segunda-feira, 14 de julho de 2008

O Sr. Beneducci.




-Não me fode! Não me fode!

Ah, esse era o senhor Beneducci, meu avô. Ele costumava dizer isso a qualquer tempo e fosse qual fosse à situação. Bem, eu digo “era” porque ele não está mais aqui; faleceu no ano passado. Mas, eu sinto uma falta enorme daquele velho boca suja e, na verdade, me foi como ter perdido um pai, apesar do meu ainda estar vivo. Talvez porque tenha sido o velho boca suja o meu único e verdadeiro pai.

E quando relembro do velho não há como me esquecer da infância e parte da juventude. A primeira bola de futebol, o primeiro par de chuteiras me foram dados pelo meu avô. Era ele quem me acompanhava por todos os lugares que eu fosse quem me incentivava, ou mesmo, me dava uns puxões de orelha quando julgava que eu merecia. E as orelhas, diferentes de todos outros puxões que recebia não me doíam. Quem sabe pelo fato dele saber puxá-las com mesmo afeto que me acariciava. Mesmo quando eu aprontava algo das “boas”, que merecesse reprimenda e a obrigação de ter alguém responsável lá na Escola Estadual que eu estudava; quem estava lá? Claro! O meu avô. Portanto, quando ele se foi eu me senti um órfão dentro do estabelecimento chamado de “minha casa”.

Meu pai; um austero comerciante italiano – sempre preferiu aquecer as palmas das mãos na minha bunda do que me coçar os meus lisos cabelos negros. Minha mãe, dominada tal qual uma “Amélia” não me batia, mas, só o fato de permitir e fazer vistas grossas, não menos encorpadas que os dedos do meu pai, e que me serviram como ainda me servem de alguns ressentimentos.

Porém, com o tempo eu desenvolvi certa malandragem que me livravam momentaneamente das palmadas e das dores nas nádegas, então na primeira estralada eu gritava alto “Aiiiiiiii”. Mas, eu sabia que só o fazia porque meu avô estava em casa, caso contrário eu apanhava em dobro por estar fazendo “escândalo”. E quando meu avô me ouvia, ele prontamente saía de onde estivesse para tomar as minhas dores:

-Não fode o garoto, Pietro! Não fode! Deixe o menino em paz! – Ele repreendia, gesticulando para o meu pai, freneticamente, fazendo do pulso um vai-e-vem, sinal claro de que não estava gostando de me ver apanhar. E assim, como por encanto ou decreto eu me via longe daqueles dedos espessos e insensíveis. E aquilo me deixava pensativo; “Por que será que meu pai respeita tanto meu avô?” - E eu tentava imaginar a cena de ver meu pai apanhando do meu avô, recebendo saraivada de tapas que deixavam vermelha aquela sua bunda branca. Quem sabe se meu pai houvesse apanhado tanto que além das marcas e mágoas, seu espírito ainda vivia amedrontado. Porém, por outro lado, eu achava que isso era impossível; eu não via em meu avô qualquer traço que o tornasse um tirano insensível. O Sr. Beneducci, acima de tudo, sempre fora um sujeito meigo, brincalhão e educado, apesar dos palavrões. E aquele seu “Não fode” sempre me soou com certa doçura.

E assim eu passei praticamente toda a minha infância. Meus pais sempre ausentes naquilo que se dizia respeito a mim. Minha avó, ainda viva, viúva do meu avô, tal como os meus pais, pouco tomava conhecimento de mim. E, quando tomava era somente para ralhar e me puxar as orelhas de uma forma que me doesse substancialmente. Portanto, diante de toda essa situação o único amigo com quem eu realmente podia contar era com o velho Beneducci.

Às vezes, na calada da noite eu ouvia vozes vindas do seu quarto. Curioso, eu me levantava nas pontas dos pés e me achegava mais, postando-me rente à porta, e sutilmente encostando o ouvido junto a ela, de forma que me pudesse ouvir o meu avô. Às vezes ele me parecia um tanto falar exasperado: “Você não fode mais! Você não fode mais!” – ele falava pra minha avó - Só bem mais tarde é que eu fui compreender aquilo e perceber que seus palavrões, geralmente acompanhados do “não fode” tinham a cada momento um significado diverso. Hoje eu me pego rindo dessa lembrança; ele simplesmente reclamava da minha avó que, provavelmente não mais estava satisfazendo-o na cama.

Porém, o tempo que mais curti meu avô foi nessa fase de adolescente e até agora, antes dele se ir. Lembro de uma passagem quando estava com 17 dos 20 que tenho e meus pais tinham ido viajar em férias para a casa de uma irmã da minha mãe.. Logicamente eu não fora e, preterido como sempre, ficáramos somente eu e meu avô já que haviam levado a minha avó com eles. E assim eu me via livre para zanzar pela casa, isento das broncas e das admoestações rotineiras. E numa daquelas noites e sem que ele soubesse, entrou no meu quarto e deu de cara comigo e uma amiga de escola; estávamos nuns amassos pra lá de quentes, onde eu segurava o sutiã de Silvia numa das mãos, enquanto que, com boca eu me deliciava sugando os seus avantajados mamilos – eu esquecera de trancar a porta – Ele fechou a porta suavemente como dando entender que não havia presenciado a cena. Logo após ouvi a porta da sala se abrindo e pouco depois o seu automóvel sendo colocado em movimento. Talvez, em menos de 20 minutos ele retornou e eu ainda ouvi o tanger eletrônico da porta da garagem se fechar ao guardar o veículo. Passados uns poucos minutos ouvia passos subindo as escadas e estacionarem em frente à porta do meu quarto, onde eu e Silvia fomos alertados de sua presença por suaves batidas na porta. Assustado e receoso como se tivesse culpa no cartório, levantei e fui atendê-lo. Eu imaginava que vinha bronca das boas. Ao abrir ele me sorria um sorriso um malicioso que he impregnava as rugas e que descia até a flacidez de suas bochechas:

- Alessandro, eu trouxe pra você! Cuide-se! – Eu recebi o pacotinho – Farmácia da Glória – estava escrito na sacolinha plástica.

Assim que me entregou, retirou-se acompanhado por aquele sorrisinho matreiro. Fechei a porta e abri o pacote e lá encontrei 5 invólucros de camisinhas. - Putz, meu avô se preocupava com tudo; estávamos a ponto de transar e nem as camisinhas eu tinha pra nos proteger. Lembro que ao abrir o envelope e mostrar o conteúdo, Silvia gargalhou e disse: “Carácas, Lê! Eu merecia ter um avô assim!” - Rimos disso tudo e depois transamos – E foi duplamente gostoso; primeiro pelo ato de amor do meu avô, segundo; porque Silvia trabalhou demasiadamente de forma oral – ela se amarrara naquelas camisinhas com sabor de morango. E não houve Cristo que me fizesse livrar delas.

Em contrapartida, no dia seguinte, lá pelas 3 da madruga acordei de fome e com sede. Levantei, me espreguicei e fui até à cozinha e abri a geladeira. No infinito silêncio da noite me pareceu ouvir vozes vindas da parte externa da casa. Curioso e um tanto amedrontado saí para o quintal e percebi que grunhidos vinham do quarto de Jurema, nossa emprega – Ao chegar próximo encostei o ouvido na porta:

-Ah, fode! Ah, fode mais, Jurinha! – Claro que eu reconheceria aquela voz a quilômetros de distância – Era meu do avô –

E foi assim que eu soube que vovô andava transando ou tentando transar com a empregada de bunda enorme e seios fartos. Evidente que não me atrevi bater na porta e nem perguntar-lhe se estava com camisinhas, pois jamais gostaria de constrangê-lo.

Bem, agora a parte triste. Meu avô, no ano passado, começou a se queixar de dores diversas e de um mal estar que o fazia permanecer na cama por quase dias inteiros. Minha avó, adepta dos remédios caseiros, achava que a solução se encontrava nos chás de erva-cidreira, camomila e de hortelã. Infelizmente não foram neles que se encontrara a definição. Como as dores não cessavam, e ele pouco ou quase nada dormia, fui o único que efetivamente se preocupou e saiu à procura de alguém que pudesse ajudá-lo. Munido do seu livreto do convênio, telefonei e marquei uma consulta com um geriatra. Lembro-me ainda que naquele dia, meu avô, mesmo gemendo, antes de entrar em consulta ficou de pé, olhos lascivos, dentes superiores mordicando sistematicamente o lábio inferior, admirando por detrás as mágicas nádegas da secretária. Ela percebeu, deu-lhe um sorriso de repreensão, apesar de ter-me parecido perceber certa cumplicidade em seu sorriso. De engraçado naquele dia só foi isso. O médico nos pediu os exames e através deles foi constatado que meu avô estava com câncer na próstata, e o pior, já em fase terminal. No dia do seu enterro, eu que não choro de dor e nem por amor, chorei ao ver o seu caixão abaixar lentamente e desaparecer por entre aquelas paredes de concreto – Antes de morrer lá no hospital que estava internado, me acenou carinhosamente chamando-me para si. A voz já difícil e demasiadamente frágil ecoou num sussurro ao me pedir:

-Filho, você é o único em quem acredito nessa família. Faz um último favor ao seu avô?

-Claro, vô! Tudo o que o senhor quiser! - Respondi resignado

E foi então que eu soube que ele gostaria de ser cremado e que suas cinzas fossem espalhadas no campo do Palmeiras, do seu querido Palestra Itália, como ele tanto gostava de se referir.

E assim eu fiz numa tarde quente de 5ª feira e dois dias após a cremação. Entrei nas dependências do estádio com uma pequena urna e me dirigi bem próximo ao gramado. E lá, admirando a majestade verde daquele belo jardim suspenso aguardei que um vento forte assoprasse. E, assim que ele assoprou, abri a pequena caixa e a impulsionei fortemente para o alto, fazendo que o todo o seu conteúdo fosse despejado. Foi engraçado perceber os jogadores pararem de treinar para verem o pó levitando na natureza. Para eles, era somente uma nuvem cinza escura e sem graça, um punhado de poeira sendo lançado por um maluco qualquer, anônimo – Para mim, apenas o velho Camilo Beneducci, meu avô, partindo, feliz, definitivamente.

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