terça-feira, 24 de julho de 2012

- Quadrophenia - Os headphones da morte

Para ele seria um sábado como outro qualquer se não fosse aquela sensação de amargura além do comum, algo como um estivador que, no porto  carregasse não as caixas para exportação, mas o peso do mundo. Acordara irritado,  boca amarga, seca, mais pelas angústias que  propriamente do fígado já debilitado. Sim, além da melancolia aflorava nele uma sensação  nostálgica e um vazio interior repleto de negações daquilo que consistia sua vida. Olhou para os lados e a vida mais se assemelhada a uma ilha, imensa,  e ele um navio que, sobrevivido às intempéries do tempo se via submergir por um pequeno rombo de 20 cm de diâmetro no seu casco. O que seria a raça humana senão um enorme navio?  Sim, para ele éramos embarcações constutuidas de ossos, águas e carnes e um sopro de vida  à espera do momento de ir à pique, as vezes sem avisos ou lamentos. Por mais que procurasse alguma saída sabia que não havia  porto seguro para o homem, alias, havia sim um único, o não existir.

-Catzo, novamente essa  amargura me torrando o saco? Mas que merda! Tinha que ser eu o porra do girino mais forte naquela noite de amor?- Exclamou em bom tom. Depois pensou no pai,  na mãe e naquele instante.

-Talvez nem tenha sido amor - Murmurou reticente

Na verdade, nem o seu amargor ou as surpreendentes comparações em que se metia  traduziam-se em  grandes novidades, afinal, analisar  suas insólitas questões existenciais por vezes eram bem divertido. Assim também como não era surpresa seu abatimento causado por um monstro que,  sabia,  permitia alimentar-se em si. Levantou, caminhou poucos passos e abriu cortinas e janela. Dali mesmo olhou para a estante e o relógio-despertador apontava  07h30min. Curvou o corpo, pôs a cabeça para fora da janela da sala e foi tocado por tépidos raios de sol. Olhou para o alto e o céu se manifestava num azul claro e uniforme, indicando que o dia seria terrivelmente tórrido, provavelmente até mais que o anterior. Os raios aqueciam seus braços quando sorriu  macambúzio e  sem expectativas; Tinha consciência do calor regando vidas, porém não a dele. Voltou à cabeça, fez um meio giro de corpo e recostou o traseiro na base da janela e continuou inspecionando a sala. Ele relembrava o início e de como fora parar naquela casa. Aliás, imóvel que não era sua e sim alugado. Uma casa pequena, de quarto/sala, cozinha, e um diminuto banheiro no lado externo, além de um comprido quintal que se estendia até a divisa com a casa vizinha. Talvez se não fosse pelo nome da rua e a numeração da casa nem houvesse  registro seu nesse planeta. Aliás, sobre o imóvel e ilegibilidade dum contrato amarelecido pelo tempo,  há mais de 20 anos não resgatava os alugueis. Não! Jamais fora mau pagador, nada disso, apenas deixa de quitá-los por questões circunstanciais. Rememora que procurava um lugar para ficar quando se interessou pelo imóvel e ligou para o número de um  telefone indicado no anúncio de jornal. Queria obter maiores informações.

-Alôuuuu, com quem queria falar? -  A pessoa se antecipou e o atendeu  amistosa. Era a tonalidade de voz duma mulher de certa idade.

-Por favor, dona, aqui é o Brodowski falando. Foi daí que anunciaram uma casa pra alugar? – Ele perguntou sem se preocupar com a construção gramatical.

-Sim, foi sim moço, a minha! É uma casa pequena, mas muito aconchegante. Ah! ela está totalmente pintada e tem estacionamento para dois carros - Reforçou com o intuito de mantê-lo ainda mais atraído.

-Ah, estacionamento? Que bom!  É que eu tenho o Clapton - Ele devolveu contido. Silêncio do outro lado. Após 15 segundos a mulher replica

-Moço, acho que não me entendeu bem... Eu disse que tem lugar para guardar dois carros – Talvez o homem estivesse problemas de audição - Deduziu

-Opa, desculpe dona! Clapton é o fusquinha 73 que comprei no mês passado. Esse nome é em homenagem ao Eric Clapton. É rebaixado, conta-giros, faróis de milha e rodas de magnésio. Só vendo! -  Respondeu com certo orgulho

-Quem? Esse tal de "Clépitos"? - Assustou-se a mulher

-Não dona! To falndo do meu fusquinha.

-Ah... que interessante! - Retorquiu com os olhos arregalados. Do quê  aquele sujeito poderia estar falando? - Se perguntou -Bem, que cada louco ficasse com as suas manias - Concluiu repuxando os lábios num dos cantos da boca.

Antes que desligassem e tendo em vista o seu interesse  marcaram um encontro à frente da casa para aquela mesma tarde. Na hora marcada entraram e inspecionaram o imóvel.

-Qual é o aluguel, dona? - Perguntou

-Bem, Sr. Brodowski,  o aluguel é  CR$ 340.000,00.  Se não tiver fiador aceito três meses de aluguel como fiança

-Fechado! –  Ele assentiu.

Ali mesmo a mulher solicitou algumas informações pessoais como a firma que trabalhava, o enderço comercial, valor  de salário e a apresentação dos seus documentos originais. Depois transcreveu todos os dados num caderno espiral de 50 folhas. Estando acertados apertaram suas mãos e após três dias ele foi à casa da proprietária e assinou o contrato de locação. Por fim entregou-lhe  o valor da fiança. Ao sair ainda ouviu dela:

-Seu Brodowski, algo me diz que o senhor vai morar nessa casa por toda a vida. O senhor vai ver!

-Ah, vou sim. Até o meu último dia - Respondeu num sorriso frouxo de quem apenas quis ser gentil.

-Imagina... morar numa casa de aluguel por uma vida inteira? Resmungou alto ao entrar no fusquinha e atirar o contrato no banco do passageiro. Aquela mulher só podia estar brincando ou não era boa da cachola.

Isso fora  há 31 anos - Relembrou - Depois praticando outros exercícios de memória recordou que ao entrar no 11o. ano de locação deixou de receber  os avisos de cobrança do aluguel. Passados três meses e sem que houvesse notícia  dirigiu-se à residência da locadora. Lá chegando encontrou o imóvel fechado apesar de ter insistido na companhia por bons  10 minutos, sem resposta. Todavia a vizinha  alertada por  sua andança na frente da casa foi ao seu encontro. Após se apresentar e dizer à mulher o motivo de estar ali foi que soube.

-Então moço, a pobrezinha da dona Mercedes morreu há quatro meses. Morreu como um passarinho, encolhidinha, eu vi. Também, né? 82 anos...E ela foi assim, sem deixar  parentes, filhos ou um marido. Ninguém!

Ele agradeceu e retornou para casa desacreditando naquilo que a mulher falara e esperou que algum eventual  herdeiro reclamasse o imóvel, o que jamais aconteceu.

-Merda! Que importância pode ter isso agora? – Censurou-se ante as lembranças. Depois, em movimentos irrequietos passou a notar os detalhes do ambiente e  em tudo o que era seu.

E reparou principalmente nos seus aparelhos eletrônicos da década de 70 como  um Receiver Gradiente Pró1200,  um potente amplificador que por algumas vezes necessitou de reparos. “É um belo aparelho” - escutara do técnico naquelas ocasiões. Foi o que novamente ouviu agora ao retirá-lo com os potenciômetros restaurados.
Deixando o amplificador de lado passou em revista o piso e as pinturas das paredes e dirigiu os olhos na direção do teto onde um esmaltado globo giratório, quase réplica de uma nave espacial,  expunha um par de luzes de aparência extravagante, além de uma dessas lâmpadas comuns. No lado oposto ao que estava,  um baú,  uma  peça bonita e pintada à mão num estilo psicodélico que, presenteada por um amigo artesão  emprestava ao lugar um quê de despojo. Sim, não foram tempos totalmente maus – Concluiu ao acariciar a espalhafatosa pintura da arca e erguer o  tampo sob o ranger do par de dobradiças. Escancarado foi inevitável deixar de exalar um cheiro de coisa velha, mistura de mofo, bolor e algumas descoradas pedras de naftalinas. Abanou a mão diante do nariz como fosse dissipar o odor com aqueles movimentos e ajoelhou-se diante do baú e passou a vistoriar o seu interior no aguardo de encontrar coisas mais interessantes que  o cheiro da velhice. Revirando a mala com lentidão reviu coisas que há muito tempo estavam esquecidas na memória. Estavam lá as calças Wanglers, dois números menores aos de hoje e algumas camisetas amarelecidas  com estampas de rock. Sorriu com certa tristeza ao tocá-las e recordar  que havia comprado no fim de 1972,  numa feira hippie da Praça da República -  Tirou uma delas da arca e sorriu tão amarelo quanto ela -

-Que foda, o tempo não perdoa nada. Elas eram brancas! – Disse num balançar de cabeça.

Também  reencontrou dentro dum saco plástico o seu desgastado par do tênis Adidas.

 - Como essas essas três listras foram famosas - Sussurrou ao passar o indicador por elas.

Ao lado do par de tênis, num pote vazio da Margarina Delícia, algumas pequenos broches de metal. Eram os seus botons de personas ilustres que ali representavam a nata do rock do final dos anos 60; Bob Dylan, Hendrix, Joplin, Jim Morrison, e outros como o de Che Guevara, Martín Luther King  e Malcolm X, comprados em épocas distintas numa  lojinha da Galeria do Rock.
Riu ao se recordar que o  trio causava espanto a um colega de serviço, também roqueiro e que não compreendia aquelas presenças no meio de tantos astros do rock. Óbvio que o nosso amargurado amigo tinha plena consciência que o velho Che, tanto quanto os falantes Martín e Malcon nada tinham em comum com o mundo da música, o que não lhes negava suas relevâncias  num planeta efervescido por guerrilhas, racismos e  a estúpida atuação americana na guerra da Coréia.

E daquela guerra algo que jamais saíra da sua lembrança; A foto duma menina coreana, talvez de 7 anos, totalmente nua e em prantos pelos pais dizimados. Era isso que relembrava naquele instante, algo que doía até hoje, e que nos fazia compreender o seu carinho e o cuidado com cada um daqueles broches. Zelo e proteção que denunciava nele uma natureza rebelde, contestadora, politicamente mais alinhada  à esquerda,  padrão que à época infestava o pensamento jovem,  também compreensível, afinal estávamos em tempos de insurgimentos e rebeldias como o visto no festival de Woodstock.

-Porra! Woodstock foi foda! - Exclamou, agora com entusiasmo.

Dele lembra-se do filme visto no cinema, festival de irreverência,  guitarras distorcidas,  cabelos ensebados e compridos e as transas de casais nus sobre relvas. Lembra também das suas camisetas,  palavras de ordem, pulseiras e medalhas com os dizeres das mais novas filosofias dos jovens: "Paz & Amor" e "Faça amor, não faça guerra”.- Sorriu -
De certa forma, e mesmo estando longe daquilo ele apoiava aquelas posições, portanto também  fora revolucionário, um rebelde que agora revisitava o passado e as nuances dum tempo que não mais volta, mas que o incentivava a fazer o que agora fazia ao alfinetar o broche de Che Guevara  à camisa - “"Sonha e serás livre de espírito. Luta e serás livre na vida "  - Dizia uma das frases do argentino-cubano. Refletiu sobre elas e saboreou a frase por duas vezes  até sussurrar numa pergunta:

- Psiuuu, Ernesto, em que porra de mundo você vivia, eim?  -  Depois sorriu cúmplice ao contornar o botom com o polegar direito, talvez na espera que o médico-revolucionário  pudesse reavaliar seus conceitos  - Esperou mais alguns instantes e diante o silêncio de Che, desistiu.

Deixando de lado os super stars e contestadores  continuou inspecionando o interior do baú até  encontrar debaixo dum velho blusão de moletom uma pequena caixa de madeira  com antigos ingressos de eventos, alguns com as bordas carcomidas pelo tempo. O seu interior ainda trazia um tênue odor dos ótimos charutos cubanos que ali estiveram, dados à época pelos colegas de escritório num outro de seus aniversários.
Sutilmente manuseou os ingressos e  teve a impressão que a fragilidade do papel  desmancharia o registro de um grande show. Aliás, que show!

Recordou-se então da noite gélida no Ginásio do Ibirapuera, em 1977 –  Genesis - Era o seu primeiro concerto internacional e como num flashback  voltou à mente a euforia de poder ver a banda que arrebatava o mundo, mas que chegava ao Brasil sem o seu fantástico camaleão; Peter Gabriel. Relembrou que isso lhe trouxera certa frustração, contudo  alguns detalhes mantinham-se vivos como a iluminação de palco, onde nuvens de fumaças vermelhas e de outras cores que, convergindo para o mesmo local davam a impressão duma invasão alienígena. Também resistiu na sua lembrança o duo de bateristas. Sim,  Phil Collins cuidava de uma delas além do vocal enquanto um sujeito negro e encorpado se responsabilizava pelas outras baquetas num show de duas horas e de tanta ovação que a banda se viu obrigada a voltar ao palco para alguns números extras.

-Ei cara! Foi um show muito foda! – Disse para si ao fechar a arca.

Em seguida cravou os olhos em cada centímetro daquelas quatro paredes. Nelas, além de pontos de umidade, enormes caixas  Polivox de 200 w se fixavam por hastes de ferro, mantendo-se cada uma delas na parte alta dos cantos. Depois voltou o olhar para a cama de solteiro e ao lado onde uma estante com cinco prateleiras abrigava os seus velhos LPs. Talvez se acumulassem  uns 400 volumes da mais pura rebeldia do rock britânico. Sim, claro! Ele era generoso no cuidado com seus discos do Zeppelin, Floyd, Crimson, Tull, Genesis, Clapton, Sabbath, Purple e tantos outros dos bons.  E  zelo  se notava nas duas capas plásticas que cobriam os vinis e as capas originais dos Lps.

Abandonando seus modestos bens tentou penetrar na verdade de si;  Há muito não havia amigos, mulheres, namoradas ou parentes. Aliás, mulher houvera sim, uma ex,  há coisa de 28 anos, sem cerimônia civil, padres e presentes, mas apenas as concordâncias em "juntar os trapos"  com alguém que não gosta de recordar e nem saber o paradeiro. Dela, lembra-se apenas dos peitos fartos e duma noite de  chuva intensa e que ao voltar do trabalho pegou a casa às escuras,  armários vazios, e na gaveta da cômoda a falta dos documentos do fusquinha 73. Lembra ainda que om a boca seca e tremulo rumou à escuridão do quintal e o Fusca  azul pavão também não estava lá

-Puta trairagem das grossas que essa dona fez com a gente, Clapton! – Murmurou à época, desalentado. Em que pesou a sua decepção à época,  achou por bem não registrar um  B.O.

Mudando o foco procurou esquecer a sacanagem e os sedutores peitos de Jucineide ao questionar-se sobre seus parentes. Sim, tinha alguns, distantes,  lá pelas bandas de Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, nem ele sabia ao certo. Todavia era gente com parentesco por parte de pai e que ele jamais conhecera, portanto, não tinha parentes.
Olhou novamente para tudo, para o legado que deixaria como herança,  acrescido duma sobra demissionária no valor de  230 reais, e que adormecia no fundo do seu bolso direito da calça de microfibra negra.

- Duzentos e trinta reais.. - Murmurou reticente:

Evidente, aquele valor tivera algum peso ao acordar, a aflição que se somava ao nó no peito, à falta de saliva, uma angústia e a vontade de chorar e não encontrar uma lágrima no poço de si. Enfim, foi naquele instante que se manifestou, mais que nunca, a sua intenção de morrer. Sobre a morte já há algum tempo vinha meditando sobre ela, aliás, adiando a sua execução. Porém, o pensamento necessitava se desprender do mundo psíquico e tornar-se atitude,  factível, palpável, ainda mais agora  transbordado em lamentos dos tristes acontecimentos daquele ano. Acontecimentos repletos de mágoas e abatimentos que se acrescentavam no inconformismo das demissões e da falta de oportunidades. Era assim que ele se via, carta fora do baralho, um sujeito que só ao olhar notava-se não compensar investir nele um centavo sequer. E para piorar aquela amargura, crescia em seu peito uma dor incontrolável, inexplicável; A saudade de Gilmour.

Como poderi amar tanto? Não, não. Gilmour não era um filho  distante ou falecido. Não, jamais teve filhos.  Gilmour era um negro  e inacreditável pitbull de 10 anos que estava com ele desde filhote. Gilmour fora atropelado por um caminhão, bem à frente de sua casa. Não, Gilmour jamais fora um  filho, porém era como se fosse.
 “Ah, Gilmour! Tá difícil” - Lamentou-se.  Era difícil recordá-lo ainda filhote,  dono de um voraz apetite de leite e  tanta força nas mandíbulas que pareciam pretender estraçalhar o bico da mamadeira. Recorda que foi no dia-a-dia  que domou a agressiva natureza do animal até transformá-lo numa quase criança. “Ah, Gilmour!” Lastimou agora ao rememorar a fatalidade para um cão que passou por ele como se fosse uma flecha  ganhando a calçada, e travesso foi àquilo que lhe pereceu diversão.

-Gilmour, seu bostal! Por que teve que sair correndo atrás da maldita bola? Você jamais gostou de brincar com elas! - Praguejou à época

Depois se sentou na calçada e lá ficou por um bom tempo, perplexo, chocado, apenas olhava o corpo do animal e a poça se sangue, e os carros que se desviavam dele. Porém de nada adiantaria ficar ali, não traria Gilmour de volta, e assim foi para dentro e retornou com três reforçados sacos de 100 litros e levou o animal para o fundo do quintal e o enterrou ali, ironicamente o mesmo lugar que guardava o Clapton. Relembra que após uma semana de saudade e  corroído por um sentimento de culpa desmantelou a  casinha do cachorro à marteladas,  acondicionando as madeiras na caçamba duma construção próxima.

-Gilmour, seu burro!  Tu eras como eu,  rock  e cervejas, e jamais o futebol!-  Lamentou-se  agora ao recolocar a cabeça para fora da janela e olhar na direção onde o cão estava enterrado.

Mais que nunca se sentia responsável por  não ter preso Gilmour à coleira e ainda  ter permitido que portão ficasse aberto enquanto varria a calçada.
Era dura a saudade e, não mais querendo conviver com ela  afastou o cão das  lembranças dele, um sujeito que todos imaginavam frio. Mas não era frieza, era o desencanto, o abatimento de se ver sozinho e mendigando  serviços temporários como os das últimas vezes. Enfim, empregos estúpidos e humilhantes que só poderiam ser destinados e aceitos por pessoas como ele, velhas. Tantas vezes se viu disputando vagas com  idosos que nada tinham e assim como ele eram obrigados a trabalhar 10 ou mais horas carregando nas costas, além das suas idades pesadas placas de publicidade. Enfim,  eram apenas pobres diabos convertidos à outdoors humanos, zanzando com cartazes coloridos que anunciavam compra de ouro por um preço justo, entre tantas coisas - Quanta mentira e sujeira!  -

Claro, poderiam existir alternativas como a de ficar plantado em semáforos,  distribuindo folhetos de magazines, centros automotivos, hipermercados, além de outros que ofereciam unidades habitacionais para uma classe média depauperada. Porém aqueles patrões não davam a mínima para eles, nem pros seus reumatismos ou varizes, inclusive negavam o dinheiro do transporte, além de algum valor inexpressivo para um marmitex de arroz, feijão e ovo. Se ao menos houvesse dignidade naqueles serviços, mas não havia nenhuma. E além do mais não seriam aqueles miseráveis salários que  fariam cessar as dificuldades  que ameaçavam invadir a sua casa pela porta da frente.
Era doído e deprimente ter a certeza que chegara naquela idade sem sentir na pele as necessárias esperanças  que apaziguam e mantém alguma chama dentro do homem.

Todavia não mais acreditava em promessas, afinal,  autocrítico  tinha ciência que seus modos  e sua aparência poderiam exalar um quê de displicência e antipatia. Não foram poucos os "nãos" e as portas batidas nas fuças. Talvez a sua estampa endurecida causasse receio àquele pessoal. Porém mal sabiam que as derrotas e decepções assimiladas ao largo dos anos foram responsáveis pelo envelhecimento precoce daqueles  seus 61 que pareciam  bem mais de 70.  Talvez estivessem com a razão, reconheciam nele um resto da altivez, talvez  dos velhos tempos, presunção  que hoje se tornara modesta ao admitir que ficara pelo caminho tudo o que fora seu. Um caminho mais árduo que nunca, sem  diplomas, títulos, ou o conformismo duma aviltante aposentadoria  ou  auxílio pensão -"O passado é  brasa apagada que não mais inflama" –   Sempre concluia em pensamento. Não! Definitivamente não necessitava comiseração de ninguém, ainda mais a de si para si.

- Duzentos e trinta reais... Que faço? Vou à Paris? –  Perguntou irônico para as duas pequenas gotas que se criavam nos olhos. Ah, antes tivessem ceifado sua cabeça com a lâmina da guilhotina.

Não, não havia sentido e nem necessitava de mais humilhações, e a morte parecia ser  coerente e irreversível, principalmente naquela manhã onde ela foi se incrustando de forma obsessiva. Sequer houve um dia nos últimos trinta, que não pensou nela. Sim, e como a desejava! Agora é que podia compreender o drama vivido por um personagem num dos filmes de TV que vira e o impressionara   – DESPEDIDA EM LAS VEGAS –  Era o nome. Nele, Nicolas Cage era um fracassado escritor de roteiros de cinema. Relegado, se viu ultrapassado por idéias criativas de um novo time de roteiristas. E eles encantavam produtores, diretores e estúdios  Assim, não restou qualquer caminho que não fosse o bilhete azul,  a sua demissão. Após, procurou alguma coisa mais sentiu as portas se lacrarem para ele.  Sem saída e depressivo decidiu limpar sua conta do banco e sair  pelas estradas do país até chegar à Las Vegas, onde beberia até morrer. Sim, isso mesmo, o roteirista  decidira  que morreria bebendo. Óbvio, se assim ele o fizesse seria nada mais que coisa comum, clichê, porém era assim que queria a morte.  Todavia haveria diferenças, ele não era cage, portanto não havia grana,  carro,  estradas, e muito menos  Las Vegas.

- Cara! qualquer dia  é dia bom pra se  morrer. E o dia bom é o de hoje, Brodowski! -  Sentenciou-se na decisão.

E não seria tão difícil, afinal a vida jamais apresentou variações àquelas sabidas. Existir era nada mais que  nascer e morrer,  avaliar o bem e o mal,  sentir-se culpado ou inocente e estar entre  Deus e o diabo. E outra...  Nem necessitaria sair de casa, pois seria ali na própria sala que suportara  suas esquisitices  por 31 anos. Também fora dos planos estaria a presença de qualquer rampeira de 50 pratas prum  boquete de cinco minutos enquanto a sua vida acenava um goodbye.

- Sim, vai ser hoje! –  Acabrunhado admitiu. Repentinamente seus olhos brilham de  forma estranha.
- Será que eles ainda estão bons? - Questionou  

Para saber se estavam ou não foi à gaveta da cômoda e passou a mão debaixo das cuecas e meias e retirou de lá os dois cigarros de maconha. Fazia algum tempo que eles estavam ali,  deixados pelo Fredinho Ruela, um guardador de carros das imediações do Fórum Trabalhista, próximo dali

- Pode aguentar esse bagulho pra mim, tio? A coisa ta ruim pro meu lado e acho que os hómi tão na minha cola - Foi a sua súplica que ele fizera. Além do pedido  prometia buscar o "bagulho" em dois ou no máximo três dias.

Sim, naquele dia ele ouviu as sirenes da polícia no mesmo momento que quebrava o galho de rapaz e escondia a muamba debaixo das cuecas e meias limpas  . E isso fora há mais de quatro meses, e o Fredinho nunca mais apareceu, nem pra buscar os seus baseados, nem ao menos para os seus  esporádicos "oi". Talvez Fredinho estivesse preso, morto,  presunto, assassinado por alguma  gang que o sentenciou por achar que ele interferia nos negócios de furto de toca-Cds e Dvds automotivos. “-” Pode ter sido isso? "- Perguntou-se outra vez, afinal,  nunca mais vira a cara do malandro simpático que abria portas de carros com um sorriso de orelha á orelha, ofertando pirulitos quando percebia crianças nos bancos traseiros dos veículos  - "Ah, vai ver  está tudo bem, e não é bem assim!”– Ainda tentou se convencer  ao relembrar o dia que o safado se apresentou a ele depois de passar à sua frente numa desabalada carreira, dar meia volta, retornando e se colocando diante de si:

- Dotô, eu já vi o senhor batendo pernas por aí. E tenho certeza que o senhor também já me viu. Meu nome é Jeffrey! Pra ser mais "perimpistório" é Jeffrey Thomaz ou Fredinho Ruela, para os manos umais chegados. É o seguinte tio, to numa bronca e sem direito à "lábias cópos". Será que o "meretrísmo" pode dar uma forcinha pro sangue bom aqui? 

Claro, não houve como deixar de sorrir naquela primeira vez, pois ficava tão evidente o envolvimento do flanelinha com advogados e  termos forenses, mesmo que pronunciados do seu jeito. Sim, fora aquele dia que Jeffrey esteve mais rápido que nunca. E assim  foi  porquê tentava escapar dum sujeito musculoso, provavelmente um desses advogados  fanáticos por academia, que pretendia surrá-lo  sob a alegação que fora ele o ladrão do seu toca - CDs  enquanto estivera no Fórum. E de nada adiantou os protestos de Fredinho, pois doutor partiu pra cima dele aos socos e pontapés, os quais Fredinho se safava pulando de um lado para outro. Porém o que o doutor não contava  era que Jeffrey Thomaz era muitíssimo  bom de pernas e correu  os 300 metros até que chegar ao seu portão num tempo espetacular. Sim, era verdade, o Jeffrey não mentira: Ele já tinha visto o  "flanelinha" pelas redondezas, e  agora, mesmo achando engraçado se assustava com aquele crioulinho de 28 ou 29 anos que num estado ofegante clamava por sua ajuda.  Fora uma decisão difícil, e ele olhou nos olhos do Jeffrey e sem saber o motivo  empurrou o guardador  para o lado de dentro do portão, pois um pressentimento dizia que ele não era ladrão. Um pouco depois as sirenes de polícia soaram e Fredinho, além de se tornar eternamente grato, aparecia por la uma ou outra vez para dar apenas um alô. Portanto, a última vez fora há quatro meses, dia que Jeffrey rogou para que ele guardasse os cigarros de maconha.

Bem, as incertezas sobre o que poderia ter acontecido com  Fredinho faziam parte da história, e sendo assim, passado, e de certo mesmo apenas duas considerações; A de agora estar com uma bagana de maconha entre os dedos, e  outra que dizia pra ele que a ultima vez que fumara um baseado fora há coisa de   22 ou 23 anos. E foi sem saber qual seria a reação aos efeitos da erva que ele rumou até a cozinha com o bagulho na boca e o acendeu com os fósforos. Após, bateu duas tragadas profundas e tossiu e repetiu a dose bloquendo a respiração. Sim, lembrava-se de alguns dos  macetes no trato com a erva. Ainda mantinha os pulmões sem ar quando retornou à sala com o baseado entre os dedos e só dispensou o toco ao sentir o polegar e o indicador  queimados pela brasa da "Marieta". A princípio sentiu-se estranho, como estivesse pisando em nuvens, numa dimensão outra, depois a enorme vontade de rir, apesar de não saber o porquê e nem pra quê. De repente o seu mundo se pinta de doido, com todas as cores,  e se veste numa calça boca de sino, ou se aperta abaixo dos quadris num modelo Saint Tropez, e mesmo não havendo motivos para rir, repentinamente tudo lhe pareceu hilário. E ele ria de todas as coisas, cada vez num tom maior e a ponto de entranhar a prórpia voz pois há tempos não gargalhava daquele jeito. Após o primeiro surto de risos outros vieram mais fáceis.
Ele parecia tragado pelo delírio.

- Ihuuu, a morte é linda! A morte é o ventilador debaixo do vestido branco da Marylin - Ah, que bagulho doido! – Ele gritava.

- Jimi, seu filho da puta, eu bem sei que tu traçava a Janis" Eu sei!  Eu sempre soube! -  Ele concluía gargalhando.

Repentinamente a morte ganha outra dimensão em sua mente, agora não era a sua única fixação, e ele retorna à cômoda  e deslizando os dedos no fundo da gaveta  retira o segundo pacau debaixo das cuecas descoradas. E de lá ganha a cozinha e novamente  usa os fósforos e dá tragadas e as retem nos pulmões. E ele num desespero compulsivo o fuma todo, tragada por tragada, gargalhada por gargalhada.

- Ihuuuu, Fredinho!  No meu tempo a "Marieta" não era tão boa assim" E outra; Os Beatles não acabaram por causa das brigas da Linda com a Ono. Mentira! É que John descobriu que a senhora Yoko Lennon o estava traindo com o galante McCartney  – Gargalhava.

E sentia outras sensações como as dos seus pés não tocando o chão apesar de estarem fincados nele  até á raiz. Ah,  como era bom falar merda, ser livre e gargalhar.  Novamente a brasa do cigarro queima os seus dedos e ele pensa como seria se pudesse escolher a sua morte. E ele imagina e delira, imagina e os efeitos da erva criam o surreal.

..... Morreria como um astro do rock. Um ídolo  que agitaria em grande estilo o mundo das manchetes ao ser encontrado morto por uma camareira de quartos de hotel. Evidente, mais que o corpo de um astro seria o espírito que estaria ali, um fantasma  a rir do pavor da serviçal.  Ghost... lembram-se? E ele continuaria gargalhando ao ver o jeito da mulher apavorada diante seus olhos esbugalhados. E ela faria três vezes o sinal da cruz e ungiria a testa e  os peitos flácidos por ter a meio metro de si duas garrafa vazias de vodka,russa,  tombada e empapando parte do carpete vermelho. Aliás, astro uma pinóia, apenas um bêbado desgraçado que deixou em funcionamento um system de 2.000 dólares  num último volume, e o pior,   tocando a "Coming Back To Life"  do Pink Floyd.  Um baita azar pra pobre, justo para ela  fã incondicional de Frank Sinatra e Tony Bennett.  Ah, meu Deus! como ele gargalharia. Mas não quereria que as coisas parassem por ali.  A festa em celebração existia, e sendo assim teria que continuar e ele  gargalharia até contrair a barriga ao ver policiais e duas dezenas de paparazzi tomando de assalto a saguão do hotel diante os assustados olhares dos hóspedes que temeriam ser vítimas dum ataque de um barbudinho do Talibã. Quanta risada ele daria, e o seu ego ansiosamente aguardaria pelas manchetes do dia seguinte. E lá estaria ele estampado nos quatro cantos do mundo, comoção geral e um funeral tão concorrido que contaria com a presença de gente mais lendária que ele. Ali estariam Mick Jagger, Bono Vox,  David Bowie e Robert Plant.  Mas era pouco, queria mais, muito mais, então a sua morte seria a primeira capa na Rolling Stone  - “O MUNDO LAMENTA! MEGA  ASTRO  MORRE  DE  OVERDOSE  DE  BEBIDAS  E  ROCK" - Prantearia a revista sob o abatimento de jovens do mundo todo.......

Enfim, era bom sonhar. Porém, mesmo sob o efeito da maconha sabia que a vida é mais pesadelo que quimera, e morrer desse jeito era nada mais que delírio, e  ele não era um astro, e não haveria publicidade, e nem mesmo o sepultamento dum sujeito com as narinas afogadas pelo pó da cocaína ou de ácido como geralmente ocorre com a maioria dos grandes ídolos. Não, não! Desapareceria do mapa sob o som das guitarras selvagens do bom  e velho rockinroll,  e beberia, até transbordar o fígado, se é que ainda houvesse algum,  e depois morreria em paz. Enfim, era o máximo que poderia fazer por si numa situação daquela.

E foi exatamente num quase delírio e em cumprimento da sentença que se dera foi que ele rumou à cozinha. Estava impressionado, pois a maconha instigara a sua fome e ele preparou um café forte e comeu os três últimos pãezinhos com margarina e creme de amendoim. Para ele, maconha,  morte e falta de apetite, contrastavam. Depois do café da manhã providenciou baldes, água e sabão e outros produtos de limpeza e se preparou para fazer a melhor faxina da sua vida. Sentia-se disposto e forte como nunca, e também seria nojento morrer num lugar imundo, fétido, desleixado. E ele trampou duro, lavou, secou, lustrou e em quase quatro horas a sua casa cheirava  limpeza.  Depois de um bom banho, lá pras 13h foi que o efeito da maconha amenizou e não mais gargalhava. E quase sem a ingerência dela  saiu de casa  e estacionou seus sapatos na Lanchonete do  Mané, para pegar um marmitex de feijoada. Mané o cumprimentou com certa cerimônia, pois há algum tempo ele não dava as caras por lá. Ele estava faminto, e aguardava a feitura da comida quando imaginou os milhares de pessoas que poderiam estar morrendo famintas naquele mesmo momento.

- Porra! o presidente deveria promulgar uma lei; É proibido morrer de bucho vazio - Disse num tom de contestação, balançando a cabeça em negação.

-Como? O que você disse? - Perguntou Mané, surpreso. Ele não havia notado  o dono da lanchonete a metro e meio de si.

-Nada não Mané. Coisas aqui da minha cabeça - Respondeu sem graça.

Antes que  o homem entregasse a feijoada ele  pediu para que caprichassem na "espremidinha". Assim Mané o fez e ele pagou os 20 reais pela comida e retornou para casa com duas embalagens metálicas.
Já na cozinha consumiu em três longos goles o copo da "espremidinha" e depois lambeu os beiços ao degustar o almoço nas próprias embalagens,  sem deixar sequer um grão de arroz. Terminado, lavou os talheres e acondicionou as embalagens e outros detritos em  sacos de lixo e os colocou na calçada para que os lixeiros levassem.  Ainda no portão olhou para os lados e não vendo ninguém soltou dois ou três flatos e voltou para o quarto e deitou-se; Tinha 60 minutos para um bom descanso. Eram 15 horas quando seguiu para o mercadinho e de la retornou com  quatro garrafas de vodkas vagabundas. Deixou 50 reais no caixa do mercado e tão logo entrou em casa  acomodou três garrafas  na geladeira e sentando ao chão da sala abriu a primeira  e serviu-se de uma dose dupla. Ao lado das pernas empilhou alguns dos seus Lps e escolheu o disco que iria ouvir. Não foi difícil; Resolveu que no derradeiro dia de sua vida seria  justo o reconhecimento ao  The Who,  sua banda de coração. Passou disco por disco e separou um dos seus mais famosos - Who Next -. Devolveu para a estante os discos que não seriam ouvidos. Ele sabia que quando ligasse o amplificador  deixaria seus vizinhos furiosos, pois o volume que a banda de  Pete Townshend  tocaria seria tão avassalador que seus próprios ouvidos protestariam

– Fodam-se os vizinhos! Vou explodir essa bagaça! - Praguejou irônico erguendo o dedo médio.

Aproveitou e retirou o plástico externo do disco e abrindo o álbum olhou detalhadamente para o encarte. Seus olhos se fixavam numa das fotos  quando bateu um sentimento de perda;  Moon e Entwistle riam um para o outro num dos ensaios da banda.

- Pena não estarem aqui pra voarmos nessa viagem - Disse num lamento ao erguer o copo num brinde para os amigos falecidos.

Depois engoliu o conteúdo do copo em outros três ou quatro goles e girou o potenciômetro do amplificador até atingir uma das últimas marcas. Tudo pronto,  repousou o vinil  no  toca-discos. O pouso hidráulico do braço foi suave e a agulha deslizou e as primeiras sensações vieram quando o som abandonou as caixas num volume assustador: "Baba O'Riley" - "Bargain" - "Behind Blue Eyes" –  espalhavam  riffs e vocais inacreditáveis. Era o início da orgia e os níveis de adrenalina aumentaram quando Pete fez as bases  e depois os solos de um rock efervescente onde um violino e o sintetizador análogo inovavam o som da banda. Ali naquele quarto/sala se dava o início, não o da brincadeira de um bêbado, mas o do fim da sua vida, talvez o único o caminho duma paz que tanto procurava.

As doses e as músicas se consumiam quando ao fim da primeira garrafa  meditou e tentou compreender a morte. Completamente ébrio pensou nela e do jeito que ela se apossava e de como as pessoas reagiam.  Gostaria que a morte fosse igual a um carro que roda toda a sua possibilidade e  repentinamente pára com o motor fundido. Contudo, nada era como ele gostaria que fosse,  e assim a morte poderia aportar sádica, vil, causar  sofrimentos desnecessários assim como faz às vezes com doentes desenganados, como no câncer em estado avançado, onde a  benevolência das doses de morfina diz que aquele sujeito poderia ter sofrido menos.

-Não, comigo não será assim, será do jeito que está sendo -  Afirmou.

E a afirmação veio num instante que faixa reproduzida retumbava um dos maiores momentos do rock  - “Won't Get Fooled Again" - Os nível de adrenalina à custa da guitarra arrepia o seu corpo magro e ele segue cambaleante para  o centro da sala. Lá, bate os pés e ergue a garrafa acima da cabeça e entorna o líquido que se derrama nos seus cabelos

- Sim! Sou um  campeão, o mais louco dos campeões!- Ele grita tropeçando em vogais e consoantes.

A vodka escorre pelo seu rosto e desce até ao peito onde ensopa parte da área frontal da camisa; Ele se sente um animal, e sendo animal  não há a necessidade de discernimento.  E ele persiste dançando e as pernas não se mantêm tão fortes que consigam suportar o próprio peso. Sem qualquer coordenação e como um aspirador de pó fora de controle ele traga doses de vodka com a mesma simplicidade que tomamos um copo de água para saciar a sede. Talvez a sua vida estivesse esvaindo pelo ralo, mas ele parecia não se dar conta. Todavia a bebida sempre cobra um preço e ele se manifestava na exaustão do  corpo,  onde as pernas parecem pesar toneladas. Caminha com dificuldades até a cama e lá se deixa cair pesadamente. No leito sente a falta de ar e depois a cabeça gira e  náuseas se manifestam ao manter o olhar fixado  num ponto do teto.
Não perdera completamente a razão, portanto sabia que enjôo sempre é prenúncio do vomito, e assim levantou-se apressado e esbarrando nas coisas atravessou poucos metros até chegar á porta da cozinha; A intenção era alcançar o banheiro. Não houve tempo. Ao abrir a porta o primeiro jato de vômito se deu ali, na soleira da porta da cozinha. A golfada empapa o peitoril da camisa dum líquido viscoso e que num cheiro acre chocava contra o chão como  a queda duma cachoeira.  Vieram outras contrações e ele se dobrou e grunhiu feito porco, porém não havia líquido, só espumas esbranquiçadas que pareciam singelas. Ele ofegava à cata do oxigênio quando limpou a baba num dos punhos da camisa branca.

-Maldito vômito! - Praguejou ao retornar bambeando para dentro da casa.

De passagem pela cozinha  e num movimento ébrio puxou em falso a porta do refrigerador e o seu corpo em desequilíbrio foi ao chão. Praguejou.  Tenta novamente  a consegue destravá-la e retira de lá a nova garrafa e enche outro copo, e evita a náusea travando o sistema respiratório. Assim se dá e não mais sente o sabor da vodka e nem de nada, apenas algo de temperatura fria descendo pela  garganta, queimando suas entranhas – “Melhor assim" – Conforma-se com cara imbecil.
Naquele instante o seu estado poderia ser considerado crítico quando sentiu a primeira sensação gélida percorrer o corpo. Logo após teve a impressão de um bafejo nas faces, assim como colocasse o rosto sobre a panela com água fervente.  Ele sorri - "The wind of death?”-  Todavia, mesmo se fosse o vento da morte  ele não pretendia se deixar levar assim; Ainda era cedo.

 - Calma dona  morte tenha  um pouco mais de consideração por mim!- Ele negocia.

Não seria necessário muito para aniquilá-lo de vez, ele sabia.  –   Há forma melhor de morrer? –  A pergunta não é dita, é pensada e dirigida para um pingüim de porcelana que se mantém em cima da geladeira e ao lado de um espremedor manual de laranjas. E o pinguim apenas o olha com aquele mesmo olhar de anos, sem emoção, sem lágrimas, sem alegrias ou lamentos. Não há nada, apenas ele e o pingüim,  um enfeite de porcelana ganhado há anos no jogo de argolas num parquinho de diversão que se instalou próximo dali. Ele permaneceu olhando para o pinguim e um sorriso incompreensível confirmava que não havia mágoa e nem cobranças.
Desolado ele retorna á sala, pousa a garrafa na mesinha de cabeceira e novamente desaba na cama  por quase  10 minutos. Olhava para o teto, para as caixas e agora elas não rodam - Tenta sorrir - Com ele era assim, depois de passado o primeiro surto, o resto era apenas o resto. Ainda mirava o teto quando acreditou estar melhor e tentou até conseguir levantar-se e  caminhar trôpego para onde esconde o seu  maior tesouro;  A imagem do grande amor da sua vida. E ele a pega. Não era a foto da ex-mulher ou de alguma piranha da Rua Augusta. Não, nada disso. Era a fotografia-capa do álbum “Quadrophenia"-  um LP duplo, motivo da sua idolatria, o maior disco de rock de todos os tempos – E seus olhos bêbados agora lacrimejam e ele se recorda de quando comprou o LP  na mesma Galeria do Rock.

Recorda que ao olhar a capa do disco questionou a imagem sombria e misteriosa dum garoto solitário sentado em cima duma Vespa.  O que ele poderia estar fazendo em meio ao nevoeiro de Londres?  Não sabia, portanto  persistiu  na capa do álbum, depois pagou a compra e abandonou a loja.  Ainda no ônibus  retirou o disco da sacola com o logo da loja e outra vez se questionou dos motivos da solidão e de tanta amargura.
Não, não sabia, mas hoje não necessita questionar, já sabe.  O corpo bambeia e ele tenta firmar-se, e se equilibra com o álbum em mãos, depois retira os discos  e os coloca no mecanismo de retenção dos discos.
As músicas se seguem, uma após outra - "I am the Sea" - The Real Me" - The Rock" -  “Helpless Dancer” - “Bell Boy” –  E vieram outras num mesmo volume destruidor e somente no intervalo de um disco para o outro  é que ele se dá conta que na lá na rua o seu portão é agredido com murros e chutes. Era um som horrível, metálico, de folhas de zinco sendo espancada por sapatos de números 35, 40, 44, e sabem-se lá quantos mais. E ele ouvia  o alarido e não  compreendia o que diziam seus vizinhos furiosos e violentos.

- Cambada de filhos da puta! -  Em resposta ele berrava bêbado e incompreensível. Naturalmente,  jamais poderiam ouvi-lo. Ao som da nova  música a selvageria dos vizinhos perde a importância

- Vão chutar os rabos de vossas mães! Ele xinga tropeçando nas palavras. Depois sorri satisfeito.

Sim! A morte, além de inexorável poderia ser uma  ótima companheira. Portanto ele bebeu e dançou até desaparecer a última dose da garrafa. Aliás, aquilo não era dança, e ele apenas batia com fúria as ponteiras dos sapatos sociais contra o piso ante a pulsação do rock. E era engraçado vê-lo agredir seus sapatos de quinta enquanto os braços e as mãos solavam uma guitarra imaginária, e depois uma sua vã tentativa de imitar os mesmos pulos de Pete executava nos palcos.  E não conseguindo  abandonou  os pulos  e se concentrou ainda mais  na bebida e curtia um inacreditável solo do contrabaixo de John, um cara que tocava baixo como se fosse guitarra, um gênio que fazia a música tomar o seu corpo, o corpo dum diabo entregando sua alma a preço de banana. Aos riffs somava-se  a voz de Daltrey e as batidas de Moon, e a banda latejava o mais denso rock  que se têm notícia, pra ele essência de liberdade. Ele jamais se sentiu  assim  tão livre. Ah, se os amigos pudessem estar com ele, agora. Amigos? Ele tinha esquecido; ele não tinha amigos. Tinha vizinhos chatos que chutavam e esmurravam o seu portão.

- Malditos filhos da puta!  Quero que vocês se ferrem! - Ele rugia bêbado.
Talvez nem mais compreendesse o que falava.

E o pesadelo travestido de sonho dizia para ele que era bom estar ali e continuar assim. Dizia mais;  Não tenha culpa, nem remorsos. Agora nem as pernas pareciam extensão de si, e se esbarravam e desequilibravam o seu corpo alto que tombava  ao chão, uma pedra ao precipício. E lá no piso frio ele ria  e com a língua pra fora da boca  lambia ao as cerâmicas do chão relembrando as idiotices de Gilmour.
E ele persistia rindo e lambendo o piso quando  - “Doctor Jimmy” tocou. Os riffs, a bateria e a voz esganiçada de Daltrey diziam para ele que ele era rei.  Depois disseram que  era um general  dos tempos romanos, e ele empunha a  guitarra imaginária como se fosse a mais poderosa espada e desferia golpes para os lados, depois abandona a arma e se apossa da garrafa e a ergue; era a cabeça do seu mais poderoso oponente, talvez o crânio de Santoro, o mais filho da puta de todos os vizinhos  – Era a vitória e agora ele era um herói – Um herói que não recebia medalhas, pois a garrafa vazia não faz ninguém beber, e ele tinha que continuar bebendo.
E outra vez voltou á cozinha espalmando as mãos nas paredes, se escorando na geladeira.

-Ei garoto, você está indo bem! Vai morrer às pampas! Dizia para si. A voz soa incompreensível. E ele ri, o louco ri.


Sentou-se ao chão e abriu outra garrafa e ficou por um bom tempo tragando doses em pequenos goles. Ele se sentia estranho, perdido, sem saber pelo que esperar. Era uma sensação de impotência, a vida se esmolambando ante seus olhos como as pedras que imaginamos fortes e que se esfarelam num simples apertar de nossas mãos. Repentinamente algo chama a sua atenção; A imagem da tarde se despedindo confessa, exposta em parca luminosidade na janela da cozinha. E ela se rendia largando o seu turno com a pontualidade dum operário. E se ia talvez como numa doce poesia, dessas que não se queixam e nem requerem decisões.
E ele continuou lá por uns bons minutos permitindo a penumbra banhar o seu ser, serpente trocando as peles bem debaixo dos seus olhos, tarde-cobra se esgueirando aos limites que se impõem na natureza. E a tarde acenava, se despedia e era doce e não negava os seus rastros e nem os murmúrios das suas tantas feridas.
Deslumbrado apenas manteve o olhar à janela enquanto tentava compreender o esplendor de algo tão majestoso e indecifrável - Por que somente agora ao se aproximar o fim é que fora dar conta de tanta grandiosidade? – Questionou-se - Os olhos estavam tão ébrios que persistiram embevecidos e sorriram ao se sentirem acariciados pelas sombras que consumiam o tempo lentamente. Sim, havia ali toda a poesia da morte que se consente, essa mesma que re retorna à vida e liberta a doçura dos amantes revelados ao fim da noite.
Sim, jamais haveria como negar, era pura sedução o ato de possessão. Era magnânimo o poder da noite subjugando o ocaso sem arrogância e num ato tão pleno de paixão assim como uma lágrima de mulher que se derruba por amor.
E o que seria ele comparado a tanta grandeza? Nada, simplesmente nada! Apenas um bêbado que se deixaria morrer ouvindo seus juvenis rock in roll, torcendo para não perturbar demasiadamente o sossêgo alheio - Forever Young! Lembram-se? Sim, ele se lembrava, mas não era mais um jovem e sim o ébrio que, entorpecido nas desilusões tomaria de assalto as vestes da tarde e se deixaria morrer sem queixas ou objeções. Não! Não haveria lamentos seus assim como não houve na poesia que sonhou e não soube escrever - Concluiu com circunspecção-

E agora a noite viera de dez e apoderava-se do todo e trazia consigo  a irônica lembrança das contradições dos seus conceitos de outrora, dos absolutismos que sempre o fizeram repudiar o suicídio e aqueles que o tinham como rota final. Para ele, livra-se da própria vida constituia um ato vil e covarde praticado por aqueles que não encontram motivos que se justifiquem. Contudo,  apesar da contradição, a partir daquele instante nada deveria interferir. Não havia espaço para culpas, medos e nem remorsos. Sim, que lhe afligisse na pele e retornasse  a mesma sensação gélida  que agora se apossava do seu corpo como se fosse ele parte dum iceberg.

Todavia o ranger dos dentes e o fremir do corpo não iriam impedir a sua volta  à sala e para a sua banda.  Seu corpo persistiu tilintando ao tentar e não consegue se erguer do chão. Nova tentativa e imprimiu força às pernas e ao não atingir seu objetivo girou o corpo lateralmente até se pegar de quatro, um Gilmour da vida que arrastava suas dores na direção da sala. E ele não ia só, com ele uma garrafa pela metade, vidro estocando o piso num compasso manco e impreciso. Ao alcançar a porta da sala ele sentia  horríveis dores nos joelhos, e tenta levantar-se, porém não havia forças para impulsionar as pernas. Com os pensamentos confusos ele pretende resolver a situação e então espalma fortemente uma das mãos na parede e nela se apóia e impulsiona as pernas e conseguiu içar como um barco à meia vela.. Com as pernas semi dobradas ele se ajoelha rente à parede e estendendo o braço tenta alcançar com o indicador  os dois dos botões na placa de interruptores. Foi necessária uma terceira tentativa para que as luzes se acendessem de vez.

Ah, como era belo o efeito da luz negra - Ele sorria com o efeito da outra,  a estroboscópica que,  conferia à sala um clima underground e depravado como num "inferninho"–  E agora acesas elas permitiram a sua viagem,  e ele viajou e aportou num instante do passado. Ele relembrou os amigos, as namoradas, os bailes e até pôde ver um copo de cuba libre no balcão de madeira de um bar provisório E revivendo o  momento materializou pessoas de sua convivência. Era como se elas estivessem ali na sua frente, carne e osso. Marly continuava insinuante e com um  gosto de cio nos lábios vermelhos e ordinários que beijara algumas vezes.  Também relembrou a Neusinha e o seu pai carrancudo à espera dela  na saída do baile, e o que reduzia drasticamente as suas chances com a garota perfumada e das pernas grossas. Nela jamais esquecerá o sorriso meigo e sincero que causava nele uma sensação de “É muita areia pro meu caminhão” Claro, a frase era um dos bordões da daquela década, pois o que havia era apenas um pai com um olhar de dobermann, sinalizando que a filha jamais seria pro bico dele - Admitiu ao levar Neusinha pra longe dos seus pensamentos – Livre da garota pôde rememorar alguém muito especial.

Seus olhos brilhavam ao vê-la à sua frente. O  nome era Leila, e era com ela que sentia o coração acelerar. Garota legal, divertida, além de linda e gostosa, aliás, "Bolindosa" o cognome sugerido por seus amigos que queriam num único apelido  incluir todos os atributos da garota - boa, linda, gostosa - E Leila, sem pai para esperá-la, dona de uma liberdade relativa, fato de exceção à época, seguramente era a garota certa pra ele. E eles se encontravam nos bailes de sábado e ficavam se olhando furtivamente, ela junto das amigas, e ele com os perversos companheiros, até o momento dos primeiros acordes de alguma música lenta e romântica. Então ele se dirigia até onde ela estava e a tirava para dançar. E eles dançavam e colavam os rostos e seus corpos, e se tocavam com tanto  carinho e desejo que os olhos se cruzavam patéticos e apaixonados. E eles mal mexiam seus corpos sob os efeitos daquelas  luzes onde a negra causava um efeito de fosforescência em roupas brancas, inclusive nos dentes que cintilavam azulados como peças  de neon enquanto. Por outro,  a estroboscópica  piscava freneticamente criando a ilusão ótica de corpos estarem em  movimentos incessantes. Sorriu triste dessa vez; Na época Leila fora de mudança pra Recife numa maldita transferência profissional do seu pai, um alto funcionário da petroleira estatal

Logo se esqueceu de Leila e se  esforçou para relembrar outros fatos e detalhes quando, uma a uma as imagens foram se dissipando na sua mente. Foram embora os  amigos, namoradas, e até o copo e o balcão do bar. Ele olhava para si e para os efeitos das luzes e elas fosforesciam em sua camisa um mesmo tom azulado e neon, exceto nos locais manchados pela bebida e  vomito. Ele sorriu; O revolucionário ainda se mantinha alfinetado à camisa e tão fosforescido quanto ele. E ele olhava para o próprio  corpo e a felicidade o tomava,  era uma sensação de paz,  assim, de estar num outro plano, numa outra vida. E  ele persistia embevecido ao persistir olhando os efeitos que as luzes causavam em si  quando fremiu descontrolado; Termicamente era uma sensação que o seu corpo estivesse dentro dum copo de água junto de oito pedras de gelo. Ele tremia tão frenético quando o coração latejou rápido e  descompassado. Ele se assustou, podia sentir os latejamentos no céu da boca. O corpo se empreende num estado de êxtase, algo catártico,  surreal, e o absurdo volume nas caixas não passava agora dum quase um murmúrio, sonoridade se tornou distante no momento que ela chegara -  E ela se aportou soberana, trazendo o colapso ao corpo do homem, e uma dor  tão devastadora que o obrigou a cuspir um resto de bebida que estava em sua boca.  –

Sim, ela!  Era a leal amiga. Não mentiram, nem ela,  nem ele.  O raio do enfarto  atingiu o  peito, em cheio, e ele tentou levar a garrafa à boca para um último gole, sem sucesso, pois a garrafa tombou junto com ele e se espatifou no chão  lançando cacos irregulares e incolores para boa parte do piso. Fora a dor mais infame da sua vida. Por instantes ele sentiu  algo  rasgando o seu peito, a  lâmina do estilete esquartejando sem dó, sem critérios, sem emoção.

Não havia mais nada quando o The Who o homenageou com a última faixa do Quadrophenia –  "Love, Reign O’er Me” – Era a canção  – "Um mendigo, um hipócrita.  Amor reine sobre mim" – Implorava  parte da letra.
No alto as luzes persistiam fosforescendo o rosto magro dum homem alto com a aparência semelhante a Ian Anderson, do Jethro Tull. No bolso direito da sua calça 160 reais e algumas moedas de centavos, um resto de herança sem herdeiros,  No peito  a mão espalmada repousava no lado superior esquerdo enquanto sob os seus dedos o broche de Che Guevara se consternava diante da complacência azulada duma falsa camisa neon.
No seu olhar parcialmente cerrado foi possível reconhecer o fim de uma vida. Um pouco mais abaixo os lábios numa tonalidade levemente arroxeada pareciam exibir um melancólico sorriso de quem aceitou sem contestação o termino da louca viagem. Mais que nunca ele era à tarde e também foi tragado.

Nos quatro cantos altos da sala as caixas permaneceram silenciosas. Ao  lado da cama a estante  de cinco divisões e os de mais de 400 volumes mantiveram-se unidos e perfilados lado a lado. No toca-discos um ruído eletrônico da eficiente tecnologia britânica fazia o braço retornar automaticamente à posição de origem. Ainda no seu prato o solitário lado B do disco dois  se mantinha adormecido. Talvez  o The Who fizesse o  minuto de silêncio.
 No chão a capa do "Quadrophenia" insistia na solitude do garoto da Vespa, e ele mais parecia perdido nas desilusões que propriamente  ao denso nevoeiro da cidade de Londres. Também não havia a loucura dos cigarros contraventores e um system de 2.000 dólares, muito menos copeiras de quartos de hotéis, mas sim a sensação de limpeza e um bom odor de lavanda em que pese o cheiro azedo impregnado em sua camisa social. La  fora um silêncio isento de chutes e murros enquanto no refrigerador a única garrafa de vodka permanecia intacta e solitária. Em cima dela o pingüim recebido como prêmio num parquinho de diversões persista impassível e com o mesmo olhar frívolo de antes.
Na casa nenhum som,  mais existia o rock. Aliás,  o rock  existirá para sempre, pois o que se extingue é a vida, é o homem e as embarcações de si


Copirraiti24Julh2012
Veio China©

11 comentários:

Anônimo disse...

Bem...Assim... que falar não é? O texto já estava bom antes dos característicos "ajustes" costumeiros em seus textos.
Mas preciso ser sincera em dizer que o enredo me remeteu a um mundo paralelo, atmosfera rafeita, impossível ler seu conto ao som de um bolero ou pagodinho do mister zeca, eu particiculamente degustei da experiência em ler te ao som de Robert Smith e banda, e confesso....surreal.
O seu conto é interessante como em sua grande maioria, porque atrai o leitor ao universo dos personagens, tornando-os parte do conto, os mecanismos de linguagem que você usou, bem como a realidade subtendida que o conto denota faz com que o leitor regresse à adolescência ou até mesmo à um universo nunca vivenciado antes em sua realidade, apenas em seus sonhos e fantasias. Isso é muito bom porque seu texto possibilita ao leitor momentos de fuga do vai e vem dos carros entre estradas e outras no corre corre de um dia de trabalho.
Muito bom,
Parabéns.

Anônimo disse...

Haaa Véio....pelo que pude sentir, você continua mais vivo que se pensa, continue fazendo sua orgia com os rocks , com as boas recordaçoes , afinal, temos que nós mitigar de alguma forma....Bjs....O vento da vida e o ar de cima cheira a morte.
Anjos cantam o fim.
Nada que você diga e nada que você tente pode mudar o tempo.
Raça humana prepare-se para morrer"

.rs

Véïö Chïñä‡ disse...

Grato pela leitura, anonimos. Anônimo do dia 28, você tem toda razão; é comum ficar mexendo e remexendo os meus textos, porém esse me deu um trabalho enorme. Eu relia e não notava profundidade no persongem, sequer precebia os seus motivos ( apesar que nunca são necessários os motivos )Talvez esse foi o conto que mais modifiquei até presentir que consegui ajudá-lo na sua necessária viagem (ficaria feliz se retornasse a ler para dizer se assim tb o perebeu)

valeus gentem!

Anônimo disse...

Sim, eu o percebi...Alias: "A tarde se rendia à noite numa quase poesia, sem queixas, sem amarguras, sem cobranças. A natureza trocava de peles bem debaixo dos seus olhos, sem gemidos, sem traumas, sem dores, sem amores. E ele não conseguia pensar em qualquer coisa que não fosse a possessividade da noite, aliás, era pena que só num momento próximo do fim é que ele se dava conta que jamais presenciara algo tão grandioso. E ele sorriu encantado ao ver a noite subjugar a tarde sem violência e com carinho" FODA. Adorei reler seu texto, mui mais descritivo e citar Janis foi muito firmeza, mas Che? Sem palavras rss..... Você misturou um mister de musicalidade, dor, nostalgia, rebeldia, poesia e desejos, sabe cara, os desejos são o combustível para a vida, mesmo os mais simples como simplismente refletir ao som de uma boa banda de heavy, gótico ou celine dion rss... até mesmo a frenética sensação de extase ao mirar os olhos para o teto e refletir acerca do nada.

Fique na paz.

Anônimo dia 28

Anônimo disse...

Desculpa...permaneci lendo seu conto nesse fim de noite, para mim inicio de uma manhã noturna por assim dizer rs... Bem posso ser sincera? chorei! sim chorei! não por mim, não pelo personagem mais pelos sonhos que se perdem em um tempo literalmente perdido...sabe... muitos falam acerca das recordações, mas a qual grau é interessante termos? Assim, ao ler o conto imaginei um raul seixas fracassado rss,,, um raul sem seu baú um raul sem sonhos...imagine esse figura? transloucada? Não! apenas um ser comum, vivendo por viver vivenciando a alegria das alegrias provisórias, um verdadeiro nirvana sem intencional trocadilho.... A manhã já surge e vou nessa, pela estrada da vida seguindo na contramão dos sonhos e depois da releitura do seu conto me vem a cabeça Bob marley "Sou louco porque vivo em um mundo que não merece minha lucidez"...A vida é esquisita ... vivemos... de repente: O vazio... Preenchido entre sustenidos de uma balada de rock and roll? ... apenas acalmado... e a tormenta... jaz dentro de mim... dentro do bebado metaleiro....solitario...guardião das lembranças...anfitrião de fracassos e porteiro esperança agonizante; sob os olhos e a vigilancia da morte que nos espera...mas hoje não....só por hoje não...
Parabéns novamente...desculpe pelos devaneios das palavras...é o sono e o cansaço,
Bom texto.

28.

Véïö Chïñä‡ disse...

hehehe. Caraca! Acho que já te falei isso: Gosto mais dos seus comentários e críticas que propriamente das minhas bobagens.
Viajei com tudo o que concluiu.

Legaus!!!

Anônimo disse...

Não nunca disse, talvez porque eu nunca tinha comentado antes. Todavia. ok

Véïö Chïñä‡ disse...

Ops! Falha nossa! hehehe. Pois é, desculpe, é que tem outra pessoa que tinha por hábito analisar tão profundamente quanto você, inclusive levando-me avaliar coisas que nem mesmo passavam pela minha cabeça qdo escrevi, mas que revendo atentamente são totalmente cabíveis. Agradeço inclusive. Grato pela leitura

Hallafaith disse...

Você não para de modificar? ta bem! me rendo! você conhece minhas críticas e comentários! rs...Pelo menos algo né "meu Brasil"!
Pare do mudar seu texto!!! não é p'ra ser um conto frenético....apenas contagiando e real...mesmo sem se-lo...já estava! ai!Ai! desculpe vir ler direto...na verdade nunca li alguns rsrsrs mesmo os recentes "estes a maioria não mesmo" rss o de poesia tb não li as últimas rss mas eu curti esse conto meu!!! mais ta bom de concertos! haushaushaushuahsuas.....
Desculpa ai as brincadeiras cara! foi mal!.Deixe-me voltar ao trabalho.

Véïö Chïñä‡ disse...

hahaha. Eu sabia! É um jeito único de comentar, de avaliar. Viajo quando escreve ( aposto que dari uma ótima contista) Bem..pra te falar a verdade, nesse toda hora que olho acho que não está bom. Fiz umas últimas alterações ( nem mesmo sei e nem me lembro se modifiquei depois que leu. haha) mas..aí que está contradição, pode ser que as alterções tenham piorado o texto, porém agora é qeu sinto que existiam "coisas" dentro dele. Antes era apenas um sujeito querendo morrer bebendo ouvindo o Who. hehehe. valeus, mais uma vez, e agora me comprometo....esqueci esse conto de vez. Pronto!hehehe

Andréa disse...

Oi
Muito bom...gostei!!

beijos

Déa