quinta-feira, 17 de maio de 2012

Numa fria ( Lindolfo, a voz do sexo )

Aquilo começou com Criselda num dia de bebedeira em um barzinho próximo de sua casa. A voz saiu enrolada, pastosa, divertida, culpa das cervejas e caipirinhas de vodca:

-Lindolfo, sabe... você tem uma voz maravilhosa. Se não fossemos amigos, ah... me apaixonaria. Ai xuxuca, acho tua voz tão sensual... ela me dá arrepios.

Foi o que ela me disse há uns cinco anos.  Lembro-me até antes disso e como se fosse hoje recordo o dia que bati os olhos naquela mulher; Casualmente, ela e eu  estávamos numa banca de pastel,  um desses pasteleiros de feira numa rua próxima de casa. Relembro que estava curioso para saber o  motivo para apertar insistentemente o seu pastel. Não demora e a razão surge:

-Moço o meu pastel ta oco. Não tem queijo nele! – Ela reclamou com o rapaz. O atendente, agitado com os pedidos que espocavam por todos os lados a olhou rispidamente.

-Ora dona, por um reaus a senhora queria pastel com meio quilo de mussarela?- Ela o olhou decepcionada, mas como não era flor que se cheirasse, a resposta veio na ponta da língua, afiada:

-Bestão! Além de malcriado é analfabeto –  Esbravejou jogando o pastel no cesto de lixo colocado no chão externo à banca..

Diante da cena até pensei em tirar satisfação com o rapaz, porém, a fragilidade da minha aparência diante os músculos daquele bibelô de academia me dizia que eu poderia estar entrando numa fria. Todavia eu tinha que fazer algo, impressioná-la de alguma forma, afinal,  somente com classe é que se resolve certos assuntos:

-Por favor, poderia falar com o dono da banca? - Pedi educadamente

O garoto logo percebeu que meu intuito era o da queixa, logo me olhou  com cara de bad boy e apontando-me o dedo respondeu:

-Qual é seu pobrema tiozinho? Essa banca é do meu velho e ele num tá! E quando num tá o dono aqui é eu!

Será que ele dissera exatamente o que escutara? Eu ouvi dele as palavras "pobrema" e "é eu"? 
Olhando o idiota e pra sua  aparência tão intimidativa quanto a de um  feroz rinoceronte em luta pela única fêmea do bando convenci-me que sim; definitivamente estava diante dum cérebro de minhoca. Criselda, ansiosa e temendo por algo de mais grave,  mesmo sem me conhecer puxou-me pela manga do esgarçado paletó de lã. Meneei a cabeça  não aprovando a sua atitude e espalmei a mão na direção do vento como se pedisse para que afastasse, pois eu que resolveria a questão. Foi então que seus olhos se arregalaram e ela temeu pela minha integridade física ao ver -me dar o passo a frente e espremendo a barriga no balcão.

-Por favor, pode me dar um de carne! - Novamente pedi com educação

O rapaz encarou-me com  certo desprezo e depois foi ao tacho de óleo e pescou o pastel e bruscamente o colocou num pequeno prato plástico acompanhado de uns poucos guardanapos dum papel vagabundo. Ao ver o salgado rechonchudo e de cor atraente, minha gula foi tanta que o mordi com vontade,  abrindo a lacuna para a erupção dum vapor que me queimou os lábios. Na boca o gosto da gordura saturada me aborrecia o paladar quando separei as extremidades da massa e olhei para o seu interior e percebi alojado ao fundo um pequeno monte de algo escurecido, o qual o rapaz devia supor como  recheio de carne. Olhei para o brutamonte,  para o pastel  e outra vez olhando para a minha estampa resolvi que o caso não seria digno de veementes protestos. Criselda deveria saber que ali estava um homem educado e evoluído, desses que se recusam a sair no tapa por causa dos recheios em pastéis.

Depois pagamos as nossas contas e abandonamos o local comentando a safadeza daquele espertalhão. Era estranho; nos sentíamos cúmplices, assim como se estivéssemos lutado pela mesma causa. Não demorou muito e lembrando do sofrível linguajar do brutamontes passamos a rir, e  foi assim que  trocamos olhares e números de telefones. No dia-a-dia e passado algum tempo daquilo que imaginávamos ser unicamente amizade e superados os 16 anos de diferença entre as nossas idades demos início a um caso de amor que perdurou por quase dois anos. Ah Criselda! Que mulher arretada aquela pernambucana de Garanhuns! Dona de um rosto bonito, curvas sinuosas apesar dos  42, cheia de fibra à ponto de revender de porta em porta  uma variada gama de produtos cosméticos. Na cama, mulher carinhosa, fêmea e ardente, todavia com um sério agravante; Criselda necessitava mais que o amor ou as ótimas trepadas que tínhamos nos finais de semana. O que ela perseguia  tenazmente era a estabilidade duma casa própria, dessas com a prestação em dia, cachorro latindo ao chegar e lambendo os pés ao retornar da padaria ou açougue. E tudo isso lhe era merecido, justo que tivesse o seu homem e uma vida normal, de casal habitual, desses que se realizam quando guardam os gêneros alimentícios nas prateleiras do armário da dispensa ou os refrigerantes pet na porta do refrigerador de 540 litros. Lembro-me que o rompimento veio num dos meus muitos pedidos para que completasse a grana do aluguel da minha casa de três cômodos.

-Xuxuca, sinto muito, mas...não dá mais! - Ela sentenciou, reticente. Depois seguiu adiante:- Te socorri diversas vezes, porém o dinheiro que te dou jamais teve volta. E o fato é que  preciso dele pra ajudar os meus pais  – Ela concluiu num olhar triste que há todo momento inspecionava o piso de cerâmica.

O que ela dissera era a mais pura verdade, e naquela última conversa que tivemos me encontrava numa situação difícil, já que estava outra vez desempregado. E isso sempre a desanimou, cansada talvez de pagar as sessões de cinema em dias de meio ingresso e as pizzas de sábado á noite, fato aliado ao ser uma boa filha,  preocupada com as necessidades básicas dos pais, o que se comprova no dinheiro que lhes enviava todo mês. Inclusive era eu o encarregado de fazer o depósito na conta poupança do seu velho, um valor que se que somado ao aviltante benefício por sua invalidez garantir-lhes, senão uma existência decente, ao menos, uma de possível sobrevivência.

E foi assim que ela se foi numa das noites de inverno, e eu afoguei a tristeza num garrafa de aguardente barato e num cobertor encorpado que ela comprou e não quis levar. Depois, sozinho,  empurrei a vida com a barriga e sobrevivi de inércias e pequenos serviços quando recordando o que dizia a garota de Garanhuns martelou em minha mente o jeito que apregoava a sensualidade de minha voz. E o fato jamais foi isolado, afinal, outras mulheres que passaram pela minha vida disseram o mesmo, ou quase o mesmo. E essa lembrança foi o ponto de partida e idéias mirabolantes começaram a habitar o meu imaginário; Há algum tempo e à procurava dos classificados de emprego eu me deparava com páginas onde pessoas anunciavam sexo virtual. Eram anúncios de garotas e rapazes, e eles propunham o sexo pelo telefone. Pensei naquilo por horas. " Se eles podem, por que eu não?" -  Sim! Era um direito meu tentar ser o dono do próprio negócio. Decidido; eu emprestaria a voz que tanto encantou namoradas  para mulheres solitárias ou que enfrentassem alguns problemas em seus relacionamentos. Questões e problemas que jamais se omitem, principalmente com mulheres insatisfeitas com seus homens, por estarem esses mais preocupados com o jogo da TV ou o churrasco com amigos, que a uma boa trepada depois da novela das oito. E não seria apenas isso, outras garotas poderiam necessitar dos meus préstimos, tais com aquelas que sofrem de  timidez irreversível,  dessas que se banham em suores ao simples fato de se imaginarem nuas na presença de um homem.

Convicto que era isso o que queria  atirei-me neste projeto por duas semanas ininterruptas   Li com afinco tudo que se referia  a esse pessoal que trabalha com sexo virtual. Todavia era pouco, muito pouco, e eu precisando de mais informações enfiei-me numa lanhouse próxima de casa  e  inteirei-me de outros fatores, além de aprender alguns macetes necessários à profissão. Da lan eu retornava para casa e treinava por horas a fio na frente de um grande espelho  preso na parede do quarto, dialogando comigo mesmo, impostando a voz, gemendo, sussurrando  e até simulando orgasmos. Na semana seguinte e com apenas trezentos reais no bolso  supliquei  um empréstimo ao meu amigo Geraldo. Depois de ouvir as finalidades ele chamou-me de louco. No fim cedeu, afinal éramos amigos de infância,  e não seria a grana,  por sinal, não tão significativa que pudesse encerrar essa amizade . Porém, como negócios são negócios acertamos a sua  comissão para o meu uso duma segunda máquina de cartões de crédito de sua grande e diversificada banca de jornal. Combinamos a data do repasse dos valores dos cartões, apertamo-nos as mãos e nos abraçando fomos tomar uma cerveja no bar do Zezinho. No dia seguinte, sexta feira, fui à Santa Efigênia e comprei um espetacular aparelho telefônico, japonês com identificador de chamadas, secretária  e gravador de voz. Na volta passei na concessionária telefônica e autorizei o serviço de chamadas identificadas  e depois e fui a um jornal onde fiz o meu primeiro anúncio em páginas de classificados, tomando o cuidado para manter o título no aumentativo, pois me traria sorte, assim como indicara uma velha cigana leitora de cartas e que morava na rua detrás da minha casa.
                                                   
                                             - DISK SEXO XUXUCÃO –
Para mulheres maiores de 18, homem de voz atraente está à espera para satisfazer as suas fantasias mais loucas. Prazer garantido o u o seu dinheiro de volta.  A cada cinco sessões ganhe uma grátis. Todos C/C. Tel. 6969-6969 – Lindolfo.


Lembro-me que na madrugada que antecedera o anúncio e que me deixou pensativo sobre a gratuidade duma transa. Avaliei os prós e contras e decidi que sim, afinal, se assim era com os Disk Pizza, por que não seria com um Disk Sexo? Além do mais eu era a pura inovação do mercado erótico.

E é a partir desse ponto que começa a terrível saga da prostituição virtual.

------------------------------------------------------------------------------------

 Nove horas da manhã de sábado e o telefone toca pela primeira vez.

-Alôôôô! É o Lindorfo? – Pergunta-me a voz, antecipando-se.

Aliás, era a de alguém num sotaque interiorano, estridente como o a de Tetê Espínola.
Ai meu Deus! Tinha que ser aquela a minha primeira cliente? - Pensei contrariado.
E antes mesmo que eu pudesse cumprimentá-la,  pergunta-me à queima roupa:

-Me diz uma coisa....quanto que cê ta cobrando pelo xuque-xuque?

"Xuque-xuque"? Mas que merda seria aquilo? - Matutei por alguns segundos. Depois caiu-me a ficha: só poderia ser em alusão ao anúncio.

-Olha dona, não é ele não! É um dos filhos dele! – Respondi mudando a tonalidade da voz, afinal, eu era muito bom com as imitações. E outra, eu jamais conseguiria fazer sexo, mesmo que virtual, com alguém que me sussurrasse em meu ouvido " Ai benhê, que xuque-xuque gostoso" -  Em todo caso parecia que ela não estava satisfeita:

-Ah é? E qual deles? Por acaso ocê também faz xuque-xuque gostoso?–  Jesus Cristo! La vinha ela com o tal de xuque-xuque! Aquela mulher só poderia ser uma desmiolada.

-Olha dona, sou o filho mais novo, e não sei fazer xuque-xuque, aliás, nem quero saber o que é isso! - Retruco tentando esconder o riso que se tornaria inevitável

-Ta rindo de que bobaião? Esse pessoar da Capitar é tudo uma cambada de homi frouxo! – Ela exclama furiosa e desliga o telefone. Ufa! Tive que sorrir.

Não decorrem cinco minutos e o telefone toca novamente, e vejo no visor- 3444-4444 -  Quem seria a dona daquele número de tão fácil memorização? - Conjecturei

-Bom dia! Sou Lindolfo Augusto, a sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Pois não? - Atendo. Sim, nessa vez fui mais rápido.

E sobre essas falas não é demais lembrar que perdi noites lapidando a frase, minha ferramenta de trabalho,  algo que seria como um cartão de visita dos meus serviços. E fora difícil escolher porque eu criara duas sentenças praticamente perfeitas; a que uso e uma outra - "Sou Lindolfo Augusto, o servo dum prazer que te fara estremecer"  -  Optei pela primeira, talvez até por não conseguir me desfazer da rima "prazer/estremecer" pois  nem todas as mulheres que procurassem sexo virtual deveriam ser sensíveis ou gostarem de homens poéticos.
Bem...retornemos ao telefonema:

A resposta da mulher veio num tom quente e sensual. Conversamos por alguns minutos, e Mirna era o seu nome, e ela dizia ser advogada e tinha muitas fantasias. Eu as ouvi calado e depois respondi-lhe um afirmativo "óquei". Na fase final do processo, Mirna me passou os dados do seu cartão, o qual providenciei a  liberação do crédito. Liberado, demos início àquilo que achei por bem denominar "sessão"

-Ah meu amor, sinta meus dentes mordiscando os lábios dessa boca deliciosa...- Iniciei num sussurro sacana, malandro.

-Aiii..aiii! - Ela gemeu

-Agora a minha língua lambendo a tua enquanto minhas mãos massageiam o seu bumbum e descem pelas suas pernas - Caprichei, pois os seus "ais" me incentivaram 

-Uiii...que gostooooso, Lindolfo! - Ela sussurra feminina

- Sinta...  a mão quente descendo mais e mais, acariciando o joelho, penetrando por baixo do vestido e subindo, subindo, apalpando a maciez das tuas coxas e indo à direção da calcinha... –  Eu continuava sussurrando quando fui  interrompido:

-Ohhhhh Uhhhhh Ahhhh! –  Era Mirna gemendo, frenética.

-Que foi?- Questionei assustado.  Seria algum problema repentino? Perguntei-me

-Ai amor, ai meu amor, meu puto...estou quase chegando lá! -  Ela dizia sôfrega e com a voz sufocada, que parecia se afastar do bocal por instantes.

-Ta chegando lá? Chegando la, como assim? –  Perguntei. Sim, estava surpreso, pois não chegáramos ao primeiro minuto da transa. -  Hey...ta tudo bem? - Inquiro com a voz ansiosa. Não houve resposta.

-Auuuuuuuuuuuu!  –  Repentinamente ela uiva numa sonoridade aflita e semelhante a qualquer loba que vê seu filhote sendo capturado por um urso faminto.  Foi precisamente assim que  Mirna atingiu o clímax
Fiquei quieto, perplexo, escutando sua respiração ofegante pelo o esforço do orgasmo. Talvez decorrido menos de um minuto, refeita, exclama:

-Caraca, tu é demaiiiis! Voltaremos a nos falar, anote aí! – Terminada a frase, desliga. Definitivamente, Mirna era a senhorita orgástica do minuto, e se fosse velocista talvez fosse um sério páreo para as balas jamaicanas.

Atônito eu me mantive atento ao telefone e no sinal sonoro que agora confirmava não ter ninguém no outro lado da extensão. Foram as cem pratas mais fáceis que ganhei na vida! - Exultei.  Daí até a terceira ligação demorou pouco mais, talvez coisa de vinte ou vinte e cinco minutos. Atendo solícito:

-Bom dia!  Sou Lindolfo Augusto, a sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Pois não? – 

-Seseu ..Lindodolfo,  o  sesenhor  é um  pepervertido,  um  homem  de  Sa..satanás – Disse-me a mulher. Sua voz soava um tanto cinquentona. Preocupei-me mais com o tom agressivo na sua  voz que propriamente a sua gagueira.

-Ora minha senhora! Isso é apenas um trabalho como qualquer outro! – Justifiquei irritado

-Trababalho  uma  oova!  Isso  é  prosttiituiição!  Nónós  prepretendeemos   retitirar o  sesenhor   das  gagarras  do  demômônio.  Dê  o   endedereço  que   iiremos  aaí  orar  pro  capepeta  ababandonar o  teu   cocorpo! - Ela exclamou como a mesma austeridade dum pastor evangélico ante almas pecadoras.

-O quê? Dona, de que diabos tá falando? – Rumino incrédulo; a mulher devia ser louca ou uma dessas fanáticas religiosas.

-Sesempre  com o didiabo  na  boboca,  né  seseu  Lindodolfo?  - Ante o meu silêncio ela continuou: -  Bebem...o meu  nonome  é  Jajacira.  Sosou  Testemumunha  de  JeJeová.  Eu  vovou  aí  ee..... - Não a deixo terminar, já que eu mesmo soquei o telefone no gancho com toda violência. Livrava-me duma louca.

E o tempo foi passando e a ansiedade e deixava mais tenso qe o normal . A espera me aborrecia e eu andava de um lado para outro, impaciente como um leão em cativeiro. Passaram algumas horas até quase a  uma da tarde soou o telefone:

-Boa Tarde! Sou Lindolfo Augusto, a sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Pois não?

-Ui! Que delícia de voz! – Ela sussurra tão fatal, que fez-me  lembrar dos filmes de Rita  Hayworth , uma atriz dos anos 40 e início dos 50 que tinha a deslumbrante beleza, e na voz, nada mais nada menos que o apelo do sexo.

E essa mulher, assim como miss Hayworth , trazia algo de diferente no timbre da voz. Ora soava aguda, ora rouca, depois macia e sensual. Ficamos conversando por alguns minutos e percebi que ali estava alguém interessante, de talvez uns 24 ou 25. E além do mais era dona dum humor fácil, já que fazia graça com tudo que falávamos. Pelo jeito de brincar imaginei-a como sendo alguém de espírito demasiadamente jovem e cativante, provavelmente uma dessas garotas que exalavam sexo e nos deixam de pau duro só de a ouvirmos falar um "oi". Porém, além do seu perfil jovem-fêmea-fatal era rápida no gatilho:

-Ai... o Dolfinho vai me lamber todinha?

-Todinha, vou te lamber toda meu anjo! - Disse-lhe esmerando no grave da voz. Era como se fosse um aquecimento.

-Ui meu gostoso!  Primeiro passa a mão no meu bumbum, passa? – Ela pediu.

-Hum, passo... Sinta baby, sinta a mão do Dolfinho deslizando pelo seu bumbum gostoso, redondinho - Murmurei safado. Usei o "Dolfinho" para deixá-la mais à vontade.

-Ai amor, que excitação louca você está  causando! Ui...Agora morde o meu bumbum, morde! - Ela roga.

-Opa opa! Negativo mocinha! Antes vamos ao cartão de crédito.

-Ah sim, claro...o cartão - Ela concorda num suspiro ansioso.

-Por favor, dê seu nome, a bandeira e número do cartão. Ah sim! O código de segurança, e data de validade –  Depois que solicitei as informações fiquei torcendo para não lhe ter  soado excessivo assim como esses  profissionais de televendas

-Ai amor, terei que falar tudo isso? – Ela reclama, afetada e charmosa.

-Sim, terá que falar meu anjo! É necessário! – Confirmo num riso contido

-Bem, não há o porque esconder nada! Na boate  que trabalho sou conhecida por Bruna. Mas o meu nome de batismo é Tomaz Jeferson Caldas. Tomaz sem "h" e com "z" no final – Ela diz, aliás, ele diz seu nome de forma bem compassada.

-Pequepe! Tu és um homem, seu cretino? Por que não me disse logo? – A minha irritação foi inevitável

-Ora meu bem, não disse porque não me perguntou! – Devolveu-me sarcástico. Depois continuou: - E além do mais sempre achei isso uma bobagem, mas hoje resolvi dar chance para o meu preconceito.

-Mas... que merda! Tu és analfa, Tomaz ? Não viu que meu anúncio foi direcionada para as mulheres? E ainda assim... só pras maiores de 18 anos!

-Mas é lógico que li, querido! E quem que te disse que não sou mulher? – Contesta deixando no ar todas as tonalidades da sua afetação

-Caraca! Quem me diz é a sua carteira de identidade, Tomaz!

-Olha! Não estou te dando o direito de ser estúpido! E não me chame de Thomaz! Eu sou Bruna, Bruna, Bruna, entende? – Ele regurgita em chiliques

-Ó, quer saber? Tanto faz se você  é Bruna, se é Tomaz. Eu nada tenho contra a homossexualidade, porém o lance comigo é somente com mulheres. E assim o negócio não vai rolar... sacou, Bruna, Tomaz, ou sei la o que? -  Há silêncio enorme das duas partes, e então ele explode a sua ira:

-Malditos homens! Eis aí porque jamais serei um de vocês, escrotos insensíveis! Pra vocês mulher é só aquela que tem uma gruta entre as pernas.

-Uai! E seria diferente por que, Tomaz? - Mantenho-me firme  propósito de fazê-lo entender que é do meu direito não fazer sexo com um homem.

-E não me chame de Tomaz, seu porco machista! – Agora ele berrava à plenos pulmões: – Mulher não se reconhece pelo que determina a certidão de nascimento. Mulher é mais que uma certidão! Ser mulher é ser a alma de mulher, sensibilidade de mulher, a percepção de mulher. E saiba, moço, isso eu tenho, e de sobra!

Depois do terremoto novamente o silêncio. Ainda me mantinha calado quando o ouço soluçar e bater o telefone. Fiquei pensando na loucura daquele lance e foi impossível manter-me sereno -"Deus! Que eu to fazendo no meio nisso?" - Questiono como se Ele carregasse o peso da minha decisão. Naquele instante senti saudade do meu último trabalho de garçom numa gafieira da zona sul. Claro, me dispensaram porque eu era muito ruim de bandeja, desastrado, tanto que eles descontaram quase 20% do meu acerto para ressarcir copos que estilhacei e garrafas de cerveja que quebrei ao caírem da bandeja.
Permanecia pensando nisso diante daquele silêncio sepulcral quando a vontade por um café fresco me levou á cozinha. Preparei-o e o despejei na garrafa térmica. Eu ainda nem almoçara, mas sabia que se quisesse ser um cara quente no ramo deveria me sujeitar à certas privações. Com a térmica à mão vasculhei o armário da cozinha e encontrei um desses pacotes de amendoins torrados.  Voltei para a sala, sentei-me novamente na poltrona e fiquei olhando para o telefone enquanto sorvia uma generosa dose de café enquanto mastigava os amendoins. Toca o telefone.

-Lindolfo Augusto, a sua satisfação ou seu dinheiro de volta, pois não? – Atendo não tão solícito dessa vez..

-Lindolfo, aqui é Laura Bacall, e eu pensei muito antes de te ligar. Sabe... eu nunca fiz isso mas, a solidão é terrível. Fiquei olhando para o teu anúncio no jornal, olhando, olhando, e algo dentro de mim disse para te ligar. Jamais imagine que  eu seja uma pervertida. Você consegue entender o que digo?

-Claro que entendo Laura! A solidão é terrível mesmo. – Confirmo compreensivo.Senti que ali estava alguém decente e confiável.

-Olha Lindolfo... a última vez que fiz sexo faz muito, muito tempo, e mesmo assim foi real. Então, por favor, não conheço os meandros, seja paciente e carinhoso comigo, Ok?

-Claro, Laura! Serei, serei, prometo – Tranquilizei-a

Depois dos detalhes burocráticos com o cartão percebi que aquela mulher necessitava mais que orgasmos. Continuamos a conversar e outros detalhes de nossas vidas foram surgindo pouco a pouco, alegria por alegria, tristeza por tristeza. Soube de algumas coisas da sua intimidade como a última relação amorosa que fizera menção e que fora três meses após a morte do marido. E ela fizera sexo com um sobrinho do falecido e que havia passado em sua casa para ver se estava tudo bem, pois há um bom tempo ela não dava notícias. Ela confessou que percebeu os olhares do rapaz, que foi um momento de fraqueza e mesmo assim depois de alguns drinks. Disse também que não prosseguiu com o relacionamento apesar da insistência dele; não queria se ter louca ao se ver correndo atrás dum garoto de 25.

-Bem...é isso Lindolfo. De la para se passaram três anos. Três longos anos que estou sem homem, sem suspiros ou bocejos. Três anos que não acordo no meio da madrugada pra fazer amor, ou levanto ao amanhecer com um belo sorriso de amor e a bandeja do café da manhã para um homem - Ela disse num tom angustiante, quase poético.

Após,  refeita, mudou o timbre da voz e a nossa conversa se estendeu. E conforme falávamos eu percebia  as chamadas que entravam e eram acusadas no identificador do meu aparelho. Eu não queria falar com ninguém, apenas com ela, com o tom agradável duma conversa forrada de risos discretos e impostações sensatas para os assuntos que fossem mais  íntimos. Eu começava adorar a sua voz, o jeito que falava,  o tom de surpresa em cada coisa que eu comentava e que ela achava engraçado. Simplesmente eu me mantive extasiado quando ao fim de duas horas surge a nova ligação. Olho apara o identificador e  facilmente reconheço o número; 3444-4444. Era Mirna.

-Laura, pode me dar cinco minutinhos, por favor? – Peço gentilmente. Laura não sabia, mas, meu dia ainda não estava ganho.

-Claro, Lindolfo. Eu aguardo – Assentiu com voz suave parecida com a textura da lã. Modifico o c anal de antendimento

-Alô, é você meu amor? – Mirna diz ao perceber que entrei na ligação.

-Sim, sou eu, meu doce!

-Ai Lindolfo, novamente me bateu aquela vontade louca de trepar com você.

-Muita vontade, é? –Ah, então sinta meus dentes mordiscando teus lábios,  minha língua lambendo a tua enquanto minhas mãos massageiam o seu bumbum.

Novamente Mirna me interrompe.

-Ohhhhh Uhhhhh Uiiiii! –  Pronto! La íamos de novo.

Assim que terminamos disse-lhe que passaria o  cartão em hora mais oportuna.

-Tudo bem, Lindi! Passe a hora que você quiser, pois algo me diz para confiar em você! Não me decepcione! Agora vou desligar porque meu marido está para chegar dum congresso mundial de cardiologistas. Foi em Nova Iorque, e estou indo para o aeroporto - Ela comunica demandando pressa para sair.

E antes que desligasse ainda saiu-se com outra: - Ai Lindi, essa sua voz me mata de tesão! – Então desligou. Pelo andar da carruagem Mirna teria a sua trepada grátis antes do fim da próxima semana. Permaneci questionando por alguns instantes o por quê dum marido cardiologista e afeito às coisas do coração marcar uma bobeira daquela já que o coração que talvez  necessitasse dos seus cuidados estava bem debaixo do seu cobertor. Bem..não era de minha conta, logo, retornei ao outro canal e à ligação com Laura, mas surpreendentemente a percebi diferente, seca.

-Foi uma de suas clientes, não foi? – Ela pergunta num tom pequeno e lamentoso

-Sim, Laura! É uma dessas malucas que atingem o orgasmo com meia dúzia de palavras – Confessei. Estranho, mas não senti necessidade de esconder qualquer coisa.

-Puxa! Então você deve ser ótimo, heim? – Ela tentou rir um riso acanhado, sufocado, desses que mesmo estando atrás dum aparelho imaginamos não ver as fileiras dos dentes.

-Bem... sabe que nem sei? Acho que essa dona é uma exagerada, histérica...sei lá! – Devolvi tentando me desembaraçar.

-Me beija, Lindolfo! –  Repentinamente Laura pede com voz mansa e suspirada.

E eu simulei o beijei estalando os lábios junto ao bocal do telefone e sussurrei coisas em seu  ouvido, coisas que a excitavam e as quais devolvia com murmúrios delicados. Falei bobagens, descrevi a retirada de cada peça de sua roupa  até atingir às lingeries que ela confessou, vermelha. Laura gemia – “Não, não Lin, assim não, por favor, vá com calma!” – E eu continuava falando, voz rouca, de desejo, eu me excitava, ela se excitava e algo crescia debaixo da minha calça de veludo. E continuamos gemendo, sussurrando toques por todas as partes, conjecturando, insinuando, simulando penetração até explodirmos no orgasmo.
Depois disso fomos respirações cansadas confessando ótimas sensações apesar de estarmos virtuais. Sim,  não houve o toque e nem pele, porém esteve ali a  mente e a fantástica viagem que só ela pode produzir.
Passados alguns instantes e Laura pede licença para se ausentar,e imagino que está a caminho do toilette,   todavia insiste que não desligasse o telefone. Aproveito o tempo e vou ao banheiro para uma ducha rápida, coisa de 5 minutos. Ao retornar ainda espero Laura por alguns minutos.

-Alô, Lin, desculpe, voltei! – Ela diz num tom meigo e bom. O som é diferente agora.

-To aqui meu doce – Devolvo

-Lin, vou te fazer um convite. Está bem?

E o convite foi o de no dia seguinte almoçarmos em sua casa. Ela queria porque queria me conhecer, estar próxima, sorrir, e quem sabe, ser feliz. Eu aceitei com o coração palpitando, feliz, afinal em poucas horas de conversas de um relacionamento imprevisto percebi que era muito bom estar  com aquela mulher. Então Laura me passou o seu endereço, e por ele atestei que morava num nobre bairro paulistano. Marcamos ½ dia, e eu estaria la, sem falta.
Finalizada a ligação e pouco mais ao fim da tarde entraram  novos chamados. Numa deles a mulher queria que eu fosse uma espécie de Drag Queen e rebolasse num fio dental cor de rosa. Aquilo me chocou e eu a mandei pro inferno. Depois mais duas ligações, ambas de gays e um deles me propunha  duas vezes o valor do michê só para chamá-lo de "Fredie Mercury" numa louca curra à cama, com algemas e chicote de tiras prateadas. Evidente, achava que mesmo que fosse esse o meu trabalho deveria ser  merecedor do respeito e prezado na dignidade, por conseguinte disse-lhe um sonoro "Vai a puta que pariu" e desliguei o telefone. Sim, eu também estava ficando bom no negócio de  bater o aparelho no ouvido das pessoas. E na última, mesmo que perdendo meia hora para as devidas confirmações faturei outras 100 pratas numa transferência online  para minha conta poupança ao fazer amor com uma ninfomaníaca que exigiu que a tratasse por "Gretchen" pois afirmava que seria esse o seu verdadeiro nome. E disse-me outras tantas devassidões e palavrões que cheguei à ponto de constranger-me. Porém a sua voz soou tão divertida que acabei fazendo parte do número, e mesmo sem atingir o orgasmo  foi muito engraçado ouvi-la chegar ao clímax grunhindo a carro-chefe, Conga. Conga, da homônima cantora. Entretanto, mesmo que não acreditasse na sua história, foi com ela que  senti a lâmina decepando qualquer possibilidade romântica naquele ramo, e assim tive de concordar que de certa forma eu era igualmente um degenerado.

No dia seguinte acordo confiante e resolvo não acolher as recomendações de Laura que pedira para ligar pouco antes de chegar em sua casa. Eu pretendia surpreendê-la, diferir de todas coerências, assim  como ontem foi sábado e hoje estamos no domingo e amanhã será segunda feira. Eu queria o imprevisto, apenas isso. Assim às 11 horas da manhã estou á frente da sua casa. No corpo eu levava a minha melhor roupa e os sapatos de solas menos gastas. Eu aparara barba e até cortara aqueles fios chatos que ficam dentro do ouvido. Saio do carro, ando alguns metros e toco a campainha e aguardo alguns instantes até que uma bonita e madura mulher  atravessa um belo e cuidado jardim e vem na direção do portão de entrada. Pelos vãos do portal em ferro vazado eu a vejo próxima e sorridente,  talvez no alto dos 45 anos. Laura meneia o quadril dentro de uma calça jeans  relativamente apertada e que demonstra o contorno de belas pernas. E ao vê-la mais perto o seu sorriso e beleza  me fascinam, assim como a blusa floral branca com detalhes rosa e azul. Novamente olho o seu andar e ele é tão delicado que realça a beleza dos seus  movimentos. Agora ela está praticamente à minha frente minha e eu sinto o coração agitado enquanto o peito arfa levemente.  Laura me olha simpaticamente e os seus olhos parecem cintilar safiras tão azuis que competiriam com surreal o anil daquele céu. A voz é quase a mesma do telefone, macia, compassada, levemente grave.

-Ah sim! O senhor deve ser o cobrador do Lar André Luis, não é? Fico muito feliz em poder colaborar com vocês nessa campanha dos idosos!  Trouxe-m também o recibo? - Ela pergunta, mas se expressa com tanta doçura que nada respondo, mas apenas a olho embevecido através das  lentes negras e redondas.

Diante do meu silêncio que, aos seus olhos sugeriu a confirmação do fato, solicita-me um breve tempo para entrar e voltar com  o dinheiro da contribuição. Olho para ela, olho para mim e percebo que eu estou a anos-luz de pessoas da sua estirpe. Aquilo me incomoda e na testa as rugas se franzem constrangidas e os vincos profundos dum rosto que dá a falta de cinco anos para atingir os sessenta, envergonham-se. Repentinamente uma sensação de humilhação causada por mim e para mim  invade e me faz sentir  pena do sujeito que sou e que ali está aparvalhado.

-Não dona, não sou do Lar André Luis. Na verdade estou procurando o Sr. Paulo Cortes -  Invento o motivo e respondo em tom dissimulado, com receio que reconhecesse o tom do telefone. Ela sorri docemente quando lhe pergunto se aquela é a rua Paris, ao que devolve:

-Desculpe-me pela confusão meu senhor! Pensei que fosse alguém enviado por eles. Acredito que o senhor tenha dado nesta rua por engano. Contudo não conheço qualquer rua Paris por essas imediações - Confirma delicadamente enquanto procura cartas na caixa de correspondência anexa ao portão.

Porém algo doía. Era como se eu fosse os degraus duma escada que jamais atinge o topo, e a dor estava ali parada ao me passar por pessoa que não era, e tanto doeu que só me coube manter o sorriso e agradecer a sua informação. Então ela pede licença e  faz o caminho de volta e eu noto que mesmo de costas  a leveza das pessoas boas se mantém nela. E a cada metro que se distancia e eu  a vejo com os olhos idólatras. V Varando o jardim Laura entra na casa e eu viro e atravesso  a rua e tomo o assento do nostálgico  Wekeend 98 e sumo com a minha melancolia pelas arborizadas ruas do bairro.

Chego em casa por volta do ½ dia e me dirijo à cozinha e ao refrigerador. De lá peguei a garrafa de vodca pela metade e uma menor onde continha suco de tomate, e com eles fiz um bloodmary descompensado, mais pesado que o padrão,  três por três, vodca e suco de tomate, tudo igual, e emborco rápido até não mais ver o indício da coisa vermelha no fundo duma taça imensa. Termino e faço um novo drink, na mesma proporção e vou à  poltrona onde sento e fico olhando para o telefone. Não tarda e ele chama e eu reconheço no identificador o número de Mirna. Não, eu não ia atendê-la. Será que seu marido teria ido para um outro congresso em Bahamas? Será que seu avião havia caído no Pacífico?  A vida é e sempre será assim, corações apertados, pulsando doloridos, talvez morrendo de amor, de enfarto, tristezas, ou sabe-se la mais o que. Não! O momento era de verdades e não de mentiras, aliás, estava farto da farsa da vida, digo para mim ao emborcar minha nova bebida. Pouco depois outros números ligam e eu também não atendo.
Estávamos próximos das duas da tarde quando e surge uma nova chamada. Era Laura.
Atendo.

-Lin? O que aconteceu? Estou te esperando até agora – Ela diz num tom meiga, mas sem esconder a contrariedade.

-Bem.... me desculpa, Laura. Fiquei refletindo se deveria ir e achei melhor não. Não é bom para o meu negócio misturar sentimentos. Você foi uma belíssima transa, talvez a melhor que a  virtualidade me deu ou dará.  Mas, sei o que digo e o ideal é estarmos assim...cada um no seu caminho.

-É apenas isso, Lin? Cada um no seu caminho?  - Percebo-a engasgar

-Sim Laura, é somente isso! Precisando dos meus serviços....dê uma ligadinha - Respondo numa tentativa  de ser duro como a rocha

Não houve qualquer resposta e apenas um soluço suave, contido. Sem nada dizer ela desligou e eu voltei para outros drinks. O telefone toca e dou por mim no escuro. Tateando móveis chego ao interruptor e acendo as luzes  e olho para o relógio no pulso; quase duas horas da manha. No chão duas garrafas adormecem;.  primeira, vazia, a segunda com pouco acima da metade.
Sinto o amargor na boca e sede, muita sede. O telefone insiste como um guerreiro que quer o sangue do inimigo. Ainda tateando os móveis me encaminho até ele e ele me diz que é a Laura que está na outra ponta. Eu não atendo. E a cada um dos seus sons estridentes eu rio,  rio com gosto ao imaginar o quanto de carência existe. O quanto há de carência na falta do amor, quanto de carência nas amizades que mesmo reais podem não ser verdadeiras. Ah, meu Deus! Quanta carência, carência nas pessoas boas, pessoas más, nos afetos, desafetos, no sexo ou na falta dele, enfim, carência de vida que habita em nós, os pobres e mortais humanos.
Portanto e apesar da dor de marcar  a existência prosseguiu e aquilo que eu ousara chamar de" meu trabalho" durou quase um mês. Terminou quando um traficante local descobriu que sua garota trepava comigo, virtualmente. Diante do fato e de alguns bilhetes ameaçadores por debaixo da porta, me senti um cara marcado. E não queria morrer, era cedo pra acertar as contas com Deus ou com o Diabo. Portanto munido de quatro malas com roupas e algumas tralhas de cozinha bati em retirada para um bairro bem distantes, periferia oposta  a sul, local onde talvez até o Divino tivesse dificuldades de me encontrar.

E agora, passados quase três anos estou aqui relatando as insanidades daqueles quase trinta dias de um fazedor de sexo virtual. Ainda penso em Laura todos os dias e ela habitou a minha mente quando num dia, meses atrás, disfarçado e sem barba e com óculos diferentes voltei ao meu antigo bairro para visitar o amigo da banca de jornal. Ele sorriu e nada entendeu ao ver um fanático santista como eu estar com um gorro do Corinthians enterrado na cabeça. Depois usou dum sorrisinho sacana ao me falar que à época  uma "bela dona" a bordo de um Honda Civic havia me procurado, inclusive ido à sua banca perguntar pelo meu paradeiro. Claro, Laura era esperta e deve ter procurado o endereço que correspondia ao meu antigo número de telefone, e sendo próximo à banca nada mais óbvio de perguntar ali. Porém o meu amigo não sabia do meu endereço, aliás, ninguém sabia. Escutei o que ele disse com a máxima atenção e me fiz de bobo ao responder-lhe que não supunha de quem poderia tratar.  Conversamos mais um pouco e eu fiquei tranquilo ao saber por ele  que o traficante que me ameaçara fora morto numa troca de tiros com a polícia numa boca de fumo dum bairro vizinho.
Por fim o meu amigo abriu a térmica que levava todos os dias e nos serviu um cafezinho  morno, provavelmente feito nas primeiras horas daquela manhã. Coloquei a xícara nos lábios e o bebi num único gole . Ainda com o um gosto de não sei que na boca tirei o lenço do bolso traseiro e sequei os lábios. A hora de ir chegara já que nada mais tínhamos a nos falar, e ante nossos olhares, agora sem interesse,  nos despedimos  com um abraço tão morno quanto o café. De la atravessei a rua e segui pela calçada  até chegar ao ponto de ônibus mais próximo. Em minha mente eu construía os flashes de filmagens do dia que Laura Bacall  foi dar naquela banca de jornal; Ela olhava para mim com ar de surpresa : " Nossa! Quanta coincidência meu senhor! Achou a rua que procurava? - Perguntaria para mim à bordo daqueles olhos que jamais deixavam de sorrir. Pensei naquilo até que as imagens se distorcessem e sumissem da mente como as neblinas que se dissipam ao sopro dos primeiros ventos da manhã.

E eu sorria da tragicomédia quando o coletivo chegou e eu adentrei. Passando a roleta ajeitei-me à janela do  primeiro banco e através dela olhei pras esquinas e para um passado não muito distante e eles  eram vencidos pela inércia do carro. E foi ali que o meu sorriso tornou-se riso, depois gargalhada, até o cobrador me olhar  sobressaltado, temeroso que pudesse estar face-a-face com um demente. Aos poucos sua expressão amenizou ao notar que as gargalhadas abandonaram meus lábios para apenas se tornarem sorrisos tímidos e resignados. Foi quando o rapaz sorriu aliviado  e voltou a se concentrar nos botões do celular que mantinha em  mãos. Comigo estava tudo bem  mesmo que soubesse que nunca esteve.
Outra vez pensei e o imaginário da cena me veio e vi Laura à minha procura, olhando as revistas da banca até se munir de coragem e perguntar por mim. E antes que minha mente à título de autopreservação a apagasse da memória, me foi inevitável não levar em conta que numa hora daquelas ela estivesse em casa podando suas roseiras, ou até mesmo em qualquer canto do país, ou do mundo, quem sabe Paris, Milão, Londres...
Talvez numa hora daquelas nem estivesse só, mas sim acompanhada de  um rico empresário do ramo imobiliário, ou voltado à cena com o sobrinho bonitão, quem poderia afirmar?
Não! Não havia como, pois a única certeza era a de que do meu lado as coisas continuavam péssimas, e eu insistia no desemprego, sem amor, sem cão, e sem grana para pagar o aluguel no fim do mês.
E novamente fui obrigado a sorrir quando o ônibus parou num ponto e uma velhinha subiu com dificuldade os degraus e à catraca, diante a indiferença do cobrador que não desgrudava os olhos do celular, sem mais e nem menos deu com a "sombrinha" na cabeça do desatento. E o  susto do rapaz foi tão grande que celular foi arremessado por sua mão e se espatifou no chão, indo a tampa traseira e a bateria cada qual para um canto. Talvez a velhinha estivesse matusquela, pois remexia num porta-moedas que tirara duma bolsa enorme, provavelmente esquecida que na sua idade não se pagava a tarifa. Claro, tive que um surto de gargalhadas para a ira do cobrador.

-Cê ta rindo de que, bestão? Desse trem que a a vó espatifou?  - Mineiramente me respondeu com raiva enquanto recolhia do chão a tampa e a bateria, e tentava, sem sucesso, o encaixe das peças.

Eu persisti rindo do ato, daquele pastelão inédito.
Todavia não havia muito à rir, afinal,  as tomadas de minhas cenas continuavam insípidas e obedecendo um mesmo roteiro, aliás, o de sempre.



Copirraiti 17Mai2012
Véio China©