domingo, 22 de julho de 2012

Psicólatra, o book face para uma nova droga

Ela estava sentada à sua frente, e nem era pra estar ali, afinal, chegara ás 19 horas e o doutor ainda analisava os detalhes do seu caso. Porém só foi ele ter uma hora antes confirmado que recebera o resultado do exame para a mulher decidir de imediato: Doutor estou à caminho! – Era o resultado da tomografia computadorizada do único filho, ainda pequeno. Claro, ele lembra o que foi relatado por ela; parto trabalhoso, fora de hora, fora de tempo,  era balzaquiana quando o guri nasceu. Todavia ele a achava estranha, dona de contraste intrigante, mulher que, pela segunda vez visitava o consultório, desta vez sem a presença do filho. Estranhos também eram os seus cabelos platinados de tintura, roupas que,  num contraponto cinematográfico cobriam seu corpo espetacular e o tailleur vermelho de atiçar aiatolás. Momentaneamente o médico se desvia do exame e soergue os olhos que, rapidamente cruzaram com os dela. Talvez ao ser uma noite de estranhezas justificou-se o incomum o capuz  que ela usava, e ele caia sobre as costas de tez clara de alguém que deveria ter 38, mas que não aparentava mais que 27 ou 28.
Por fim ele desvia o olhar do capuz  tão vermelho quanto o tailleur e retorna  para o papel. Persiste o silêncio.

-Doutor, não me poupe, é muito grave? –  Atenta a folha do exame mesmo que longe ela irrompe a clausura estabelecida

-O que mãe? –  O médico responde disperso, ainda na análise dos resultados apontados no papel.

-Ai doutor, que é isso?... não sou sua mãe!

-Sim, claro que não é minha senhora, apenas me referi  à sua ligação afetiva com seu filho - Respondeu o doutor. Depois divagou, olhou para o nada e completou

 -  Há controvérsias nesse caso...

-Controvérsias sobre o meu filho? - A mulher questiona de olhos arregalados. Ela pareceu  nervosa ao emendar:

- Pois saiba doutor, para mim não há qualquer controvérsia! Ele é meu filho...  legítimo  - Concluiu  irritada

- Claro! Não foi sobre este fato a minha referência. Sei que ele é o seu filho! – Replicou com certo com enfado - "Que mulher idiota" - Ele pensou ao repassar rapidamente os olhos na figura feminina e voltar a se preocupar com o traço apontado na folha pericial.

Havia nele a preocupação científica e olhos inquietos se mantinham cravados no local, pois seria de bom tom que aquela anomalia não estivesse ali. Entretanto a mulher deveria estar viajando por outra galáxia, inclusive soberbava inconformismo ao cismar que o médico usava de entrelinhas para a  lançar sobre sua dignidade a possível ilegitimidade do  filho

-Pelo jeito que referiu, duvido que possa ter essa certeza, doutor! - Desaguou a sua contrariedade.

-Sim, e não tenho qualquer! - Exclama o médico. Porém ela pretendia passar á limpo a tal história.

-É certo, foi confuso, apesar que a culpa não foi minha, mas sim do laboratório - Ela disse e deu de ombros, pretensiosamente.

-Hã, como assim? - Definitivamente ele não entendia onde a mulher poderia chegar.

-Assim doutor.. Á época um maldito zum zum zum se esparramou entre as funcionárias do laboratório. Foi a faxineira de lá que me contou. Diziam que resultado do DNA do Huguinho dera negativo O senhor. não pode imaginar o que sofri, envolvida que fui numa rede de intrigas. A fofoca chegou aos ouvidos do meu marido que, antes já não acredita que o filho era dele, por conta dum ex-namorado que, descobrindo o número do telefone lá de casa, ligava desenfreadamente. Algumas vezes foi meu marido que atendeu, então o sujeito dizia que eu não prestava, que era meu amante, e essas calúnias todas....

-Poxa...que coisa! - O médico responde sem muito interesse.

- Sim doutor... me humilhei e fiz o exame, pois agora havia uma criança envolvida, e eu não criaria o menino sem um pai. Lembre-se doutor; "O matrimônio é a cova do amor".  Portanto...sujeitei-me..

-Nossa, quem diria! - O médico diz de cabeça baixa e sem desgrudar os olhos do papel. - Depois levanta o olhar, e como para preencher o tempo, pergunta; - E como foi que isso foi acontecer?

-Bem doutor...é que um descarado de um médico da clínica me cantou num dos corredores enquanto meu marido se ausentou. Claro, nem dei bola pro escroto. E olha que era um médico muito bonito, mas talvez não sabendo lidar com a rejeição achou por bem criar o mexerico  para alguma funcionária. Daí já viu né? Mas no fim tudo acabou em pizza assim como acaba entre os políticos,  afinal vocês médicos são corporativistas, maracutaiam mas se acertam!

-Bem, moca, desculpe, mas não foi  essa a minha intenção, jamais colocaria em suspeição a legitimidade paterna  –  Respondeu o médico, irritado dessa feita.

Sim, irritadiço, afinal nem ele sabia o porque dava ouvidos para aquela conversa desprovida de bom senso e pertinência. Claro, não havia dúvida, a mulher era uma anta, e o que tinha de gostosa haveria de burra - Pensou ao empurrar para o lado o exame da tomografia.

-O que, o que? Moça? Ainda mais essa?O senhor acaba de chamar-me de moça? Ah! Agora tenho certeza! Isso é retaliação da sua parte, já que entendi sua ironia com a colocação do "moça", viu doutor! – Ela devolve  numa tonalidade irritada.

O médico, perplexo com sua conclusão, simplesmente crava o olhar nela. Afinal, como poderia existir gente sem noção alguma?  Porém a cliente nem reparou em seu desencantamento, já que tinha outras coisas para serem ditas, e estas não poderiam esperar:

-Ta bom doutor, não me olhe desse jeito, eu confesso... Na época e bem antes do meu marido eu fui virgem até os 17. Conheci meu marido com 23 anos, porém ainda continuava  inexperiente e sonhadora..

-Ai meu Cristo! Agora é que percebo que a tomografia que deveria estar em minha mesa deveria ser de outra  pessoa– Respondeu irritado. Definitivamente aquela mulher não batia bem dos miolos.

-Éééé, nem me venha com essa doutor. Estou percebendo tudo!  Vai que numa dessa as coisas dão certo e o senhor emplaca, não é?

-Emplacar? Emplacar o que garota? – .Ele devolve num tom elevado e nervoso.

O neurologista expelindo irritação por todos os poros levanta-se da cadeira executiva; A presença da daquela mulher jamais permitiria que ele se concentrasse. Atabalhoado deixa a perna esbarrar no papel à beirada da mesa que, desaba ao chão juntamente com sua paciência.

-Você pode ser mais específica com essa essa coisa do "dar certo"... “emplacar”? – Pergunta-lhe à queima roupa. Que diabos aquela mulher pretendia insinuar?  Ele se questiona enquanto ela o olha com autoridade.

-Bem, ja que insiste eu digo! Primeiro o senhor flertou-me como se eu fosse uma mamãezinha abandonada e ansiosa por sexo. Se lhe desse confiança logo viria àquela conversinha do “Senta aqui no colinho do papai”

-Hã, você está louca? - Ele está estupefato.

-É sim, doutor. Não sou ingênua. Depois, percebendo que não dei atenção tentou uma cantada mais madura e  tratou-me por “Senhora”. Ainda sem o resultado pretendido quis seduzir a ingênua mocinha que num passado distante liberou a “Layla” numa noite de drogas, e que me custou  a virgindade. Maldita casa de swing! Eu tinha apenas 17 anos....17 anos... - Ela replicou em tom choroso, porém aela queria falar mais, muito mais:.

-Como viu que o golpe também não colou, agora e num ato vil e pedófilo vem com essa tua tremenda cara de pau tratar-me como "moça". Não nasci ontem, doutor! Certamente uma garotinha a quem pretende bolinar como bolinaria qualquer   Chapéuzinho Vermelho se oportunidades lhe fossem  dadas, apenas as intenções de um Lobo Mau devasso, assim como dá conta o livro – Concluiu vulgarmente ao cruzar as pernas no alto, deixando à mostra o sexo. Surpreendentemente ela não usava calcinha e estava bem depilada.

O doutor fez que não percebeu a “Layla” à mostra. Porém tinha bagagem suficiente para ver nela o tipo de pessoa que era. Não era psicólogo ou psiquiatra apesar de também lidar com mentes humanas, todavia em outro patamar. Portanto não demorou para perceber que a mãe do jovem Huguinho era uma dessas criaturas esquizofrênicas e altamente globalizadas. Dessas que criam vínculos psiconeuróticos fortíssimos com ídolos ou com algo que estes leguem á humanidade. E ela era prova cabal, pois em poucas cenas captou nela identificações com mais diversas personalidades da arte. E elas iam  de Charles Perrault, passavam por Eric Clapton e terminavam em Sharon Stone. Ainda olhou sutilmente para “Layla” quando se perguntou se a culpa de tanta alienação era da responsabilidade dos meios de comunicação de massa – Pensou  sobre a alienação da mulher por alguns instantes e saiu-se com a certeza que ele era o maior dos culpados –

Fodam-se! Ele bradou heroicamente diante do belíssimo ser vermelho encarnado.

Foi então que, desiludido com aquilo tudo abriu a gaveta e deitou sobre o tampo de vidro da mesa uma pequena carreira de um pó branco. Parecia talco, porém não era. E foi assim  que repousou a face sobre a mesa enfiando um diminuto canudo numa de suas narinas e cuidadosamente posicionou-o sobre o pó. Depois inspirou fortemente. Não é necessário lembrar que a cena lembrava a  ação dum potente aspirador de pó.
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Provavelmente estarão se perguntando: Foi assim que terminou?

Não, não foi.

Antes de cheirar a cocaína  simplesmente abriu a porta e enxotou a mulher. Liberto cheirou o pó com o mesmo entusiasmo que um pai de primeira água se orgulha do pingulim do seu bebê.  Depois de chapado meditou como Platão e pousando tão sábio como Salomão disse para um gravador de mão posicionado ao lado do notebook, um pequeno registrador de vozes que gravam os andamentos dos casos clínicos para que se acompanhe a evolução:

-Caso UM, SETE, ZERO....Se for pra continuar lidando com esquipáticos, psicóticos, ou gente da laia que fala com os pés fincados em sobrancelhas louras,  prefiro desistir da neurologia e passar meus dias como fazem as pessoas do Ficci Buk. Claro, talvez eu não seja a máxima  quando se fala em ser cordato, mas sei que há  e sempre haverá exceções, porém parece-me que é lá que a soberba mostra as garras de dá conta de quanto há de insanidade nas pessoas e de como elas conseguem pincelar o mundo numa loucura encantada, onde a futilidade e a dispersão imperam naquilo que eles imaginam ser fundamental a vida: VIRTUALIDADE -

Enfim, findada a gravação guardou o pequeno aparelho na última gaveta da esquerda, curvou o corpo e pegou rente ao chão o resultado do Huguinho, e definitivamente as coisas não andavam bem para o garoto. Depois e ainda com o papel em mãos fincou olhares pelas paredes e nelas os vários diplomas além de outros  que atestavam a sua presença em cursos de primeira linha, óbvio, testemunhas de um profissional gabaritado. Sorriu levemente para eles e com o resultado do exame limpou meticulosamente um teimoso restinho do pó da narina direita –  E para findar o expediente olhou para o Rolex e percebeu que estava atrasado: Às 21 horas teria compromisso; um pagode organizado pelo bom da boca do Morro do Alemão. O show seria abrilhantado por Adarlindo Cruz e Sisiane Araujo,  além daquilo que se prometia o convite; muita carne de churrasco bom e a regionalidade das breja da Itaipava, dando o o direito, inclusive,  a duas cabrochas por cabeça.


Copirraiti 22Jul2012
Véio China©

4 comentários:

Poesia Sem Limites disse...

Bom conto e boa crítica Veio. Sempre inovando. Parabéns!

Poesia Sem Limites disse...

Belo conto e bela crítica, que para mim foi a mais essencial. Sempre inovando. Parabéns.

Cristhina Rangel disse...

Exatamente como me sinto..kkk, no meio de tanta gente doida e seriedade, melhor mesmo ficar no facebook! Uma bela homenagem pra nós Véio. Bjs.
P.S: Estava com saudade!

Márcia Poesia de Sá disse...

Hahahahaha lendo-o novamente! e guardando minhas caixinhas de tracinhos negros no cofre. Sensacional!!! amo.