quarta-feira, 9 de julho de 2008

Uma cliente e o "Desejo Azul"



-Mas que merda, Nancy!
-O que foi June?
-Caracas Nancy! Ta difícil arrumar uma transa legal!
-Nem me fale June! Só eu que sei...eu que sei.

Essas eram Nancy e June. Amigas de longa data, respectivamente 43 e 45 anos, balconistas de uma mesma loja de tecidos e que dividiam entre si um pequeno quitinete na Praça da República. O minúsculo apartamento se constituía em apenas sala, banheiro e uma pequena cozinha anexa ao corredor de entrada. Aliás, aquilo nem poderia ser tido como cozinha e sim um ínfimo recuo numa das paredes laterais onde se encaixavam um fogão e o botijão de 5 quilos.

- Nancy, mas você e o Aprígio não estão bem?
- Até que sim June. Mas a coisa tá broxante! As nossas transas têm sido difíceis.
- Como assim? – Quis saber June
- Sei lá! Assim; A coisa vai bem e até que me da um tesão danado. Isso só no começo porque depois um cheiro insuportável de mussarela me sobe até as narinas e aí não há mais jeito. Aí, já era!
- Também né, Nancy? Quem mandou você se apaixonar por um pizzaiolo?

Ela riu da observação da colega.

- É mesmo! Mas fora isso ele é gente muito da boa. Esse mês ele vai ajudar na minha parte do aluguel.- Respondeu conformada Nancy

- Poxa! Até parece que você tirou o prêmio da loteria. O Vasconcelos é um "liso". Ele não me ajuda em nada e, se eu marcar bobeira, sou a que acabo ajudando. – Observou June, um tanto desanimada

-É mesmo, né amiga! Você não deu muita sorte nesse sentido. Agora me fala; e na cama, ta tudo certo com vocês? – Inquiriu a curiosa Nancy.

- Nada! Ele até anda meio pra baixo. É que nas duas últimas transas “ele” não subiu. Aí pra não me deixar passar em branco ele me chupou até eu que fingir que gozava. Aí ele rolou pro lado, acendeu um cigarro e começou a falar do time dele até perceber que eu estava cochilando – Riu-se June

Evidente, estava bem claro que elas não estavam satisfeitas com o desempenho dos homens que tinham. Nancy foi até a velha geladeira que ficava jogada num canto e voltou com duas latinhas geladas, entregou uma para June e se acomodou por entre um mar de roupas que boiava na sala. Por falar na sala, olhando-a de cima, dos lados e até mesmo por baixo quase que não se viam suas camas tal era a desordem dos s vestidos, blusas, bolsas e sapatos amontoados por todos os cantos. Ambas abriram suas cervejas e bebericavam enquanto Nancy folheava o jornal do bairro à procura de algo interessante para ler. Foi então que viu na 1a pagina do caderno de propagandas o anúncio de um sex-shop do bairro. Achou interessantes aqueles dizeres: “ Grande liquidação de pênis importados”. Se ateve às figuras por alguns momentos e com o jornal em mãos foi ao telefone:

-Alo, fala do "séquishope" Desejo Azul, né?....Olha, quem fala qui é a Nancy e eu tava vendo no jornal esse negócio de promoção de pênis importados – Após o silêncio de alguns segundos, onde Nancy, olhos arregalados, ouvia atentamente a moça da loja descrever os modelos -... Ah, sim, agora entendi....Mas, repete com quantos centímetros esse vêm? Hum, sei! o da promoção vêm com 17 centímetros..sei!... E o preço é esse mesmo?...Caracas! 90 paus é muito caro pra mim!...Sim, você está dizendo que tem um de 14 centímetros que se parece com um de verdade...Sei, ele cheio de nervos no pau e nas bolas do saco, sei!...E esse, quanto custa?...Ah ta, 60 pilas...É melhorou um pouco..... O que? As pilhas estão fora desse preço? – Nancy parecia fazer as contas, mas, parece que chegou à conclusão que mesmo assim lhe ficaria caro. Então perguntou: Ah! Você tem algum modelo que a gente pode ligado numa tomada elétrica? – A atendente parece ter se divertido com a pergunta de Nancy -....De que cê ta rindo minha filha? – Nancy estava furiosa -.... Ta me achando com cara de palhaça, é?....Vá rir da sua mãe!...Ah, e quer saber? Vá se foder sua vaca! – e bateu o telefone.

Era latente o seu nervosismo. Suas pupilas se dilataram e pareciam querer saltar daqueles olhos tão negros. June, rindo-se à valer tentou contornar a situação:

-Calma, calma Nancy! Tu ta ficando doida? Perguntar pra moça se ela tinha um pau de borracha que se liga numa tomada foi demais! Pelo jeito você não entende nada dessas coisas!

Nancy respirou profundamente e deu um novo gole na sua cerveja. Mais calma ela permaneceu pensativa por alguns minutos, até que:

-June! Vamos experimentar essa coisa de se chupar?

A amiga a olhou assustada diante da proposta inusitada. Era muito estranho analisar os contrastes daquelas duas. June tinha a bunda enorme e praticamente nenhum volume nos seios. Nancy ao contrario, tinha seios enormes e bem delineados, mas, pernas magras e marcadas por varizes. A sua bunda, além de mirrada não se via qualquer insinuação de curvatura, reta como uma tábua de pinho. Mas mesmo assim ela pensava na proposta de Nancy e então se posicionou:

-Ce tá louca Nancy? Tá falando sério?

-Claro, June! A gente bem que podia tentar, né?. – Respondeu com um sorriso malicioso.

-Bom, sei lá. Até que seria um treco diferente. Mas, sei não! Nunca toquei em “uma” que não fosse a minha. Imagina lamber então? – June se expressou com cara de náusea.

-Bom, sei lá. Eu tava a fins de saber como é! – Nancy respondeu olhando profundamente nos olhos de June

E assim, ficaram se olhando, com June se perguntando se valeria à pena ter essa experiência nesta altura de sua vida. Momentaneamente se dispersaram. Nancy voltou à geladeira e trouxe mais duas latinhas. Abriram e voltaram a beber e se fitavam, quando:

-Nancy, me diz uma coisa. Você já tratou daquelas três cáries e a inflamação da sua gengiva?

-Não ainda não June. Ainda não sobrou dinheiro o suficiente – Respondeu Nancy um tanto constrangida.

June permaneceu imóvel. Olhar fixo no teto, deitada no pequeno sofá ladeado pelas camas de solteiro. Seu olhar se mantinha fixo no teto; a proposta de Nancy não lhe saia da cabeça. Pensou na questão do tratamento dentário da amiga e se aquilo poderia lhe causar alguma infecção caso ela colocasse a boca “lá”. Continuou em silêncio por mais alguns instantes e então disse em conclusão:

-Bom, então é melhor deixar pra lá, né Nancy? Assim que você fizer o tratamento à gente volta a falar a respeito. Tenho medo de alguma infecção. –Disse de forma quase amedrontada, como estivesse se protegendo de coisa pior.

Nancy acusou o golpe e o fato de June ter tocado naquele assunto a magoou, fazendo-a sentir-se humilhada. Afinal, mesmo com aqueles problemas ela sabia que era muito limpa e cuidadosa com o seu corpo. Isso continuava a doer em Nancy quando se lembrou de um fato:

-June, me diga uma coisa. Você voltou ao médico para tratar daquele herpes vaginal?

Bum! Era a forra. Isso soou como um golpe devastador aplicado nas partes baixas de June. Aliás, pra June isso foi muito baixo. Assimilando, ela se posicionou:

- Não. Fui não Nancy. Também não andou me sobrando dinheiro pro tratamento.

-Ah, June, então é melhor deixar pra lá, né? Vai que de repente eu também pego alguma coisa na boca. Sei lá! É bom não arriscar!

Dito, ela sentiu vingada antes de se lançarem num silêncio doentio. Ressentidas, seus olhares não voltaram a se cruzar novamente. De comum entre ambas só o fato de permanecerem deitadas; uma no sofá, outra na cama olhando para o teto. Num impulso levantaram-se ao mesmo tempo e se dirigiram para a geladeira. No abrir da porta a forma com que se viam já não era o mesmo. Aquela besteira do anúncio do jornal vendendo aquele pênis idiota acabou por propiciar mágoas e constrangimentos entre si; a primeira depois de muitos anos.
Fechada a porta da geladeira já nem se olhavam mais. Nancy voltou para o sofá e June para a cama. Permaneciam com o olhar cravado no teto, emborcando suas cervejas que repousavam em cimas do carpete surrado. Lá no alto, próximo de um pequeno lustre de latão, uma mosca lutava tentando se livrar da fria que se metera; esforçava-se- pra livrar-se da teia de aranha na qual se encontrava.
A aranha, percebendo, seguiu o instinto e se aproximava lentamente. Ela sabia que mesmo tendo a mosca ali, presa em seus fios, não poderia descuidar-se dela nem por um minuto, apesar das aparências dizerem que a mosca não tinha escapatória.
Por experiência a aranha sabia que nesse mundo nada há de concreto e sempre haverá a possibilidade de alguma coisa dar errado e consequentemente ir tudo para os ares. A mosca continuava com a sua luta insana contra aqueles fios pegajosos quando, num derradeiro e último esforço conseguiu escapar.
A aranha sentiu a mosca passar tão próxima quando alçou vôo e se acomodou numa das paredes do quarto e bem longe da sua mandíbula. Solitária não ruminava raiva e nem ressentimento com a fuga inesperada mas possível. Então olhou pras duas que lá embaixo hibernavam no mau humor. Como nada mais houvesse a ser feito limitou-se a sorrir. E então sorriu, mais delas do que de si.

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