segunda-feira, 21 de julho de 2008

Bêbados conversam com Deus



Ele tentava livrar-se de si, desesperadamente. E quanto mais se debatia, mais viá-se alçado ao fundo, numa descida vertiginosa. E tudo lhe parecia surreal e ele nem podia se dar conta se era sonho, pesadelo, ou mesmo, realidade. Seus pulmões já davam à falta de ar. Na louca descida, pareceu ter visto salamandras, sereias e até o palhaço Piolim. " Isso só pode ser um pesadêlo" - tentava se convencer - Só isso justificaria o terror do qual se via refém. Ainda de posse do seu último ar, pareceu dar-se por vencido e então questionou não se sabe à quem:

-Vais me deixar matar a mim? – A frase, balbuciada, apesar de difícil assimilação, foi ouvida. Provavelmente dialogava com Deus

Birinha, seu amigo de porre, também um tanto alterado, sentado ao seu lado numa mesa de Bar, percebeu que o amigo, momentaneamente perdera os sentidos e entrara numa epécie de transe. Com se fosse possível resolver a questão do amigo, interferiu:

-Sabe o que é, Astolfo? É que você é demasiadamente permissivo. Quando as coisas estão feias pro seu lado, geralmente você foge de si mesmo –

Astolfo, acordado pelo colega se deu conta que havia tido um pesadelo, ali mesmo, sentado na cadeira. Certamente o teor alcoólico que corria em suas veias era provavelmente quinze vezes superior ao recomendado pelo Ministério da Saúde. Mas como isso não lhe fazia a menor diferença, Astolfo tratou de voltar ao mundo real e das luminárias sobre as mesas de bar.

-Cento e vinte reais – Comunicou o garçom com as comandas em mãos e diante daquela imensidão vazia de garrafas de cervejas, copos de caipirinhas, amendoins torrados e frangos à passarinho.

- O que? Cento e vinte reais? – Horrorizou-se Astolfo enquanto tentava conferir os papéis que caqiam das suas mãos.

Novamente Astolfo pareceu cair num profundo sono e voltou à debater-se. Sua respiração estava como antes; um tanto ofegante,forçada, que fazia rarear o ar que deveria abastecer os seus velhos e cansados pulmões. Ele permanecia com olhos fechados e da sua boca, aberta, escorria um filete de baba, espesso, nojento e esbranquiçado. Os lábios tremeram e então a sua voz, mole e bêbada, questionou-se outra vez:

-Vais me deixar matar a mim? – Ele recomeçava de onde parara um dos seus infindáveis diálogos com o Todo Poderoso.

Birinha, ao seu lado, apenas sorriu. Sorriu como um bêbado acostumado. E um tanto capenga, mas ainda discernindo o valor do dinheiro, pagou a conta e sumiu.

Relacionamentos, suas Mentiras, Verdades e Mitos.



Ele parecia infeliz. Talvez, resguardadas as devidas proporções, encontrara algum tipo de felicidade nos poucos momentos da juventude e nas raras, mas boas bebedeiras. Agora Porém agora a vida não lhe parecia grande coisa e a impressão de ser sempre o voto vencido deixavam-no com a sensação de ser como aqueles jogadores que fazem do blefe o único trunfo para a vitória, como se suas cartas tivessem que mentir para sempre. Convinha-se,  isso lhe era  pouco, portanto comum era tê-lo angustiado,  acompanhado da eterna sensação de incompetência, algo inatingível em sua vida, mesmo que soubesse os motivos; Relacionamentos.

E manter um relacionamento, para ele e em teoria correspondia sentir-se muito próximo da felicidade. Na sua mente, a relação deveria se galgar ao sucesso, inadmitida a hipótese para dois sujeitos apaixonados não se permitirem a mais cumplicidade, a solidariedade dos amantes, e esta sim o mais perfeito instrumento de convivência. Portanto, estar com uma mulher e sentir-se isento era o mea culpa, a admissão que a vida pode existir sem  finalidades e interesses de qualquer ordem. E era esse o momento vivido por ele; desilusão plena.

Apegado aos jogos de cartas, era comum comparar a sua vida à um exímio jogador de pôquer que, em poder dum avassalador Straight Flush, imagina-se o ganhador da bolada,  quando, inesperadamente, surge por entre os dedos do oponente o quase impossível Royal Straighgrandet Flush, fazendo calar a sua soberba, definitivamente. Sim, esse sujeito era um perdedor tanto quanto ele.
E isso o fazia concluir que tudo poderia ser ou estar melhor se não se envolvesse tanto, ou  mantivesse a calma e conseguisse levar seus relacionamentos em “banho Maria”. Que fosse devagar e sempre, que não deixasse subir a fervura, nunca. Mas, o simples fato de ir para a a cama com um estupendo par de pernas e uma bunda arrebitada já não fazia sua cabeça, afinal, era deprimente e tanto solitário a vagina de uma mulher servi-lhe apenas de depósito para o esperma. Não,  definitivamente isso, agora, não fazia o menor sentido.. E se fosse para compactuar com esse estado de coisas, melhor seria  alguns DVDs de sacanagem, pois também haveria a garantiria do gozo com a masturbação. Sim, ele queria muito mais, merecia mais, palavras, olhares, bocas, marcas de batom e coisas sussurradas nos ouvidos, além de mãos se embrenhadas em seus cabelos. Seria tão difícil encontrar uma mulher sensível que lhe dissesse o quanto era importante.
No seu dia-a-dia com as pessoas o mal humor d suplantava a generosidade e sorrisos, e a mesquinhez dos sentimentos espocavam por todos os cantos, um sabor ordinário de vinho barato, desses que se compram em adegas e custam o mesmo que um maço de cigarros.

Enfim, havia a premente necessidade de virar o jogo, e cobrar mais da vida, pretender a felicidade. Chegara a hora de procurar suas falhas, problemas, afinal, estivera tanto tempo ausente de relacionamentos reais que, talvez perdera o traquejo de como manejar  uma boa mulher.
E assim, munido de tudo que sua consciência avaliara, surpreendentemente resolveu procurar a sessão de classificados de um jornal e publicar um anúncio. No jornal, e antes mesmo de ser emitida a nota do serviço teve que testemunhar o olhar divertido do funcionário. E foi esse o anúncio:

                                                           -  Procura-se -

“Senhor em situação economicamente confortável procura pessoas do sexo feminino, com idade entre 40/50 anos para relacionamento estável e duradouro. Exige-se apenas que a pessoa tenha caráter. É importante lembrar que solidão não é moeda de troca, e ter na mesma cama uma mulher não significa necessariamente “não estar só”. Exijo também a autorização para a gravação de fita de vídeo onde a candidata diga com toda clareza o que espera do relacionamento, especificando suas peculiaridades e preferências pessoais. O material gravado será duplicado e cada qual manterá a sua cópia para, a qualquer momento discutirmos os eventuais desvios de rotas e que não foram contemplados na proposta inicial.

Após o anúncio saiu do jornal com a convicção que houvera feito o certo apesar do preço. Ah, que se dane o dinheiro! - Disse consigo mesmo.  Estava farto das sereias. Farto de garotas que o encantavam com melodias que seus ouvidos queriam ouvir. Não, definitivamente não! Algo seria mudado, e agora queria apenas aquilo que se constituísse nas verdades.
E assim pensando seguiu em frente e venceu quarteirões rumando à estação do metrô que lhe deixaria num bairro classe média de São Paulo. Antes de chegar do metrô percebeu um cachorro urinando num poste de esquina. Sorriu do fato, e aproximou-se do animal, e disse-lhe num tom intimista:

-Amigo, temos que ser  assim. Essa coisa de se fiar nas palavras de uma mulheres, ou mesmo, no fio do bigode, ficou lá atrás no tempo dos nossos bisavós! Hoje é necessário estar tudo documentado, pois a tecnologia, mesmo sendo louca está aí pra nos ajudar!

O cachorro, parou momentaneamente de urinar e o olhou para ele, desinteressado, e se pudesse falar ao latir, diria: Cara, você só pode ser doido! - Terminado as falas, o cão atravessou a rua abanando o rabo, de lá pra cá, deliciosamente. E o homem apenas permaneceu pensativo e, assim que perdeu o cachorro de vista continuou em frente por mais algumas quadras até se deparar com uma sofisticada loja de equipamentos eletro-eletrônicos. Alguma coisa ainda o incomodava e dizia-lhe que ainda não encontrara a solução ideal para suas questões. Então novamente se questionou - "Valfredo! Será que somente essa gravação resolverá todos os problemas? - E foi assim, sem aguardar a resposta e como um zumbi em algo que  adentrou a tecnológica loja. Ao vê-lo pelos andando pelo corredores olhando uma coisa e outra um sorridente atendente se aproximou:

-Pois não senhor! No que podemos ajudá-lo?

A pergunta veio no mesmo instante em que viu um equipamento que fez seus olhos saltarem de ansiedade. Certamente parecia um aparelho de última geração, cheio de fios, conectores, pintado com uma tinta prateada.O vendedor, experiente, percebeu o seu  interesse pelo equipamento. “Este está no papo” - Concluiu - E para impressionar ainda mais o cliente empostou a voz e esmerou nos comentários:

-Senhor, o  - TRUENOW DPT21B - é um equipamento de uma eficiência extrema, ideal para pessoas de fino trato, exigentes, e que merecem mais. Portanto fará ótimo negócio ao adquiri-lo - Disse para o cliente com uma confiança exagerada e após ter demonstrado algumas utilidades da máquina. Depois continuo com o macete do convencimento: -  Agora o que o senhor jamais imaginaria...Para ter uma ideia, ligando esses fios às laterais da cabeça é possível ser avaliado o pensamento humano  – Concluiu diante o olhar embevecido do cliente. Claro, Valfredo estava no papo! E foi assim que o vendedor levou-o gentilmente pelo braço à direção do caixa central. Valdredo, que de bobo nunca teve nada, sabia que aquele blábláblá era conversa de vendedor. Mas, fazer o que se ele ficara hipnotizado por aquela máquina?

E assim foi, sorridentes e satisfeitos, comprador e vendedor, que Valfredo deixou um cheque de valor considerável naquela loja de tecnologia de primeiro mundo.

“Será que vai funcionar?” Se perguntou ao acenar para um táxi postado ao lado de enormes caixas de grosso papelão..

Um dos "grandes" parou ao seu aceno, e o motorista um tanto contrariado ajudou-o a colocar as caixas no porta-malas que mal fechou. O taxista, mesmo sem saber o destino seguiu em frente enquanto Valfredo, no banco traseiro ainda se questionava; " Será que isso vai funcionar?" - Pensou, mas como não houve a resposta, desistiu dela. Se iria ou não funcionar ele ainda não sabia. O que Valfredo sabia era que acabara de adquirir um caríssimo e sofisticado "detector de mentiras". Então sorriu entre matreiro e ansioso, pois a estréia da máquina se daria com a primeira entrevistada, desde que, óbvio, ela concordasse com todos aqueles eletrodos em sua cabeça.

"Que venham as novas e gostosas sereias!" - Disse para si, tentando demonstrar confiança.
Algo, internamente, lhe garantia que tudo seria diferente, agora. E assim, convencido, ordenou ao pracista:

-Por favor! Rua do Triunfo!

Amargas folhas de outono



Queria tantas coisas, mas pouco posso me dar. Incrédulo em mim já não desperdiço os sussúros dos delírios em paixões mentirosas. Eu queria quase nada das muitas que mereço. Queria apenas reencontrar o amor que se foi e levou consigo a incógnita dos meus sorrisos e a a nobreza dos jasmins. E que hoje, escondido sob o manto da amarga indiferença, renega-me o paradeiro e amputa-me, quem sabe, de um destino ainda possível e que surpreenda a mim.

E é por ele, mesmo inalcançável, que ainda insisto. Mas respiro sem ele. E não faço porque queira. Faço porque sou apenas mais um covarde, temeroso por ferir-se ainda mais. Sou nada menos que um doente, permissivo o suficiente para não fazer das minhas mãos o instrumento que vinga e faça cessar o pulsar do coração, um desvalido complascente com o desamor e naquilo que ele me transformou.

Então não me resta alternativa que não seja a de resistir. E eu resisto e persigo aquilo que se perdeu dentro de mim, reconheço. Sou sobrevivente da vida, mero ator de quinta coadjuvando o nada. Sou apenas um cara que se deixa levar como folhas secas nos ventos de outono. Apenas uma delas, mortas-vivas, valsando zombeteiras diante do fim.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O Sr. Beneducci.




-Não me fode! Não me fode!

Ah, esse era o senhor Beneducci, meu avô. Ele costumava dizer isso a qualquer tempo e fosse qual fosse à situação. Bem, eu digo “era” porque ele não está mais aqui; faleceu no ano passado. Mas, eu sinto uma falta enorme daquele velho boca suja e, na verdade, me foi como ter perdido um pai, apesar do meu ainda estar vivo. Talvez porque tenha sido o velho boca suja o meu único e verdadeiro pai.

E quando relembro do velho não há como me esquecer da infância e parte da juventude. A primeira bola de futebol, o primeiro par de chuteiras me foram dados pelo meu avô. Era ele quem me acompanhava por todos os lugares que eu fosse quem me incentivava, ou mesmo, me dava uns puxões de orelha quando julgava que eu merecia. E as orelhas, diferentes de todos outros puxões que recebia não me doíam. Quem sabe pelo fato dele saber puxá-las com mesmo afeto que me acariciava. Mesmo quando eu aprontava algo das “boas”, que merecesse reprimenda e a obrigação de ter alguém responsável lá na Escola Estadual que eu estudava; quem estava lá? Claro! O meu avô. Portanto, quando ele se foi eu me senti um órfão dentro do estabelecimento chamado de “minha casa”.

Meu pai; um austero comerciante italiano – sempre preferiu aquecer as palmas das mãos na minha bunda do que me coçar os meus lisos cabelos negros. Minha mãe, dominada tal qual uma “Amélia” não me batia, mas, só o fato de permitir e fazer vistas grossas, não menos encorpadas que os dedos do meu pai, e que me serviram como ainda me servem de alguns ressentimentos.

Porém, com o tempo eu desenvolvi certa malandragem que me livravam momentaneamente das palmadas e das dores nas nádegas, então na primeira estralada eu gritava alto “Aiiiiiiii”. Mas, eu sabia que só o fazia porque meu avô estava em casa, caso contrário eu apanhava em dobro por estar fazendo “escândalo”. E quando meu avô me ouvia, ele prontamente saía de onde estivesse para tomar as minhas dores:

-Não fode o garoto, Pietro! Não fode! Deixe o menino em paz! – Ele repreendia, gesticulando para o meu pai, freneticamente, fazendo do pulso um vai-e-vem, sinal claro de que não estava gostando de me ver apanhar. E assim, como por encanto ou decreto eu me via longe daqueles dedos espessos e insensíveis. E aquilo me deixava pensativo; “Por que será que meu pai respeita tanto meu avô?” - E eu tentava imaginar a cena de ver meu pai apanhando do meu avô, recebendo saraivada de tapas que deixavam vermelha aquela sua bunda branca. Quem sabe se meu pai houvesse apanhado tanto que além das marcas e mágoas, seu espírito ainda vivia amedrontado. Porém, por outro lado, eu achava que isso era impossível; eu não via em meu avô qualquer traço que o tornasse um tirano insensível. O Sr. Beneducci, acima de tudo, sempre fora um sujeito meigo, brincalhão e educado, apesar dos palavrões. E aquele seu “Não fode” sempre me soou com certa doçura.

E assim eu passei praticamente toda a minha infância. Meus pais sempre ausentes naquilo que se dizia respeito a mim. Minha avó, ainda viva, viúva do meu avô, tal como os meus pais, pouco tomava conhecimento de mim. E, quando tomava era somente para ralhar e me puxar as orelhas de uma forma que me doesse substancialmente. Portanto, diante de toda essa situação o único amigo com quem eu realmente podia contar era com o velho Beneducci.

Às vezes, na calada da noite eu ouvia vozes vindas do seu quarto. Curioso, eu me levantava nas pontas dos pés e me achegava mais, postando-me rente à porta, e sutilmente encostando o ouvido junto a ela, de forma que me pudesse ouvir o meu avô. Às vezes ele me parecia um tanto falar exasperado: “Você não fode mais! Você não fode mais!” – ele falava pra minha avó - Só bem mais tarde é que eu fui compreender aquilo e perceber que seus palavrões, geralmente acompanhados do “não fode” tinham a cada momento um significado diverso. Hoje eu me pego rindo dessa lembrança; ele simplesmente reclamava da minha avó que, provavelmente não mais estava satisfazendo-o na cama.

Porém, o tempo que mais curti meu avô foi nessa fase de adolescente e até agora, antes dele se ir. Lembro de uma passagem quando estava com 17 dos 20 que tenho e meus pais tinham ido viajar em férias para a casa de uma irmã da minha mãe.. Logicamente eu não fora e, preterido como sempre, ficáramos somente eu e meu avô já que haviam levado a minha avó com eles. E assim eu me via livre para zanzar pela casa, isento das broncas e das admoestações rotineiras. E numa daquelas noites e sem que ele soubesse, entrou no meu quarto e deu de cara comigo e uma amiga de escola; estávamos nuns amassos pra lá de quentes, onde eu segurava o sutiã de Silvia numa das mãos, enquanto que, com boca eu me deliciava sugando os seus avantajados mamilos – eu esquecera de trancar a porta – Ele fechou a porta suavemente como dando entender que não havia presenciado a cena. Logo após ouvi a porta da sala se abrindo e pouco depois o seu automóvel sendo colocado em movimento. Talvez, em menos de 20 minutos ele retornou e eu ainda ouvi o tanger eletrônico da porta da garagem se fechar ao guardar o veículo. Passados uns poucos minutos ouvia passos subindo as escadas e estacionarem em frente à porta do meu quarto, onde eu e Silvia fomos alertados de sua presença por suaves batidas na porta. Assustado e receoso como se tivesse culpa no cartório, levantei e fui atendê-lo. Eu imaginava que vinha bronca das boas. Ao abrir ele me sorria um sorriso um malicioso que he impregnava as rugas e que descia até a flacidez de suas bochechas:

- Alessandro, eu trouxe pra você! Cuide-se! – Eu recebi o pacotinho – Farmácia da Glória – estava escrito na sacolinha plástica.

Assim que me entregou, retirou-se acompanhado por aquele sorrisinho matreiro. Fechei a porta e abri o pacote e lá encontrei 5 invólucros de camisinhas. - Putz, meu avô se preocupava com tudo; estávamos a ponto de transar e nem as camisinhas eu tinha pra nos proteger. Lembro que ao abrir o envelope e mostrar o conteúdo, Silvia gargalhou e disse: “Carácas, Lê! Eu merecia ter um avô assim!” - Rimos disso tudo e depois transamos – E foi duplamente gostoso; primeiro pelo ato de amor do meu avô, segundo; porque Silvia trabalhou demasiadamente de forma oral – ela se amarrara naquelas camisinhas com sabor de morango. E não houve Cristo que me fizesse livrar delas.

Em contrapartida, no dia seguinte, lá pelas 3 da madruga acordei de fome e com sede. Levantei, me espreguicei e fui até à cozinha e abri a geladeira. No infinito silêncio da noite me pareceu ouvir vozes vindas da parte externa da casa. Curioso e um tanto amedrontado saí para o quintal e percebi que grunhidos vinham do quarto de Jurema, nossa emprega – Ao chegar próximo encostei o ouvido na porta:

-Ah, fode! Ah, fode mais, Jurinha! – Claro que eu reconheceria aquela voz a quilômetros de distância – Era meu do avô –

E foi assim que eu soube que vovô andava transando ou tentando transar com a empregada de bunda enorme e seios fartos. Evidente que não me atrevi bater na porta e nem perguntar-lhe se estava com camisinhas, pois jamais gostaria de constrangê-lo.

Bem, agora a parte triste. Meu avô, no ano passado, começou a se queixar de dores diversas e de um mal estar que o fazia permanecer na cama por quase dias inteiros. Minha avó, adepta dos remédios caseiros, achava que a solução se encontrava nos chás de erva-cidreira, camomila e de hortelã. Infelizmente não foram neles que se encontrara a definição. Como as dores não cessavam, e ele pouco ou quase nada dormia, fui o único que efetivamente se preocupou e saiu à procura de alguém que pudesse ajudá-lo. Munido do seu livreto do convênio, telefonei e marquei uma consulta com um geriatra. Lembro-me ainda que naquele dia, meu avô, mesmo gemendo, antes de entrar em consulta ficou de pé, olhos lascivos, dentes superiores mordicando sistematicamente o lábio inferior, admirando por detrás as mágicas nádegas da secretária. Ela percebeu, deu-lhe um sorriso de repreensão, apesar de ter-me parecido perceber certa cumplicidade em seu sorriso. De engraçado naquele dia só foi isso. O médico nos pediu os exames e através deles foi constatado que meu avô estava com câncer na próstata, e o pior, já em fase terminal. No dia do seu enterro, eu que não choro de dor e nem por amor, chorei ao ver o seu caixão abaixar lentamente e desaparecer por entre aquelas paredes de concreto – Antes de morrer lá no hospital que estava internado, me acenou carinhosamente chamando-me para si. A voz já difícil e demasiadamente frágil ecoou num sussurro ao me pedir:

-Filho, você é o único em quem acredito nessa família. Faz um último favor ao seu avô?

-Claro, vô! Tudo o que o senhor quiser! - Respondi resignado

E foi então que eu soube que ele gostaria de ser cremado e que suas cinzas fossem espalhadas no campo do Palmeiras, do seu querido Palestra Itália, como ele tanto gostava de se referir.

E assim eu fiz numa tarde quente de 5ª feira e dois dias após a cremação. Entrei nas dependências do estádio com uma pequena urna e me dirigi bem próximo ao gramado. E lá, admirando a majestade verde daquele belo jardim suspenso aguardei que um vento forte assoprasse. E, assim que ele assoprou, abri a pequena caixa e a impulsionei fortemente para o alto, fazendo que o todo o seu conteúdo fosse despejado. Foi engraçado perceber os jogadores pararem de treinar para verem o pó levitando na natureza. Para eles, era somente uma nuvem cinza escura e sem graça, um punhado de poeira sendo lançado por um maluco qualquer, anônimo – Para mim, apenas o velho Camilo Beneducci, meu avô, partindo, feliz, definitivamente.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Uma cliente e o "Desejo Azul"



-Mas que merda, Nancy!
-O que foi June?
-Caracas Nancy! Ta difícil arrumar uma transa legal!
-Nem me fale June! Só eu que sei...eu que sei.

Essas eram Nancy e June. Amigas de longa data, respectivamente 43 e 45 anos, balconistas de uma mesma loja de tecidos e que dividiam entre si um pequeno quitinete na Praça da República. O minúsculo apartamento se constituía em apenas sala, banheiro e uma pequena cozinha anexa ao corredor de entrada. Aliás, aquilo nem poderia ser tido como cozinha e sim um ínfimo recuo numa das paredes laterais onde se encaixavam um fogão e o botijão de 5 quilos.

- Nancy, mas você e o Aprígio não estão bem?
- Até que sim June. Mas a coisa tá broxante! As nossas transas têm sido difíceis.
- Como assim? – Quis saber June
- Sei lá! Assim; A coisa vai bem e até que me da um tesão danado. Isso só no começo porque depois um cheiro insuportável de mussarela me sobe até as narinas e aí não há mais jeito. Aí, já era!
- Também né, Nancy? Quem mandou você se apaixonar por um pizzaiolo?

Ela riu da observação da colega.

- É mesmo! Mas fora isso ele é gente muito da boa. Esse mês ele vai ajudar na minha parte do aluguel.- Respondeu conformada Nancy

- Poxa! Até parece que você tirou o prêmio da loteria. O Vasconcelos é um "liso". Ele não me ajuda em nada e, se eu marcar bobeira, sou a que acabo ajudando. – Observou June, um tanto desanimada

-É mesmo, né amiga! Você não deu muita sorte nesse sentido. Agora me fala; e na cama, ta tudo certo com vocês? – Inquiriu a curiosa Nancy.

- Nada! Ele até anda meio pra baixo. É que nas duas últimas transas “ele” não subiu. Aí pra não me deixar passar em branco ele me chupou até eu que fingir que gozava. Aí ele rolou pro lado, acendeu um cigarro e começou a falar do time dele até perceber que eu estava cochilando – Riu-se June

Evidente, estava bem claro que elas não estavam satisfeitas com o desempenho dos homens que tinham. Nancy foi até a velha geladeira que ficava jogada num canto e voltou com duas latinhas geladas, entregou uma para June e se acomodou por entre um mar de roupas que boiava na sala. Por falar na sala, olhando-a de cima, dos lados e até mesmo por baixo quase que não se viam suas camas tal era a desordem dos s vestidos, blusas, bolsas e sapatos amontoados por todos os cantos. Ambas abriram suas cervejas e bebericavam enquanto Nancy folheava o jornal do bairro à procura de algo interessante para ler. Foi então que viu na 1a pagina do caderno de propagandas o anúncio de um sex-shop do bairro. Achou interessantes aqueles dizeres: “ Grande liquidação de pênis importados”. Se ateve às figuras por alguns momentos e com o jornal em mãos foi ao telefone:

-Alo, fala do "séquishope" Desejo Azul, né?....Olha, quem fala qui é a Nancy e eu tava vendo no jornal esse negócio de promoção de pênis importados – Após o silêncio de alguns segundos, onde Nancy, olhos arregalados, ouvia atentamente a moça da loja descrever os modelos -... Ah, sim, agora entendi....Mas, repete com quantos centímetros esse vêm? Hum, sei! o da promoção vêm com 17 centímetros..sei!... E o preço é esse mesmo?...Caracas! 90 paus é muito caro pra mim!...Sim, você está dizendo que tem um de 14 centímetros que se parece com um de verdade...Sei, ele cheio de nervos no pau e nas bolas do saco, sei!...E esse, quanto custa?...Ah ta, 60 pilas...É melhorou um pouco..... O que? As pilhas estão fora desse preço? – Nancy parecia fazer as contas, mas, parece que chegou à conclusão que mesmo assim lhe ficaria caro. Então perguntou: Ah! Você tem algum modelo que a gente pode ligado numa tomada elétrica? – A atendente parece ter se divertido com a pergunta de Nancy -....De que cê ta rindo minha filha? – Nancy estava furiosa -.... Ta me achando com cara de palhaça, é?....Vá rir da sua mãe!...Ah, e quer saber? Vá se foder sua vaca! – e bateu o telefone.

Era latente o seu nervosismo. Suas pupilas se dilataram e pareciam querer saltar daqueles olhos tão negros. June, rindo-se à valer tentou contornar a situação:

-Calma, calma Nancy! Tu ta ficando doida? Perguntar pra moça se ela tinha um pau de borracha que se liga numa tomada foi demais! Pelo jeito você não entende nada dessas coisas!

Nancy respirou profundamente e deu um novo gole na sua cerveja. Mais calma ela permaneceu pensativa por alguns minutos, até que:

-June! Vamos experimentar essa coisa de se chupar?

A amiga a olhou assustada diante da proposta inusitada. Era muito estranho analisar os contrastes daquelas duas. June tinha a bunda enorme e praticamente nenhum volume nos seios. Nancy ao contrario, tinha seios enormes e bem delineados, mas, pernas magras e marcadas por varizes. A sua bunda, além de mirrada não se via qualquer insinuação de curvatura, reta como uma tábua de pinho. Mas mesmo assim ela pensava na proposta de Nancy e então se posicionou:

-Ce tá louca Nancy? Tá falando sério?

-Claro, June! A gente bem que podia tentar, né?. – Respondeu com um sorriso malicioso.

-Bom, sei lá. Até que seria um treco diferente. Mas, sei não! Nunca toquei em “uma” que não fosse a minha. Imagina lamber então? – June se expressou com cara de náusea.

-Bom, sei lá. Eu tava a fins de saber como é! – Nancy respondeu olhando profundamente nos olhos de June

E assim, ficaram se olhando, com June se perguntando se valeria à pena ter essa experiência nesta altura de sua vida. Momentaneamente se dispersaram. Nancy voltou à geladeira e trouxe mais duas latinhas. Abriram e voltaram a beber e se fitavam, quando:

-Nancy, me diz uma coisa. Você já tratou daquelas três cáries e a inflamação da sua gengiva?

-Não ainda não June. Ainda não sobrou dinheiro o suficiente – Respondeu Nancy um tanto constrangida.

June permaneceu imóvel. Olhar fixo no teto, deitada no pequeno sofá ladeado pelas camas de solteiro. Seu olhar se mantinha fixo no teto; a proposta de Nancy não lhe saia da cabeça. Pensou na questão do tratamento dentário da amiga e se aquilo poderia lhe causar alguma infecção caso ela colocasse a boca “lá”. Continuou em silêncio por mais alguns instantes e então disse em conclusão:

-Bom, então é melhor deixar pra lá, né Nancy? Assim que você fizer o tratamento à gente volta a falar a respeito. Tenho medo de alguma infecção. –Disse de forma quase amedrontada, como estivesse se protegendo de coisa pior.

Nancy acusou o golpe e o fato de June ter tocado naquele assunto a magoou, fazendo-a sentir-se humilhada. Afinal, mesmo com aqueles problemas ela sabia que era muito limpa e cuidadosa com o seu corpo. Isso continuava a doer em Nancy quando se lembrou de um fato:

-June, me diga uma coisa. Você voltou ao médico para tratar daquele herpes vaginal?

Bum! Era a forra. Isso soou como um golpe devastador aplicado nas partes baixas de June. Aliás, pra June isso foi muito baixo. Assimilando, ela se posicionou:

- Não. Fui não Nancy. Também não andou me sobrando dinheiro pro tratamento.

-Ah, June, então é melhor deixar pra lá, né? Vai que de repente eu também pego alguma coisa na boca. Sei lá! É bom não arriscar!

Dito, ela sentiu vingada antes de se lançarem num silêncio doentio. Ressentidas, seus olhares não voltaram a se cruzar novamente. De comum entre ambas só o fato de permanecerem deitadas; uma no sofá, outra na cama olhando para o teto. Num impulso levantaram-se ao mesmo tempo e se dirigiram para a geladeira. No abrir da porta a forma com que se viam já não era o mesmo. Aquela besteira do anúncio do jornal vendendo aquele pênis idiota acabou por propiciar mágoas e constrangimentos entre si; a primeira depois de muitos anos.
Fechada a porta da geladeira já nem se olhavam mais. Nancy voltou para o sofá e June para a cama. Permaneciam com o olhar cravado no teto, emborcando suas cervejas que repousavam em cimas do carpete surrado. Lá no alto, próximo de um pequeno lustre de latão, uma mosca lutava tentando se livrar da fria que se metera; esforçava-se- pra livrar-se da teia de aranha na qual se encontrava.
A aranha, percebendo, seguiu o instinto e se aproximava lentamente. Ela sabia que mesmo tendo a mosca ali, presa em seus fios, não poderia descuidar-se dela nem por um minuto, apesar das aparências dizerem que a mosca não tinha escapatória.
Por experiência a aranha sabia que nesse mundo nada há de concreto e sempre haverá a possibilidade de alguma coisa dar errado e consequentemente ir tudo para os ares. A mosca continuava com a sua luta insana contra aqueles fios pegajosos quando, num derradeiro e último esforço conseguiu escapar.
A aranha sentiu a mosca passar tão próxima quando alçou vôo e se acomodou numa das paredes do quarto e bem longe da sua mandíbula. Solitária não ruminava raiva e nem ressentimento com a fuga inesperada mas possível. Então olhou pras duas que lá embaixo hibernavam no mau humor. Como nada mais houvesse a ser feito limitou-se a sorrir. E então sorriu, mais delas do que de si.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Cenas de um casamento

Um domingo desgraçado de quente, sufocante, combinando perfeitamente com a entediante vida que eu levava. Eu andava solto pelas ruas, solto de mim, livre e irresponsável pra fazer o que me desse na telha. Enfim, não era isso o que eu queria? Era. Então, era isso que eu tinha; liberdade. Liberdade que foi conquistada pela minha separação de Tassie, isso há quase sete meses. Porém o imprevisto me pegara pelos fundilhos da cueca; Eu sentia a falta dela. Meu casamento com Tassie era igual ao de tanta gente por aí, algo que se inicia quente, uma imensa labareda e que talvez pela falta de reposição de gravetos acabe por terminar numa ínfima brasa que se apaga com o cuspe. Talvez nós dois fôssemos os culpados por dois anos de muitas brigas, até que o dia do BASTA chegou. Eu queria a liberdade, um passaporte chancelado que me levasse pra onde quisesse, sem imposições de regras, horários, companhias.

E aqui estou com a minha vida de volta e, agora que a tenho não sei por onde começar. Aliás, sabia sim, em parte, e ir ao supermercado comprar papel higiênico e adoçante dietético se tornara quase uma obsessão para mim. No apartamento se viam rolos de papel higiênico por todos os lados e quanto aos adoçantes até no armário-espelho do banheiro podíamos notar dois frascos ao lado do creme de barbear e do Cepacol.
 Ah! Eu era uma grande piada, um farsante desmiolado, um doido recluso na procura daquilo que jamais encontraria pelo simples fato de querer o que não existia; a irrestrita felicidade. E era assim insatisfeito comigo e com a vida que me flagrei naquele domingo de manhã. Ah, sim, na verdade e sem esquecer-me, mesmo estando com a Tassie eu também me sentia assim vez ou outra, mas era diferente, pois nossas desavenças foram num evoluindo, ganhando corpo até terminar com malditas agressões verbais: “Não me torra o saco sua filha da puta!” – Eu explodia. “Filha da puta é a puta que te pariu!” - Geralmente ela respondia. Depois da confusão eu me metia nos meus fones de ouvido e curtia os meus rocks enquanto ela se enfurnava ao telefone para futricar com a sua mãe. 

Por Cristo! Eu só podia estar louco, neurótico, mas estava dando por falta daquilo -
Eu precisava dela, portanto tinha que aprontar alguma que mudasse o curso de nossas vidas, nosso destino. E a primeira coisa a fazer foi entrar numa banca de jornal e sair de lá com um pequeno cartão telefônico. Sim, eu tinha celular, mas me irritava ficar com o braço curvado com aquele maldito aparelho grudado ao ouvido. Celulares além de me irritarem adormeciam o meu braço. Já na posse do cartão me dirijo ao telefone publico mais próximo.

-Alôuuu? – Arrisco.

-Pois não! – Responde a voz do outro lado. Reconheci a voz.

-Dona Mercedes? - Eu não levara sorte.

-Sim Fred! É ela mesma. O que você quer?  – Perguntou seca, ríspida. Dona Mercedes era a mãe de Tassie - Eu não gostava de falar com dona Mercedes -

-Dona Mercedes, por favor, a Tassie está? –

-Você não desiste mesmo, né Fred? – Depois pediu um minuto, de má vontade, claro. Mesmo com a sua voz longe do bocal ainda a ouvi falar pra filha “É o crápula do seu marido” – Ouvi o som de movimentos e oo telefone mudava de mãos. Era Tassie. Sua voz soava contrariada.

-Sim Fred, o que você quer? – .

-Tassie, por favor, preciso de você. Estou mal, muito mal!

-Porra! E eu com isso?  Vá prum Ponto Socorro! Não está livre pra voar com suas andorinhas? – Ruminou ela

-Mas que papo é esse de andorinhas, Tassie? – Procurei me fazer de desentendido. Era assim que ela se referia ás garotas, colegas de serviço na empresa de publicidade que trabalhava. 

-Que merda, vai continuar me enrolando, Fred? – Sua voz era dura, raivosa. Eu precisava agir quebrar aquele clima hostil e de mágoas:

-Tassie, me dá uma chance, por favor. Preciso te ver. Está sendo muito difícil pra mim. – Pedi num tom lamentoso.

-É seu filho dum cão? Bem, pra mim também não tem sido nada fácil. – Admitiu. Era a brecha que eu precisava.

-Então amor, preciso tanto de você. É muito duro não ter você. Quando durmo sinto saudades das nossas brincadeirinhas...

- Ai Fred pára, hihihi! – Eram seus risinhos safados

-Então, Táss! Até emagreci. Uma tristeza! – Menti. Na verdade eu havia engordado uns dois quilos por conta dos malditos hot-dogs do carrinho do Zelão, enfim, uma mentirinha boba e ela não precisava saber.

Daí pra frente nos tornamos dóceis e a conversa fluiu descontraída. Falei das coisas sobre meu serviço, falei do Johnny, o nosso gato, que teimosamente não permiti que levasse para a casa da sua mãe. Afinal, a sua intenção em levá-lo era nada mais que agressão contra mim, ato contraditório, até porque Johnny sempre foi um dos motivos de nossas discussões já que ela nunca gostara dele e muito menos ele dela.
E por falar no Johnny era engraçado observar as suas atitudes a me ver entrando em casa. Tão logo eu surgisse pela porta do apartamento ele vinha para mim e se enroscava nas batatas das minhas pernas êcomo se elas fossem a sua companheira, os motivos de sua paixão. Eu ria daquele angorá de pêlos e cabeça, enorme, olhar preguiçoso e a aparência de algum retardo mental, afinal foi com ele que aprendi que atitudes assim demonstravam a afeição que tinham por nós os humanos. E além do mais a nossa convivência tornáva-me uma ou outra vez complacente com ele, e eu o deixava se esfregar à vontade, mesmo que depois me desse um trabalho enorme para livrar-me dos pêlos que grudavam nas pernas das minhas calças sociais.

E além do mais se há coisa que não sou é ingrato, e seria eternamente reconhecido ao Johnny pela fiel companhia naqueles meses de solidão, apesar de também perceber que ás vezes um instinto ruim se apoderava de mim e eu o tratava indiferente tal qual fazia com a Tassie.  Talvez a forçada reclusão tivesse mudado meu comportamento, pois antes, pacientemente eu ficava acariciando-o enquanto ele comia a sua ração. Agora? Bem, agora, quando eu saio para trabalhar, o máximo que faço é deixar os seus grãos de atum na vasilha, além da água num recipiente apropriado, mais a caixa repleta de areia pro inadiável coco das oito da noite. Mas havia outro agravante; a falta de paciência andava me tornando ranzinza a ponto de interferir na libido do pobre do Johnny, a qual passava a me incomodar. E digo isso porque logo ao separar comprei-lhe um desses sapos de pelúcia pra que tivesse alguma coisa com que brincar. Porém depois da primeira semana o que vi me chocou; o gato assediava sexualmente o pobre brinquedo de espumas, penetrando suas garras nas costas do bichinho enquanto o corpo num frenético movimento de vai-e-vem tentava penetrá-lo - “Johnny, seu gato tarado, solta o sapo!” – Eu gritava. Todavia de pouco adiantava já que o malandro abocanhava o bichinho e lá se iam pra debaixo do sofá.

-Ei, Fred, onde você está agora? – Ela perguntou ao levar meus pensamentos longe das confusões com Johnny.

-Tassie, quer almoçar comigo? – Arrisquei de primeira.

-Almoçar com você? – Ela pergunta surpresa.

-Isso!  Já estou com tudo aqui pra fazer aquela lasanha que você adora. Ah, também a garrafa do vinho italiano está esperando por você. Se topar, estou indo agora pra casa e providenciarei tudo. Você vem?

-Hum... não sei se devo Fred. Não sei...um minuto! – Percebi que ela tapou o bocal do telefone. Fodeu! – pensei - Irá consultar a dona Mercedes – Aí se danou tudo – conclui.

-Ok, Fred! Daqui uma hora e meia estarei aí. Vou me aprontar! Capriche nessa lasanha! – Finalizou num tom intimista. Ainda ouvi ao longe a voz da sua mãe. “É burra mesmo, não aprende!”

Claro que o convite jamais passaria pela aprovação da sua mãe, mas, conhecendo Tassie do jeito que conhecia sempre soube que ela é do contra. Diga pra ela falar “A”, ela responde “B”. Peça pra gostar de algo e ela abomina. Sim, Tassie jamais gostou de ser ver vencida, contrafeita, uma desenfreada necessidade de ter sempre a ultima palavra Bem, como novamente eu menti tinha que correr e ir ao supermercado providenciar todos os ingrediente, inclusive o vinho italiano. Eu ri. Tassie me conhecia o suficiente pra saber que eu estava blefando. Porém, esperta, desta vez me poupou do querer ficar com a última palavra.

Cheguei em casa assobiando "É o amor"  e com duas sacolas cheias, inclusive com o vinho italiano e uma garrafa de vodka. Johnny me olhou desconfiado, pois parecia pressentir que as coisas estavam melhorando para meu lado. Depois de alguns momentos de dúvida se enroscou nas minhas pernas sob o inerte olhar do seu sapo. Eu olhei lá pra baixo e a pressão do seu dorso nas minhas pernas me fez sorrir. Dessa vez eu não o afastei. Com ele ainda enroscado fui pra sala e coloquei um cd do Pink Floyd pra tocar. O alucinante som da banda me fazia viajar. Ah! aqueles filhos duma mãe sabiam me fazer voar como um condor.
Fui pra cozinha e preparei um bloodmary duplo, caprichado no gelo e nas gotas de limão. Depois de uns quatro reforçados goles dei andamento às coisas. Um pouco mais de uma hora e já estava tudo pronto. Eu também estava pronto! Aliás, eu e os três copos de bloodys engolidos. Feliz e meio ébrio fui à sala e preparei a mesa. Lá estava a velha toalha estranhamente bordada, uma toalha engraçada, bizarra até na mistura de flores com figuras de tubarões de dentes pontiagudos. Eu sorri ao contemplá-la; o que poderia haver de comum entre aqueles medonhos tubarões e tão delicadas flores? – Coisas da Tassie - admiti– Mais uma vez eu fora voto vencido ao gostar de uma que não levamos; Uma num azul céu com pequenas imagens do Capitão América, meu ídolo de infância.
No horário previsto Tassie toca a campainha e eu procurei não deixá-la perceber a minha ansiedade.

-Tassie! Que bom que veio! – Exclamei docemente.

-É Fred! E quase que não vinha mesmo. Minha mãe tentou me convencer por A e mais B que seria melhor não estar aqui com você. Mas você sabe como sou, não é?

-Ô se eu sei! – Porra, e como eu sabia!

Ela percorreu todo o apartamento, como se procurasse vestígios de alguma coisa, talvez á procura de cabelos loiros e compridos, não sei bem. Foi á área de serviço onde percebeu vasos secos e sem água, e as flores ressecadas em seus interiores; Não! Eu não tinha paciência para vasos e flores.
Johnny, pego de surpresa abandonou o seu sapo e inexplicavelmente se enroscou nas pernas dela:

-Saiiiiiiii Johnny! –  Sorri. Tudo continuava normal

A lasanha cozia há 240 graus e exalava um odor delicioso. Ela adorava a minha lasanha e eu, nem tanto. O que eu gostava mesmo era o “após lasanha”. Mesa posta voltei à cozinha e depois fui para a sala com  a forma refratária e a coloquei em cima do protetor de mesa diante os temíveis dentes dos tubarões. Foi estanho ela me ver com uma imensa luva térmica numa das mãos equilibrando a lasanha que quase foi ao chão por causa do Johnny e das suas enroscadas em minhas pernas –

-Saiiiiiiii Johnny! – Novamente sorri.

Tudo disposto corretamente fui gentil com ela ao puxar a cadeira para que sentasse.  Ah, ela estava deliciosa numa saia de pano leve e colorido e com quatro dedos acima dos joelhos, jeito que eu gostava. Mais acima vestia uma vaporosa blusa branca que expunha o farto volume dos seus deliciosos seios.
Sim, eu não lhe disse, mas Tassie estava muito atraente, o que também não era novidade, pois eu amava o seu corpo, mas não suas manias e esquisitices.
Almoçamos entre sorrisos e delicadezas quando ela me confidenciou num sussurro maroto que estava tudo muito bom. Durante o almoço havíamos esvaziado a garrafa do vinho italiano e ela, comumente não resistia à bebida. Terminado, não mexemos na mesa e fomos pro sofá. Olhando em alguns títulos dos meus DVDs perguntei-lhe se queria assistir um que comprara; “Marcas de um destino insólito”. Ela disse que sim, gostara do título. Então o coloquei.
 O filme era extremadamente romântico e nós, suscetíveis ao drama fomos se achegando ao outro. Eu já sentia o seu perfume de mulher quando surpreendentemente ela se joga para cima de mim, e eu a beijo selvagem como um leão.

Eu podia ouvir os seus sussurros, sentir a umidade da sua língua lambuzando o meu rosto, seus dentes mordiscando-me o pescoço. Eu estava ereto e excitado e então a beijei voluptuoso e enfiei minha língua na sua boca e fui descendo, gemendo e abrindo os botões da blusa branca. Johnny e o sapo nos olhavam, mas parecia não se importarem, afinal o sapo era apenas espumas e dois olhos de vidro, enquanto o meu gato já se habituara às cenas -.. E ali com a boca próxima aos seios foi que me deparei com sua excitante lingerie; um sutiã branco finamente bordado e semitransparente.  Meus dedos ainda tremiam quando ouviram o barulho do fecho se abrindo, um grito de liberdade para os estupendos seios de Tassie. E então eles surgiram e eu os toquei com as mãos, depois com a boca, e ela gemeu. E a cada sugada que dava ela sussurrava coisas excitantes em meus ouvidos e dizia que não conseguia ficar sem mim. Estávamos totalmente entregues um ao outro e retribui dizendo que a amava, que ela era o meu único amor, a única mulher por quem sentia desejo, excitação. Ela sorria satisfeita ao me ouvir falar. Tassie gostava daquilo.

Agarrados, dependurados um no outro fomos para o nosso quarto e todos pareceram estar satisfeitos, inclusive Marx, logo à entrada do aposento, na parede da esquerda, num pôster, e que apesar de sisudo parecia sorrir para mim num tipo de “vai lá garoto que essa é sua!” - Repentinamente Johnny, apesar de acostumado com o fato foi o único que pareceu insatisfeito ao nos olhar com pouco caso e ir à procura da sua ração – Era estranho, ele me parecia enciumado dessa vez.
O momento se revestiu da velha magia de sempre e fizemos amor como nunca; alucinado possui Tassie de todas as formas possíveis, e ela adorava ser possuída daquela forma animalesca. Gozamos duas vezes e exaustos nos acariciamos: ela lambendo o meu peito, e eu mordiscando uma de suas orelhas. Eu amava o seu carinho e aquela forma única de me tocar. Depois nos ajeitamos nos travesseiros e ficamos parados lá, quietos, calados por uns 20 minutos sem nos falar, só nos acariciando, quando:

- Caracas! – Exclamei ao olhar no relógio do pulso. - Putz, já são três da tarde?- Exclamei desanimado.

-Não sei Fred, deve ser. Por que amor?

-Merda! O meu time, amor! – Gemi num lamento.

-Sim, mas o que tem o “seu time” querido?- Questionou curiosa

-O meu time amorzinho? Hoje tem jogo do meu time. É a decisão do primeiro turno– Confirmei apressado e já procurando as roupas para vestir.

-Mas, Fred, não me diga que vai fazer isso? Não me diga que vai sair daqui para ver uma partida de futebol – Questionou um tanto confusa.

-É! É o meu time Tassie! – Exclamei como se isso pudesse justificar alguma coisa enquanto procurava a camiseta da torcida uniformizada e um par de tênis.

-Eu não acredito nisso! Está me deixando aqui para assistir a porra de um jogo de futebol? Prefere isso a estar comigo? Justamente hoje? Francamente, Fred!

-Não! Mas, mas, mas! – A sua reação me deixou sem ação.

-Mas, mas, mas é a puta que pariu, Fred! - Esbravejou ao começar a recolocar seus lingeries.

Eu, ali parado diante da porta do guarda-roupa a olhava perplexo, assustado. Calcinha e sutiã colocados. Após foi z vez da blusinha vaporosa e da saia quatro dedos acima dos joelhos.
Sabem-se lá os motivos, mas repentinamente Johnny surgiu no quarto. Evidente, ela não podia notar, mas eu podia ver nele um sorriso sarcástico estampado no rosto – Aliás, a cena não se traduzia nenhuma novidade para ele e nem para ninguém. Olhei para o Marx e ele estava com aquela cara de sempre, sisudo, mal humorado, sem qualquer incentivo oculto dessa vez. Por Deus! Como Tássie conseguia ser tão incompreensível? - Ruminei comigo mesmo

Totalmente vestida e rebolando ela se dirigiu para o banheiro e escovou rapidamente os cabelos. Eu não conseguia me mover. Na volta ela esbarrava em móveis, e a vi derrubar cadeiras, bibelôs e os meus livros que estavam sob a mesinha da sala. Ela transbordava ódios e rispidez. Voltou para o quarto, pegou a sua bolsa e foi em direção da porta de saída.  Ainda de cueca samba-canção tentei segui-la, evitar que ela se fosse, mas algo se enroscou em minhas pernas fazendo-me perder o equilíbrio e cair – Olhei para Johnny e o miserável parecia sorrir com desdém. Eu a continuei seguindo, tentando falar alguma coisa, mas qualquer coisa que dissesse pioraria a situação ainda mais. E foi assim que eu a vi abrir a porta e me fulminar com seu decifrável olhar de desprezo e ira.
E antes que ela batesse a porta na minha cara, eu fitei os seus olhos semicerrados e ouvi o esturro da onça contrariada;

-Minha mãe tinha razão, Fred! Você é o maior dos safados! – Um...um...um imprestável!

Atrás da porta eu escutava seus passos se dirigindo para o elevador. Eu estava perplexo, petrificado, Johnny nem tanto. Atirei com ódio o par de tênis nas paredes da sala. Johnny saiu em disparada e se colocou debaixo do sofá, ele e o amigo sapo; pela primeira vez ele se assustava naquele domingo. Não havia time, decisão de campeonato, e nem mais jogo algum – Eu perdera a vontade de ir ao estádio.
Assim que as coisas se acalmaram Johnny, ainda apreensivo apontou a cabeça pra fora do sofá.  Eu olhava desolado para ele; Era ridícula a cena do felino paspalho carregando um brinquedo de pelúcia na boca. E outra! Por mais que ele tentasse disfarçar eu conhecia a ironia daquele seu olhar, era como se me dissesse; “Tem mais é que se ferrar, chefe!”.

Depois disfarçou, soltou o brinquedo e começou a lamber a barriga do sapo para depois enfiar as unhas nas costas do coitado. Eu apenas olhava, mas não estava com a menor vontade de xingá-lo ou reprimir a sua libido. – “Que se dane você, Johnny!” Foi o que apenas  murmurei. Talvez o gato estivesse completamente certo sobre a minha pessoa. Talvez eu fosse o maior dos babacas, concluí ao entrar no chuveiro e abrir a ducha para esfriar a cabeça. Após, peguei a toalha e me sequei e a amarrei na cintura e fui à direção da cozinha para tomar um bom copo de água gelada. Johnny e sua cabeça para fora me viram passar e dessa vez ele percebeu que não seria um bom momento de sair daonde estava para vir se enroscar nas minhas pernas – Johnny era um gato com estranhas percepções - Eu apenas o vi sair debaixo do sofá com o companheiro à boca e se espreguiçar e estirar as patas e dirigir-se ao sofá. Lá, ainda me olhando desconfiadamente ele se espreguiçou solenemente, recostou a sua cabeça no dorso do sapo que, complacente o viu  adormecee e ronronar como nunca

Era uma tarde de domingo igual a tantas outras daqueles últimos sete meses. Uma triste e ensolarada e escaldante tarde de domingo, gasta pra nada, jogada fora por nada, á espera duma segunda feira que me mataria mais um pouco.

Copirraiti 2008
Véio China ©





Eu e a irmã de Juliano Guerra


Um sujeito meio desbotado e aparentando certa idade bate escandalosas palmas junto ao portão vazado duma casa ampla e de frente ajardinada.
Ao longe vê a porta abrir e distingue a silhueta de uma mulher saindo por dela.  Ela caminha em sua direção. Onde se encontra só pode notar-lhe os longos cabelos negros, a blusa branca e uma justa e curta saia em jeans. E conforme a garota se aproxima, ele melhor a define, pois mesmo com a vista cansada e vestida na velha armação dum óculos de lentes negras e redondas pode notar a beleza que desprende da garota de talvez uns 22 ou 23 anos. E ela caminhava decidida à bordo dum estupendo par de pernas que facilmente competiam com a beleza dos jasmineiros e roseiras daquele jardim entrecortado por  caminhos em pedras de ardósia.
Sim, só podia ser ela! Ela, a irmã do insólito Juliano Guerra.

Claro, eu poderia continuar relatando outras nuances que cercaram tal encontro, todavia é melhor que o protagonista assuma o seu próprio conto.

Portanto, com vocês o Véio China!

Grato a todos! (O Narrador)

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Bem, ao senti-la já próxima  reparei que Juliano omitira para mim a melhor das referências; A sua  irmã era simplesmente fenomenal! Feminina e dona de passos delicados, mas que ocasionavam um excitante movimento de quadris,  parecia deslizar nas nuvens.  E quanto mais ao meu alcance melhor era a definição do vigoroso par de seios. Concentrei-me nele, e ele pareceu pretender escapulir pelo generoso decote "V" da decotada blusinha. Era uma dessas blusas em decote "V"  estampando letras negras onde se podia ler a frase imortal de um dos maiores da literatura - "Ser ou não ser eis a questão"  -

Agora e já bem próxima de mim, ela pareceu lembrar-se de algo, e repentinamente faz um giro sobre o  próprio eixo e muda a  trajetória dos passos. E eu a vejo de costas e ela parece recolher algumas pétalas que se desprenderam duma roseira. E foi este o momento de prender a respiração, pois vista de trás o corpo era ainda mais espetacular, e suas nádegas polpudas e proeminentes, somadas ao par de grossas coxas seriam capazes de interromper os sonhos de Morfeu.
Inevitável,  fotografei o instante, já que há mais de década  não me enroscava com uma daquela. Aliás, a última delas e que valeria algum comentário ou lembrança estava muito além do tempo, talvez cinco ou seis anos. Entretanto para a minha sorte, naquela manha eu havia auto-resolvido as minhas questões libidinosas.
E assim que ela estacionou em minha frente apenas me olhou e nada disse, quem sabe por ter-me como mendigo ou  um desses sujeitos que sobrevivem catando latinhas.
E ela persistia me olhando indiferente e indecifrável. Logo,  como não tomava a iniciativa para a conversa, antecipei-me:

-Por favor, senhorita, o Juliano Guerra está?

-Quem gostaria de falar com ele? –  Ela devolve num tom seco, sem intimidade.

Eu  ouço  a frase sem perdê-la da vista, e a resposta me faz manter meu pé atrás, afinal,   pessoas que perguntam para se esquivarem da resposta não me merecem lá grande crédito. E assim penso porque elas deixam no ar toda a possibilidade sermos tapeados, pois mesmo a pessoa estando presente, não se faz garantia de sermos atendidos.
Eu a olhava mais atentamente e percebia-lhe as mãos inquietas nos quadris, enquanto o  pé esquerdo vestido numa "rasteirinha" floral tamborilava freneticamente numa das pedras de ardósia.

-Bem, senhorita...no acaso de Juliano estar, diga que é o Véio China. – Devolvi amavelmente, mesmo que carregado de certo sarcasmo.

A garota continuou me olhando silenciosa, e seu olhar parecia estranho, vago, talvez fosse a TPM ou tivesse brigada com o namorado, ou mesmo perdido o cartão repleto de passagens do  metrô.
Evidente, a gélida recepção me fazia sentir fora de lugar, do eixo, e eu não mais desejava falar com Juliano Guerra. Portanto estava prestes a me mandar dai quando vislumbro outra possibilidade.

- Olha moça, não é tão importante assim avistar-me com o seu irmão, mas, quando vê-lo apenas lhe entregue esse texto e diga que eu gostaria que desse opinião - Solicito educado numa vaga tentativa de quebrar o gelo que ela estabeleceu. Ainda tentando arrancar um sorriso daquele rosto bonito emendo:

- E diga para ele que está proibido de morrer antes de ler o conto! Ok?

Após a brincadeira os seus olhos castanhos me olharam de um jeito mais estranho, quase  irados, e eu não poderia culpa-la. pois talvez eu também olhasse com muita raiva para a pessoa que fizesse uma brincadeira dessa.  E o que era ruim foi se tornando pior, e num clima de quase hostilidade foi que relembrei que Juliano comentara sobre a forte natureza da irmã. E o seu comentário, sem reserva,  fora numa daquelas noites, talvez até pelo fato do seu  avançado estado de embriagues. Recordo que Juliano dissera exatamente assim:  "Ih. minha irmã é dura na queda, dona de olhares gélidos e natureza indomável.
Sim, fora o que o Guerra disse, aliás, confidenciara ainda mais - "Minha irmã era  uma dessas figurinhas metidas á “cult”  fanática por Baudelaire,  Rimbaud e Pessoa, alem de ser amante da cultura dos anos 50/60" -
Depois da confissão e  ainda com a fala mole reportou que ela nutria adoração pelo do mundo das telas de cinema, principalmente os filmes "noir" que tinham como atores o Marlon Brando e o James Dean.
Lembro inclusive que achei graça de tal observação, afinal, nos dias de hoje ser fã desse pessoal é estar obsoleto e sem sincronia com o seu tempo, pois os finados atores nada representam diante as novas estrelas de Hollywood.

E para finalizar, e sem ao menos procurar manter o os olhos afixados em mim retirou as folhas das minhas mãos, deu-me as costas e fez o caminho de volta pela mesma trilha de ardósia.

Fiquei olhando para ela por alguns instantes até que chegasse à porta da sala. Com o corpo ereto e altiva a vi girar a maçaneta e gritar para o irmão que, naquele instante deveria estar de pé ao centro da sala, provavelmente namorando um  feroz e empalhado tigre-de-bengala, peça que ele ganhara dum amigo ligado às artes plásticas.

-Juliano, você precisa ser mais comedido ao escolher seus amigos, principalmente esses escritores da velha guarda. - Foi o que ela disse para ele. Provavelmente Juliano deva ter rebatido o seu comentário, e ela voltou à carga;

-Sim! É isso mesmo se nhor Juliano! E principalmente esse velhote, pois o achei  ridículo, e provavelmente não deve escrever merda que preste! – Ela esbraveja numa tonalidade absurda, mesque que sabendo que eu poderia estar ouvindo.

E pensei sobre o fato e sobre o que ela dizia para ele,   pois talvez a garota houvesse chegado à tal conclusão por medir-me pela estampa. Sim, pois eu não fazia a barba há mais de semana, além de estar vestido com uma das três únicas calças de tergal que possuía. Evidente, elas eram muito antigas e demasiadamente usadas, portanto não mais apresentavam a coloração de quando compradas. Talvez eu até fosse o responsável por sua péssima avaliação, eu e as enormes manchas de gordura  visíveis nas pernas das calças e no blusão desbotado dos tempos do ginásio, isso à década de 70. Sim, eu adorava aquele blusão, e ele fora garboso e sempre me orgulhei de usá-lo, não agora, velho, puído,  trazendo o bordado brasão da escola no lado esquerdo do peito, isento porém de definição do desenho do escudo, assim como o nome da escola.
Bem, os seus motivos não me importavam, já que fato mais evidente é que ela não fora com a minha cara, enfim...

Assim, estacionada diante da porta de imbuia e no aguardo que o irmão fosse buscar a encomenda foi que ela passou os olhos rapidamente pelas folhas dos meus contos, lendo as primeiras linhas de cada página.Talvez ela procurasse por alguma prosa poética, ou algo que valesse a pena segundo seu critério por literatura. E assim ela ficou folheando as linhas do meu conto  -  PORFÍRIO E UM DIA DE SATANÁS -  E seus dedos iam nervosos quando após uns dois ou três minutos alguns minutos Juliano foi ter com ela.

– Hahahaha. Eu não acredito que estou lendo isso!  Meu Deus...esse velho além de pervertido é ateu! - Ela exclamou para ele agitando as minhas folhas ao ar.

Bem, aquilo pareceu ter sido demais até para o próprio Juliano Guerra, que,  saído detrás do  tigre de bengala caminhou até ela e, impacientemente e num solavanco retirou os meus escritos das impiedosas mãos.

-Ah Astride! Não venha me encher o saco! O China é gente muito da boa. Ele pode ser  meio babaca, rabugento e à caminho da escleroso, mas,  é gente muito fina. – Ele justifica enquanto ela o olha surpreso. Entretanto Juliano continuou, talvez até pretendendo me tirar da saia justa com que a irmã me vestiu.

-Ah, e outra coisa minha irmã! O Véio é um das caras mais centrados daquela bosta de buteco que frequento –  Ele sentenciou procurando o Halls Morango Lyptus no bolso dianteiro da jaqueta Levis.

-Buteco? Qual boteco você ta falando, Julilano? - Ela questiona

-Ah que merda! Será que até isso tu deu de bisbilhotar? O buteco a que me refiro é o Bar do Escritor –

-Juliano, não é buteco, é boteco! E outra; Aonde fica esse tal Bar do Escritor, que nunca vi por aqui? –  Ela insiste.

-Sim! existe sim o Bar do Escritor!  Vou soletrar pro seu conhecimento - BE-A-ERRE- DE –O-  E- ESSE –CE- ERRE- I -TE –O- ERRE  –  B A R   D O   E S C R I T O R -  Sacou? - Ele responde para ela naquela  pose de professor de história, desses recém formados.

Foi o suficiente para  o olhar colérico da irmã. talvez se pudesse emitiria raios laser  com os próprios olhos. Juliano pretendera zombar dela, e agora era o momento da forra, tanto que berrou à todo pulmão:.

-Bar do Escritor? Hã rã! Pois bem, com você só podia  ser coisa assim, de corja, de vagabundos, desocupados e beberrões.

Foi o momento de escutei o "plaft" da porta, e a estranha e difícil garota cult desapareceu atrás dela. Talvez o pau la dentro fosse comer, talvez não, nem eu sabia, pois o que sabia e ela não, era que o “Bar do Escritor” era algo virtual e que tratava de literatura La não havia mesas, cadeiras, vodcas ou cervejas,  e que, tanto Juliano quanto eu éramos apenas sujeitos metidos a escrever. Eramos sim compostos por  indivíduos desconhecidos das editoras,  mídias, ou do grande público. Além do mais, também não poderia passar por aquela cabecinha perfumada e fashion que esses encontros se concretizavam numa comunidade  literária do Orkut.

E eu ali parado diante do bucólico jardim dos Guerra apenas sorri. E persisti sorrindo, anônimo e compreensível enquanto olhava para os meus desgastados sapatos negros tentando imaginar a opinião de Juliano.