sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Andie MacDowell que me perdoe! ( Para Rosa Cardoso)

Sentia-me ansioso ao aguardá-la ali entre os cotovelos de algumas dezenas de pessoas. Era chegado o dia de conhecer uma das minhas poetisas prediletas que vinha à São Paulo unicamente para conhecer seus amigos escritores.
Aliás, o meu estado parecia ir além da ansiedade já que ardia em meu peito uma alegria quase juvenil que fez-me revoar em rgressão aos meus 14 anos. Resguardadas as devidas proporções, era como se me devolvessem o tempo e a admiração quase santa que nutri pela professora de francês no meu 4º ano ginasial. “Saviez-vous que je vous aime, ma chère?” - ela costumava dizer-me à saída das aulas, sempre aos beicinhos e de uma meneira que eu gostava de supor provocante.
Talvez os seus olhos amendoados e o belo par de pernas por debaixo de suas saias sempre justas, aliados ao meio palma acima do joelho me causassem compreensivo pânico. No fim das contas um “oui” era a única resposta que eu lhe tinha antes de abandonar a sala e ganhar o alarido dos corredores. – Deuses jamais estariam sujeitos à profanações - Era a conclusão que chegava a cada de suas insinuações, brincadeira ou não. Lógico,  conspirava contra a lascícia o respeito que sentia por dona Catarina, ainda mais diante do fato dela ter sido minha professora desde o 1º ano daquela série.

Talvez  a recordação pouco ou nada tivesse a ver com a poetisa que eu aguardava. Todavia encontrava-se lá a mesma excitação dos tempos das aulas de francês, lembranças que de mim não desgarravam ao esperá-la na ala de desembarque do Aeroporto de Congonhas. Conforme o que combináramos eu viera munido da placa indicativa com meu nome  - “Véio China” -  o que deveria facilitar o reconhecimento.
Repentino,  um imenso alarido e o saguão é tomado por outras dezenas de pessoas portando  cameras e filmadoras profissionais. “Nossa! O que poderia ser?” questiono-me ao perceber o  bando se infiltrando entre nós, deixando-nos ainda mais espremidos. Um pouco mais de correria generalizada e os “clicks” das máquinas foram  ouvidos às dezenas.

Flashes espocavam como se querendo fazer sol  naquele início de noite de um dia de calor modorrento. Repentinamente ela surge pelo saguão interno. Era ela!  O andar refinado num par de saltos 12, clássico, espetacular. Os flashes persistem espocando em sua homenagem.
Uau! Era para a minha linda poetisa todo aquele aparato?
Claro! La estavam os paparazzi  a sua espreita,  o que não deixava margem para qualquer outra interpretação.


E isso me deixou feliz. Contente ao presenciar o fato que sua poesia, de alguma forma  havia galgado os horizontes impostos àqueles que pretendam se tornar celebridades. Chegara no topo, no mais alto dos  degraus sem que eu soubesse como foram vencidos. Me era uma gratíssma surpresa! Todavia sentí-me incomodado; E se perguntassem para ela quem era o  senhor de barba branca e óculos negros que lhe pareceu tão amigável? Quem seria aquele sujeito de ares desgastados com um cartaz  irregular em folha de cartolina? Eu pressenti-me  insignificante naquele momento que me foi impossível não acatar à mesma conclusão dos tempos de ginásio – deuses jamais deveriam ser incomodados – Diante a definição nada mais me restou se não esconder o cartaz –  Talvez ela nem tivesse  notado   –
Notara sim! Tanto que vinha sorridente ao meu encontro.

-Nice to meet you. You seemed very nice! – Ela disse-me à queima roupa – Permaneci estático. Mas por que estaria falando comigo em inglês ? –  Me questionei.

Eu não sabia o que poderia estar se passando por debaixo daqueles cabelos sedosos e de um perfume delicioso. Esnobismo, talvez? Não! Impossível! Jamais lhe percebera tal ranço. Em todo o caso eu não seria  indelicado, então lhe respondi timidamente:

-Sim! Você também é tão ou mais simpática e bonita que em suas fotos de Orkut -

-What? Orkut? what has this to do? – Ela rebateu olhando com certa surpresa.

Eu continuava sem compreender. Ainda mais que os paparazzi avançam para uma nova sessão de fotos. Eram mal educados, grossos,  berravam, urravam, gemiam:

-Please, Andie MacDowell, join the old man! Please! – Rogavam num inglês que se pretendia surtir efeito.

-Andie MacDowell? Jesus Cristo, ela é a Andie MacDowell? - Balbucio estarrecido. Então tudo me fez sentido ao relembrar suas fisionomias e os traços dos rostos e sorrisos. - Como eram parecidas a minha amiga e Andie MacDowell! – Concluí abismado.

E surpreso eu sentia os cotovelos dos fotógrafos nas minhas costelas e aquilo me incomodava. Eles que fossem à puta que pariu! Malditos caçadores de celebridades! Eu não precisava daquela corja pedindo para a senhora MacDowell  posar ao meu lado, ou melhor; ao lado de um velho decrépito– “Abutres sensacionalistas! Quanta falta de respeito!” – Indignei-me e irado regurgitei para eles.

Contudo o surrealismo daquilo me faz olhar à volta e perceber o enorme equívoco que eu cometera:

Eu tinha ido parar no  desembarque dos vôos internacionais, quando de fato deveria estar na ala dos nacionais. Olho para o relógio e passava mais de 25 minutos do horário previsto para o pouso do seu vôo – “Meu Deus! Numa hora dessa ela deve ter desembarcado” Exclamei para mim, apreensivo

-What? – Novamente  lady MacDowell  me pergunta. Certamente ela não entendera uma única palavras que dirigi àqueles idiotas.

Eu tentava me desvencilhar dela e da multidão enquanto lady MacDowell insistia nos olhares sem que eu entendesse os motivos; parecia que ela se afeiçoara à mim. Talvez a minha feição lhe fosse excessivamente familiar e a fizesse lembrar o pai, o tio, o avô, ou mesmo algum velho amante de flagelos, coisa muito comum entre esses atores carismáticos. Em todo caso não me havia tempo e nem vontade de descobrir. Olhei para Andie e acariciei as maçãs do seus rosto enquanto lhe dava o melhor dos meus sorrisos; Era agradecimento.
Em seguida estiquei o pescoço, pus-me nas pontas dos pés e lhe dei um respeitoso beijo na fronte. Ela pareceu gostar. Comovida fecha os olhos como se aquilo fosse um cerimonial na entrega do Oscar.
Antes de desaparecer de sua vista estaciono o meu olhar em seus expressivos olhos castanhos esverdeados e procuro me fazer compreender no meu sofrível inglês:

- Andie! His eyes are wonderful. And you're a talented actress and success. However, there is poetry in his eyes - Falo mansamente sem a certeza de estar usando as palavras certas, mas esperando compreenda, sem enganos.

Ainda ouço o último dos seus “what?” enquanto saio em disparada para a outra ala. Eu estava atrasadíssimo  no meu encontro com a poesia.
Eu não mentira para a senhora MacDowell. Havia enorme beleza em seus olhos e a intrigante curiosidade minha ao deparar com alguém de tanto sucesso e de reconhecimento internacional. Contudo, apesar da beleza não havia poesia naquele olhar.
E ainda mais porque não seria Andie MacDowell que me deteria o prazer  encontrar-me com uma de minhas poetisas. E no atraso apertei o passo ainda mais e suo em bicas ao chegar aonde deveria estar desde o princípio. Olho para os meus pés que latejam dentro do tênis menor do que deveria ser. Passo-me em revista e percebo que a  placa encontra-se na  minha mão e adormece à altura do joelho direito. Encho-me de heroísmo e levanto o cartaz enquanto a procuro com o olhar. Súbito, por trás de mim sinto um leve toque no meu ombro esquerdo. Viro incontinenti.

-Seu velho safado! Eu já tinha te visto! Nem precisei da tua placa! Reconheci pela barba e os óculos escuros! – Ela exclama divertida. Cansado do jeito que me encontrava, à princípio só consegui responder um “Pois é” Porém ela queria falar, demonstrar a sua felicidade ao estar ali. E além disso o seu senso de humor era ótimo:

-China, aposto que se eu fosse a Andie MacDowell,  você  estaria me esperando na 1ª fila há mais de meio século! – Exclama uma sorridente Rosa Cardoso. Eu retribuo;  Nós sempre brincáramos com aquela coisa dela se parecer demasiadamente com  Andie MacDowell. Porém ela não sabia da missa um terço.

Continuei sorrindo, à princípio, discreto, divertido, "China, aposto que se eu fosse a Andie MacDowell..." sua frase reverberava em minha mente. E as cenas de momentos antes se reprisavam, grotescas, ridículas, e isso me fez rir, alto, espalhafatoso e depois  largar-me em gargalhadas incontroláveis. Surpresas, as pessoas que passavam nos olhavam, aliás, mais à mim que a ela ja que não supunham o que podia se passar pela cabeça do velho louco.
E assim foi por mais de minuto e até se tornarem doloridas as contrações que as gargalhadas me provocavam.  Decididamente,  Rosa Cardoso deve ter considerado a hipótese de estar diante dum demente.
E ela simplesmente persistiu sorrindo, sorrindo, sorrindo.... sem nada compreender.


Copirraiti 2010Dez
Véio China©

***Rosa Cardoso é uma das poetisas exponenciais dentro desse novo universo literário tupiniquim.
Dona de sensibilidade e lirismo impar, nada mais me restou se não a grata oportunidade de homenagear  minha querida amiga. Afinal...ela também ansiava por esse encontro!

Um comentário:

Rosa disse...

Presentão esse que eu ganhei, obrigada Véio.