguns “jabs” e coloquei-me debaixo da peça e impulsionei pernas e costas com revigorada determinação.

-Hum..hum – Dessa vez o chão veio mais rápido e nem foi necessário o terceiro gemido. Era duro admitir, mas me sentia numa situação extremamente vexatória, pois agora a peça estava sobre o meu corpo e sem que conseguisse desvencilhar, fazê-la se mover dali.

-Ó Firmino, dê um jeito nisso! – O portuga balançava a cabeça desanimadamente ao ordenar para o seu braço direito. E lá se foi o Firmino outra vez levantando a parte da vaca com a mesma facilidade que faria com malditos pacotes de açúcar. Logo após recolocou-a no gancho. Terminado, o negro olhou para mim com certo desdém.

-Branquelo fracote de merda! - Exclamou num sorriso descarado antes de se retirar. Olhei para ele com raiva. Eu não poderia ter uns 60 quilos a mais?

-Ó rapaz, parece que tu não levas jeito pra coisa! – Exclamou o seu Manuel ao colocar a mão em meu ombro e empurrar-me para o fundo da câmara fria.

Sim, mas onde me levava? Descobri ao voltar empurrando uma poderosa lavadora de pressão Karcher. Antes porém enroscamos a mangueira à saída de água e conforme íamos voltando eu olhava para trás e a mangueira me lembrava a história de João e o pé de feijão, afinal íamos deixando aquela borracha negra pelo caminho como se fosse forma de demarcação.

-Manda bala, ó gajo! Dê um banho nesta peça –  Assim que nos posicionamos defronte dela o seu Manuel ordenou.

Óbvio, eu jamais tinha manipulado uma lavadora tão potente como aquela, exceto no lava - rápido que trabalhei, todavia a lavadora talvez não tivesse nem a metade da potência. Mas também não faria diferença, afinal eu era suficientemente inteligente para colocar a lavadora em ação, bastando apenas saber apertar um único botão com as funções; ligar/desligar
Porém o que não percebi foi que destravei o gatilho ao manipulá-la, portando ao ligar a máquina, à pressão da água foi tanta que fez o gatilho escapulir da minha mão e a mangueira serpenteou loucamente para todos os lados, jactando água como se fosse uma cascavel furiosa cuspindo veneno.

-Seu filho duma puta! – O seu Manuel xingou ao se ver ensopado, enquanto tentava e sem sucesso escapar da furiosa borracha.

-Desliga essa porra, ó infeliz! – Ele berrava ao sentir que o jato se dirigia à sua cabeça, inclusive tentava proteger o rosto

Bem, eu tentei desligar a máquina, mas o botão repentinamente emperrou e não respondeu ao meu comando. Claro, a mangueira fazia uma confusão dos diabos, deixando-me uma última alternativa de atirar-me sobre ela como se fosse uma bola de futebol e eu um goleiro de terceira divisão. Assim que me joguei contra o gatilho o jato d’água surpreendentemente cessou. Não compreendi a situação e olhei para os lados a procura do seu Manuel, quando ouvi os seus gritos furiosos, vindos dum lugar distante:

-Olha aqui ô burro! Aqui, ó toupeira! – Eu procurava o local de onde vinha a voz, até que o encontrei ao final da câmara com o fio da lavadora liberto da tomada de força. O pesadelo chegava ao fim.

Enfim, passado menos de 40 minutos eu devolvia a sua roupa de Guerra nas Estrelas. Foi uma despedida sem sorrisos, sem agradecimentos, sem ao menos o pagamento do meu tempo trabalhado.
Saía da empresa quando um carro importado estacionou numa das vagas do estacionamento interno que dava para frente do edifício. Olhei na direção e uma placa indicativa orientava: Proibido estacionar Diretoria –
Uma garota de talvez uns 27 ou 28 que descendo do automóvel me permitia admirar aqueles deliciosos nacos de coxas. Ao passar por mim ela sorriu. Ela era linda e tinha classe, muita classe. Ela passou e eu olhei para trás e pude perceber a elegância daquela garota nuns saltos 10 e meias de seda nas pernas. Sim, ela vestia meias de seda. Meias que hoje estão em desuso, mas que dão a mulher um toque de classe, algo de sensual.

E conforme andava as nádegas se movimentavam excitantemente enquanto os cabelos negros bailavam no meio das costas relembrando o estilo de Lady Di num conjunto blêizer/saia, finíssimo, expondo o belo par de coxas numa saia com cinco dedos acima dos joelhos. Afixei-me outra vez em seu traseiro e ele era mágico e em nada me remetia às malditas bundas de vacas dependurados naquela câmara frigorífica que me congelaram os ossos. E assim ela sumiu pela porta de entrada e eu a supus filha do português estressado. Não demorou mais que 30 ou 40 segundos o Sr. Manuel surgiu na porta e empurrou os cinco dedos da mão direita na minha direção, como se dissesse "Ó peste, ainda estás aí?"  Por segundos pensei em seus gestos  e apontei meu dedo médio para o alto e novamente ouvi a sua voz - "Ó Firmino, dê um pulinho aqui que temos um engraçadinho aqui" - Tudo bem, eu não queria confusão e além do mais seria uma luta injusta, desumana, algo tão desproporcionou como o pequeno David contra gigante Golias, apesar que David, na versão do catilicismo venceu o grandalhão com os pés nas costas. Entretanto quem acreditaria piamente em tudo o que se diz na Bíblia? - Pelo menos eu jamais acreditei em boa parte daquilo que se narra ali.

Bem, antes que o Firmino apontasse seus músculos pela porta afora eu achei melhor sumir dali e me encaminhar para o ponto de ônibus mais próximo, mesmo arcando com o prejuízo das quatro passagens que o maldito emprego me causou. Antes de  chegar no ponto entrei num boteco fuleiro e comi dois bolinhos de queijo e uma caçulinha da Antártica. Lembro do dono do bar ter perguntado antes: “Quer de carne meu rapaz?” – Ao que respondi “Por favor, não me diga essa palavra!”
Depois peguei o ônibus e notei dentro dele outros sujeitos com feições desanimadas, mal amanhecidas, expressões do desemprego. Ao fundo, no último banco percebi três rapazes em atitudes e olhares suspeitos, mas nada de grave aconteceu salvo suas linguagens dos subterrâneos - “é isso aí mano, é o seguinte mano” -  Enfim, três pontos adiante saltaram desembestados pela porta traseira sem pagarem as passagens e sumiram na esquina mais próxima. O cobrador, um sujeito franzino  e provavelmente das Minas Gerais ainda deixou o seu protesto lançado ao nada  - " Esses trem ruim é um causde poliça!"- Eu dei risada e ele não gostando me enquadrou - "Ocê ta rindique hómi?" -  Olhei pra ele, pros meus 80 quilos e imaginei que teria uma ótima chance contra seus prováveis  55 ou 56. Mas não queria nada disso e apenas continuei olhando para ele farto das confusões - "Orra meu, to rindo de nada não cara. Na boa, paz" -  Devolvi  e ele me pareceu satisfeito e voltou a recontar o dinheiro de seu caixa.
Eu apenas queria voltar para casa e esquecer aqueles nauseantes traseiros de vaca.

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Estava indo para o meu quarto mês de aluguel em atraso quando me deparei com outro anúncio.

-Coca-Cola admite pessoal para o setor de distribuição - Sem experiência  -

Sorri um sorriso amarelo, afinal, experiência para carregar caixas de Coca-Cola? Talvez fosse questão onde predominasse a força física ao jeito. Todavia não era um anúncio para executivo sem experiências, mas sim para meros carregadores de caixas de cervejas e refrigerantes. Pensei por alguns minutos sobre o anúncio e brinquei com as mãos num - “minha mãe mandou bater nessa daqui” - Mentalmente decidi que se a última sílaba significaria o SIM para o meu alistamento desde que caísse na mão esquerda. Porém assim as forças da precaução não o permitiram e o "qui" recaiu sobre a direita. E o "qui" sendo destro e desafeto das revoluções parecía-me a mais pura das redenções. E isso sinalizava para que permanecesse do lado de fora e que a dores nas costas não compensariam o salário. Por fim só me restou sorrir; A Coca-Cola não precisava e jamais do meu esforço!
Portanto,  seria mais um mês de aluguel em atraso

Copirraiti08Out2012
Véio China©.





quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Maglok! O herói troglodita

-Mim querer dar paulada na cabeça de velho! – Exclamou  Maglok,  o herói troglodita ao adentrar abruptamente o ambiente.

Era no mínimo estranho ver aquele sujeito dos seus trinta e poucos num corpo de academia e em longos cabelos acastanhados e com um bastão de beisebol agarrado pela mão direita. Meio inusitado ainda o linguajar afoito e proferido num misto tupi guarani com algo candango. Porém o mais extraordinário era o fato de Maglok ser literato. E pasmem; ter dois livros publicados

-Que é isso  rapaz? Você vai matar o pobre velho! – Gritaram os sujeitos dentro do boteco onde o idoso bebericava tranquilamente a sua cerveja.

O velho, tanto assustado pelo vozerio e movimentação olhou para o sujeito que se postava na sua frente e que, mesmo que tolhido dos movimentos por duas ou três pessoas que o agarraram tentava desferir o golpe. Claro, ele reconhecia o rapaz, portanto acalmou os amigos de bar:

-Ah, soltem o garoto, afinal, Maglok é um cara legal! - Orientou aos amigos.

-Como legal? O sujeito quer rachar tua cabeça  e você diz que ele é um cara legal? -  Questionou Carlito, um mulato forte que segurava o rapaz com contundência.

-Ah, ele é legal sim! Ele só é meio egocêntrico, narcisista, arrogante, ditador, prepotente, insensível, exibicionista, convencido. Todavia se subtrairmos todas essas irrelevâncias constatarão que é um sujeito ótimo –  O velho disse num tom conciliador ao dar um bom gole na sua cerveja das cinco.

Claro, talvez se perguntem dos motivos. Bem, o que se soube é  que os problemas entre Maglok e o Sr. Nachi surgiram pelo fato do segundo utilizar o  troglodita como um dos personagens no último dos seus contos. Enfim, mesmo Maglok estando la tudo não passou de uma boa brincadeira, portanto nada estampado naquele conto algo que pudesse denegrir a sua imagem e moral. Porém não foi assim que Maglok entendeu os fatos e agora vinha em busca de vingança.

Bem, isso não importa, mas sim que, diante a solicitação do idoso, Maglok foi solto, exceto o bastão confiscado pelo Mané, o dono do boteco que, o guardou num compartimento abaixo do caixa registrador com o intuito de preservar as dependências físicas do estabelecimento. Livre dos braços dos amigos do Sr. Nachi, o troglodita olhava com fúria para o velho. Bem, o que fazer com aquele sujeito  intempestivo senão convidá-lo para uma loira gelada?

-Maglok, larga dessas frescuras e sente aí pra tomarmos umas brejas. Hoje é por minha conta! - Garantiu o Sr. Nachi ao piscar-lhe o olho

-Mim não quer porcaria de líquido dourado de homem branco. Mim quer dar paulada na cabeça dura de homem velho. E mim também quer de volta o bastão! Mim pagou 5000 pilas nele! Disseram pra Maglok que bastão de beisebol foi de Di Maggio, década de 60. Veio até com selo de garantia - Maglok insistiu irado.

O velho novamente se fixou no rapaz de atitude selvagem e logo percebeu que ele não estava para brincadeiras. Porém já tinha alguma experiência e gingado pra tratar com Maglok, afinal fora assim em  duas outras oportunidades. Claro, ele também saíra machucado, não fisicamente, mas no espírito.

-Mané, por favor, libere o bastão do Sr. Maglok. Sabe Mané...o bastão foi do Di Maggio e ele pagou 5000 pratas nele, e tem até selo de garantia – O velho novamente piscou o olho e pediu ao dono do bar, sendo prontamente atendido.

-Tome Maglok, tome teu bastão. A gora ande, termine o seu serviço.  É pena perder assim os meus miolos, mas...

-É pena o cacete! Maglok vai fazer picadinho de cabeça dura de homem branco velho!

-Poxa vida Maglok! Justo agora que eu ia te ajudar no Jabuti. Não sei se você sabe, mas... tenho alguma influência com esse pessoal todo...

-O que?  O velho cabeça dura falou Jabuti? – Maglok arregalou os olhos

-Sim, sim! Isso mesmo que você ouviu... o Jabuti! O seu tão sonhado premio de literatura – Confirmou o velho deixando despencar os braços numa expressão de desânimo.

-Obaaaa! Agora mim quer o Jabuti. E mim também quer bater com o bastão do Di Maggio e destroçar cabeça de velho homem branco gozador. Depois mim vai pregar na parede os pedaços da cabeça de velho estúpido junto do premio do Jabuti e mostrar pra toda família nas macarronadas de domingo. Mim quer Jabuti agora!

-Não Maglok! Calma! Não pode ser agora e muito menos é o que você entendeu. Uma coisa é uma coisa e a outra é outra coisa.  Ou cabeça de velho branco ou o Jabuti! Tem que escolher agora! E Além do mais essa parada ta no papo, e eu posso dar uma mãozinha da branca pra você. Topa?

Foi o suficiente para o bastão de Maglok pousar no ar tal qual fazia o Dario o peito de aço. Sim, o Dario, aquele jogador que flutuava no ar ao fazer os seus gols de cabeça. O velho persistindo o olhar em Maglok pode pressentir o quanto fora convincente. Maglok permanecia reflexivo diante da proposta. Por fim, pensou, pensou e se pronunciou:

-Velho branco, você acha mesmo que há alguma chance de Maglok levar o Jabuti? – Os seus olhos eram de quem ainda não acreditava em si, não colocava fé no próprio bastão, ops, digo, no próprio taco

-Claro, claro! Você tem ótimas chances, Maglok. Ainda mais agora que a tendência mundial é totalitária e ditatorial. Os ditadores estarão de volta. E veja bem, o título da tua obra é um espetáculo! Vou lê-lo calmamente para que exale o buquê da sonoridade literária. Sinta a melodia neste título: “Justiça é uma percepção dos donos do poder” – 

-Ao ouvir o título do seu último livro proferido num tom tão cerimonioso e melódico os seus olhos brilharam, encheram-se de esperanças e despejaram a bravura do seu orgulho nos quatro cantos do boteco..

-É! É bonito mesmo o título de livro de Maglok, né?

-Sim Maglok! É lindo! Uma obra de arte! – O velho respondeu num longo bocejo

-Ah, então Maglok não vai quebrar agora a cabeça dura de homem branco velho para poder esperar a chegada do premio Jabuti. Mas... se algo der errado, e se o Jabuti não estiver na parede de Maglok, eu volto e..... –  Respondeu ao Sr. Nachi num tom ameaçador, riscando o dedo indicador à frente da garganta.

Depois do assunto terminado, Maglok se apossou da cerveja  sobre a mesa e a levantando num brinde solitário virou no gargalo até a última gota. Depois  sem se despedir abandonou o bar. Ao vê-lo partir o velho levantou-se da sua cadeira e foi à porta do boteco e fincou o olhar naquela figura que se afastava lentamente pela calçada.
E olhando aquele sujeito desajeitado sentiu alguma comiseração pelo indivíduo, afinal suas atitudes  trogloditas somadas ao seu  inequívoco autoritarismo causavam asco às pessoas. Não que não houvesse contenda, brigas, egos exacerbados no trato da relação entre os escritores, mas nada que os levassem às ameaças de agressões físicas. Porém assim não acontecia na postura de Maglok, dono duma peristente teimosia que o tornava parecido com um  boneco “João Bobo” desse que é surrado pela verdade das palavras, desse que nós batemos e batemos e ele não acusa,  e então retorna para novos tabefes com os mesmo sorriso sarcástico impregnado no rosto de plástico. Não foram poucos os que zombaram dos seus atos,  decisões, do uso da sua força, além dos seus socos desferidos contra o  próprio peito num egocêntrico “Eu sou eu. Eu sou é foda” como se aquilo alimentasse eternamente a sua vaidade. Porém o que Maglok não percebia é que só ele via o  brilho e o glamour. naquilo. E a luminosidade lhe era tanta que ele continuou socando o peito num ato guerreiro, num brado de vitória. Vitória que a si mesmo brindou, porém falsa, desdenhada,  entranhada no poder das guias cibernéticas e sem o referendo dos  seus pares, nem mesmo o de um fausto amigo que constrangido se alinhou ao repúdio da maioria.

Enfim, o velho observava Maglok se distanciar ainda mais e já sabia de antemão que a vida ainda traria algumas lições de humildade para aquele garoto de trinta e pouco, e pro seu equivocado senso entre distinguir a autoridade e o autoritarismo. Contudo e apesar dos fatos o velho sabia que ele ainda não estava pronto para todas as mudanças que fatalmente viriam no tempo certo, ainda mais porque agora havia um filho. Enfim, Maglok era apenas um caso onde se descartava a intermediação de juízes, advogados e  júris, afinal a sua sentença estaria eternamente dentro de si, bastaria apenas que soubesse discernir.

Bem vindo ao mundo da realidade, companheiro!!!

Copirraiti03Out2012
Véio China©





Tyrannus Saurus - A metáfora assassina

Ele estava sozinho.
Pra dizer a verdade não só ele, ele e o paredão. Havia também algumas pessoas nas arquibancadas e elas pareciam torcer por aquele que seria trucidado. Todavia nada poderiam fazer, afinal  eles eram apenas o povo, a parte fraca do negócio, ainda mais que diante do poder constituído e dum ditado que  os ameaçava num jargão autoritário “"justiça é uma percepção dos donos do poder”  Porém disposto ou não ao autoritarismo a sua hora parecia ser chegada

-Apontar! – Ouviu-se o brado duma voz militar. Ele não se recorda se era a tonalidade da voz de um primeiro tenente ou do segundo sargento, pouco importava naquele momento, apenas sabia que era tonalidade militar

O fuzil apontava para o seu corpo enquanto ele se questionava sobre o primeiro tiro. Poderia parecer engraçado, mas, torcia que fosse alvejado no coração. Talvez até a misericórdia viesse num tiro contra a sua cabeça, porém anonimamente suplicava para que  maldito soldado não objetivasse os seus miolos, sinônimo para ele de irrestrita liberdade.

Antes que a ordem de “atirar” fosse definitiva e assassina  alguém se interpôs entre o condenado e a mira do soldado

-Senhor, pare! – Ordenou o recém chegado: Trago ordem do imperador Giovannius "The Great Head of Pudding" para que a execução seja adiada até que o condenado tenha a ciência do pedido de clemência.  Portanto caberá a ele decidir a sua sina – Concluiu o forasteiro num terno azul e gravata vermelha

-Pois bem. E que clemência seria essa?  - Perguntou o militar responsável pela execução ao pedir a documento comprobatório.

-Bom, o chefe da nação quer que o acusado, de viva voz  peça desculpas públicas por ter se insurgido contra o sistema e sua autoridade na publicação do decreto do ato institucional número cinco cinco, mais conhecido como AI 55.

O acusado ouviu a tudo. Seus olhos estavam vendados, mas não o seu conceito da liberdade. Era chegado o momento de se pronunciar, sua vida dependia mais de si que da apontaria do soldado, inclusive porque não se valesse do “ato de clemência”  só sairia dali com o sangue encharcando  as suas roupas civis.

-E então, prestou atenção às instruções do mandatário? O que têm a dizer? – Perguntou o forasteiro ao acusado

-É sobre o AI 55? Aquele que fala da cassação do direito de expressão? – Perguntou acusado.

-Sim, não preciso repetir, e você sabe – Confirmou sujeito ao ajeitar a gravata bordô no colarinho da camisa

Ah... -  Reticente balbuciou  o condenado. Ele parecia pensar
Pouco após  e diante do absoluto silêncio se manifestou:

- Pedir desculpa pelo autoritarismo do chefe da nação? Ora! Diga a esse ditadorzinho de meia pataca que foi ele o julgado. E mais; que injete em um dos seus orifícios as leis, afinal, ele ainda não se deu conta, mas, ele já foi assassinado por elas.

-Só isso o que têm a dizer? – Perguntou o sujeito do gabinete.

-Só! – Respondeu secamente.

-Apontar! –

Depois disso apenas o tiro e um corpo tombado ao chão. A cabeça permanecia intacta, nos lábios um evidente e indisfarçável sorriso de alguma dor. No peito e ao lado esquerdo da alva camisa o sangue se tingiu forte, vibrante, vermelho. A certeira bala do soldado apenas destruíra o coração, aliás, parte dele, mas manteve intacta a cabeça, o intelecto, o discernimento. Era assim que ele se pensava morto.

Terminado o show assassino as pessoas abandonaram as arquibancadas pulando  degrau por degrau.
La fora o dia ardia esplendoroso enquanto nos céus os abutres esperavam pelo descuido dos militares para se saciarem naquele corpo.Talvez varassem-lhe o cérebro com as bicadas, porém agora e sem vida não faria a menor diferença. Sim, o povo questionaria e cochicharia um levante, algo que o levasse às ruas. Porém o inconformismo com a ditadura é algo mais filosófico  que a questão do enfrentamento. Geralmente o povo não quer saber disso, lutas, armas, tiros, assasinos. O povo está mais preocupado com a compra do supermercado que propriamente ao regojizo de saber que uma bala se cravou no cérebro de um ditadorzinho qualquer.

À saída da arena bancas de pastel e de lanches de mortadela e linguiça calabresa faziam suas promoções. Ao lado delas, numa grande caixa de isopor  abarrotada de pedras de gelo três garotos da pesada vendiam coca-colas pet  e cervejas Kaiser de três reais a latinha.
No sede do poder, independentemente dos problemas da nação o imperador jogava uma partida de xadrez como a sua Ministra da Cultura.
Seria um longo jogo de dois péssimos jogadores.

Copirraiti03Out2012
Véio China©