domingo, 5 de dezembro de 2010

Dezesete anos, bonito, sensível e viciado em bloodmary

Eu chegara em casa mal pra caramba. A angústia viera comigo pelo caminho onde tudo pareceu tão triste e até  mais que as lágrimas que ameaçavam despencar. Decididamente eu não choraria – Eu era macho, muito macho – Disse para as gotas que afloraram.
E além do mais, chorar pra que?  - Perguntava-me  –
Lembro-me que entrando pelo portão dei á porta da entrada de casa e ao colocar a chave percebi que havia algo estranho naquele som que num volume insuportável percorria o corredor, atravessava a sala para no fim reverberar em meus ouvidos.
Mas que merda seria aquilo? Meus pais estavam viajando e Benê, a nossa empregada, em férias  (Sempre que meus pais viajavam cismavam em dar férias  pra coitada). Entrando na casa nenhuma alma,  não havia ninguém, aliás, havia sim, o meu avô. Mas aquele velho a quem quase nada conhecia, pouco  falava e se  refugiava em seu dormitório mais tempo ao que permanecia fora dele. Aliás, o seu quarto que eu apelidara de bunker, porquê era cercado de mistérios e segredos e onde ninguém tinha autorização para entrar, nem mesmo a minha mãe.

Contudo, recordo de certa vez que só  foi o velho descuidar-se uma única vez ao sair de casa deixando a sua porta destrancada para que descobrisse os seus obsoletos mistérios. Lembro-me que ao entrar no quarto me deparei com as paredes forradas de pôsteres dos seus ídolos e amores. Por la desfilavam Leila Diniz com uma rosa vermelha nos cabelos,  Marta Rocha, a miss,  Rachel Welch e Brigitte Bardot. Um pouco mais adiante o mártir venerado por todas as gerações; Che Guevara, seguidos pelo do  Beach Boys,  Beatles e uma bandeira do Esporte Clube Madureira.  No lado oposto uma imensa  flâmula da Beija Flor ladeava com outros Posters tais como do Eder Jofre, Jerry Lee Lewis, Creedence Revival,  Bob Dylan, e no fim da parede um do AC\DC.
Mas não terminaram, ainda havia  a cabeceira de sua cama, e acima dela um do sorridente John Fitzgerald Kennedy na companhia do casal Jean Paul Sartre e  Simone de Beauvoir. Todos me pareciam fazer sentido, exceto o AC\DC, já que não fazia menor ideia o que  Angus poderia ter em comum  com todos aqueles dinossauros, e principalmente tendo em vista a idade do vovô. Talvez  e agora eu acreditasse mais que nunca que o pai de meu pai  fosse aquilo que pudéssemos rotular de.... um figuraça.

Era isso o que relembrava ao ensimesmado avançar corredor adentro e notar que o som vinha do meu quarto e  sustentado por um  Pró-1200,  antigo amplificador da Gradiente da década de 70 e de potência extraordinária, e que,  juntamente de duas pesadas caixas acústicas Jumbo detonavam a música com estardalhaço.  Claro, eu sempre dera preferência aos aparelhos isolados tais como o toca CDs, tape-deck, equalizador, sintonizador, pois além de suportarem altas potências e numa eventual quebra saberia  qual  a unidade danificada.
Caraca! Praticamente com o pé dentro da porta do meu quarto o som era avassalador  e eu próprio jamais ouvira naquele volume. Me Deus!  Entrei e dei com meu avô curtindo  “Hells Bells” do AC\DC! Á princípio supus um marginal tentando se habilitar nos meus aparelhos, mas era ridículo imaginar um gatuno ouvindo rock pesado em plena atividade do roubo. Já no segundo passo observei que as  vidraças da minha janela trepidavam e o meu avô dançava ao mais fiel estilo Angus Young, levantando uma das pernas, indo em frente, saltitando e tocando a sua guitarra imaginária. Em cima da minha mesa de cabeceira uma garrafa da vodka Sputnik pela metade ao lado um copo quase vazio denunciava que ele andara se alcoolizando. Ao me notar  o velho não deu o menor sinal de  ter ficado surpreso.

“Hells bells/ Hells bells, you got me ringing" A música persistia e vovô seguia adiante com seu dançado insano, um Angus sexagenário, e era simplesmente inacreditável o seu vigor do velho e via a boca fechando e abrindo num duo com Brian Johson . Claro, eu também era da da turma do rock, mas meu gosto musical era literalmente oposto ao que vovô curtia. E fiquei por lá curtindo aquele  ambiente quase que surreal até que a música  terminou ele diminuiu o volume.

-Fala, seo bunda mole! - Ele me disse numa voz mole. Olhei para a garrafa de vodca e ele havia consumido mais da metade dela.

-Vô, ce tá louco? - Foi o que consegui dizer, ainda perplexo com o show.

-Vá la cozinha pegar um copo pra você! Aproveite e traga uma garrafinha de suco de tomate que ta na geladeira. E ah, não se esqueça a Tabasco, sal, limão e muito gelo. – Ele pediu ao colocar três dedos de vodka em seu copo vazio –

“Bunda mole”? – O meu avô nunca tinha falado comigo daquela maneira. definitivamente ele estava em pior estado do que imaginara  – Cada coisa maluca que ele pedira. Olhei pra ele surpreso e ele me pareceu irritado.

-Ainda está aí fedelho? - B em, não seria eu que discutiria com vovô, portanto  fui à cozinha e trouxe-lhe o que indicou.

-Vô, pra que esse monte de bagulho? – Perguntei curioso ao colocar tudo em cima da rack do meu computador.

-Hoje você vai conhecer o verdadeiro bloodmary., a bebida de macho!  – Ele me disse grave e depois abriu um sorriso bem  sacana. Era a primeira vez que eu bebia com meu avô, aliás, eu nada bebia exceto Gatorade e energéticos

Jamais estiveramos tão próximos -Concluí. - Enquanto ele despejava a vodca em meu copo, depois adicionou meio copo de suco de tomate, duas gotas de pimenta Tabasco, sumo  limão, e uma leve pitada de sal.   Por fim misturou tudo com uma colher  e despejou três pedras de gelo e me mandou  beber.

-Um gole profundo, anda, beba! – Me incentiva.

Talvez me fizesse bem beber, pois retornava da casa da Aninha, minha namorada, aliás, ex-namorada. Ela havia me dado um pé na bunda  pra ficar com um carinha do cursinho da Poli  -
" Alex, entenda por favor! Estou apaixonada por um sujeito mais maduro que você" -  Ela confessou pedindo-me compreensão. Depois subiu ao seu quarto e voltou com  o meu skate que  guardara  numa semana atrás -  Eu bem  que percebera que ela se mantivera fria comigo por todo tempo que estive ali, mas não supunha que o motivo fosse um outro sujeito - "Quer saber, Aninha? – Vá se foder!" –  Ruminei  num murmúrio doído assim que ela  me deu as costas e desapareceu por detrás da porta da sala.
Eu estava mal, muito mal, pois amava aquela loirinha de  peitos 46 e manequim 38. Valéria era três anos mais velha que eu. Talvez fosse essa diferença o motivo da minha grande paixão, nunca vou saber.
Porém isso de nada me valia e então fiquei atento às mãos de vovô; Eu precisava  me desviar das lembranças.

-Vamos lá! manda ver! - Ele ordenou ao brindar o seu copo no meu. Olhei para a bebida de cor atraente e enfiei goela abaixo aquela mistura de gosto horrível. Eu era macho, muito macho! Que não duvidassem!

-Bom, né? – Ele me pergunta. Eu não queria desapontá-lo, portando levantei o polegar num sinal de positivo.

O velho sorveu o seu copo em no máximo quatro grandes goles. Terminado voltou para meu aparelho de som e colocou outra faixa. Dessa vez foi a “For Those About to Rock”
For those on the line and those on the make, we salute you, yeah" - Brian cantava com sua voz esganiçada enquanto vovô me incentivava a terminar com o drink com sinais insistentes do polegar apontando para a boca, assim como se estivesse pedindo carona. Incitado, dei umas cinco ou seis talagadas e consumi o líquido carmim que desceu queimando, e mesmo que não fosse muito bom. estava me dando barato e eu comecei a rir, inexplicavelmente. Terminadas as bebidas ele preparou mais dois e novamente  brindamos os copos, enquanto novas músicas do AC\DC eram tocadas. Já não me sentia dono de mim, nem do meu raciocínio, e muito menos das frases ditas por minha boca

-Aninha! sua vaca, vá te foder!  Tinha que me chutar pra ficar com aquele babaca? - Gritei quase que  em transe enquanto o som penetrava em meu espírito diante daqueles rocks maneiraços.  Nada é eterno, muito menos a bebida, e assim e ao fim do nosso segundo blood a Sputnik  havia terminado.

-Vô! Eu quero mais dessa merda! – Disse entusiasmado. E Aninha? Ah..Aninha que se fodesse mesmo! Deveria existir no mundo peitos mais bonitos que os dela, pois pernas eu tinha certeza que haviam. Surpreendentemente vovô deu uma travada em minhas intenções.

-Pega leve, garoto! Pega leve! – Ele alertou. Eu não entendi muito bem; primeiro me incentivou e agora me mandava maneirar.

Mas o velho sabia dio que falava, tinha experiência, afinal depois do meu segundo drink me senti bêbado, completamente alcoolizado. Aquela coisa tinha me devastado. O bloodmary era bem diferente dos Ice que  ves ou outra eu tomava, e isso mais por influência da Ana, pois eu não gostava. Surpreendente e velho sai do meu quarto e vai para o seu e volta de com uma nova garrafa de vodca. Talvez o meu estado de espírito tenha se aliado ao seu sexto e  o obrigaram agir assim. O som persistia no mesmo volume absurdo e ele preparava novos drinks, e eu não relutava e bebia e o meu sentimentos se perdia no cadência do contrabaixo e dos diabólicos riffs de Angus Young.  - “Ah Aninha, por quê? Por quê? - Ainda me perguntei ao início do terceiro bloody  e o meu pé socava o piso com força para depois tentarem imitar os passos de Angus, assim como vovô o fazia

“Back in black, I hit the sack/I've been too long, I'm glad to be back' - Brian urrava louco e vadio o mais puro rockin roll. Minha cabeça rodava e eu sentia que não podia parar, e então dançava e cruzávamos um à frente do outro saltitando como cangurus. E aquilo estava divertido e eu pegara o jeito que Angus fazia com a perna e que fazia multidões delilarem

-Vô, quer saber? ! A Aninha é uma grande  filha da puta! – Eu disse atropelando palavras enquanto ele foi ao aparelho colocar outro  CD pra rodar.  Pelo jeito naquela noite só ia dar  AC\DC. .

-Ah! a Aninha... É  aquela loirinha de bunda magra e peitos grandes? –  respondeu sem denotar qualquer surpresa. Pelo jeito nada passava  desapercebido por ele..

-É vô! É essa mesmo – Confirmei. Em meu rosto algo parecia estar represado,e  então as lágrimas desceram e fizeram um caminho até o queixo. Meu avô percebeu.

-Guarde um pouco dessas lágrimas, garoto – Ele disse – Você necessitará demasiadamente delas  na tua vida. Sempre as deixe secarem para outras virem. - O som de sua voz soou duro, gélido, insensível. Talvez meu avô jamais tivesse amado. Talvez nem mesmo soubesse o que era o amor.

-Vô, o senhor já chorou? – Perguntei enquanto tentava disfarçar esfregando  o dorso  da mão direita sobre os olhos.

-Choro, claro! Choro, ouço AC\DC e encho o cu de bloodmary – Ele respondeu  rígido como um iceberg.

Foi então que notei; ele também devia estar com seus problemas. Mesmo envolto em pensamentos confusos e complexos  eu percebia agora o toque que ele me dera: “Deixe que sequem para outras nascerem” –  Talvez o seu tom de voz carregasse o peso dos erros enquanto na sua boca  um gosto de sangue amargo  fosse aquilo que era sentido. Olhei para ele , e ele estava embriagado, mas era duro e não caía, mas apenas me olhava e seus olhos brilhavam mais que o rotineiro. Pensei comigo e para mim os bêbados deviam parecer tristes assim como eu estava.
Então entornei mais um gole quando  me veio a primeira ânsia  de vomito e com ela só o tempo de  ir ao banheiro e vomitar.  E eu vomitei. Vomitei  muito, vomitei  tudo o que havia para ser vomitado; detritos de alimentos, vodca, suco de tomate, e por fim vomitei a Aninha.
Esbarrando em objetos, derrubando coisas  e enfeites do corredor foi que retornei para o quarto. Vomitar me fez sentir melhor, ao menos estava livre das ânsias.

E voltando me deparei com meu avô dançando, e ele era o próprio Angus Young, e ele era duro na queda e persistia naqueles  estrambóticos passos  no alto dos seus  63 anos, tentando manter o equilíbrio, assim como o fazemos na vida, pois é ela é o teste para os nossos nervos, ela que nos vestes a loucura, ou faz mantermos-nos sãos, apesar das  pressões que jamais terminam.
E  ele continuava bebendo com o mesmo vigor duma idade que já não possuía,  suportando o peso de muitas mágoas e decepções que nunca eu haveria de saber, além do fardo do próprio corpo que se certamente caminhava para a  velhice.  Contudo e  para os poucos que conhecessem o seu temperamento, talvez para esses as suas lágrimas pudessem ser perceptíveis mesmo que persistissem  no alto dos olhos como espelhos de águas que não desabem. Talvez vovô estivesse cansado desse jogo todo,  do feio pretendendo ser belo e das desgraças se fingirem  bençãos. E isso me tornava atento para o quanto essa vida poderia me surpreender  -
" You shook me all night long" -  Tocou e Mr. Brian cantava enquanto eu  e vovô atravessávamos o quarto, dois Angus Young, um mais jovem e outro um pouco mais velho. A bebida  ainda se aproveitava dos  restantes efeitos que me causava e vovô ria para mim.
Eu tinha um avô, e talvez ele fosse  meu novo mestre, o guru, e aquilo começava parecer interessante.

Copirraiti 17Jan2013
Véio China©

Nenhum comentário: