segunda-feira, 9 de julho de 2012

Entrevista com Deus


Apenas recordava do baque e o som grave do seu corpo de 80 quilos chocando-se contra o parachoque para depois  sobrevoar a capota do Mavercik 84  e ir de encontro ao meio-fio que dividiu o seu crânio em partes iguais como um melão cortado ao meio por uma faca de churrasco.
Agora era isso. Ele olhava para o Todo Poderoso e ele parecia medonho.
Não era o Deus que idealizara, o da sua igreja e nem da sua infância. Ele olhava para Deus, e o Senhor não era a semelhança de nós humanos, mas sim e talvez à imagem de habitantes de outros planetas ou de alguma parte obscura daquilo que se denomina  “UNIVERSO” Afinal, a imagem era tão estarrecedora que ele não sabia ao certo, e também porque  Deus ou aquilo que denominamos como força maior não fosse conceito ou ideia exclusiva ao homem -  Ainda mais por que se fosse aquela a forma, a imagem, que não houvesse forma, não houvesse imagem, que só restasse o espírito

Progressivamente confuso ele olhava para Deus e pras suas duas cabeças que saindo do único tronco não acolhiam pescoços para sustentá-las. Também causavam arrepios os dois rostos, um em cada lado do peito, e ainda mais os seis pares de medonhos olhos alaranjados que davam a impressão de saltarem das cavidades oculares de um momento para o outro. Mais abaixo algo que sugeria um nariz acolhia ventanas imensas  donde escorriam gosmas pegajosas, jactadas em intervalos de dez segundos.  Da única boca nada se via salvo um duto interminável que, cíclico expelia  azuladas labaredas e que depois  ganhavam  uma tonalidade indefinida.
Deus percebia a decepção, a reação do horror que causava ao rapaz:

-E então, Porfírio? –

-Mas, mas, mas,... -  Era só o que Porfírio conseguia balbuciar.

Sim, ele queria interagir, ajoelhar diante do Pai, mostrar a sua fé, protestar o amor e a crendice pelo Deus do amor, mas nada conseguia senão aqueles "mas..mas..mas.  Evidente, a figura desse deus incutia-lhe o horror.

E o Todo Poderoso dava tempo ao tempo, afinal na sua infinita misericórdia  não custaria dispor de algum tempo para que moço gozasse os minutos de estupefação e retornasse ao seu estado normal. E outra, Porfírio ainda não sabia, mas, pouquíssimos eram os concebidos na graças de se haver com o Senhor, um sortudo, ainda mais ele, um católico repleto de pecados, e principalmente, dos mortais. Todavia, Deus sempre simpatizou com aquele rapaz, e estava aqui a chance dum arrependimento que  purificasse a alma, um honesto pedido de perdão para ser perdoado.

-Mas, mas, mas... - Porfírio engasgava nas palavras.

Ele sabia que algo deveria ser dito para o júbilo do Senhor, apenas não conseguia, e sim assombro que aliado ao terror que não permitia concatenar palavras, fluir pensamentos.
Porém o tempo urgiu e nada aconteceu exceto a sua aflita paralisia ante uma situação que se agravava, que  aborrecia e entediava o Todo Poderoso. Que perrengue seria aquele do rapaz?
Como era de se esperar a paciência divina teve limite e ela esgotou-se nos doze olhos esbugalhados que agora flamejavam arroxeados e depois se ejetaram para fora das órbitas, temerosos, luzindo raios ultravioletas. Trovões ecoavam por todos os cantos e da bocarra dilatada golfavam chamas  descomunais, e não mais azuis como antes, mas num escarlate encarnado.
Antes que Porfírio se desse por achado sentiu no corpo uma sensação estranha que o trepidou como se estivesse no epicentro desses terremotos que vez ou outra sacodem  Los Angeles ou a Cidade do México.

E o seu o corpo continuou fremindo em convulsões e nos "mas mas mas" até que o chamamento do Todo Poderoso o trouxe para perto; Deus lhe queria falar ao seu ouvido. Porfírio, em que pese o pavor caminhou com extrema dificuldade aqueles dez passos, e eles pareceram demorar a eternidade. Em pé e diante de Deus seu corpo se banhou de suor enquanto em sua barriga sons estranhos se produziam, e ele se contorcia, e retraia os músculos abdominais até que, aquilo que ele não queria, não tardou acontecer; a mal cheirosa diarreia que, incontrolável desceu pelas pelas pernas da sua Levis.
O Todo Poderoso sentiu o fedor e,  a princípio fez caras e bocas de quem se sentiu enojado. Mesmo com o contratempo o puxou para si  num olhar severo, acomodou a bocarra num dos ouvidos do rapaz.
O pobre sentia o calor do hálito do Senhor:

- Porfírio, responda-me por favor...por que essa frescura em achar que eu deveria que ser bonitinho? - Deus lhe perguntava-lhe calmamente.

-Mas, mas, mas... – Teve como resposta. 

O céu se escureceu ao momento da fúria celestial.

-Mas, mas, mas, é o cacete, seu fedido borra calças! - Berrou na voz equivalente a alguns milhares de trovões

Nada mais havia para ser discutido, proposto ou defendido naquela chance que  fora dada e não aproveitada -  Era mais um no inferno. -

O diabo riu enquanto os arcanjos disputavam uma árdua partida de frescobol.


Copirraiti23Fev2007
Véio China ©

**Fragmento do qual resultou o conto Porfírio num dia de Satanás.

3 comentários:

Poesia Sem Limites disse...

Só você mesmo Veio! Eu estava imaginando que deus fosse um demônio de tão feio. Por acaso o Porfiro não tinha bebido umas antes de ir para o céu e estaria vendo demais? Rsrs

Andréa disse...

Oi

Muito bom...adorei!!

beijos

Andréa

Anônimo disse...

Vixe Véio,a natureza filosofica da sua mente desta vez misturou fantasia provocando estranheza e dor.Bjs.