sexta-feira, 4 de março de 2011

Crônicas absurdas de um cristão transtornado.

Acordei.
Estranho. Olho para mim e eu não estou em minha cama, aliás, estou, não nela e sim, talvez metro e meio acima. Meu corpo, surpreso e espreguiçante levita no espaço. O cobertor que me enrolo, também.
Ouço um som alto e estridente. È o meu despertador; 07 horas da matina, me lembra. Maldito! Incessante ele urra o alarme que jamais me deixa em paz. Não seria exagero afirmar que o escandaloso aborta meus sonhos, pesadelos e outras coisas que jamais sei ao certo.
Ali, planando, sinto-me algo insólito, extraordinário, um quê de astro perdido e que vaga no nada.
O que poderia ter acontecido com Deus? – Talvez Deus tivesse sentado numa mesa de fundos de um desses botecos fedorentos da São João. Deus, dizem, é imprevisível. E quanto a mim? Bem... eu nem tanto. Talvez fosse essa a minha primeira manifestação pós-morte? Porém não tinha certeza. Pensei em algum fato que determinasse um pouco de vida. Um beliscão? Sim, um beliscão, e por que não? Apesar de reconhecer que essa coisa de se beliscar era um teste demasiadamente retrógrado. Pelo sim, pelo não, cravei as unhas na pele que cedeu à pressão dos dedos polegar e indicador. Sim, claro, houve alguma dor, e ela me fez perceber que talvez ainda não transitasse no mundo dos sonhos ou dos pesadelos – Mas... afinal....eu estaria morto?

Em todo caso a falta de manifestação do Todo Poderoso me incomodava. Por que ele não dava um basta à devassidão de todos os delírios? Certamente Deus jamais fora um covarde, sabido era. Mas, por que não fazia alguma coisa? E se ele houvesse morrido na madrugada sem que eu soubesse? – Quedei em psicose – Talvez minhas insanidades fossem frutos da criação severamente cristã. Lembro-me que mamãe sempre dizia que de dez coisas que eu fazia, sete eram os pecados. Sim, certamente foi contundente aquilo que me impuseram. Cedo aprendi que em se tratando de Deus o melhor que faria era aceitá-lo sem questionar os seus veredictos e seu absolutismo ante as possibilidades, mesmo daquelas que ainda não imaginássemos.

Reviro-me e o cobertor acompanha os meus contornos. Num impulso pego uma das suas pontas de lã e a atiro mais para o alto. O cobertor abandona o meu corpo e ganha o espaço como se fosse um tapete voador. Uma sensação de liberdade me invade e faz-me flexionar as pernas que respondem aos comandos tanto quanto a cabeça e o resto do corpo.
Tudo continua parecer tão extraordinário que eu não perco a carona.

À vontade de ficar em pé o corpo responde. O tronco se torna ereto, as pernas perfilam e os pés aprumam ao se encontrarem nos calcanhares. Ao meu desejo de tocar o solo o meu corpo cede. Agora sim a lei da gravidade surte efeito em mim e lentamente desço até triscar o chão.
Repentinamente tudo se torna alvo. Firmo as vistas e já não há paredes, cama, cobertor, nem mesmo o insuportável despertador que tanto me exaspera. No lugar das cadeiras, mesas, televisor, apenas a melancolia do agora num espaço branco e oco.

Os olhos doem, ardem, não suportam a tonalidade reluzente e clara. Procuro por contrastes – nenhum – Portas não há, e nem lugar para onde possa fugir ou me esconder. Talvez Deus não mais me olhasse – Mortos nada vêem. Mortos são apenas mortos – Concluo – Contudo combato o disparate – Deus jamais morre. Deus é imortal, seu imbecil! – Rumino ao dispersar-me em outros desatinos - Impulsiono o corpo num salto e surpreendentemente me vejo pululando. O corpo se torna leve e novamente plana como se fosse um astronauta imune às forças da gravidade.

Novamente penso em Deus. Saco! Deus, Deus, Deus... Essa insistência  decadente jamais me levou às pernas cinqüentenárias de Madona, os peitos de mais de meia década de Vera Fischer, ou, no pior das hipóteses, à  região do glúteo da sessentona Rita Cadillac quando ela tinha 26.
Provavelmente Deus se surpreendesse comigo. E talvez ainda desse boas gargalhadas ao lançar no plano de um aveludado verde a sua cartada invencível; Royal Straight Flush, ante o meu olhar de assombro – Você é um perdedor – Ele diria sem demonstrar qualquer compaixão. E antes de me chutar o rabo por considerar-me um tremendo dum babaca, fatalmente sentenciaria:

-Filho! És melhor com os delírios que com as cartas.

Evidente, contrapondo talvez eu tentasse refutar as suas certezas, mas, para que e por quê? Minhas roupas ainda cheiravam à água benta e eu não me desimpregnara da exacerbada religiosidade e nem do meu inabalável dogma cristão.
E além do mais, eu nada mais era que mera partícula, uma rês induzida ao matadouro. Talvez essa a expressão nem fosse minha, afinal, eu poderia estar morto. Aliás, melhor dizendo; Todos nós poderíamos estar mortos.

E nós, os mortos, zanzávamos por essa terra de horrores subjugados por sentimentos óra inefáveis, óra perturbadores. Sentimentos esses que sempre estarão apostos dentro de cada ser à espera da grandiosa cerimônia final.
E nela, quem sabe, poucas lágrimas de alguns que se condoam num derradeiro adeus.


Copirraiti 2011Mar
Véio China©

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