quarta-feira, 8 de abril de 2009

Avô & Neto no Reino das Mucamas Escandinavas


Leve batida na porta do quarto e o menino foi autorizado a entrar. Evidente, era a saudade que falava naquele seu pós infantil. Saudades do avô, do afeto, daquele velho escritor, nada ou quase nada conhecido.
Tão logo entrou atirou-se sobre o edredom da ampla cama de casal e foi despachando:

-Vô, ontem ganhei uma sova do meu pai!

-Por que Willian? – Pergunta o velho

-Bem... Acho que foi porque o senhor não estava em casa. Ele nunca me bate quando o senhor está aqui.

-É verdade, não estava. A falta de inspiração me fez visitar a sua tia Josefa.

-Nossa vô, eu não gosto da tia Zefa!

-Ué, e não gosta por quê?

-Ah vô! Ela me trata feito criança. Odeio a sua mania de apertar minhas bochechas e os seus beijos que deixam o meu rosto todo melecado.

-É? Isso é porque você não conheceu o rosto de um noivo que a sua tia teve. O pobre do rapaz vivia com um monte lenços nos bolsos do paletó.

O menino se divertiu com a observação do avô.

-Nossa vô! Será que foi por isso que a tia Zefa não conseguiu casar?

-Não, não! Não foi por isso. É que no final das contas o rapaz se decidiu por um sujeito chamado Norberto.

-Ah. - O neto respondeu num bocejo. Provavelmente não compreendeu a complexidade daquilo

O avô, sempre carinhoso sentou-se à poltrona e batendo rapidamente a mão na coxa direita convidou o neto sentar-se em sua perna.

-Ih, vô, desculpe ta! Mas eu não to na idade de ficar sentando em colo – Justificou-se procurando por algo que não existia na cômoda de cabeceira.

O velho sorriu compreensivamente.

-Bom... Agora conte pro vovô. O porquê de o teu pai ter te batido...

O garoto desistindo da cômoda admirava por detrás da cabeça do velho um imponente quadro fixado na parede lateral. Nele, pincelado a óleo a figura simpática da avó Marieta. Foi pena ele não ter conhecido aquela senhora de sorriso tão meigo. Ele observava aqueles olhos divertidos e as rugas aos cantos dos olhos pareciam conferir a ela um ar de sabedoria. Olhou fixamente para os lábios da avó e magicamente eles ganharam vida. Ele a ouvia perfeitamente, e ela o encorajava - “Ta tudo bem Willy! Siga em frente e diga para o seu avô o motivo de ter apanhado” - 
Estimulado, esboçou um leve sorriso para a tela e não conseguia se desprender das feições dela quando respondeu ao avô sem gaguejar:

-É que ele me pegou masturbando.

O avô fixou-o por alguns instantes, perplexo. O que lhe responder? Ele sabia que não deveria tratar o neto como criança, pois aos 12 anos não era ele uma criança. Resoluto e após divagar alguns segundos achou por bem tratá-lo de forma quase adulta, porém tomando o cuidado, prevenido e  pisando em ovos para não confundir o garoto:

-Então Willy... é normal se masturbar nessa idade. E você já é quase um mocinho aos 12 anos, não é verdade?

-É vô, quase 13. Faço no próximo mês.

-Então. Isso da parte dele não foi certo. Vou ter uma conversa com meu filho -

Depois continuou. Queria falar algo que deixasse o garoto mais á vontade. Sabia que o neto estava numa idade perigosa, da curiosidade aguçada, assim nada mais natural que conversasse e tirasse dúvidas sobre alguns assuntos com as pessoas da família, e não com os moleques de rua.

-Sabe Willy... quando eu tinha a sua idade me masturbava frequentemente. Além do mais, masturbar-se com alguma regularidade evita o surgimento de acnes.

-É mesmo, vô? - Respondeu o garoto deslizando a ponta do dedo indicador pela superfície do rosto.

-Claro, claro! – O velho devolveu com um sorriso sem graça. Ainda procurava por uma definição tanto contemporânea e que melhor elucidasse sua explanação. Tão logo julgou tê-la encontrado, proferiu didático:

-Assim, Willy... funciona mais ou menos assim. Masturbar-se é como participar da tomada de tempos de um GP.  É como se estivesse ajustando o motor para a maratona da corrida, um grande prêmio. E olha, Willy... você terá em tua vida muitos e muitos “GPs”.

-Ah, saquei vô! – Exclamou Willians – Muito louco esse seu jeito de explicar.  O senhor quer dizer que se masturbar é como estivesse num treininho de F1, pisando forte, né?

-É, é isso! Exatamente isso! Você captou a essência da coisa!  – Exclamou o avô ao sorrir-lhe com dentes amarelados de nicotina. - Depois recomendou solene:

– Mas veja Willy... quando crescer procure tratar o sexo como coisa saudável e não como “uns e outros” que o têm e tratam-no de forma pervertida, devassa.

-Hum... o que é ser pervertido ou devasso, vô? – O menino não sabia o significado de tais palavras.

-Bem Willy, ser pervertido é ser perverso, mau. Devasso é um sujeito que não tem probidade moral, digo, alguém que não vê o sexo como coisa saudável, do amor.

-Ah...entendi - O menino olhava para o velho  com olhos de ternura.

Porém o que o avô não sabia era que a esperteza do garoto já vasculhara muitos sites adultos na internet. Não era bobo, portanto sabia que as acnes nada tinham a ver com a sua incontrolável vontade de se masturbar. Aliás, a sua vontade tinha apenas um motivo: Luiza, 18 ou 19 anos, filha da dona Zoraida, a vizinha. Sim, era por ela que ele se masturbava diariamente. Aquela loirinha cheia de carnes sabia mexer com seus instintos. Ela e aqueles seios grandes e coxas grossas, além  da curtíssima saia jeans.
Porém Willy achara tão divertida e interessante a comparação das suas masturbadas com os treinos de Fórmula Um, que não se viu no direito de se aborrecer com o avô, afinal, o velho ainda continuava tratando-o como criança, coisa que não era. Ao contrário, mesmo já sendo um quase  " mocinho" era humilde em admitir pra si que se havia pessoa que amava,  esse era o seu avô. E outra, com velho sentia toda a liberdade para expressar o seu carinho, como agora o faria.

-Vô, sabia que o senhor é demais? Tu és o velhinho mais maneiro desse mundo, meu bróder do coração! – Disse batendo no centro do peito enquanto o velho sorria envaidecido. Antes que o velho pudesse falar alguma cosia, continuou:

- E outra! Eu tenho certeza absoluta que o senhor jamais me daria uma sova, fosse o motivo que fosse! Não to certo, vô?

-Claro Willy, certíssimo!. Eu jamais encostaria um dedo em você – Respondeu num tom de cumplicidade enquanto os dedos da sua mão direita tremulando nos negros cabelos da franjinha do seu neto.

Willians sorri. Um sorriso prazeroso, sincero. Ali estava o único homem que verdadeiramente o compreendia. Ele a creditava até que o avô entendesse um bocado de sua alma quase adolescente quando a campainha tocou: Eram seus amigos chamando-o para o Shopping, conforme haviam combinado. E, antes que batesse em retirada tamborilando as mãos comunicou;

-Ah, vô! Esqueci de dizer que além da sova... a revista já era!

-Hã, revista? Que revista? – Questionou o velho.

-A Playboy... Aquela que estava debaixo do seu colchão, dentro duma sacola plástica.

-Sacola plástica? Que sacola plástica, menino?– Gaguejou o velho. O rubor lhe subiu às faces. Willy olhou-o divertido:

-É vô! A Playboy que tava na sua sacola com o distintivo do Palmeiras. Aquela que tem duas loironas com uns baitas peitões na capa! Mas fica tranqüilo que não contei pra ninguém, ta? Falei que tinha achado na rua.

Dito isso, Willian gira o corpo e atravessa o quarto do avô seguindo na direção da porta da sala.

O velho permanece estático sem saber o que fazer. Ele não sabia que no dia anterior o filho queimara a sua revista no quintal.  E agora ele apenas ouvia o barulho da porta se abrindo para os amigos de passeio, quando a pleno pulmão e antes que o neto ganhasse a rua, berra:

-Willians! Seu punheteiro de merda!

Como resposta ouviu uma sonora gargalhada entrecortada pelas paredes. Era o manifesto quase juvenil e nada ingênuo do pequeno sacana.
Porta batida, o Sr. Mastrelli se viu só na solidão de uma casa vazia. Espreguiçou-se e virou na direção do quadro e a falecida permanecia lá, simpática e como sempre majestosa. E ele a notava nos mínimos detalhes, principalmente àquele sorriso e a boca que parecia dizer algo – Incrível, porém algo acontecia– Em transe, firmou as vistas no quadro e abriu e fechou os olhos diversas vezes para crer no que estava ocorrendo – Não! Jamais fora doido, mas seria capaz de jurar que Marieta piscava para ele de forma insistente.

-Deus meu! Que coisa mais louca! – Exclamou para o seu delírio

Desconfiado que pudesse estar sendo alvo de alguma confusão mental, desvencilhou-se do quadro e tentando espairece sentou-se à poltrona do computador: precisava escrever algo. Ligando o PC surgiu a exuberante imagem de um lago cercado por frondosas árvores, era a sua tela inicial registrando algo tão bucólico que inspirava nele um sentimento de plenitude e paz. E isso de certa forma foi relaxante. Espreguiçou-se novamente e estalou os dedos para iniciar os trabalhos no Word.

-Psiu! – Ouviu num sussurro e atrás de si.

Virou-se rapidamente e não havia ninguém. Pensou por alguns instantes e supôs que houvesse confundido o chamamento com um barulho qualquer. Voltando para o computador pensou no título do seu novo conto.  Depois de alguns minutos sorriu ao digitá-lo suavemente no teclado - AVÔ & NETO NOS REINO DAS MUCAMAS ESCANDINAVAS – Título providenciado se pôs a escrever. As idéias vinham fáceis, fartas, quando foi interrompido.

-Psiu! – Novamente o sussurro o arrancava de sua concentração. Girou, olhou e nada! Manteve-se atento, aguçou os ouvidos procurando o lugar de onde viria o som. Nada! Silêncio absoluto.

-Ok, Jesus! O Senhor venceu! Eu me arrependo pela revista – Confessou-se num “mea culpa” estendendo as mãos para os céus. Ele nem sabia dos motivos, mas algo o levou a agir assim naquele instante.

Perdão solicitado voltou-se para o teclado. Certamente aquela conversa com o neto estava rendendo uma boa estória. Bateu as solas dos sapatos no piso para melhor sentir as pernas e meneando o pescoço começou a digitou a primeira frase da folha dois –“Vô, ontem tomei uma sova do meu pai”–
O som dos dedos no teclado foi outra vez interrompido.

-Safado!

Virou-se imediatamente – Inacreditável, procurou por toda a casa e não havia qualquer pessoa nas dependências. Retornando da vistoria, instintivamente fixou-se no quadro e na figura da falecida. Novamente constatava cada detalhe da tela. Era confortador revisitar aqueles olhos que pareciam  menina, aquele sorriso maduro que numa boca carnuda lhe dera tantos prazeres e amor.

-Ai minha velha! Será que é a inexorável insanidade? Ouço vozes que não existem – Resmungou com com o quadro.

Talvez estivesse se tornando gagá, esclerosado, sabe-se lá mais o que, mas tendo que aproveitar a fertilidade das idéias novamente encaixou as pernas na rack e em seguida deu a tradicional tremidinha nos dedos para registrar a nova frase – “É verdade Walber. Eu não estava em casa, porém a falta de inspiração me fez visitar a sua tia Joana” -


No alto da parede Marieta apenas sorria compreensiva e muda. Ela poderia continuar pregando peças no seu velho, porém a sensatez dizia que aquele não era um bom momento para confundi-lo outra vez. Ela conhecia bem o seu homem, um sujeito de feições sisudas, mas de alma generosa. Sabia que o sangue percorrido nas veias de Mastrelli, um velho imigrante italiano, era do mais puro garanhão siciliano. Sabia que mesmo naquela idade o seu vigoroso “Trelli”  tiraria de letras qualquer uma daquelas garotas siliconadas.
Lógico, sempre haveria as dinamarquesas, holandesas, suecas ou seja, lá o que for, mas sabia também que elas que jamais seriam o motivo para preocupações descabidas, pois a excitação do seu homem jamais  transbordarias às coloridas e excitantes páginas das revistas masculinas
Todas teriam sido ótimas guloseimas num passado muito distante, porém hoje não, mas sim e apenas deslumbrantes caramelos que se lambem por sobre as embalagens.


Copirraiti08Abr2009
Véio China©

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Não se chuta cavalo sem dentes.


- Porfírio, eu merecia ser perfeito! – E se eu fosse perfeito, tenho certeza, ela ainda me amaria! Eu mudaria tudo! Tudo! - Exclamava Elias sacudindo-me pelos ombros.

Elias era meu amigo. Encontrei-o por acaso naquela noite no Bar do Ling Lee: uma espelunca perdida numa das ruas do baixo Glicério. E tão surpreendente quanto o meu amigo eram as ótimas porções de frango á passarinho que o dono servia. Também achava curioso o fato do bar ser dirigido por um chinês alto e gordo e que, apesar dos muitos anos no Brasil mal sabia pronunciar o nosso idioma 

– “O que é que velho e chato fleguês de Ling vai quelê? - Era comum vê-lo argüir de seus  velhos clientes,  acompanhado do inseparável talão de pedidos de tom verde água

E os clientes, cientes da aversão de Ling por um determinado país iam à forra:

-Aí Ling, para de frescura! Sabemos que você é coreano! - Provocam-no assim só pelo prazer de vê-lo reagir:

-Coleano é a puta que paliu! Eu sou cinês! ” –  Geralmente ele respondia mal humorado

E assim é esse lugar que estou, um local cheio de malandros,  antro de pessoas  que, sem destino, continuam bebendo suas cervejas e engordurando dedos e bocas naqueles engordurados pedaços de frango, assim como eu fazia agora,  ora  fixando-me no amigo, ora atento ao gordo e engraçado Ling e sua encardida túnica de botões militares. E os ponteiros do relógio não dão trégua e avançam pelos murmúrios da noite como se dirigindo a uma gincana que ruma ao infindável . Quase meia noite e  tanto eu como meu amigo estávamos embriagados naquele lugar apinhado de vagabundos.

Cravadas nas paredes quatro lanternas forradas por uma espécie de um cetim vermelho sobressaiam e emprestavam ao lugar uma aparência decadente, porem interessante. Numa das mesas de madeiras duas prostitutas bebericavam cervejas quentes e riam para nós. E nós os típicos velhos sujeitos duma jovem guarda desmanchávamo-nos em olhares insinuantes, tentando impressionar os seus  interesses nada filantrópicos. O que seríamos nós a não ser apenas mais dois sujeitos obsoletos, além de perdidos numa noite de quarto minguante?  Sim, certamente seríamos mais que isso, principalmente para elas que nos olhavam com os olhos das  possibilidades, talvez nos vendo aos seus lados na fila do caixa de supermercado. Sim, estariam dentro do carrinho coisas que jamais elas pensariam comprar. Enfim, talvez fossem esses seus pensamentos, todavia distantes da dura realidade de dois indivíduos vestidos em calças de tergal e camisas de punhos puídos.

E continuávamos beber apesar da coisa toda, dos olhares cheios de intenções e do lenga-lenga do Elias não conseguia se desvencilhar daquela conversa sobre a perfeição. Eu sabia que o pano de fundo daquele papo tinha endereço: Sheila, sua ex-mulher.

-Seu fosse perfeito, tenho certeza, ela ainda me amaria! – Ele insistia. Ele nunca fora tão entediante assim.

E olhando para seu jeito bonachão, desligado,  recordei-me do Elias de antes, do exemplar funcionário dos Correios entregando suas cartas, às vezes corrido de um cão metido a valente. Lembro de vê-lo percorrendo as ruas do bairro debaixo de chuva ou de sol escaldante, divertindo a gurizada e encontrando um tempo para matar uma cerveja no boteco do Zé, mesmo que em serviço. Hoje, aposentado por uma doença do sistema nervoso leva uma vida difícil e carrega o maior dos seus traumas: A traição da mulher com o melhor amigo. E a desilusão não abandona o seu espírito e nem permite esquecer-se dela E essa mágoa de longos 15 anos joga-o aos braços das noites que não se dormem, dos medicamentos para pressão, e fundamente dos  ansiolíticos de tarja negra. Convém dizer também que ao abandoná-lo deixou-lhe o único filho para que acabasse de criar. Hoje o garoto, aliás, hoje um homem de 24 anos que se tornou a sua segunda fonte de decepção: Paulo Maurício é gay. Foi o próprio Elias que me confidenciou na última bebedeira que estivemos há coisa duns dois meses. Na ocasião ele permanecia inconformado:

-Porra, se quer ser viado, que seja! É sua escolha,  não concordo mas aceito. Porém, entrar em casa e encontrar na minha cama um monte de afrescalhados tagarelando como garças vadias, ah, tem dó, isso já é demais! – Disse-me naquele momento aos sussurros,  puxando-me para si com receio que as pessoas próximas ouvissem.

E essa conversa naquela oportunidade me deixou confuso e  agoniado: Há muitos anos eu não via meu filho. Sim, reside com a mãe e a única coisa que soube na época da nossa separação é que foram morar num estado do nordeste. Fiquei pensando sobre a revolta de Elias e os mais de 20 anos de minha distância bastaram para questionar se, igualmente Claudio Alberto não teria se tornado gay. E se assim fosse, sei que acabaria por aceitar apesar do ranço cochichar em meus ouvidos machistas –“Cara, você marcou bobeira e deixou acontecer bem debaixo do teu nariz” - . E as mães, assim como nós também não escapam dos seus infernos particulares: Jamais imaginam ter uma prostituta ou lésbica dentro daquelas divindades que foram geradas sem seus ventres –   

- Porra, por que eu não sou Deus? Se fosse, daria uma nova chance para mim e para todos e tudo voltaria a ser como deveria ter sido – Era a voz pastosa e desordenada de Elias que me acordava das profundas questões existenciais.

“e tudo voltaria a ser como deveria ter sido”  - Gostei da frase que pareceu surtir efeito entre as prostitutas que pareciam se divertir com as babaquices do boca-mole. A conversa começava a me aborrecer:

-Mas quem disse que Deus é perfeito? – Provoquei-o - Se fosse, não nos teria deixado nessa situação... – Finalizei contestador

- O problema nunca esteve em Deus, Porfírio! O problema está entre nós! – Retrucou exaltado, suspendendo a bunda da cadeira e socando o tampo da mesa.

-Ok! Quer saber, Elias? Deus é tão imperfeito quanto nós homens, mulheres,  cãos vadios ou de pedigree, e  todos nós que vivemos para trair e sermos traídos.

De alguma forma o que eu dissera parecia ter surtido algum efeito sobre ele, apesar de não ter sido a minha intenção referir-me ao seu problema. Sua feição se tornou sombria e o corpo isento de controle automotor arqueou-se sobre a mesa.

-Deus é perfeito sim, Porfírio! – Ele me chamou para perto de si, flexionando num vai-e-vem dos quatro dedos da sua mão direita, – Então continuou

– Essa perfeição esteve presente até no fato de ter colocado aquela vadia em minha vida. Vez ou outra ele brinca de gato e rato com a gente. Gosta que testemos nossos instintos de autopreservação, que mostremos à ele que os problemas têm soluções – Elias falava como um pastor presbiteriano – Inistia

- Imperfeito fui eu que me deixei cegar. Indícios ela me deu aos montes, mas eu fazia que não via. O que Deus não quer é nos ver foder  o rabo do gato. Ele nos quer fortes, triunfantes diante das adversidades. Era uma missão tão simples a minha....e até nisso eu falhei – Disse com a voz tão embargada que eu pude sentir sua dor.

As prostitutas, talvez pelo passado tão duro e cruel  pareciam satisfeitas com a infelicidade do meu amigo. E isso é comum, afinal as mulheres se tornam demasiadamente unidas e cúmplices  quando são elas o fato da traição. Sempre encontrarão motivos que as justifiquem, e mesmo que não haja, fatalmente criarão. Confirmando o que eu acabava de deduzir, uma delas tornava inconteste as minhas conclusões:

-Todo homem tem o que merece ter! – Exclamou em alto e bom tom - Astuta não nos dirigiu o olhar, disfarçando como se não falasse do meu amigo, um teatrinho particular como se contasse à amiga fato que nada tivesse a ver com o pobre Elias.

Elias ao ouvi-la se enfureceu,  ainda mais que dito por prostituta. Levantando tentou manter o equilíbrio, e assim que se pegou relativamente ereto se dirigiu para mesa delas. Chegando, encarou com severidade a garota irônica:

-Escute aqui minha filha! Que você sabe da vida? O que sabe sobre mim? – Repreendeu-a – Você é um nada! É apenas uma puta vadia e ordinária! –  Era o coisa ruim tomando a pele do pastor.

Os dois se olharam profundamente e eu esperei uma reação da garota já que, geralmente as prostitutas adoram escândalos. Ao contrário que supus ela o olhou com compreensão e sem ressentimentos e parecia não se sentir ofendida, afinal, sabia que não havia mentira ali. Os freqüentadores ávidos por baixarias dirigiam gracejos para nós. A garota apenas sorria  de forma cativante.

-Aí tio, bora parar com essa tristeza toda!  Nós viemos aqui pra beber ou ficar lamentando  amores do passado? – Depois continuou – O tiozinho não quer me pagar uma cerveja? Essa daqui ta fervendo! – Disse apontando para a sua garrafa. Em seguida espalmou a mão por detrás da nuca de Elias e puxou-o na direção do seu corpo – Desequilibrado, foi o suficiente para o peso do corpo desabar sobre ela, e levar ambos ao chão.

Diante da cena tão patética eu não pude deixar de rir. A colega, preocupada com os mais de 120 quilos do meu amigo levantou-se rapidamente e foi ao auxílio da amiga. Ao erguer-se da mesa a sua curtíssima saia subiu ao ponto de me deixar ver a sua calcinha amarela. E em pé eu pude notar que a guria além de ser razoavelmente atraente, ainda era dona de um belo par de pernas. Igualmente, levantei-me e fui tentar ajudá-la.  A puta irônica gargalhava estridente sob o corpanzil do Elias, enquanto a de calcinha amarela se esforçava para tirá-lo de cima da colega. Assim que conseguiu, meu amigo rolou para o lado e eu pude ver os detalhes da garota que se levantava garota. Tal como a da calcinha amarela não era de se jogar fora apesar do queixo quadrado tornar suas feições um tanto rude. Mesmo assim não deixava de ser atraente o seu corpo mulato e bem torneado, apesar dos seios, diminutos, não contrastarem com o volume das pernas. Contra mesmo, só aquela voz num timbre rouco e nada harmonioso. Depois colocamos nossas mãos à serviço do Elias e com certa dificuldade  conseguimos levantá-lo. Assim que recomposto e em pé, ele grudou na  mulata e alisou partes do seu corpo. Foi a chance que a puta aguardava:

-E aí tio! Ta a fim de um programinha legal?

Elias afastou-se do corpo dela e a fez girar sobre si, inspecionando-a de cima abaixo – Parecia interessado no que via -

-Quanto é a morte, gostosura? – Perguntou, dedilhando os dedos na barriga de cerveja.

As duas se entreolharam como se decidindo o valor a ser cobrado.

-Seguinte tio! – Respondeu a mulata recostando o corpo no peito do Elias – Como é fim de noite, dá pra fazer um abatimento legal. – Sorriu, jogando os fartos cabelos para um dos lados enquanto a sua mão esquerda ajeitava no sutiã o seio que na queda escapou do bojo Elias se antecipou e antes que ela estabelecesse o preço, jogou:

-Bom, nós só podemos pagar  oitentinha.  Porteira fechada, é  pegar ou largar! – Propôs  não demonstrando dar muito interesse. Depois dando as costas voltou para a nossa mesa. O aparente descaso a impressionou:

-Feito! – Concordou  a de calcinha amarela. A outra, de pernas apetisas apenas assentiu com os ombos. Talvez um passarinho na gaiola fosse melhor que dois  voando.

Ah, o sacana do Elias não sabia apenas entregar cartas - Sorri -.

Apesar do cachê não ser dos melhores, elas sabiam que dificilmente poderia surgir algo melhor naquela noite. Ao sairmos do boteco ainda negociávamos a questão dos quartos. Algumas idas e vindas acabamos por acertar que racharíamos as despesas com hospedagens. 

Eram quase três da matina quando nos reencontramos na portaria do hotel após uma leve dormida. Elias se despediu apressadamente das garotas, como querendo ir-se rapidamente dali. Despedi-me da minha com uma passada de mão na bunda e seguimos em frente e depois entramos e caminhamos por uma viela deserta. A madrugada excessivamente fria e pródiga em neblina e lâmpadas mercúrio nos postes era pródiga em me fazer sentir um transeunte das madrugadas de  Londres.

-E aí Elias! A ta garota foi uma grande trepada? - Perguntei – Antes mesmo que ele pudesse concluir, antecipei o que fora a minha transa:

-Que garota fantástica. Ô putinha pra foder gostoso, viu! – Disse-lhe num sorriso de satisfação Ele me olhou com olhos inexpressivos.

-A minha não!

-Como assim? A sua garota parecia ser um tão profissional, tão sacana.

-Parecia mesmo! Mas, eu não fazia menor idéia o que havia debaixo da sua calcinha vermelha.

-Não vá me dizer que.....? – Questionei-o incrédulo.

-Pois é! Ela era ele! Até que tentei transar o seu traseiro, mas a idéia de que estaria fodendo um homem me fez brochar – Respondeu suspendendo os ombros para depois soltá-los com certo desânimo.

Olhei-o com certa piedade. Ele apertou o passo e eu o ouvi tagarelar sozinho. Fitava o alto e apontava o indicador na direção do nada:

- Deus, porque comigo? PRIMEIRO: O Senhor tem que me fazer parar de beber. SEGUNDO: O Senhor está cansado de saber que não sou chegado à esses pervertidos. TERCEIRO: Os que mais odeio são os travestis! – Resmungou chutando uma desavisada lata de lixo interposta em seu caminho –– Repentinamente ele parou, virou, e me perguntou:

- E quer saber de mais uma, Porfírio?

-O que, Elias? –

-Deus é perfeito porra nenhuma! – Dito, voltou-se para frente e apertou ainda mais os passos.

Eu tentava acompanhá-lo, mas, as gargalhadas comprimiam o meu estômago e não me permitiram caminhar. E assim, seguimos em frente, atravessamos ruas , entramos às direitas, esquerdas até percebermos a claridade logo mais à frente. Chegando próximos percebemos que eram as luzes neons  do letreiro dum boteco boca de porco que,  pra nossa sorte e desafiando os  ventos da madrugada ainda se mantinha em funcionamento.
Entramos e pedimos cervejas. Sentamos em cadeiras dessas mesas oferecidas pelas cervejarias e permanecemos quietos olhando para os rótulos de nossas cervejas. Provavelmente ele pensava na ex enquanto eu questionava a perfeição do meu fígado, evidente, espantado por ele ainda lá.

Levantei, aproximei meus olhos aos do Elias e tentei ver-me  refletido na parte mais escura do seu olhar. Impossível. Ele sequer me olhava e mantinha-se fixo no  rótulo da sua cerveja.
“E meu fígado?” –Questionei-me apalpando a região – Sem nada por fazer voltei para o selo da minha cerveja - Do fígado a única coisa que percebia é que continuava drenando e  me mantendo vivo.  Agora, exceto o fígado, saber se eu era ou não saudável são outros quinhentos.
E eu me imaginava nessa situação quase perfeita duma minha imperfeição se iniciou ao me enfiaram nesse mundo de muitos pés e quase nenhuma cabeça.

Perfeito? Perfeito, oras, perfeito é Deus! –  Murmurei comigo mesmo. Eu e meu amigo éramos contrastantes.

Elias me ouviu, porém nada falou, apenas voltou para o seu selo de cerveja.


Copirraiti 2009
Véio China©