terça-feira, 27 de março de 2007

A primeira vez num puteiro.


-Uiiiiiiii! Que pau gostoso, guri. Isso, assim, espirra pra tua putinha, espirra! - Ela sussurrava.

E foi exatamente dessa forma e numa cama de um madeiramento forte que acabara de dar minha primeira gozada em puteiro, fato que aconteceu no fim dos anos 60. O local me recordo até hoje,  Picuia, era assim que o chamavam. E estar ali foi o pontapé inicial dum “boyzinho” recém saído da mais progressista cidade, a mudança da família, e a minha tentativa de me adaptar às pessoas dum lugar provinciano do interior do Paraná.

recordo também que para estarmos na Zona tínhamos que percorrer mais de 20 km  contados a partir do centro cidade, 15 dos quais em chão batido, enfrentando buracos, barrancos, pedras, enfim, deixando muitas coisas para trás.  E seguíamos em frente enquanto eu observava as densas nuvens de poeira que se formavam à traseira do Ford Belina. Perturbadora era aquela sensação gélida da noite que me tornava ansioso, já que pouco mais adiante teria que enfrentar a  minha prova de fogo, o batismo de uma alma juvenil no primeiro puteiro da vida. Evidente, como era de se esperar me vestia de inexperiência e duma desbotada calça Levis unida aos sapatos vermelhos e à camisa rendada do mesmo tom que,  fazia de mim um ser diferente aos olhos locais. E era assim que a maioria me via; um garoto cheio de frescuras, alicerçado nas arrogâncias que se provêm dos centros mais desenvolvidos, fato que jamais neguei, afinal, comparando-me aos jovens dali chegara à conclusão que eu era "o cara" uma espécie de Roberto Carlos local. Portanto para mim, além da Picuia havia o prêmio dum  reinado solitário, sem súditos, plebe de fariseus que de mim  desdenhava por pura inveja, pois jamais haveria para esses sujeitos a estonteante timidez das garotas mais bonitas.

E  foi embarcado nesses pensamentos que o automóvel seguiu adiante, e convém lembrar que ver-me à caminho do puteiro era o prêmio por minha excelente atuação uma semana antes para o goleador dos gols mirabolantes e que nos deram a vitória sobre um dos melhores times da cidade na semi final do campeonato. Nosso time era conhecido como  " Os garotos do Aviação" e até onde a memória me faz recordar o Aviação era clube de fachada e onde o futebol se constituía no prato principal. Porém ele não o era,  e mesmo que disfarçado com mesas de pebolim, bilhar e ping-pong por suas dependências teve que ceder  lugar para o dinheiro grosso que se provia no carteado. O Aviação  funcionava diuturnamente e alguns que por lá davam as caras  pareciam tipos estranhos,  de credos, larguras e cores. Algumas pessoas aparentavam certa importância em  roupas caras, rescendendo à colônia Campos do Jordão. A sede do clube  se compunha duma casa enorme, sem placas de indicação,  protegida por muros de concreto que tinham por finalidade mantê-la discreta, fator imprescindível para o ramo da contravenção. Claro, não é difícil imaginar que o grêmio só pôde manter em funcionamento  graças às prováveis propinas pagas às autoridade locais que, por ironia tinham o dever de coibir e erradicar a jogatina pela cidade. E essa era a realidade, mas também havia a esperteza do presidente do clube, o Sr. Hanashiro que, no intento de mostrar seu lado benemerente praticava algumas ações filantrópicas no auxílio de famílias pobres da região, tornando o futebol o carro chefe de sua popularidade, principalmente ao levar  para o time três ou quatro garotos de favela. Portanto, não havendo sócios e nem mensalidades não seria menos verdadeiro admitir que éramos  mantidos às custas do lucro da jogatina..
E assim era o time  do "Aviação" garotos de faixa etária entre 14 e 16 anos que, suando a camisa a cada dois domingos  disputavam o campeonato juvenil da cidade. Sim, evidente, havia prêmios; Se perdêssemos, nada! Mas se ganhássemos, ah... se ganhássemos comíamos lanches e guaranás  à vontade no Bar do Mané, próximo ao clube.


E para lá fui levado pelo meu primo porque tinha um bom futebol, além de ter jogado num time dos bons de São Paulo. Evidente, o fato de ser galgado à condição de craque do time me possibilitou regalias como a de ficar zanzando pelas mesas de carteado sem ser questionado por ninguém. E também era isso que a recente memória reconstruía ao desbravarmos aquela estrada de pó e depois de ter mentido pra minha mãe afirmando que dormiria  aquela noite na casa do primo. E no clube ninguém me questionou, já que para aqueles japoneses o fato de ter mais de 15 anos significava ser o dono do próprio nariz. Por consequência  continuamos rodando até que  num ponto houve a brusca guinada à direita e depois de 300 ou 400 metros adentrávamos o terreno. Olhei para meu  relógio Orient e ele marcava 22 horas de um sábado. Imaginei que sendo a "zona" encontraria um lugar legal e de certo refino e garotas muito gostosas. Que desilusão! Ao entrarmos no terreno de parca iluminação avistei luzes coloridas no interior duma grande casa construída em madeira. Sim, era a Picuia.

Manobrando alguns metros adiante a Belina teve que desviar de algumas cabritas que, por mais que buzinássemos permaneciam tranquilas, olhando-nos até com certa indiferença.
Sim, certamente um tanto decepcionado não pude deixar de achar engraçada a situação, ainda mais ao verificar que havia próximo outros animais como  galinhas e porcos. Recordo ainda que me questionei  se não seria algum disfarce para manter a "zona" longe dos falatórios da sociedade, afinal sempre foi sabido que na Picuia sempre houvera uma ou outra  menor, assim como descaradamente liberavam  o acesso para menores de 18 anos, desde que lhes trouxessem algum dinheiro.
Bem...chegando, paramos o veículo e descemos e fomos recebidos pela  dona Goiana, a sorridente dona do bordel. Dona Goiana devia ter seus 53 ou 54 anos, mas ainda notávamos  algum estilo em seu porte e nas curvas no corpo. Olhando-a mais atentamente tudo indicava  que anos antes houvera uma mulher atraente no alto daquelas pernas  relativamente bem torneadas  E isso pude perceber no traje que vestia; uma elegante saia em linho negro e uma blusa branca em voil, onde, na altura do seio esquerdo um gracioso broche de ouro adormecia espetado. O traje justo  poderia lhe sair  mais atraente se não dessemos pela falta de um dos dentes no seu sorriso que se abriu amplo. Entretanto convém frisar que mesmo que faltando um dente na arcada superior, tal ano maia não lhe comprometia o conjunto.

Ao entrarmos na casa houve festa para o Sr. Hanashiro, pois pelo visto gozava de ótimo conceito tal a cordialidade que nos foi dispensada.  Foi então que nominalmente fui apresentado a dona Goiana. Ela sorriu e eu gostei do seu sorriso, e ele foi terno e tão acolhedor que o dente pareceu não fazer falta. Ao entramos ela pediu às suas meninas que providenciassem bebidas. Tudo se deu urgentemente e o litro do uísque Old Eight  e um par de cervejas foram colocados sobre a mesa adornada por toalha plástica com motivos florais  próxima à parede. No salão, talvez de 40 metros as singelezas de algumas luzes em tons de azul e vermelho tornavam o ambiente algo que "depre" enquanto na vitrola  Altemar Dutra iniciava o lamento de sua cantoria com a  "Sentimental Demais". Era o sinal para que as meninas tirassem os “cavalheiros” para dançar. Seguiu-se depois Bienvenido Granda e o "Perfume de Gardênia"  e isso animou ainda mais o lugar. Sucessos e mais sucessos bregas desfilavam enquanto o esperto japonês   amparado por seu cacife tomou conta da  garrafa de uísque juntamente da melhor garota do lugar. O nome dela não me recordo, mas podemos tratá-la por Marta. Isso! Marta será o seu nome daqui para frente.

O que me recordo é que Marta era uma garota linda, dona de um corpo escultural, e ela se  agarrou ao senhor Hanashiro como se ele fosse um Buda de estimação. E eles dançavam e eu ficava olhando enquanto as outras garotas me fitavam com certa insistência. Porém algo aconteceu comigo e definitivamente eu não me interessara por qualquer uma delas, exceto pelos olhares de Marta. E esse encanto veio pelo  seu modo de falar, um sotaque quase cantado, coisa de gente ao Sul do país. E isso aliado aos lábios delicados da boca carnuda e um sorriso devastador acabaram por me deixar caído por ela.  Na mesa e com ela ao seu lado o  Sr. Hanashiro ria e bebia enquanto as outras meninas  tratavam de se ajeitar com seu homem. E eu ficava atento aos movimentos delas e as via  sumir pelos corredores da casa, seguido do som de portas se fechando. Portanto eu tanto recusei as olhadas das outras garotas que, com a chegada de novos clientes  foram se desinteressando por mim. Para elas, talvez eu fosse apenas um garoto bonito e movido à arrogância. Talvez também não perceberam que havia algo de timidez, todavia deve m ter achado que a prepotência não enche bolsa de ninguém. Ainda me mantinha á mesa com os amigos do seu  Hana que, sempre voltava à mesa e emborcava o seu uísque e retornava pra Marta que o esperava para a dança no centro do salão. E eles dançavam colados, se esfregando,  e as mãos dele escorriam pela bunda de Marta que, entre risinhos safados e um aparente ar de surpresa procurava retirá-las de lá. Por meu lado, não poderia me queixar, afinal, ele bancava as bebidas e qualquer garota que escolhesse, mas como eu  estava a fim da Marta e não sendo possível tê-la,  achei por  bem surrupiar algumas doses do seu uísque, o que também se constituía um fato novo para mim.

E, ali parado, tentando descobrir o significado e o por que eu fora parar ali e por cima ainda interessado na  garota que a prudência me pedia para desprezar  foi que me bateu a vontade de beber. E eu bebi, e o líquido desceu rasgando e me queimava como se fosse  labareda viva, dessas que tostam alguém pelo tubo laríngeo  E eu bebia sem nenhum comedimento e não desgrudava os olhos do corpo de Marta enquanto dançava com o Sr. Hana. Abarrotado de desejos  eu me amparei numa espécie de parapeito de uma das janela e me aproveitava quando o japonês fazia o movimento do giro para poder cravar os olhos em Marta. E ela percebia e até retribuía, já que, apesar da bebida eu tinha a mais absoluta certeza que ela piscava e sorria para mim. Passado algum tempo e sem nada para fazer se não fosse observar as pessoas se bolinarem,  foi inevitável embebedar-me, pernas trôpegas e quase nenhum controle motor sobre mim. Repentinamente tudo começou a rodar; o salão rodava, as pessoas rodavam, e rapidamente saí e me distanciei da casa para vomitar.
E aquilo foio nojento, pois conforme eu vomitava, duas cabritas pareciam brigar entre si para saber qual teria a supremacia de lamber o meu vômito.

Ainda aproveitei para nos fundos da casa molhar meu rosto num pequeno tanque de pedra, para depois retornar ao prostíbulo. Na volta, a dona Goiana, vivida nestas situações logo sacou que eu seria um "garoto problema" e que poderia causar vexame maior; Experiente, ela sabia que era mera questão de tempo. Carinhosa,   me pegou pelo braço e sorriu com ternura ao me amparar pelo corredor.  Cuidadosamente foi me levando pelo estreito vão até entrarmos numa das portas, onde me deitou numa cama de casal de um quarto grande e simples. Ao sair, ouvi o clique do interruptor e a luz se apagou e então a sensação que veio foi horrível. De repente me senti um jogo de criança, um peão feito de gente  e tudo continuava girando, rodando, e eu me sentia mal e novo espasmos do vomito vinham. Instintivamente levantei e sentei-me na  cama e tentava  vomitar ali mesmo, mas não havia mais nada para sair. Eu amparara o peitoral nos cotovelos dobrados sobre as pernas,  e após outras inúteis tentativas de vomitar percebi que as contrações foram cedendo e os meus olhos começaram a fica pesados, difíceis de se manterem abertos.

E assim se passou algum tempo e era alta madrugada quando fui acordado por uma boca me sugando como se fosse um picolé de baunilha. O meu pau latejava e eu não sabia se era de tesão ou a vontade de mijar, apesar que não faria qualquer diferença naquele momento. Repentinamente uma sensação boa me tomava, e me sentia extremamente bem com o membro colocado dentro daquela boca.  Tomando consciência do fato soergui minha cabeça e ao meu lado um par de pernas  traseiras voltadas para cima e no outro extremo delas a boca de Marta me sugando com sofreguidão. Puta que pariu! Ali estava a garota que tanto desejei.
E ela, discreta, procurava não fazer barulhos significativos e eu não compreendia aquele tipo de atitude, pois sempre diziam que putas eram escandalosas. Porém não era isso que ocorria, e dela eu só ouvia o som discreto de sua boca lambendo o meu pau seguido de murmúrios sulistas num tom tão baixo que só essas frases me coube ouvir -  “Uiiiii, que pau gostoso, guri. Isso, assim, espirra pra tua putinha, espirra!”  -E assim fui despertando e tornando-me vivo para tudo que se passava. A sugada era maravilhoso e eu começava a gostar da sensação que a  boca me proporcionava, a língua, os dentes roçando o meu pênis, me deixando maluco e com a  impressão de que o gozo se aproximava. Foi então que  senti o pau queimar como se ardendo nas entranhas do inferno; Era o meu momento que chegava "Ahhhhhhh" murmurei num orgasmo.

E os seus olhos ainda se cravavam nos meus e com o membro se exaurido do espesso líquido  sugado por aquela boca ouvi um forte ronco vindo do seu lado. Assustado levantei ainda mais a cabeça e dei com o corpo do Sr. Hanashiro no canto da parede. Icei o tórax e olhei  para ele e achei repugnante suas pernas brancas, flácidas, abarrotadas de veias azuladas. Ele se vestia com as mesma camisa e uma cueca samba-canção  branca e  tão encardida que  quase me faz vomitar novamente. Num dos cantos dos seus lábios escorria uma gosma espessa e transparente e ele continuava a roncar alto,  e o ar parecia rarear nos seus pulmões, e por momentos ele não respirava, e era como se a morte o estivesse esfregando as mãos, satisfeita. Então como se assustado pelo próprio ronco ele teve sobressaltos, pigarreou, e novamente virou o rosto para a parede e votou a dormir.
Fato consumado e livres do perigo,  Marta levantou-se e sorriu. Foi assim dessa forma que pude ver que  estava de calcinha e sem sutiã. Eu percorria as vistas em cada milímetro do corpo maravilhoso de uma mulher  na exuberância dos seus 23 ou 24 anos. E ela,  peitos poderosos, levantou-se rebolando o mágico par de nádegas comprimido por uma calcinha branca dirigiu-se ao banheiro, onde fora dar a sua mijada de cerveja e  livrar-se dos restos de esperma contidos em sua boca.

Talvez nesse curto trajeto ela tenha refletido sobre a sua vida. Talvez tenha se perguntado se as coisas permaneceriam como estavam ou  se alguma boa chance sorriria. Talvez tenha sido isso, e mesmo que,não fosse, ou houvesse perguntado a mim e não à ela,  igualmente não saberia o que lhe responder.  E assim que ela se retirou do quarto tudo me pareceu tão triste e sem esperanças naquele fim de mundo e nos lençóis manchados de porra. Olhei novamente para o lado e o japonês desleixado persistia roncando no canto da parede, e continuei me questionando sobre ela, quando retorna. Admirando-a me questionei: "Será que durante a madrugada ela deu uma trepada com o seu Hana?"  Ainda eu não sabia mas, essa dúvida sempre me acompanhará por toda a existência, pois a cultura os oriental sabe que o silêncio e a discrição é o desfrute da sabedoria. Insisti, questionei-me novamente e sem encontrar qualquer indício que houvera a trepada acabei por fazer  uma aposta comigo mesmo, optando pelo "não transou" pois estava suficientemente bêbado para conseguir a ereção, afinal ele não tinha os meus 16 que acabara de completar à coisa de uma semana.

Assim que Marta retornou par o meio de nós dois o cobertor foi puxado e ela virou a bunda para mim e me encaixei nela até até voltarmos dormir. Acordamos lá pelas 8 da manhã e Marta persistia dormindo, porém, surpreendentemente o meu corpo estava de lado e voltado para o lado de fora da cama, sinal que ela deve ter me virado para evitar problemas com o japonês.  Lembro que o seu Hana fez sinal, tocando o dedo na frente dos lábios me pedindo para evitar o barulho. Recordo também de ter olhado pra ela pela última vez, e  ela dormia estirada à cama. Procurei ser o mais cauteloso possível e ela se manteve serena, mesmo que à luz  do dia, talvez até mais linda que antes. Continuei olhando para ela, e de diferente apenas os cabelos que,  pareciam  agora de uma tonalidade mais clara que o tom da noite anterior. Antes de sair e fechar a porta do quarto lembrei das minhas questões quanto ao seu destino e repentinamente me senti  transbordando ternura por ela. Foi então que silenciosamente lhe desejei o topo, o melhor e o sucesso, sempre e para sempre.
Após ser abraçado e beijado carinhosamente pela dona Goiana, além das recomendações para que não voltasse a beber (disse que eu era muito novo) entrei no carro e partimos. Retornávamos quietos, os três  japoneses e eu, e a mesma sensação de vazio me tomou quando virando a cabeça na direção do vidro traseiro novamente dei com a densa nuvem de poeira. Só que dessa vez havia cor, havia vida, e eu a olhava atentamente para  aquela imensidão de pó na tentativa  de definir a tonalidade mais apropriada.

Aquilo me entreteve e continuei fitando as poeiras que se avolumavam a cada metro percorrido.  Depois perdi o interesse e voltei a minha c abeça e o sr Hanashiro dirigia compenetrado. Bati a mão no bolso, tirei um cigarro do maço  e o traguei no instante que ao japonês ao meu lado tossiu incomodado. Foram quatro ou cinco tossidas, secas, dessas parecidas com a dos cachorros que engasgam. Olhamo-nos e  sorrimos com sorrisos amarelados e eu continuei em completo silêncio, à espera do cigarro terminar. Assim que senti ao cigarro esquentando entre os dedos abri o vidro pra jogar a bituca. Foi quando o sr. Hanashiro fala para o  amigo sentado sentado ao lado no banco do passageiro:.

- Aquela piranha é gostosa demais! Outra vez a danada me fez gozar três vezes!

A frase foi tão bombástica que me soou como a melhor das piadas. E o meu riso, no início, contido, se tornou gargalhada. E eu olhava pra ele e para a sua austera expressão,  e aquilo me pareceu engraçado, pois achara que mentira tão deslavadamente que, ao fim foi impossível  me conter. Agora sim eu tinha a mais absoluta das certezas que em toda regra haverá exceções,  e que nem todos os descendentes orientais são sábios. Bom, pelo menos aquele não me parecia ser sábio o suficiente

- Ta rindo do que  garoto? - Perguntou num tom sério, fitando pelo retrovisor; Talvez desconfiado que as risadas teriam conotações com o assunto dos orgasmos.

- Nada não, sr Hana! Estava me lembrando das cabritinhas da dona Goiana! - Disfarcei, e apenas continuei sorrindo. E a jogada pareceu providencial.

Ele parece ter recordado e riu e bateu fortemente na perna do rapaz ao lado. Os outros japas  também riram, e agora com a brasa do cigarro quase me tocando a pele foi que flexionei o dedo médio sobre o polegar e através do  vidro escancarado atirei pra longe a bituca. E o vento úmido penetrando pela janela traseira pareceu incentivar que colocasse a minha cabeça para fora do vidro. Foi o que fiz e senti um ar frio que chicoteou meu rosto causando ótima sensação. E lá, com os olhos fechados e cabelos esvoaçantes eu sorri satisfeito e em paz.
Não era sorriso de desdém, não, não era. Era um sorriso solitário e de quem tinha a certeza que  não perdera a aposta que fizera comigo mesmo; jamais aquele japonês falastrão teria tido três orgasmos.

Podem achar estranho, mas...nunca mais finquei os pés numa casa de prostituição.


Copirraiti11Jan2013
Véio China©

quarta-feira, 14 de março de 2007

Mulheres & Sentimentos & Relacionamentos

As vezes dou meus “roles” por aí e vejo pessoas recorrendo à história antiga e nesse embasamento dissecar a mulher aos olhos da cultura. Isso me faz questionar: qual é fator relevante que isso possa ter? Pra mim, nenhum, afinal gosto de analisá-las através do meu senso crítico, desprezando essa estória de recorrência aos anais, que por fim poderia ludibriar meu conceito daquilo que suponho ser uma verdadeira fêmea.


Acho que ser uma mulher é nadar num oceano de sensibilidades, enfrentar temporais, ondas bravias e ainda se manter milagre de insistir à tona e com o coração pulsando. Nós, os homens, costumamos ser meio sacanas e então ao menor dos seus repentes ou sensibilidades as taxamos de piegas, choronas e cheias de frescuras e sensibilidades descabidas. Por vezes o tempo, que é o senhor absoluto da razão, nos faz perceber o quanto somos injustos.

Lembro que há pouco tempo li um artigo de um amigo e achei interessante a sua dissertação quase que biológica daquilo que ele entendia por mulher. Falou da gravidez e da fantástica natureza que a faz gerar e carregar vidas dentro de si. Achei interessante, mas achei um tanto frígido o aspecto biológico da coisa pois isso nos permite concluir que as nossas mães (com uma ou outra ressalva) foram e são os únicos seres mortais mais próximos da perfeição. E justiça se faça e, nem sempre haverá unanimidade ao falarmos nos nossos pais (homens) biológicos.

E isso tudo nos é muito complexo apesar de sabermos que não ficamos sem elas, independentemente do tempo e da idade, já que procuramos acreditar que sempre haverá um bom e velho par de chinelas que caberão milimétricamente em nossos pés calejados.

Claro, existem boas mulheres, algumas românticas, sensíveis e, outras más, autoritárias, prepotentes. Muitas são uns verdadeiros pés no saco mas isso nada pode significar pois partimos da premissa que alguns de nós os somos também. E pensando nisso me ocorreu um exercício interessante; Que nós homens ( com uma ou outra exceção) ao passarmos a vida ao lados dessas mulheres (que posteriormente abominaremos) chegaremos a conclusão que a história ( na hora da separação) não fora tão grandiosa quanto gostaríamos que fosse. Fatalmente é comum sentenciarmos que as marcas deixadas nessa vivência jamais foram e se farão grandiosos e de boas recordações.

Porém, nessas horas esquecemo-nos por completo de tudo que de bom que houve nesse relacionamento. O curioso é que na outra ponta (quando elas se vão) sempre haverá alguém atento e disponível para a ex-mulher, e esse outro alguém poderá achar interessante nelas aquilo que não mais achávamos e que nos aborrecia.

E isso me deixa perdido e confuso ao analisar as sensações e sentimentos que cada uma delas podem causar em nós. Evidente, não serei tão machista ao ponto de não admitir que a recíproca se fará verdadeira e, que a mesma situação ocorra com elas com relação a nós.

Eu acho que talvez seja isso. Talvez e em essência as mulheres são sentimentos, sensibilidades e uma vagina quente e úmida, e que, uma em especial poderá te deixar maluco e com a cabeça nas nuvens e os pés no inferno. E essa te consumirá. Essa que você quis para presente e a embrulhou em magnífica embalagem, mal podendo ver chegar a hora de se ver livre dos laços coloridos e ficar admirando a sua beleza. Talvez a essa você possa amar loucamente e nutrir por ela sentimentos nunca antes experimentados por outro alguém.

E nós, os bons companheiros de “pingulim”,com as nossas hereditárias naturezas machistas, talvez não aparentemos romantismos ou sensibilidades como elas gostariam, afinal somos mais antenados mais à matéria do que ao lirismo, mais às formas que ao espírito. Aliás, também se constitui em engano feminino imaginar somos totalmente isentos de sensibilidades, mas, confessadamente, o orgulho exacerbado de alguns jamais permitirá que os lindos olhos da parceira vislumbrem a demasia de mazelas, de sensibilidades, e muito menos a fraqueza de sentimentos. E então, bravamente nos sustentamos nessa aparente e enganosa frieza de emoções, "coisa de macho" como alguns gostam de pensar, apesar de isso não ser totalmente verdadeiro; quem de nós não deixou lágrimas na solidão dos lençóis? Quem não sofreu pela perda de um amor? Portanto qualquer um de nós que tenha passado por isso sabe que ao sermos abandonados por alguma mulher, justamente ou não, sabe que ela nos deixará algo de muito doído. E essa sensação de abandono e de solidão nos dói terrívelmente e então nos tornamos agressivos, secos, sisudos, quietos e de quase nenhuma conversa. Do outro lado, algumas elas quando libertas daquilo que as incomodava poderão eventualmente ser vistas em alegres e festivos “happy hour” juntamente dos sorrisos das amigas no melhor shopping center da cidade.

Ah! Mulheres! Poderemos amá-las, idolatrá-las, porém nem sempre conseguiremos compreendê-las.

domingo, 11 de março de 2007

Solidão&Consciência, Pênis&Bundas.


O dia amanheceu sem raios de sol, sem o calor aquecendo o ar, sem risos e sem choros.
Mais uma madrugada passada entre quatro paredes e, durante boa parte dela o único clarão da minha existência foi a tela do meu do monitor.
O cérebro ainda não parou de pensar e até quando mijei eu pensei e, olhando pro meu pau, tentei recordar se ele já fora maior algum dia. Eu o olhei, olhei e por mais que tentasse eu não consegui. E isso começa se tornar preocupante conforme a gente se pega sendo tocado pela velhice e, esse negócio do tamanho do pau nem é por achar qual é tipo de impressão que posso estar causando às mulheres ,afinal, P, M ou G ele tem cumprido o seu papel. E, em não sendo esse o motivo, só restou a opção de ser uma questão de amor próprio ou de autopreservação de mim. Seria mais ou menos como se eu olhasse pra Dona Natureza com cara de poucos amigos e lhe questionasse : - Que merda! vai encolher o meu pau? O que ele tem a ver com isso?- E a Dona Natureza, ar de sacana e sorrisinho besta me fulminaria: - O tempo é inexorável com todos, meu bom velhinho!- E aí a gente percebe que nada há a ser feito. Então, eu continuo olhando-o e me questiono se as mulheres sofrem das mesmas preocupações. E me ocorre que sim. Acho que elas deslizam as mãos em si e apalpam o volume e verificam a flacidez dos seios. Em seguida verificam as formas das pernas e olham pelo espelho e esperam ver no fomato das nádegas algo que ainda possa ser atraente, se ainda são altas ou arrebitas. E, qualquer que seja o resultado, a memória se fixará em alguns anos anteriores e elas se recordarão que o conjunto fora mais vigoroso, mais esbelto. Relembrarão o bumbum empinado e firme, e o quanto ele deixava um sujeito mauluco só em vê-la passar no justíssimo jeans. Então chego a conclusão que a Dona Natureza é implacável e que tentamos ludibriá-la com a tecnologia da estética. E nesse campo, há cirurgiões e esteticistas pra todos os paladares e então dá-lhe plástica, silicone, lipoaspiração, botox e outros bichos. Nas mesmo assim, quando optam por um desses caminhos, sabem que a manutenção é obrigatória e tão importante quanto ao ato da "reforma" em si. E aí?
Bom, aí só ao abastado financeiramente falando, sob pena de assim não o fizer de ver a emenda ter saído pior que o soneto. Mas como essa possibilidade e destinada a poucos privilegiados, sabemos nós, os pobres e meros mortais, que trilharemos o caminho da naturalidade e, que ela, soberana, nos fará sentir a ação do seu tempo.
Bem, afinal não era bem sobre isso que estava pretendendo falar e sim, tentar encontrar algum significado pra nostálgica solidão.
Sou solitário por opção e as vezes, zanzando por aí, lendo uma coisa ou outra internet afora, deparei-me com uma crônica de um escritor onde ele diz categoricamente que prefere os animais aos homens. Como ele não mais se encontra entre nós, se torna impossivel perguntar-lhe se o seu cachorro assaltasse a comida da sua geladeira, se vestisse as suas roupas, sapatos, ou o seu gato mijasse fora do vaso sanitário e defecasse em cima da louça do jantar, se ele manteria a mesma opinião. Eu acredito que não. Claro que nós amamos os animais e principalmente os nossos mas, a grande vantagem que eles levam sobre nós é o fato que geralmente só atacam quando se sentem acuados e ameçados na sua preservação da espécie. E isso os torna únicos e bem diferentes de nós que, não necessitamos sentir-nos ameaçados para poder atacar e destruir. E um fator leva a outro e então percebo no que nos tornamos e passo a admitir a nossa hipocrisia quando falamos que devemos ajudar e amar o próximo como se fora nós mesmos. Falamos, emocionamo-nos, fazemos até programas de TV e somos capazes de derrubar algumas lágrimas mas não compartilhamos o que é nosso e, mesmo que sejamos essencialmente bons, uma ou outra vez vamos nos pegar na contravenção daquilo tudo que dizemos defender. E por mais que briguemos com nossos "EU" sacamos que somos humanos, portanto,inconstantes e, mesmo na eventualidade de sermos bons, haveremos, uma hora ou outra, de ser mesquinhos e maldosos. Mas como,genéticamente, somos portadores de alguma astúcia e malandagem, sempre procuraremos usar as situações que possam nos favorecer e, mesmo não gostando de admitir, sabemos que nos justificamos em velhos ditados, tal como o “olho por olho e dente por dente” para abrandar a expressão e a sede da nossa vingança.
Com isso, concluo o seguinte; Nunca deveremos esperar muito de nós e, imaginarmo-nos lineares o tempo inteiro é mera utopia.
Somos e havemos de ser tal qual os dias. Uns serão belos e ensolarados e outros, cinzentos e chuvosos.
Hoje por exemplo, me sinto meio sujeito a trovoadas.

sábado, 10 de março de 2007

Fakes, verdades, mentiras, Orkut e o tribunal de exceção.


Silêncio! Silêncio!
- Queira o réu levantar e ouvir a sentença.
- A União o condena a 1 ano de reclusão ou pagar a fiança de 15 mil reais! - o proferiu, dentro daquele ar severo e na sua pertinaz aparência de dono absoluto da verdade.
- Eu sou inocente! Eu sou inocente! Eu vociferava para uma platéia constituída de uns 6 ou 7 gatos pingados, todos desinteressados, evidente.


Plaft,plaft,plaft...E ele batia insistentemente o martelo na bancada e, eu me perguntava se haveria algum local específico pra abrigar as batidas, afinal, a União não poderia ficar arcando com os danos que elas causavam na mobília antiga e de bom gosto. Dessa forma, ao me levantar e aproximar para ouvir a sentença eu pude ver em cima da mesa, uma peça sobressalente de madeira que amortecia as marteladas e, por mais estranho que possa parecer, aquilo me confortou.
E sentença proferida, eu olhava para o advogado que me fora indicado pelo Estado já que eu não tivera a menor possibilidade de arcar com os honorários de um. Ele era um daqueles garotos legais, de fala meiga e de boa aparência, talvez uns uns 24 ou 25 anos e o jeito de quem esperava se dar bem na vida, mas, que naquele momento, sentia-se intimidado pela austeridade do juiz que em boa parte do julgamento (julgamento? uma piada,isso sim!)o intimidara ao indeferi-lo sistematicamente nas suas alegações. Evidente, e eu sabia que já fora sentenciado antes mesmo do julgamento iniciar,quando ao sentar-se no banco dos réus fui olhado de forma preconceituosa e odiosa pelo senhor juiz. E provavelmente aquele foi um caso recíproco de antipatia mútua pois também não fora com a cara dele. Mas acredito que a prepotência aliada ao seu preconceito deve ter abalado o pouco que sobrara da autoconfiança do meu advogado, e de tal forma que o fez sentir-se tão ou mais culpado do que eu, e aí, nada ou quase nada ele pode fazer por nós. E eu o olhava, e ele não conseguia me retribuir o olhar e, se encontrava tão assustado como se fosse um gatinho arrancado das tetas da mãe,e então, passados alguns segundos, ele levantou o olhar e me fixou desajeitadamente e, eu pude sentir toda a sua decepção por não ter conseguido me livrar da acusação.
Como nada mais havia a ser feito só me restou rir de toda aquela comédia absurda. E assim, eu acabara de me conscientizar que estava condenado a 1 ano de reclusão, já que não havia os 15 mil reais para que isso não passasse de um mero prejuízo financeiro.
- Ok, Erico,está tudo bem! Apareça em lá casa para tomarmos umas cervejas quando tudo isso terminar - eu disse a ele antes que me saíssem porta afora.
- Ok, vou sim, senhor China, aparecerei por lá! - respondeu ele ajeitando os papéis e os enfiando dentro da maleta executiva.
Claro, ele nunca apareceu e aquela vez fora à última que eu o vira.


Mas qual foi à acusação? estarão me perguntando.
Ah! A acusação foi simplesmente de ser um perfil FAKE e transitar livremente pelo ORKUT, barbarizando outros perfis normais e detonando pessoas de boa índole e de boa fé. E talvez eles não gostassem desse meu transito exacerbado, livre e sem compromissos pelas páginas das pessoas, falando o que bem quisesse, insinuando aqui e ali casos amorosos ou mesmo, hipotéticas trepadas virtuais.
Talvez não suportassem a idéia de que me escondesse sob o anonimato de um perfil irreal e sob o manto dele, em alguma Comunidade por aí, insinuasse qualquer tesão por um outro perfil, ou que dissesse que gostaria de transar com alguma madame X, fosse ela um perfil falso ou não.
E por falar em perfil FAKE, nada como considerar algumas situações dentro de algumas Comunidades que prezo muito e as quais se tornaram minhas favoritas. Nessas comunidades as pessoas são inteligentes e interessantes e o nível do papo que rola são legais, e onde se respira também a literatura nas suas mais variadas formas de expressão e isso me faz sentir um aprendiz, sempre. Mas mesmo assim, mesmo que levemos esse nível em consideração, numa dessas comunidades aconteceu um fato curioso, onde os FAKES foram acusados de “hipocrisia” Evidente que essa postagem se tornou agressiva e, essa posição, inclusive, foi compartilhada por um outro garoto que é escritor. Acho que a maior virtude de um escritor é não transpirar preconceitos contra nada e todos, e então me surpreendi. Evidente que se utilizar um perfil FAKE em alguns casos possa se revestir de um certo mau gosto, pois nem todos o utilizam como nós, que conseguimos fazer do nosso perfil, uma identidade "quase" que real, tal é o nível de interação e o tempo de contato que mantemos entre nós.
Bom, no frigir dos ovos tudo terminou bem e afinal eram duas pessoas de um nível elevadíssimo e conseqüentemente a intolerância deu vazão e a razão aos poucos foi tomando o seu devido lugar. Evidente que me senti parcialmente atingido pois, tal qual, estou FAKE, apesar de não fazer qualquer diferença mostrar ou deixar de mostrar o rosto. E sabemos todos que o Veio China nada mais é do que um personagem perdido entre os milhares que compõe esse virtual espaço, e como tal eu o faço manter-se nessa condição, apesar de que, por vezes ele se apropria de algo de real de quem o usa e expressa a sua opinião.
Haverá mais algum sisudo juiz de plantão??
.....................................................................................
Ninguém?

*Posteriormente, houve esclarecimentos por parte da pessoa citada como "escritor" e chegou-se a conclusão que o apoio que ele declinou era no sentido de que esse assunto tão polêmico no Orkut deveria ser discutido de forma mais ampla e democrática. Acusei, consenti e me desculpei com a pessoa.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Um velho que não se deixa pegar.



A vida se torna agressiva na velhice, como se conspirasse contra todo processo de normalidade biológica, anos a fio.
E conspira contra todos os velhos, principalmente com os de fala pausada, de frases imprecisas, pernas trêmulase e movimentos desconexos. Hostiliza-os, agride-os e é implacável com os seus corpos e na deterioração lenta e progressiva da função dos seus orgãos. Mas tão inquestionável quanto morrer é o nascer, então há de se partir para que outros tenham a oportunidade de chegar. E, já que a partida é inevitável, que tentemos ao menos ir da maneira mais digna e normal possível.
E a normalidade não se constitui de regras ou padrões pré-definidos e sim naquilo que nos faça bem e nao nos torne infeliz
E é bom envelhecermos, fazendo-nos compreender, sendo compreendidos e acompanhados pelos bons amigos e pela dignidade de haver conseguido atravessar o caminho tão longo e árduo. Envelhecermos em nossas casas, mesmo que sós, urinando de 7 a 10 vezes por dia e, engolido por dois comprimidos de Atenolol. Envelhecermos com estirpe, com um notebook no quatro e a Playboy debaixo da cama. Envelhecermos com um certo estilo, jogando damas na pracinha da bibioteca.
Envelhecermos com classe, sempre, exalando o ar da modernidade, enquadrando, deixando-se enquadrar e, quem sabe até, acompanhado por uma loira de peitos redondos e bunda empinada e com idade de ser sua neta. Envelhecermos também com os vinhos, cervejas e conversas fiadas, jogadas fora com amigos de bar. Há algum problema nisso?
Acredito que não.
Enfim, envelhecermos bravamente tal qual os indômitos heróis, como se fossemos um Don Quixote, um Lancelot, um Cassius Clay. Envelhecermos dando roles por aí e pitando "um" se for necessário. Envelhecermos protestando, empunhando bandeiras contra aqueles que nos oprimem e agridem a nossa cidadania. Envelhecermos e não nos deixarmos pegar (sempre querem nos pegar) ou, no pior das hipóteses, envelhecermos embriagados e até o apagar da consciência numa festa andrógina e de alguns garotos insanos mas legais. Envelhecermos na glória, na missão cumprida da velhice normal, cercado de filhos, assistido por um plano-saúde quitado até a última prestação ou, infrlizmente, num posto de saúde ou na fila do INSS ( se der tempo).
Então que envelheçamos! Envelheçamos ricos e milionários, num caixão de 50 salários, ou pobres, miseráveis, largados na dura realidade das pontes e dos viadutos, em barracos de madeiras ou rastejando em casas de papelão. Que envelheçamos no rosto sulcado, vincado em expressões que hoje deprimem mas que foram vibrantes um dia. E pra esses, que o envelhecer nunca os deixe esquecer que a crueza da vida e as chances que nunca chegaram só foi o transitório entre o começo e o fim, a vida e a morte.
E cada um envelhe ao seu modo e ao meu. E envelheço aqui, a cada dia, cada hora, cada segundo, nesse mundo hostil, divertido, perdido, surrado, surrando, espanando o pó de de alguma literatura, respirando o mesmo ar desses garotos espertos e meninas safadas, que me invadem, me tomam, me divertem e me excitam.
E eu envelheço no cotidiano, no rodar dos ponteiros que avisam que o meu cronômetro biológico há muito já foi disparado, e que eu continue lutando sempe e, que sobreviva ao leão de cada dia, que ruge, que mostra as garras, desfilas os dentes, mas sei, e eu não me iludo, um dia há me pegar.
Apenas isso. E eu me olho no olho e percebo-ne refletido prlo espelho da vida e constato que o brilho já não reluz como antigamente. Reparo na pele e não há a mesma textura e oleosidade de outrora. E feição, um tanto pálida, começa a não dar conta do cansaço. E assim, eu percebo estar envelhecendo, sem hostilidade ainda mas, envelhecendo.

quarta-feira, 7 de março de 2007

O dia que Bukowski se tornou Fake e criou o Orkut.


Estávamos em 1992, portanto a dois anos da minha morte, quando me passou pela cabeça que em qualquer um daqueles dias um desses garotos cibernéticos, com um QI duas vezes acima da média, criaria um site de relacionamentos a nível mundial. E, que a partir desse conceito surgiriam páginas pessoais que seriam definidas por perfis. Criariam-se também comunidades das mais variadas e inusitadas com o propósito de discutir qualquer assunto que se possa imaginar. Evidente, isso seria interligado por usuários que em rede global permanecriam conectados por computadores pessoais, geringonças medonhas que se parecem mais com um cacete do que uma bunda.

E eu acreditava que fosse mesmo acontecer,apesar de não ter certeza se conseguisse me manter vivo até lá. E se conseguisse a façanha, eu torcia pra que chegado esse momento me fosse possível passar incólume e sem ninguém pra saber da minha identidade, torrar-me os culhões ou lamber-me o rabo. E como a revelação de uma curiosidade é o orgasmo dos insatisfeitos, perguntariam; Mas, há algum motivo para que o senhor não queira que saibam da sua real identidade? E eu responderia: não, é só o mero prazer da diversão.
E dessa forma que eu me veria. E o faria justamente para não inspirar qualquer outro sentimento como o da vaidade ou outro tipo de competição, afinal, os nossos egos, vaidosos, estão sempre necessitando se sobressair e se afloram facilmente quando colocados sob pressão em confronto com os dos outros. Obvio, e em acontecendo, suponho que haverá sempre uma seleta minoria exigindo todo o realismo que eles julgam possuidores. Imagino também que nestas páginas haveria algum tipo de álbum fotográfico e as pessoas em sendo bonitas e pródigas em estética , não exitariam em mostrar as linhas perfeitas de um corpo dourado a beira de uma piscina ou nas areias de um mar. E isso lhes satisfaria as vaidades como o estivesse desafiando num "Está vendo? isso é ser real" pra em seguida arrematar "Ei! e você por que insiste em não se mostrar?” Então eu penso nisso e questiono se não seria esse um caso de exibicionismo e chego à conclusão que seria bem provável, mas, de bom grado aceitaria como definição o termo ”vaidade" para não gerar mais polêmicas e dissabores com esses perfis tão reais.
E era sobre isso que divagava quando me perguntei:
-Sr. Bukowski, existiria algum termo com o qual gostaria de ser rotulado?
Fiquei pensativo afinal, convenhamos, que é difícil conseguir passar desapercebido, anônimo e, não querer expor a sua identidade parece incomodar grande parte das pessoas. Em todo caso levei isso em consideração, deixei a mente fluir e as idéias brotaram aos montes mas, nada que definitivamente gostasse, até que;
-Fake! Fake!- exclamei.
E eu, encontrava aí o termo que tanto eu procurava. Bem...era temerário ser um fake e sair por aí grafando abobrinhas, coisas que talvez de cara limpa eu não tivesse peito suficiente pra dizer. Então,eu sabia que daria a oportunidade pra me pegarem pelo rabo. Sei que me acusariam de ser sem personalidade, recalcado, doente e o cacete a quatro. Fariam isso sem dó e sem piedade, mesmo sendo, muitos deles, uns bons filhos da puta travestidos de gente de bem. E geralmente, esses se julgam os donos da verdade e se consideram tão espertos e ardilosos que tentam se passar por dóceis cordeiros mas que, na realidade são tão falsos como um belo diamante de vidro. Bem, era tanta merda que achei que uma a mais ou a menos que não faria a menor diferença.
-Fake! está decidido,- e eu seria um fake do rabo.
Mas, mesmo assim, ainda me sentia incomodado pela idéia. Será que me deixariam em paz, mesmo não sabendo da minha identidade? Acho que não e quando menos se espera surge um desses sujeitos metidos a defensores da moralidade, perfeitos cagadores de regras, desses que certamente lhe torra o culhão com um prazer quase sádico.
E esse tipo de sujeito é o supra-sumo da babaquice. É daqueles que se irrita só pelo fato de não pensarmos ou compartilharmos das mesmas opiniões. E, ele sabe que vai te pegar e fará de tudo pra que isso aconteça, nem que seja necessário cheirar o teu rabo através do vitrô do banheiro.
Que merda! Por falar nisso, quebrei um dos vidros num dia que estava bêbado e o barulho da porrada e dos vidros se estilhaçando no corredor talvez tenha acordado algum vizinho mas, ninguém se manifestou já que sabem que bêbado eu me sinto o valentão do pedaço. Mas o que me fez macetar a mão naquele vidro? Sinceramente eu não sei, mas me recordo do talho e do sangue jorrando feito esguicho maluco e eu, correndo, tropeçando, esbarrando , derrubando móveis a procura de um pano, na tentativa de estancar o sangue que escorria pela mão e deixava no piso um contínuo trilho vermelho. Lembro que fiquei três semanas com aquela porra de ferimento e que as pessoas aparentavam nojo quando se deparavam com o relevo grosso e escuro que se formou no topo da mão e que, depois de completamente seco, a casca que se formara foi desprendendo e aí só a lembrança da marca de uma cicatriz.
E eu recordava todas estas coisas quando reparei que, por displicência, havia deixado acabar os cigarros e que meu lote de bebidas se traduzia em três latinhas de cerveja e a metade de uma garrafa de vinho do Porto.
- Porra! hoje não é mesmo o meu dia de sorte!
Olhei pela pequena janela e a tarde estava morna mas, as nuvens se tornavam pesadas e soprava um vento ligeiramente úmido que deixava a certeza que a chuva não tardaria. Olhando ainda, eu percebia que as nuvens cinzentas se fundiam a outras mais claras e antes que o aguaceiro me pegasse, resolvi sair e comprar as bebidas e o cigarro.
E, antes de deixar atrás de mim o velho e enferrujado portão de entrada, ainda balbuciava:
-Fake, fake -

terça-feira, 6 de março de 2007

Hank - Um cão no divã do analista -



Hank, pra quem  não sabe é meu cão e de idade avançada, talvez  8 ou 9 anos, não sei ao certo. Lembro que ele veio morar comigo há uns sete anos atrás, época que perdi a  minha mulher para uma doença cancerígena e terminal. Naquele tempo me dividi entre sair zanzando por aí à procura dum rabo de saia que  aceitasse as minhas manias, torcendo para que me adaptasse às dela ou a possibilidade de adotar um cão ou gato.
A bem da verdade eu nunca fora chegado à criação, principalmente aos animais domésticos, todavia as paredes da casa não miavam, não latiam e apenas silenciavam brancas como a cor do latex das paredes.  Minha  análise e decisão foi fria, calculista, primeiro descartei as mulheres, pois as além das minhas manias  tinham as delas, afora darem mais trabalho que cães e gatos juntos, depois vieram propriamente os felídeos, apesar de serem dotados duma natureza  independente que julgo essencial, mas que mesmo assim não preencheriam os requisitos para uma convivência pacífica e tranquila.
E sobre eles só me foi imaginar situações cruciais para chegar à conclusão que não queria gatos e nem gatas aprisionadas no meu telhado desfilando um linguajar de cio,  luxúrias à brisa de madrugadas mal dormidas.
Sei que os aficionados por gatos poderiam sugerir que abrindo mão da discriminação providenciasse a castração, entretanto jamais aceitarei tal aberração, para mim seria o mesmo que me extirpassem os bagos ou fizessem-me a postectomia, enfim,  um ato cruel e desumano.

Portanto mesmo sabendo que cães dão muito mais trabalho que gatos e menos que as mulheres me dirigi ao Canil Municipal e me interessei por um Tosa-Ken, um cachorro oriundo do Japão e de instinto guerreiro. Olhei para ele e o cão me pareceu ser maltratado pela vida, e me olhava tão inofensivo e carente que mais se assemelhava a uma cria indefesa. Talvez o animal estivesse com um pouco mais de um ano e  trazia consigo marcas que testemunhavam os maus tratos que sofrera.  Perguntei sobre ele e o funcionário  respondeu que  após denúncias ele  fora resgatado,  inclusive trazia  cicatrizes nas patas, cabeça e no centro do peito. Resumindo, me foi impossível deixá-lo ali, pois ele me olhava com tanta abnegação mesmo existindo outras pessoas com interesse na sua adoção.  Como decidi primeiro e com toda papelada acertada saímos de lá e nos dirigimos para o estacionamento. Ele caminhou calmo e dócil e  se deixou conduzir por uma correia de couro que se prendia à coleira. Antes me deram uma espécie de carteirinha de vacinas com  futuras datas de aplicação.
Postados junto à porta do passageiro eu lhe pergunto:

-Ei  cão! Qual é o teu nome? . Ele me olha com a mesma atenção de antes e depois continuou impassível, como se esperando alguma decisão minha.

-Bem..é que estou pensando em  chamá-lo de Kerouac ou Hank. O que acha de... Kerouac? - Ele novamente me olhou e permaneceu em silêncio. Sim, pretendia homenageá-lo com o que dizia a respeito do meu mundo  literário. Ele persistiu olhando e depois elevou o corpo e cravou as patas dianteiras no vidro da porta.

-E que  tal, Hank? - Perguntei ao abri-la e o mimei com um carinho na cabeça. Surpreendentemente ele latiu  duas vezes e abanou o rabo. Era o sinal que gostara do último. E assim aos quase dois anos de idade nascia Hank. Então ele subiu para o banco ao meu lado e estamos juntos até hoje.

Claro, Hank é um animal inteligentíssimo, porém cheio das nove horas. Entretanto justiça se faça; é um cão imponente e amigável, principalmente com as crianças. Por vezes, me deparo perdido no tempo como se não houvesse nada de interessante para se viver que não analisar o temperamento do safado. E não sei se é pelo acaso de nossa longa convivência e ele nada viver que não seja sua ração e os falsoa ossos do Pet Shop da esquina é que me faz crer que ele tenha assimilado parte dos meus vícios, e eu, alguns dos dele.
Além de amigável, Hank é um cão altruísta e que não se prende em coleiras, apesar do porte,  pois gosta de estar liberto e  valoriza a  independência, mesmo que para isso tenha que refutar as regras dos homens.

E não que ele seja unicamente manso, não, definitivamente não o é,  principalmente com outros cães que se metem á valentões,  mas é um cão que sabe respeitar o espaço que não lhe pertence.
Esperto e lúcido lembra das suas duras experiências e  sabe que a mesma mão que afaga pode fazê-lo sofrer. Porém nos dias de hoje e com certo aguçamento Hank pressente o perigo  e procura evitar situações  indesejadas, nem que  para isso seja necessário bater em retirada. Sim, confesso que também é um tanto temperamental, pois  é comum flagrá-lo desinteressado àquilo que satisfaz a maioria dos cachorros. Todavia se  pretendermos  vê-lo feliz é só darmos a ele a liberdade para passear e farejar por todos os cantos. E ao tê-lo de rabo abanado é o indicador que está feliz  e se interessa por algo.

As domingos ele se torna ansioso e adora adora relaxar as tensões na padaria da esquina. Assim, semanalmente nós vamos à panificadora do Joaquim. Lá chegando ele se posta à porta do estabelecimento e à frente de uma dessas máquinas de assar frangos e se torna  atento aos movimentos dos espetos, num comportamento que faz  divertir as pessoas que estão ali para adquirir os seus galetos. Sem tirar os olhos máquina e das portas de vidro temperado alguns que  por ali transitam o conhecem e fazem carinhos em sua  cabeça, mas ele não dá por suas presenças,  fascinado pelos movimentos dos espetos e da carne que se doura. E desta forma, sentado no próprio rabo ele permanece por mais de hora assistindo o seu filme favorito - "Os frangos assados do primo Josué" - E ao fim o Jô  lhe dá uma boa porção de pequenos pedaços que se desprendem ao corte da tesoura, e ele a abana o rabo e come seus tira-gostos avidamente. Sim, sei que deveria ao máximo evitar alimentos que não sejam a sua ração, mas é que o vejo tão alegre que não gostaria de me tornar um desmancha prazer. Lanche ingerido é hora de sairmos dali e irmos para o passeio que mais o incita; O Parque Municipal.
E sabendo que tomara contato com outros cães segue á minha frente pulando e cheirando por todos os cantos, e do seu faro não escapam nem as flores ou os sorvetes  descuidadamente derrubados ao chão pela gurizada. E como ali é uma área pública e aberta é comum encontrarmos muitas cadelas passeando pelas alamedas arborizadas, e quando Hank as vê o seu peculiar jogo de sedução se inicia. Frio e calculista ao tratar com o sexo oposto, sabe que o contato com alguma delas o deixará  tenso a ponto de notarmos a contração dos músculos do seu corpo. E, nessas horas e mesmo que se encante por alguma tem por hábito não mostrar excessivo deslumbre, assim como estupidamente fazemos quando expostos à situações que nos deixam de cabeça para baixo.

E o Hank  aguarda a ansiedade ir embora e mais relaxado age com absoluta naturalidade ao inspecionar as candidatas com o seu exigente faro. Como um perito ele domina perfeitamente a técnica do cheirar, do sentir,  e isso sim para elas o torna indecifrável e excitante.
Insinuante e calmo ele vai fazendo o seu trabalho ao se posicionar paralelamente à escolhida e  roçar-lhe os pelos, tomando a precaução de nunca fixar-se demasiadamente aos  olhos da parceira.. E ela, talvez desacostumadas com supostos descasos percebe nele um semelhante de estirpe   e isso a a faz apegar-se  mais e mais.. Enfim, na arte da sedução o Hank é praticamente  imbatível, e ele persiste nesse fascínio até a certeza do melhor momento para penetrá-la. Ato concluso, agora sim explicita a supremacia num estilo "babe por mim garota" do  mal agradecido que cuspiu no prato que comeu. E a sua atitude de certa forma abala a auto-estima da companheira e então ela procura se enroscar numa tentativa desesperada de continuar chamando a sua atenção. Sim, já vi algumas cadelas agirem dessa forma com ele, porém nessas ocasiões Hank se irrita e torna-se  hostil. Óbvio, isso  obriga a companheira  a ceder o terreno e deixar-lhe o caminho livre. E esse é o momento que sorrio encabulado, pois não gostaria que ele fosse assim, mas há de se  respeitar a natureza de cada animal. E a cadela se afasta como se fosse carta fora do baralho, e la se vai o paradoxal velho e  jovem Hank se acompanhando dos seus macetes e à procura de novas conquistas.

E essas questões me fazem pensar, pois mesmo que eu admita a sua suposta indiferença ou dificuldade ao corresponder à afeição das fêmeas, se não seria o seu desinteresse a forma de se proteger de  futuras dores ou dissabores. Talvez  e mesmo sem ter sabido de minha história ele me tenha por exemplo e pressinta que apegar-se demasiadamente à fêmea e essa relação  ruir, sabe que poderá sofrer. Evidente, minhas teorias poderão ser  ridicularizadas por pessoas que não sejam leigas no assunto, mas mesmo assim eu não o culpo por Hank manter essa distâncias, afinal, ele é apenas um cão e que só tem a mim e à ninguém mais.
E é aí que reside a minha eterna preocupação, pois sendo um animal  não há em nele o discernimento de que o seu dono não será eterno, talvez nem mesmo perceba que não estou com essa bola toda. Se há coisa que a vida me ensinou foi a última e dolorida lição, e também porque alguém na minha idade jamais deva se imaginar favorito numa corrida contra o tempo. E é isso que  Hank não percebe e não sabe que pessoas com alguma idade estão sujeitas a passarem dessa vida para outra a qualquer instante, seja pela banalidade duma gripe mal curada, um caroço surgido inesperadamente, ou uma artéria importante e que jamais se supôs entupida.

Se isso me é desconfortável? Evidente que sim. Então me questiono;. E se ele partir ele antes de mim?
Bem..se ele morrer primeiro certamente sentirei a sua falta e sempre vou olhar para o seu cantinho e sentir saudades do seu rabo abanando. Vou relembrar suas doçuras, o focinho repousado no piso e os seus olhos quase humanos me fitando de baixo pra cima.
Porém... e se eu for antes, de imprevisto, fulminado por coisa qualquer e  na solidão de minha própria casa,,quem cuidará dele?  Quem se habilitaria?
Por via das dúvidas sempre deixo sacos da sua  ração favorita nas portas dos armários inferiores da cozinha. A princípio e neste eventual e fatídico dia ele estranhará e sentirá minha falta pois não ouvira a minha voz o chamando. Então Hank olhará desconfiado e me procurará pela casa. E em me achando ficará comigo por umas boas horas num lamento solitário, afinal, eu sou seu pai e sua mãe. Entretanto ninguém é de aço e nem vive de brisa e a fome há de apertar e ele procurá por alimento.

Sim, eu o conheço bem e sei que seu faro dará em alguma das portas dos armários com propositais fechos frouxos, e que, com alguns dos seus toques de pata se abrirá  facilmente. Inteligente, não será a embalagem da ração que impedirá o seu apetite, pois Hank tem dentes poderosos e sacolejará parte dela até que  se rompa, e então espalhará os pequenos petiscos pelo chão. E como Hank é cheio das nove horas, talvez se lembre de mim naquele instante, já que sempre estou ao lado quando come. Pra ele é um momento difícil e crucial e se dividirá entre voltar para onde estou ou comer a sua ração. Porém, de estúpido e tolo ele nada tem e saberá que essas frescuras não o levarão a lugar algum e nem encherão a sua barriga.
Então o cão-gente, triste e resignado balançará timidamente o rabo e num olhar órfão comerá a sua  comida.


Copirraiti19Jan2013
Véio China©



Uma trepada no elevador de um bairro judeu.

Estava com 33 na época e a recente separação ainda me perturbava e por mais que tentasse me enganar e convencer de que não mais amava a ex-mulher havia sempre o seu fantasma me perseguindo por onde quer que eu fosse.
E eu, sem alternativas, ficava vagueando por aí, procurando algo perdido, mas que imaginava encontrar novamente; O amor. Todavia as únicas coisas que essas andanças me reservaram foram pernas, bundas e seios da melhor e pior qualidade, coisas que não faziam sentido, mas que me serviam pra elevar a auto-estima e abandonar aquela sensação de ser um saco lixo largado na lixeira do condomínio.

E o sentimento da baixa-estima, estruturalmente é foda, nada mais é que a comiseração por si como um ator zombando da própria interpretação. Tornei-me uma espécie de canastrão ao sair com algumas dessas garotas e levá-las pra hoteizinhos baratos, porém depois do objetivo atingido me via na mesmice de sempre e questionava o que poderia fazendo naquele lugar e que tal qual pela garota não nutria nenhum sentimento.

E isso, ao mesmo tempo em que me confundia também excitava e eu gostava de ver aquelas garotas e seus corpos debaixo das duchas presenciando suas intimidades com o sabonete. Podia parecer louco, mas vê-las manipular o sabonete antes das relações era como conhecer a fundo os seus íntimos. Adorava as mãos deslizando pela tez, tocando cavidades enquanto a água escorrendo pelos cabelos ganhava-lhes o corpo. Contudo depois do orgasmo tudo parecia perder o sentido e, a excitação se ia num torpor de sensações, e eu ficava lá enrolando, bebericando uma cerveja ou tragando um cigarro.
E assim eu levava a vida e vez ou outra tirava algum fim de semana pra pegar as crianças e sair com elas pra dar umas roles por aí. Evidente, a grana sempre curta não me possibilitava fazer grandes programas e foram raras as vezes que pude dar o que queriam e mereciam. Minha existência exacerbava no estúpido marasmo quando eu a conheci.

O seu nome era Elisabeth. Olhando aquela garota atentamente podíamos notar algumas imperfeições; a pele porosa demais, seios pequenos apesar de redondos e bem feitos e gênio muito forte, aliás, forte demais. Era bonita e muito atraente naqueles olhos castanhos, boca carnuda e um sorriso devastador. E a sua imensa alegria de viver me contagiava e eu sisudo e quase sempre calado tentava me adaptar ao seu modo de ser. Evidente que nem sempre consegui e o meu estilo de poucas palavras e de certa frieza nas atitudes aflorava nela um sentimento de reprovação, e eu conseguia entendê-la e até achar compreensível as suas críticas.

Lembro também que na época eu começava num novo e ainda inexpressivo emprego e, mesmo sendo melhor que anterior não me permitia grandes coisas, portanto, ainda não dava para voltar a ter um automóvel ou ir num motel de classe. Mas já era alguma coisa e mantinha as contas em dia, a pensão alimentícia em ordem e os malditos dois maços de cigarros dentro de pulmões que um dia ainda me trarão problemas. E assim eu tocava e com o que sobrava me era permitido ir, talvez, duas ou três vezes por mês num motelzinho perto da casa dela. Geralmente íamos nos sábados. Era estranho pensar sobre isso, mas sempre me pegava no exercício de imaginar os motivos que fazem os casais preferirem os sábados à noite para ter relações.

Bem, o fato é que lá íamos nós e andávamos uns 10 minutos para darmos com aquilo que meu dinheiro podia pagar. A entrada da espelunca até que tinha certa atração, apesar de nem sempre nos deparamos com toalhas e lençóis passados. Lembro uma vez que reclamei pelo interfone, e o próprio gerente me atendeu e fiz a reclamação, ao que respondeu: “Meu amigo, tanta coisa importante pra você se dedicar e você vem me falar em toalhas e lençóis passados?” A minha reação foi de mandá-lo pro inferno quando ele bateu o fone da minha cara. –“O que foi?” - Beth perguntou surpresa com a minha cara de paspalho. Expliquei pra ela,aliás, foi a segunda mancada da noite, e Beth caiu numa estrondosa gargalhada. Talvez o sujeito estivesse até com a razão, afinal, mesmo sendo espelunca sempre havia um cheiro de água sanitária infestando lençóis, toalhas, fronhas, o que indicava que os germes não tinham a menor chance por ali.. Fora as noites de sábado sobravam-nos, os “amassos” que geralmente dávamos à porta da entrada do edifício dela, aliás, na parte interna do corredor. Lembro-me de uma ocasião muito especial em que estávamos numa noite não muito boa, e ela uma fera, pois havia cismado que eu estivera com alguém antes de encontrá-la.

- Fala! Qual é nome da dela, vamos.?

- Nome de quem? Eu retruquei

De nada adiantou e a ladainha recomeçou.

- Fale quem é ela? - Como não havia nada pra dizer ri irônico o que a deixou mais furiosa.

- Eu conheço esse perfume... é o Anais Anais – Ela sentenciou

- Mas que de perfume ta falando? – Me surpreendi

E aquela conversa toda começava a me aborrecer afinal o cheiro impregnado na minha camisa era proveniente do seu próprio perfume, pois aquela camisa saíra do varal diretamente para mesa e o ferro de passar.. Aos poucos ela foi se acalmando apesar de ainda me evitar. Estávamos lá, parados na porta de um prédio no Bom Retiro, um bairro tipicamente judeu, e isso significava ter mais tempo e a liberdade para ficarmos ali até pouco antes da meia noite, pois os judeus normalmente se recolherem cedo.
Enfim, a pouca prosa e o ressentimento não evitavam que ela estivesse especialmente bela dentro duma mini saia de jeans e uma blusinha de um colorido, um ar quase juvenil apesar de não sê-la.

- Então amor, esse cheiro na minha camisa é do seu perfume – Insisti pela terceira ou quarta vez.

Ela, já aborrecida o suficiente meneou sutilmente a cabeça em concordância, dando por encerrada a questão. O que é legal em momentos de paz é que logo após a desavença percebemos que é à hora de recuperar o tempo perdido e então os beijos se tornam mágicos e as mãos passeiam livremente e os toques íntimos nos deixam malucos

-Ai Ed, eu te amo! Prometa-me que vai ser sempre meu, prometa?

-Sim, pra sempre! – Arrisquei.

Bom, eu não sabia se eu seria sempre dela ou se ela seria sempre minha, mas o momento requeria a contundência dum "sim, sempre!". Porém certas frases têm o poder de remover montanhas, mudar dogmas, dúvidas em certezas, e foi o que eu fiz e foi o suficiente pra retomarmos os beijos e ao passeio das mãos.
A sua rua era tranquila e a partir das nove e meia da noite os carros começavam a rarear e um pouco depois das 10 e meia uma névoa, densa, que provida na estação do ano fazia-nos imaginar que estivéssemos numa Rua de Londres, num encontro misterioso e romântico. E eu ficava a imaginar o poder das estações e das situações climáticas e no quanto de poder elas tem de interferirem em nossas sensibilidades, pois não me recordo de uma única noite de chuva que me deixou longe da melancolia, contrário das noites de calor intenso onde as ruas ganham pessoas e os bares os seus clientes. Contudo aquela cerração nos deixava sensíveis, carinhosos e nós brincávamos ao ver o veículo vindo ao longe, em meio á neblina, e fazíamos apostas de qual a marca do carro, seu modelo, cor, enfim, somente há coisa de poucos metros é que podíamos saber o palpite vencedor, e então sorríamos e voltávamos a nos acariciar.  Geralmente o perdedor pagava a dívida em beijos, calientes, assim não era difícil deduzir porque ficávamos grudados um à boca do outro na maior parte do tempo.

E nós ficávamos ali, na porta de entrada, de ferro e até a altura de um metro e vinte. Depois, completando a sua altura um vidro liso e transparente. Depois dela, uns três passos, outra porta, idêntica, só que munida com uma fechadura reforçada, trava elétrica que funcionava perfeitamente ao encaixo da porta no batente.  Contudo eram ótimos aqueles vidros, pois possibilitavam total visão de quem saísse do elevador, pessoas essas que só tinham a visão de nossas cabeças, portanto, mesmo que estivéssemos em carícias mais quentes havia o tempo para nos recompormos.
Lembro que naquela noite estávamos por volta das 11 da noite e a gente continuava se bolinando e eu, com a mão por debaixo da sua saia apalpava suas coxas carnudas, excitação que me fazia subir os dedos e brincar no paninho da sua diminuta caldinha.
Ela, por sua vez descia o zíper duma surrada calça Levis que vestia e tirava o meu pênis pra fora e o acariciava. Obvio, quando a libido aflorava animalesca, descíamos nossos corpos, um de cada vez e brincávamos com os nossos sexos com a boca. Eu não sei bem o que as pessoas pensam sobre fato, mas quando subia o seu rosto e me olhava nos olhos eu adorava beijar a sua boca e sentir o gosto da língua que tinha acabado de me chupar. Isso sempre me pareceu e parecerá excessivamente sensual.

Enfim, o fato é que stando ali entre as duas portas, e com ambas estando fechadas, eu levantava a sua saia na altura dos quadris e penetrava meus dedos na calcinha e sentía o odor do seu sexo, misto dum cheiro adocicado e ácido,  depois, mais excitado, deixava minha mão percorrer outras partes do seu corpo. Eu gostava daqueles "ais e uis", porém a noite merecia terminar melhor que naqueles gemidos, então ajeitávamos nossas roupas e íamos para um local com raríssimas visitas naquele horário; O elevador. Lembro que aquela foi a primeira vez.

-Ai Ed, eu to muito a fim, mas será que não vai aparecer alguém? – Geralmente ela perguntava.

Curioso, a partir daquele momento essa passaria a ser a sua pergunta era padrão, e a minha resposta seria também.
Eu pedia pra não se preocupar, pois já estavam todos dormindo, e blábláblá.
E, outra; geralmente a razão se vê se subjugada ao desejo. Seus olhos ferviam desejo, então não nos questionou apesar de sabermos que sempre haveria a possibilidade de surgir alguém inesperadamente. Claro, e se isso ocorresse pegaria muito mal pra Beth, principalmente por residir no edifício, apesar de termos a sorte dela não ser e nem ter parentes judeus.  Contudo sabemos que o desejo é mais corajoso que o desafio e quer queiram ou não sempre gostamos das situações perigosas que afetem o nosso nível de adrenalina. Portanto estavam ali dois heróis que foram para o elevador e apertaram o botão 7 daquele prédio de sete andares, andar que ela morava, aliás, apesar de haver três apartamentos em cada andar, no seu só ela residia juntamente com a mãe, uma senhora viúva e de natureza e atitudes tradicionais.  A estratégia de paramos no 7o. andar foi pelo fato que, além da sua mãe estar dormindo num horário daquele, se chegasse alguém e acionasse o velho e lento elevador, haveria o tempo suficiente para nos recompor até chegarmos o térreo e simularmos estarmos de saída, e ela me acompanhando até a porta.

Claro, tudo esquematizado não demorou e começamos a nos beijar e bolinar enquanto eu, enlouquecido, forçava a descida da calcinha enquanto ela destrava o botão metálico da minha Levis. E assim estávamos naquela loucura e ela voltava a se sustentar nos joelhos e recomeçava a me lamber. Por meu lado, eu a ajudava se desvencilhar da calcinha lhe que insistia em dificultar as coisas. Com alguma dificuldade Beth se livrou dela e com a mini saia quase que enrolada nos quadris me permitiu ver como era apetitosa aquela garota. Era delicioso ver belas as pernas, o seu bumbum carnudo e empinado.  E ela judiava de mim ao se ajoelhar e desapertar meu cinto e ver a calça descer até aos tornozelos. Aí ela me sugava e com tanto gosto que sentia meu membro ardendo como estivesse no inferno, enquanto a boca fazia todo o serviço. E assim íamos naquela loucura até sentir que o orgasmo se aproximava, e evitando-o eu me desvencilhava de sua boca e ajoelhava-me em sua frente a brincava com sua fruta, lambuzava-me e ouvia os seus gemidos, quase sussurros.  E mesmo naquela insanidade toda procurávamos ser discretos, pois não queríamos que judeus soubessem de nossas sacanagens naquele elevador. Foi a hora que ela me fez subir o corpo, deu-me as costas, espalmou as mãos numa das paredes do elevador, separou as pernas, empinou o bumbum, e gemeu numa súplica:

- Vem Ed! Agora vem e me come!

Eu estava alucinado. Como era excitante olhar o seu bumbum, aquela pele lisa como porcelana sem defeitos. Eu gemi baixo, mordia os lábios quando entrei por trás e a senti quente e úmida. Que fascínio exercia aquela garota em mim e no meu tesão à flor da pele, embevecido ao ouvir e sentir a deliciosa feminilidade dos seus gemidos e movimentos compassados. E assim fomos copulando e sussurrávamos baixinho e era uma visão e tanto vê-la se contorcer ajudando a penetrá-la, até o momento de não mais suportar ao sentir o calor que toma o corpo antes do gozo. Foi o meu momento, foi o eu momento, e atingimos o orgasmo num mesmo tempo, juntos, essências ofertadas, doadas, num ato de libido e amor.

Eu ouvia os pequenos gemidos da fêmea satisfeita.
Tudo terminado e com a respiração ainda ofegante nos arrumamos e usamos o meu lenço para precariamente nos limparmos. Com a respiração sob controle descemos para o térreo e nos beijávamos. Beth exalava alegria, eu podia sentir um cheiro de felicidade quando á porta e após um beijo suave ela me falou:

- Ed, não foi apenas uma trepada. Foi mais, foi amor! Vá com cuidado - Recomendou

- Fica na boa, Beth, sei disso! – Respondi ao piscar o olho. Naquele momento acreditei piamente naquilo

E após um último e rápido beijo eu segui pela rua deserta e aspirei o ar frio até arder o peito. E andando olhava paras as luzes nos postes e a parca luminosidade delas sob cerração e imaginava um espetáculo de mágica e que a qualquer momento surgiria no meio do nevoeiro um grande mágico e sua cartola. E ele, metido num garboso smoking negro tiraria da sua cartola a maior das suas mágicas. Então ao chacoalhar um lenço de seda que deixaria de ser seda ao transformar-se numa pequena faixa de pano e onde eu leria: - Cara, felicidade é aquela que você se permite ter – Fiquei pensando naquilo enquanto andava pelo meio do nevoeiro e ri do absurdo, e segui passo a passo, corpo envolto na neblina, e me senti vivo, outra vez, como nunca e numa sensação de que as coisas começavam a fazer algum sentido. AMOR? Não, não sabia se era esse exatamente o sentimento que tinha por aquela garota loirinha de coxas grossas e bumbum arrebitado, mas sabia que estava sendo bom e me fazia bem.
Olhei pro relógio e ele marcava onze e cinqüenta, da noite, e eu apressei o passo, porque nos próximos 10 minutos estariam encerradas as operações do metrô de São Paulo.
Voltei os olhos para trás e a rua permanecia totalmente deserta. Naquele mesmo instante, Beth deveria estar entrando em seu apartamento de quarto/sala/cozinha e banheiro, e um pequeno terraço onde era possível observar os apartamentos do prédio da frente. Sei que ela escovaria os dentes, colocaria um pijama flanelado e rezaria pela mãe e por mim. Eu sorri e apertei o passo. Seria muito complicado perder o último trem na Estação Tiradentes do Metrô. 



Copirraiti11Jan2013
Véio China©

Um Domingo de filés e toda a doçura do mundo


Todos nós podemos ter um domingo especial em nossas vidas, e eu me recordo de um em especial .
Era um domingo que na verdade havia começado no sábado por volta das 9 e meia da noite. Estranho mas pela primeira vez estava vendo a Valdete e confesso; não tão bela quanto as suas fotos (a fotogenia nos torna bonitos) mas mesmo assim ela estava lá, real e não mais virtual. Lembro que na sexta havia postado algo na minha página do Orkut pra deixar sangrar um pouco dos sentimentos que me doíam. Acho que por vezes sentimos a necessidade de mostrar nossas feridas, mas sei que em muitas ocasiões nos fazemos de durões, orgulhosos e, então não queremos que vejam os nossos pontos vulneráveis. Claro, há todo o ranço machista, afinal queremos fugir dos estereotipos dos fracos, então permanecemos na nossa e preferimos a omissão. Mas que merda! seria sempre assim? Pra quê e por quê?

E essa exposição dos meus ferimentos foi pública, sentida e compartilhada por alguns que as leram e foi onde percebi que tem gente preocupada com você e com as suas emoções, e então fui acariciado, massageado e amei a sensação de solidariedade,porque as vezes nos valemos destes espaços virtuais só para o transbordar dos nossos egos e eu também acho que as vezes não fujo à regra. Voltando à Valdete, houve algo que me emocionou pela inusual solidariedade; Ela tem carro, eu tenho carro, mas ela mora muito longe de onde eu moro e então ela se posicionou de forma surpreendente ao dizer ao telefone

- Olha, pra você me pegar fica longe e pra ir de carro a noite eu não gosto, então pego o metrô e você me apanha na estação, Ok? -

Cara! eu não acreditei! Então aprontei os filés e queimei parte da mão e do braço ao virá-lo e ter escapado do garfo e respingado óleo fervente. Eu estava dolorido mas havia passado uma pomada pra aliviar a dor e fui pegá-la na estação.
Bom então ela chegou e a encontrei onde combinamos e ela parecia bem feliz ao me abraçar e depois beijar

- Esse é o meu Véi! - disse-me com um sorriso lindo.

Eu também sorri e lhe dei o braço e depois de 10 minutos de caminhada estávamos em casa e acreditem; ela fez valer cada local queimado, ela fez valer cada jato daquele óleo fervente que me ardeu como se eu fosse o próprio inferno.
Hoje, (domingo) quatro da tarde fizemos o trajeto de volta e sorriamos ainda. E ao ir, ela beijou docemente os locais das queimaduras, e disse docilmente

- Véi, amei o seu filé à parmegiana!!

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Sábado 2:50 AM


Sábado, 02:50 AM coloco os pés em casa.
O ranger no abrir da porta ecoa no corredor,  contudo acredito não ter interrompido o sono de ninguém (será que alguém faz amor a essa hora da madrugada?) Venho de uma noite diferente e não que eu esteja bem, não, não estou estou, aliás estou em péssimo estado. A diferença está no fato que desta vez não quis encontrar os antigos e costumeiros amigos de bar pra uma noite de bebedeira.

Foi diferente porque foi solitário e eu encontrei um bar próximo de casa e me parecendo interessante (principalmente ao estar vazio) achei por bem entrar. O atendente abriu um dos conjuntos "mesa-cadeiras" desses que são oferecidos pelas cervejarias e então pedi uma caipirinha de vódka e a primeira breja da noite. Um pouco mais tempo e outras duas garrafas e o local começou receber a sua gente habitual, garotos beirando os 25, notívagos e beberrões. Sentado num canto eu podia notar suas alegrias, suas vozes altas e expressões espalhafatosas.Eram garotos cabacanas que falavam de tudo, desde mulheres à futebol. E eu os achava irreverentes, e eles a todo momento me faziam participar da conversa, mesmo que nem soubesse ao certo que estavam falando. Aliás, são momentos mágicos, pois além de geralmente sobrarem sorrisos, pinta numa hora ou outra um copo extra de cerveja. E assim naquelas quatro horas que estive ali e sem saber ao certo no que e o que pensar, só me permiti acenar com cabeça e assentir com os comentário que fizeram.

Não bebi rápido. Quando você bebe rápido demais é porque é necessário terminar logo com aquilo, com as angústia que te acompanham ou os  momentos que exacerba em felicidade. No meu caso aquele momento não foi de um bem de outro. Então fiquei ali, quieto e sorvendo copos, sem pressa, sem me preocupar com a morte, o plano de saúde ou com as compras da quinzena num supermercado mais próximo.

Por volta da uma e meia da manhã  eu já tava bem tocado e ido diversas vezes no banheiro, inclusive na última vomitado parte das cervejas.  É engraçado e  muito comum de acontecer de novas pessoas ocuparem os lugares daqueles que se foram enquanto você esteve no toalete. Por vezes nos ficamos chateados por naõ termos despedido  dos caras legais sem ao menos um aceno de cabeça. Porém os caras que sentaram na mesa pareciam legais e pedi mais uma cerveja e a derradeira caipirinha.

Olhei para o relógio e ele apontava pras duas e vinte da manhã, então pedi a última cerveja, a saideira que gentilmente me foi oferecida gratuita pelo proprietário do estabelecimento.
Após,  paguei a conta e alcancei a rua, e aí sim pude ter a certeza que estava bêbado. E fiquei pensando no quanto a bebida é esperta e te pega desprevenido (todo bebum gosta de acreditar nisso) Também é muito corriqueiro nesses momentos você flagra-se num "auto-sermão" do tipo -Foda-se seu filho da puta! você não quis encher o rabo?-

Foi exatamente o que me perguntei ao continuar trôpego e invadido pelo gélido ar e aroma da madruga. Eu voltava para algum lugar, um retorno difícil e ébrio ao ganhar os oito degraus da escadaria de entrada do meu prédio enquanto o porteiro discretamente abria aporta que dá aceso ao saguão. Ele sempre me pareceu um funcionário cortês, além de dedicado, e o foi mais uma vez.

- Boa noite, seu Edu! - Claro, ele percebeu que eu estava bêbado.

- Boa noite, José! - Respondi numa fala mole.

Depois esbarrando nas pernas chamei o elevador que, em menos de um minuto estacionou no térreo,
Antes de entrar na gabine virei o corpo e José me olhava atentamente. Pego em flagrante ele desviou rapidamente o seu olhar e eu subi.
Saindo em meu andar o sensor eletrônico faz a uma luz de 60w se acender. É um corredor em granito num tonalidade bege e as paredes porosas num tom goiba. Antes de entrar no apartamento olho pelo vitrô do corredor e os faróis dos muitos carros que dão a certeza que  a esta cidade jamais dorme.
São exatamente duas e cinquenta da manhã quando entro em casa.


Copirraiti11Jan2013
Véio China

O dia que o trapezista caiu.


-Por favor uma cerveja e uma dose de vodca -  Pediu ao rapaz do balcão. -Ah sim, e seis dessas salsichas cozidas – Finalizou apontando pra uma dessas vitrines  térmicas onde se mantém aquecidos bolinhos e outros salgados.


O rapaz olhou aquele homem de certa idade, talvez  62 ou 63 anos e que trazia na cabeça boa parte de cabelos brancos e no rosto, além das marcas da vida um par de lentes negras, uma aparência que lhe parecia familiar, pois o cliente o remetia ao avô falecido três anos antes. De imediato o rapaz serviu  as salsichas num prato ao supor que seriam para forasteiro, mas não, o senhor apenas pegou a louça e a levou para o cão que o aguardava junto à porta o do bar. O animal ao percebê-lo com o prato na mão abanou o rabo e remexeu o corpo, ansioso.

-  Bruce, vamos ver se consegue dar cabo dessas salsichas - O sujeito disse num tom  carinhoso repousando o prato ao chão.

Sim, talvez achem engraçado o homem chamá-lo por Bruce, aliás,  Bruce Lee, nome dado por ele no dia que se conheceram. Sobre Bruce sempre haverá muitas coisas a serem ditas, principalmente da sua educação e obediência à ponto de manter guarda nos locais determinados, arredando as patas somente quando autorizado pelo dono. Portanto assim, submisso, foi que Bruce cheirou e lambeu as salsichas e começou a devorá-las com avidez. Deixando o cão e as salsichas para trás o senhor retornou ao interior do bar caminhando num estreito corredor que abrigava meia dúzia de banquetas concretadas ao piso vitrificado. Parando diante uma delas ajeitou o corpo enfiando uma das pernas pelo vão e sentou-se. Ali repousou os óculos escuros no balcão que imitava o mármore italiano e fixou os olhos em alguns troféus na prateleira, provavelmente conquistados pelo time de futebol do bairro. Já com as bebidas no balcão primeiramente serviu-se da contida no copo americano, tombando parte da vodca  na parede do balcão, costumeiro agrado à sua santa de devoção. Com Rita de Cassia servida   emborcou o resto da bebida, e ao ouvir um rosnado que não era do seu animal retorna o olhar para onde o cão estava. Sim, Bruce enfrentava problemas com um cachorro surgido do nada e que pretendia surrupiar suas deliciosas salsichas. Situação inesperada, Bruce não esboça qualquer reação, salvo olhar o prato e para o invasor que se aproximava sem receio ou cautela. Quem visse a cena concluiria que a notória timidez de Bruce faria as coisas não terminariam bem para o seu lado. Aliás, seria apropriado concluir que ali estava um animal submisso e dócil?

Pois bem, vamos aos fatos, Bruce sempre foi surpreendente, e quem o vê pela primeira vez, pacato, logo o tem por um poltrão, desses que sucumbem ao primeiro sinal de perigo. Entretanto saibam, Bruce, apesar de amistoso jamais foi covarde, pois vivo na memória do  dono está aquele primeiro dia que o cão de rua surrou um adversário nitidamente maior e forte.Sim, era surpreendente aquele animal e os golpes inusuais, pulando sobre o dorso do oponente, aplicando a força da mandíbula na cabeça e patas traseiras do adversário. O homem assistiu o combate com assombro, pois de certa forma as ações do cão recordavam os mirabolantes golpes do maior astro do kung fu. E assim a briga seguiu, mas não durou muito, já que o adversário, inesperadamente empreendeu fuga. O homem sentia orgulho daquele animal e a magnífica performance, tanto que estalou os dedos para o campeão, e este, feliz, aninhou-se ao seu lado oferecendo a cabeça para carícias, ganhando não só o carinho, mas um nome famoso e a casinha de madeira no quintal da residência do seu novo fã.  E, desavisado, foi o que ladrão de salsichas supôs ao tentar prevalecer do porte avantajado, porém, foi ficar à centímetros das salsichas  para perceber que não estava desafiando um cão qualquer. Situação escancarada, Bruce  rosnou ferozmente e num movimento inesperado cravou os dentes no focinho do forasteiro, que, uivando de dor enfiou o rabo entre as pernas e deu o fora.
Assim que espertalhão sumiu de vista, Bruce outra vez lambeu suas salsichas e retornou ao almoço.

-Ah, Bruce...Bruce -  O homem  sussurra e sorri.

Um outro gole na cerveja e seus olhos mergulham no pretérito e no costume de sempre. E o gosto do álcool se mistura às lembranças e eles fazem-no  mergulhar  nalguns elos que o prendem ao passado.
Agora se vê refém das lembranças, e houve  uma esposa, filhos saudáveis e tempos em que o dinheiro nunca foi farto à ponto de levá-los num cruzeiro pelo Caribe, mas o necessário para que não faltasse o alimento, principalmente os iogurtes dos meninos.
Todavia o que havia nunca foi o suficiente, e a vida, mostrando-se caprichosa acabou por levar cada qual para um canto, num processo que findou em separação após nove anos de casado. Recorda-se que à época tentou demover a esposa  da decisão, porém nada que tenha surtido efeito, portanto, diante dum juiz acabou por assinar deveres e obrigações.

-Nossa! Faz tanto tempo! -  Gemeu consigo.

Sobre os filhos sabe apenas que  hoje vivem  num desses gélidos países da Europa e que  por lá guardam um bom dinheiro, mesmo não trabalhando em serviços dos mais nobres.

-Onde que é mesmo? Inglaterra? Alemanha? - Murmura em questionamento, pois não se lembrava ao certo, já que só soube do fato ao reencontrar o Meireles, seu vizinho de casa nos tempos de casado.

-Mas isso também faz tantos anos - Geme ao deixar de tamborilar os dedos no balcão.

-Sim,  acho que eles jamais teriam conseguido por aqui - Sussurra

Inevitável agora era um outro gole e a lembrança de alguns fatos logo após a separação.
Sim, houve mulheres que dormiram  em seu leito, duas de forma mais duradoura, no entanto não sobreviveram à geladeira pouco abastecida, os raros vestidos novos, óbvio, situações decorrentes dos seus infindáveis desempregos. Entretanto as despedidas jamais lhe foram surpresa, nem mesmo o abandono que relega o homem à solidão, esta sim, sua de fato e por direito. E suas construções inacabadas obrigavam-no agora a remexer ainda mais o passado, não propriamente sobre mulheres e seus capricho, mas as suas culpas, as muitas noites boêmias junto de bêbados tão vazios quanto ele.

-Vocês nunca tiveram paciência! Sempre presunçosas, imediatistas! -  Ele traga mais um gole ao recriminá-las num discreto monólogo.

-Ah, mulheres, mulheres! Queixou-se,

Elas jamais teriam o poder de invalidar  a sua opinião sobre elas, pois as comparava ao jogo entre exímios enxadristas, onde o resultado sempre será imprevisível.
Sim, ele igualmente se habituara a conviver com os imprevistos, mas nunca como a questão que para muita gente parece tão simples; Os filhos.

-Por que vocês têm que crescer? - Questionou

Aliás, questionou não somente dessa vez, mas nessa em muitas outras ocasiões. Não, para ele não deveriam, pois ao crescerem  levavam consigo a inocência dos sorrisos. Sorriso que lhes da ofertavam principalmente às épocas dos seus aniversários,  natais  ou no dia das crianças.
Naquele momento, e por mais que tentasse não mexer nas feridas da memória lá estava o esplendor dos sorrisos das suas crianças, revivendo cada um deles, os recebidos pelas bolas de couro, os tênis novos, ou uniformes completos do time do coração. Claro, revia-os nitidamente, mas agora andavam por aí de barba noa rostos,  perdidos talvez  em aparências que nem mesmo ele conseguiria reconhecer.

-Mas, mesmo assim... daria  tudo para  vê-los novamente - Lamuriou aos sussurros, empurrando para a garganta mais um trago da bebida.

Foi o instante em que afastou do rosto a expressão preocupada, cedendo lugar ao sorriso e às muitas viagens de sua mente. Um por um lá estavam todos lá! Os brinquedos com que se divertiam nos parques públicos nos dias de domingo, e o primeiro dia que os levou ao Pacaembu para uma partida do time.  E ele continuou sorrindo, e agora não mais importava as salsichas ou o Bruce, nem mesmo a educação do atendente. Não, nada importava, agora era propriedade da saudade que remexia sua memória de quase 30 anos, e diante dela o derradeiro espetáculo que assistiu com os meninos; Uma engraçada, porém dramática tarde num circo.
Era como lá estivesse, e podia vê-lo à sua  frente - O trapezista –

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E o rapaz surgido no meio das cortinas ganhou o picadeiro vestindo  uma dessas malhas prateadas semelhante às usadas por ginastas. Entretanto ele não estava só, pois junto  um par de assistentes davam um especial  e gracioso ao número. Todos pareciam felizes, e eles, sorridentes, iam de um lado para o outro agradecendo os aplausos da platéia.
As luzes se apagam e um poderoso holofote ilumina  a extensa da corda que, estirada, ainda deixa uma ligeira curvatura entre uma plataforma e outra.
Assustador foi olhar para o alto e imaginar que o moço estaria há uns 8 metros do chão. Com o número no aguardo do herói, graciosamente o trio galga as escadas até atingir uma das bases. Os movimentos são elegantes e  não escapam ao público que se mantem apreensivo. Já estão no alto da plataforma e acenam para o público quando o trapezista  faz o sinal da cruz e tremula pernas e braços para relaxar a musculatura. Entrando na corda os primeiros passos do trapezista parecem desarticulados, claudicantes, já que suas pernas se mantém instáveis e num vai-e-vem constante. Outro par de passos e a situação se degradou, pois não mais conseguiu manter o equilíbrio.
Tudo se sacramentou quando o filho mais velho pressentindo o pior exclamou:

- Ih pai! Ele vai cair! - Foi o suficiente para o caçula fazer parte do coro- É sim, acho que vai sim! -  As vozes soavam aflitas, temerárias.

Foi o momento da ruptura, e o trapezista não mais conseguindo manter o equilíbrio despencou surfando o ar como um condor ferido de morte, desabando na rede de proteção. A platéia, assombrada não perdeu os instantes do fracasso anunciado. Foi decepcionante ver o trapezista nas redes de proteção, um instante em que as coisas saíram do seu controle,  isentas de mecanismos que  evitassem  surpresas e que  mantivessem o sujeito longe do perigo.  Sim, mecanismos! E por que não? - O trapezista deve ter questiona decepcionado - Não seria tão bom o homem ser munido de sensor que que se antecipasse às crateras, subterrâneos, uma luz sinalizadora que piscasse por debaixo da pele do dedo e avisasse o homem - "Cara, cuidado, estás prestes a entrar numa fria" - Mas não havia sensores, mas apenas um rapaz envergonhado. Entretanto ele não era qualquer um e sim bravo, tanto que  no impulso do corpo livra-se das redes e retoma aos degraus e se põe outra vez à plataforma, desta vez sem as garotas. Concentrado e já no alto da plataforma olha demoradamente a corda  e percebe que manter a calma e dominar a ansiedade serão os seus desafios. Ele respira profundo, uma, duas vezes, e faz sinal para que as assistentes retirem as redes de proteção. A sua decisão põe a platéia num transe quase hipnótico, não se ouviam barulhos, e tão somente centenas de olhos atentos à insanidade do sujeito.
Mais uma vez o trapezista se concentra e repete os primeiros passos, calmos, determinados, adquirindo confiança, vencendo pouco a pouco a extensão da corda com a ajuda duma vara de equilíbrio.

E conforme ganhava o espaço a platéia se mostrava ainda ansiosa, aflita,  pois o menor dos deslizes poria a sua vida em risco. Confiante e passo após passo o trapezista atravessou toda a extensão alcançando a segunda plataforma.
Foi o ápice, estrondosa gritaria,  palmas e assobios espocavam por todos os lados brindando a façanha, a vitória de alguém que desafiou a morte. Ele não cabia em si de contentamento, e agitando as mãos para o publico foi que desceu rapidamente os degraus e ganhou o centro do picadeiro, saltitante. "Bravo! bravo! Alguns gritavam, era o reconhecimento duma platéia que o aplaudia  freneticamente. Depois e ainda saltitantes, ele e as assistentes desapareceram por entre  as cortinas.
Aliviado, o homem olhou para as crianças e percebeu o quanto estavam tensos, e seus olhos brilhavam, felizes por tudo ter terminado bem.
E com o espetáculo em curso foi que os garoto pediram cachorro-quente e refrigerantes.  Pacienciosamente e não querendo que os filhos perdessem o show dos palhaços se descolou do seu lugar na  arquibancada à busca de sanduíches e bebidas.
Enfim, terminado o espetáculo e já do lado de fora os filhos  ganharam saquinhos de pipoca doce e amendoins torrados.

E comendo suas guloseimas foi que caminharam por um bom tempo até chegarem ao parque da Aclimação. Ganhando o santuário florido caminhavam de mãos dadas, felizes, transitando por alamedas arborizadas quando um céu carrancudo prenunciou a chuva. Não foram necessários mais que dez minutos e as gotas to tempo foram sentidas, acompanhadas dum vento gelado que fazia arder seus rostos. Não, para eles nada disso importava, nem mesmo o frio ou a persistência da chuva, densas, pois havia tanta beleza na bucólica paisagem, no cheiro das flores, nos odores do mato, algo tão sublime e poderoso que eternizaria o momento.

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- Por onde andarão agora? Estarão realmente bem? – Perguntou para seus botões ao abandonar a mágica tarde

Sim, sobre a esposa  soubera que se unira a um sujeito que  podia dar bem mais que os bifes de segunda e os potes de sorvetes caseiros.

-Compreendo, certamente você deve ter optado pelo melhor - Sussurrou de forma tão dolorosa que as laboriosos formigas interromperam a marcha pela beirada do balcão.

E foi naquele exato momento, e sem que houvesse esforço ou comiseração por si que, um par de lágrimas desceu solitário transpassando o espesso bigode, escorrendo até os lábios - Homens não devem chorar - Pensou consigo, incomodado, ao livrar-se das lágrimas sorvendo-as discretamente. No entanto era tarde demais, já que o atendente o pegara em flagrante. Constrangidos, ficaram a se olhar, depois agiram como se nada estivesse ocorrendo.

-O senhor vai querer outras bebidas? – O atendente lhe pergunta ainda sem graça.

-Sim, vou querer, obrigado! Repita as bebidas junto de mais quatro salsichas – O homem solicita num tom de quem pretende se afugentar das emoções.

O rapaz lhe dá as costas e ele novamente ele se vê disperso e vazio, Sua mente está transparente e não há qualquer pensamento. Outra vez ele é  acordado pelo som do prato chocando-se contra a pedra do balcão. Ele olha para o copo de vodca e sorve o seu conteúdo  e em dois longos goles – O rapaz ainda se vê constrangido e isso o preocupa, já talvez o garoto o imaginasse  um desses bêbados emotivos e chorões -  Ainda pensava sobre as reações  do atendente quando outra vez se dirigiu à porta e ofereceu o lote de novas salsichas para Bruce. O cão farejou o prato e  abana o rabo para entreter-se  com as salsichas sem a presença de forasteiros.

-Vamos Bruce, coma tudo! Sei desse teu apetite sem fim! - Exclamou carinhosamente para cão.

Foi então que inesperadamente, e não se sabe se por presságio ou pela cúmplice solidariedade que, Bruce, abandonando momentaneamente os petiscos soergueu a cabeça e fitou os olhos do seu dono dum jeito que nunca fizera antes. Era um desses olhares que transmitem as boas sensações, que se carregam na doçura e lealdade assim como os olhos das crianças.
Para o homem foi um instante de rara emoção e ele  retribuiu com um sorriso de boa parte dos dentes, acariciando o animal, desferindo amistosos tapinhas em sua cabeça. Carícias trocadas, Bruce voltou para as salsichas enquanto o sujeito retornou ao bar e quitou a sua conta.  Despedindo-se do rapaz do balcão se dirigiu à porta e constatou que o rabo de Bruce  balangava apesar de inexistir rastros das salsichas.

-Bruce, você saco sem fundo!" - Exclamou e sorriu enternecido para Bruce, afinal o cão era o único fato que a vida consentira ficar.

Antes de ir acena novamente para o rapaz do balcão como agradecendo a compreensão. Já do lado de fora caminha lado à lado com o Bruce antes que esse domine o primeiro poste e deixe o rastro da aquisição de território. E assim eles vão pelo caminho, e Bruce vez ou outra se desgarra do dono para flertar com cachorras que se colocam na trajetória de ambos. Certamente a  existência daquele senhor de óculos escuros persistirá num tremular de cordas, trepidar de constantes situações complexas em emoções, sentimentos, lembranças retidas em sua mente como cartas resgatadas dum velho relicário.
E tenham a certeza que vê-lo nostálgico e melancólico será sinal que as recordações estão lhe tomando, e ele as compartilhará com a bebida e com a sua Rita de Cassia, a santa das causas impossíveis.
E ainda sim será no auge e na afirmação das bebedeiras e nos efeitos que elas provocarão que o ouviremos bradar, orgulhoso:

-Eu sou um trapezista!



Copirraiti11Jaan2013
Véio China©