terça-feira, 1 de abril de 2008

O Retirante


Na sua valise, somente três pares de roupa, desodorante, pente de bolso, e o bicarbonato de sódio para a sua azia diária. Pensou em colocar um pouco de Maizena na maleta, mas concluiu: "Danem-se as assaduras!"
Na entrada do ônibus, com os braços esticados e mãos levemente trêmulas estendeu o seu bilhete ao motorista, observando que não esquecera de anotar o Rg e muito menos o endereço. Sentou-se na poltrona 26; reclinou-a, olhou pela janela e reparou no insulfilm, demasiadamente enegrecido e que revestia o vidro. Insistiu em olhar através dele e as lâmpadas da rodoviária, que lá fora pareciam tão reluzentes, permaneciam agora com uma luminosidade tênue, numa cor que poderia ser definida como um roxo, suave. Aos poucos os assentos foram tomados e o coletivo partiu. Trinta minutos após, o cheiro de mato impregnava seus pulmões e as luzes da cidade pareciam distantes como as do Cruzeiro Do Sul. No negrume da noite, apenas um discreto foco vermelho sobressaia no fim do corredor, indicando que o toillet estava ocupado. Do seu lado, os primeiros roncos de uma senhora gorda incomodavam a sua paz; evidente, as noites seriam de torturas. Pensou mais adiante, nos dias seguintes. Apalpou o bolso e os quinhentos reais que se encontravam dentro dele. Imaginou o futuro, que pra ele, agora, em nada diferiria do seu tempo presente: indecifrável. Pensou na grande metrópole; a maior do país. Pensou nos milhões de nordestinos e nortistas que habitavam por lá, que se espremiam em favelas, em construções precárias, em casebres em fundo de córregos, ou que, mergulhados em desesperanças labiam o asfalto frio e cru, cobertos por jornal. Pensou ainda mais; não conhecia ninguém pra onde ia. Então teve medo. E à medida que o ônibus imprimia velocidade, junto com ela veio a ansiedade, e essa, fazia o seu coração disparar como se fosse uma lebre assustada.
Que "Padim Pade Ciço" o guardasse. Que a grande cidade e os seus desconhecidos habitantes os acolhesse. E, acima de tudo, que a sorte e a fé em Deus jamais lhe faltasse.

Chegando em São Paulo, a sua primeira atitude foi o de comprar um cobertor, quadriculado e espesso. E assim o fêz, dando vasão ao miserável pressentimento que o empurrou para dentro da loja como se fosse uma folha, seca, assoprada pelos ventos do outono. Saiu sorrindo de la, acariciando a lã macia, sem saber porém, que aquele seria o seu único e inseparável companheiro.

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