quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Hey, Joe! ( Carta a um amigo )



Joe.

Ultimamente tenho convivido com obsessiva dona dos meus anseios: a morte. Isso, como é de se esperar, preocupa-me sobremaneira, afinal, tenho dedicado mais tempo a ela que aos meus CDs de rock.

Por vezes penso estar morrendo num deserto como aquele entre o Arizona e Sonora, coisa ao estilo terceiro mundista, concordo–
Nessas introspecções a idéia de tombar como um bravo me fascina; a adaga fincada no peito e  na extremidade  uma dessas bandeirolas que se estacam em touro, enquanto as tripas à deriva  emolduram minha  feição decepcionada que se esvai diante a torridez de um sol às duas da tarde.
Daí a vertigem e um gargalhar ao longe daquele que supus que me levaria ao sonho americano .
Derrotado, sinto-me  vilipendiado dos sentidos enquanto um festival de imagens ocorre nos findos momentos de lucidez. Não há extrema-unção, apenas o sangue esvaindo pela cavidade abdominal, tingindo de escarlate a minha alva camiseta do Pink Floyd. Os olhos embassam e o corpo freme e eu me lembro da esperança e dos  5.000 dólares, motivos maiores por me encontrar ali. No canto de um dos olhos percebo o andar apressado do sujeito ao encontro da mochila que mantém amparadas  as notas de Tio Sam. Incautas, elas ainda não sabem do seu novo dono

Mas,  mesmo tal vislumbre não me permite morrer como herói. Aliás, é difícil morrer como herói nos dias de hoje. Transitórios e involutivos morremos pelas próprias mãos. Morremos em  dedos que  violentam teclas de computador, por olhos esbugalhados diante telas dos notebooks de 15 polegadas . Contudo,  há outras formas menos nobres de morrermos. Então então perecemos sufocados no próprio vomito, dependentes químicos,  por cachimbos que não são da paz, ludibriados pelas pílulas do amor ou por epidemia  virais - Isso mesmo, acredite Joe, também morremos fazendo amor, mesmo  que a trepada que nos infectou não tenha sido la grandes coisas. E a ciência, genitora dessa e de outras parafernálias mortais, num “mea culpa” se redime e nos concede como prêmio de consolação um coquetel de anti-retrovirais que estenderá  o sofrimento humano até que esse se torne inevitável  fim.
 
Talvez Joe, talvez nada disso me aconteça e eu não me vá pelo pela faca do chacal. Talvez nem mesmo por relações contaminadas ou qualquer mortal experimento de laboratório, mesmo desses  ainda não sabidos. Porém amigo, sei que vou morrer de qualquer forma. Vou morrer no vermelho como num extrato de saldo devedor. Vou morrer à mingua, exaurido pelos dedos impiedosos de alguém na multidão, talvez até mesmo  atingido por algum projétil perdido e que não tinha por mim a finalidade fatal.


Portanto, de uma forma ou outra não me haverá qualquer saída
E assim, quando o meu dia chegar talvez não saibam ao me ajeitarem no caixão que a morte veio cedo demais, e sem perguntar-me se eu havia sido feliz. Talvez ao me cobrirem com a insensibilidade do concreto não saibam do momento impróprio, e nem que eu não gostaria de estar ali naquele instante.

Pois é, Joe. Você poderá me garantir que meu derradeiro suspiro não será exalado longe da família, ou daqueles por  quem exercitei alguma paixão?
Ante tantas incertezas poderá afirmar que nõ morrerei de amor inesperado por uma beldadezinha de pernas longas e peitos descomunais. Poderá afirmar, Joe?

Certamente poderá concluir que sou pessimista, um tolo visionário que ainda rirá de tudo isso.
Mas se assim não for eu torço para que a desencarnação se dê do jeito que quero; fones de ouvido, tamborilando uma música nos pés de tênis Nike sobre o desgastado carpete do quarto. Naquele instante, quem sabe,  acometido de alguma grave insuficiência coronária  eu me sinta algo desconfortável.
E se coração for e se a  dor chegar, não quero que a morte me flagre desprevinido;  quero estar ouvindo “Stairway To Heaven” do Zeppelin.
Talvez a intensidade da dor não me ofereça quase nenhum tempo, nem mesmo o suficiente para a tentativa de um Exordil debaixo da língua.
Todavia o oposto é possível e tudo poderá se dar de forma rápida e tranqüila e sem que haja a necessidade de afrouxar o botão da camisa ou deixar de solar riffs imaginários numa Fender Stratocaster  ilusória.
E nesse momento do beijo torço para que a senhora morte permita-lhes que ao me encontrarem me peguem de olhos cerrados, lábios docemente azulados e a feição serena e de quem esteve em paz.

É isso, Joe!

Mesmo que tente me convencer do contrário, sei das formas infindas de ser dizimado além daquela de se ver apodrecido num deserto mexicano na companhia de escorpiões temperamentais ou cascáveis preguiçosas.
Sei também que você poderá estar lendo e  se divertindo nesse momento. Porém, mesmo que conclua que não passe de desabafo dum velho desiludido e rabugento,  te pergunto: Você acredita que qualquer dessas formas deixarão de fazer algm  sentido?
Não, Joe! Não deixarão!
Morreremos velhos, jovens, ou,  ínfimos como os dos grãos do café.
Morreremos transbordados de fé, ou na falta total das crenças.
Morreremos embalados em imagens sacras ou blasfemando impropérios
Morreremos atrelados à complexidade de nossas questões existenciais.
Ou, Joe, simplesmente  morreremos ante a impossibilidade de encontrar qualquer outra razão para continuarmos vivendo –

Enfim, Joe.
Sei que minha juventude se foi. Prostrou-se perceptível diante a mais inglória das batalhas:;O tempo. Contudo, mesmo velho não abro mão de continuar persistindo  e nem de estar sentado na primeira fila aplaudindo o show de alguns jovens bem mais jovens do que eu.
Sabe Joe, independente destes vincos acentuados  há muito em meu rosto,  gostaria de morrer jovem,  eternamente jovem – Forever Young! -  Lembra-se da canção? -
Claro! Utopia risível e inalcançável, eu sei.  Talvez mais um dos loucos devaneios meus.

Pode ser que neste instante ao escrever essa eu  esteja impactado pela canção que ouço agora; É com Freddie Mercury -   “The Show Must Go On” -  Você deve conhecer.
Talvez não seja nada mais, nada mesnos do que isso, Joe!
E que apesar de  agradecer por tudo que esta vida me deu, sei que ela é intransigente e não me dará o tempo que acho que necessito.

 Um grande abraço, meu amigo.

Copirraiti 2009 Out
Véio China©

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