segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

BBFB - O BBB do Bar do Escritor -


5:00 AM – O silêncio reinava completamente na casa BBFB - Nesta edição a produção do Big Brother Fazenda Brasil apostou metade de suas fichas numa comunidade literária de Orkut,  convidando alguns dos seus membros para o "reality show".
Programa em curso em sua 8a semana,  metade dos participantes se encontra eliminada, rendida ao magnetismo e empatia que os sobreviventes mantinham junto ao grande público – Sete sobraram;  quatro mulheres e três homens, carismáticos, todos da comunidade do Bar do Escritor, óbvio.
Naquela madrugada foi a primeira vez que o bicho pegou. O aborrecimento da maioria ficou latente pois os embalos daquele sábado à noite não foram curtidos na sua plenitude, fato comprovado pelos "ochokos" contendo saquê e deixados  pela metade, espalhados entre exóticas  iguarias da culinária e a eclética e vibrante decoração de uma festa japonesa. Não passava de meia-noite quando  todos se recolheram, exceto o Veio China que,  solitário e na varanda dedilhava a nolstalgia em seu violão relembrando canções de um passado que lhe abria algumas  fendas.

"Lampião de gás, lampião de gás....!" - Ele cantava com a  voz grave e ligeiramente ébria.

Momentaneamente algo se junta ao seu canto  triste; Era nada mais nada menos que o sapo Harry, seu  inseparável parceiro de melancolias. Aliás, Harry, exceto a sua grande amiga na casa, era o único a lhe prestar alguma solidariedade. Incentivado pelo apoio repentino  seguiu-se outra canção, agora acompanhado pelo desafinado anuro:

"Oh Chalana sem querer....! ROAH! ROAH ROAH!"

E a canção,  de certa forma trazia um complexo sentimento quanto a árdua batalha de sobreviver a tudo  naquele maldito jogo de egos e vaiades. E a constatação se viu no anteceder da madrugada e nas agressões mútuas, acusações pesadas,  atiradas por vezes à esmo. Tudo começou por volta das 22:00 horas,  como passaremos a  relatar:

-Véio, não agüento mais dormir na cama ao lado da sua! – Reclamou Liz – Não há nariz que aguente esses gases fétidos a noite toda!

-Uai! Aonde consta no regulamento que eu não posso flatular? Eu flatulo, tu flatulas, ele flatula! – China ver e defende-se batendo firme o dedo indicador no grosso tampo de madeira da mesa da cozinha.
Liz sorri sarcástica ao ouví-lo criar o verbo "flatular". Contudo, conhecedora da teimosia do velhaco achou melhor não colocar reparo.

- E vocês que ficam mostrando o rabo o tempo todo?  Por acaso eu reclamo? – Vocifera olhando para todas.

Ele aprendera desde o pré primário que o ataque sempre será a melhor defesa, eficiente ou não. Aliás, isso só poderia ser gozação do Véio China; se havia algum sujeito que jamais reclamaria de mulheres mostrandos as nádegas, fatalmente essa pessoa seria ele..

-Ah, cê tá de  brincadeira, Véio! - Replicou Rosa Cardoso - E quanto as tuas flatulências, nem deveria se valer do regulamento e sim da educação! Deveria por princípios saber onde termina o seu espaço e começa o do outro! – Concluiu severa.

-Isso mesmo. Tá com toda razão, Rosa ! - Reforça Barbara em apoio à amiga - E ainda se fosse só isso! O pior são os  roncos dele que me fazem acordar sobressaltada  - Finalizou ao olhar com severidade para o homem dos puns.

-Bom! Se eu solto gases e ronco,  é inconsciente! Se estiver dormindo não domino as ações do meu corpo. E se não domino, como posso controlar as vontades que se dão nele? Sabem... tudo isso é científico.... - Defende-se mal sabendo se há sustentação na ciência para sua afirmação. .

-Humm, humm, humm....... Deixe de conversa fiada, Véio! Isso já é estória pra boi dormir! – Exulta Zulmar, para depois completar – Pior que isso são as tuas cuecas deixadas dentro do box do banheiro.

-Sim, e o que tem minhas cuecas? - Descaradamente  China. questiona o amigo.

-O que tem suas cuecas? Óras! Larga de ser cara de pau, Véio.  Elas ficam mofando já que nao tem o hábito de lavá-las. Vira e mexe tem moscas zanzando por la! - Revolta-se o amigo dirigindo a todos, abandonando sua costumeira e metódica postura iogue.

Sem resposta que contradissesse o amigo, o velhinho dessa vez sentiu  chamas tosqueando suas batatas.

-Olha gente, acho que vocês estão sendo intransigente com ele. Eu não tenho nada a reclamar do meu velho queridón,  tun tun tun – Tenta defendê-lo a Fazendeira da semana e amiga de todas as horas; IndiaOnhara.

-Claro né! Não há nem como te sentires  incomoda! Se tu dormes com  fones de ouvido e tubinho de oxigênio, reclamar do que? – Ironizou a Liz. – Vai me dizer que quando não estás com esses fones horrorosos não escuta o arrotos desse troglodita? - Ataca novamente Rosa Cardoso

-Eu não! Não ouço, não ouço e não ouço! Jamais ouvi o Véio arrotando –  Outro dia o vi soluçando, mas, arrotando? Nunca, tum tum tum! - Novamente  IndiaOnhara defende o amigo.
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Claro que ouvia! Contudo sua extrema gentileza com o amigo jamais deixou de ser exercitada. Se fosse preciso ela o defenderia até o fim. E outra; Índia pressentia que o velho corria perigo. Ela podia sentir nos olhares.

-Putz, India! Então você é mais incrível que ele! Os roncos do infeliz mais parecem  turbinas de  747 em plena decolagem- Finaliza Barbara mais debochada que irônica.

-Bem, querem que confirme algo que não ouço? E quanto ao tubo de oxigênio é por causa minha bronquite asmática! tum tum tum – Justificou-se Onhara.

-Tá! E os fones de ouvidos? – Investiu Rosa Cardoso

- Bem...Quanto aos fones é que só consigo dormir com músicas árabes. E pra se ter a plena comunhão com o universo é necessário ouvi-las sem qualquer interferência dos ruídos do universo, na plenitude da paz! Capito? tum tum tum! – Conclui Onhara.

-Ah, vocês estão fazendo tempestade em copo d’água – Ameniza mestre Calaça, entrando em ação – Os meus problemas com o Veio são bem outros... – Anota o poeta –

China surpreende-se com as falas do amigo. Ele nunca imaginou que tivessem problemas. Pelo sim ou pelo não isso o perturba:

-E quais são esses problemas, cumpade?

-Veja, Veio. Eu entrei na casa com 12 cuecas samba-canção. Agora só me restam quatro. E pelo que eu saiba, eu e você somos os únicos nesta casa a usá-las. O compadre Zulmar gosta daqueles mais entradinhas no rêgo – Se queixa contrariado – Será que minhas cuecas criaram perninhas por conta própria? – Finaliza tanto sarcástico.

-Bom... acho que não, né? Mas... Você é mesmo um ingrato, mano velho! – O tom lamuriento da voz do Veio tem finalidade; ele tenta sensibilizar o amigo.

-Ingrato? E por que eu seria ingrato, amigo China? Sempre fui correto com você – Afirma Calaça. Ele sabia que teria que ficar esperto; conhecia as jogadas do amigo.

-Ingrato sim! Quer ver como és um?

-Quero! – Mostre! Desafia Calaça

-Por acaso é você que lava as cuecas que eu possa abduzir da sua gaveta? – Pergunta- à queima roupa ao  bom e velho Calaça.

-Não.. num lavo, mas... - Calaça claudica. Que raios de colocação estapafúrdia foi aquela? Aonde aquele espertalhão pretendia chegar?

-Então! Se você não lava e eu não lavo, já não é um motivo para estarmos quites? Ô mania de perseguição comigo, sô! - Exclama Veio China com um sorriso sacana no rosto ante a  perplexidade do amigo.

Evidente, matreiro do jeito que sempre foi, o China sempre supõe-se escapando daquilo que normalmente não se escapa. Pois bem! Não escapou; Apenas Calaça, sabedor dos lenga- lenga e lero-lero daquele sujeito tinhoso soube que o momento era de fazer-se de desentendido; bosta de cachorro impregnada em sola de sapato sempre seria um transtorno.

..........................E assim decorreu aquela semana até que se chegou no domingo. Domingo, c mo todos sabem é o dia de eliminação. Como era de se prever, lá estavam o  China e  a Liz no paredão. Como fazendeira da semana, ÍndiaOnhara, indicara Liz.  Do outro lado e por votação, o Veio China foi emparedado pelos participantes da casa, sem que compreendessemos exatamente a composição dos votos:
Dos seis votos possíveis o China obteve a indicação de 100%, ou seja, a totalidade. Mas para se chegar nessa totalidade seria necessário que ele  votasse contra si próprio. Pois é, ele votou!
Todavia a hora era agora e chegara o grande momento. O Brasil votava em peso e o âncora do programa, Fredo Trial, dava oportunidade aos emparedados  dizerem ao o porquê mereciam permanecer na casa.

-Liz, querida! Por favor, vá ao confessionário e diga ao Brasil os motivos pelos quais merece continuar na Fazenda! – Solicitou à participante

Liz, sorridente, tchauzinhos para a câmera, solta um gritinho histérico assim que entra no confessionário” Allan! A mamãe te ama!”  Depois senta-se e ansiosa pede apoio ao Brasil:

-Olha gente! Eu mereço continuar porque participo das tarefas. Logo cedo vou ao estábulo e cuido dos cavalos, ao chiqueiro e lavo o local. Ordenho a vaca diariamente. Muitas vezes consigo extrair 6 litros do mais puro leite - Diz com ares de cansaço.

-Não existem outras coisas que faça e que gostaria que o Brasil soubesse? - Insinua Fredo Trial. Provavelmente ele achara  fracas as justificativas de Liz.

-Bem.... Ainda ajudo nos afazeres da casa, lavo louça, limpo o fogão, o chão.  Que mais, que mais? Ah! Faço comida, lavo o banheiro, limpo o furô. Tava me esquecendo...faço pipocas em microondas, corrijo e faço indicações aos poemas dos meus colegas,  menos do Veio,  é claro! Bem gente! É isso!
É por tudo isso que mereço ficar na Casa! Obrigada, Brasilllllllllll!

-Grato, querida! – Responde um sorridente Fredo Trial, ao pedir para que saia do confessionário

– Véio China! Pode se dirigir à cabine e fazer sua defesa. Rápido, por favor! - Indica ao participante aparentando certa impaciência

O Veio China adentra o confessionário. Fredo Trial o bombardearia com perguntas capciosas, tal qual a descarada edição televisiva da Rede Bobo ao dar  de mão beijada a vitória a Collor sobre Lula.
Antes de passar a defesa ao emparedado, Fredo Trial faz iniciar suas tendenciosas colocações.

-Veio China, vou relatar algumas situações que gostaria que respondesse ao Brasil. Certamente seriam perguntas que o povo estaria fazendo, se pudesse – E continuou -Não é verdade que você levanta depois do meio dia? – E continuou....

-Minto se falar que você nada faz só para ficar de papo pro ar na rede da varanda? E insistiu....

-Seria menos verdadeiro o fato de você terminantemente se recusar a limpar qualquer cômodo da casa ou, participar da turma da bóia? Persistiu.....

-Seria inverdade dizer que espertamente aproveita-se dos descuidos das pessoas para subtrair-lhes o sabão Omo e o amaciante Confort para as suas cuecas?  E perseverou....

-Seria mentira dizer que os animais não tem a menor afinidades com você?  -Concluiu.

O Véio se  manteve  impassível diante a parcial metralhadora de Trial. Era mais que evidente que Trial pretendia eliminá-lo. Estratégicamente fez bocas e caretas ao disparar a pergunta final que, segundo sua avaliação sacramentaria a exclusão do China:

-Você tem como justificar tudo isso, senhor Veio China?

O Véio permaneceu impassível dentro do confessionário. Repentinamente vai ao ar para milhões de brasileiros um sonido estreito, agudo: Era umas dassuas  famosas flatulências. Mais alguns segundos e um arroto gutural também estarrece o país.

-Brasil, desculpe a flatulência e a eructação - Diz aparentando toda a calma desse mundo. -  Bem....sobre as questões levantadas por Trial, tenho a dizer que sobre o sono é porque sofro de Tripanossomíase Africana –  Justifica ao apresentador.

-Ah sim! Já ouvi falar da tal doença do sono – Exclama Fredo Trial – Contudo, até para ela há remédio...e há muito tempo!  – Trial sorri, sarcástico; tentava demolí-lo.

O China percebe a sua joagada. Ocupa alguns segundos com su avaliação  da situação. Processado, responde com naturalidade ao Brasil induzido:

-Bem, Trial... é que de fato nunca senti a necessidade de fazer tal tratamento! A doença vive comigo há 57 anos. Nasceu comigo, de parto. Atravessou uma infância pobre, conviveu  numa juventude espancada pela ditadura, esteve comigo na imaturidade das minhas ilusões, nos casamentos desfeitos, e até nos momentos de alegria. Sabe... há quase 40 anos trabalhamos juntos. Aposentamos juntos, e ainda juntos diante da necessidade damos nossos pulos na informalidade de uma banquinha de  livros de 2a mão no Largo da Concórdia.

-Sim...mas.. - Tenta protelar Fredo Trial. Contudo a hora do apresentador passara. Aquele momento pertencia ao Véio China, e ele sabia disso.

- Sabe Trial...somos eu e a minha doença mais dois brasileiros que envelheceram juntos. Apenas mais dois andarilhos recorrentes das humilhações nas filas do SUS, vilipendiados por olerites escarnecidos de paupérrimas aposentadorias pagas pela União. Aposentadorias essas que não nos permitiriam  sequer pagar o  aluguel de um quarto e sala na periferia de São Paulo. Portanto Trial, não fale do meu sono. Fale das dificuldades que vivo, das necessidades que passo apesar de tanto de mim ter dado a esse país. Vagabundos não se aposentam por tempo de serviço! Sabia, Trial?

Fredo Trial o ouve atônito. Por essa ele não esperava; “Esse filho da mãe sabe como fazer uma chantagem emocional”– Rumina Fredo, entre dentes.

Na casa, no confortável sofá do BBB as justificativas do China  sensibilizam os colegas. Liz também se comove. Alguns deles deixam rolar a emoção em discretas lágrimas. O Brasil também se mostrara solidário, e sensível vota em peso, talvez numa tentativa frenética de mudar o que já parecia sacramentado.

Encerrada a votação e passados menos de 10 minutos entre as peças de publicidade para a TV, Fredo Trial anuncia o resultado; Pela sua feição tanto decepcionada já se previa o resultado:

-Com 51,09% dos votos....Você....Liz! Está eliminada! - Anuncia oficialemnte.

"Vocês vão ter que me engolir" – Grita um Véio China pulando e socando o ar ao mais puro estilo do Rei Pelé.

Os participantes abraçavam-no emocionados; ainda não se tinham dado conta que no dia seguinte a vagabundagem se reiniciava. Cavalheiro, o Véio suspende do chão  a enorme bagagem de Liz e juntos se encaminham até o portal de saída onde será recebida por Trial, familiares e torcedores.

Antes de ela transpor o portal, eles se abraçam enquanto ele sussurra para ela:

-Foi pena, Liz! Definitivamente você era a melhor!

-Eu sei! – Ela responde – Porém você foi esperto. Percebi a tua joagada -  Ela responde enquanto se encaminha para o portão de saída. Ele a vê sumir pela porta. Os pensamentos não lhe largam.

Na mente daquela sujeito de cabelos ralos reprisam velhas imagens dos vídeos dos Mundiais de 50, 54, 74. Brasil, Hungria e Holanda eram descaradamente os melhores, e não levaram.
Depois só o imenso alarido lá fora: parecia dia de jogo de Palmeiras x Corinthians, de Flamengo x Fluminense.
Ele apura os ouvidos com as mãos em concha e escuta da galera “Liz Liz Liz Liz”
Logo depois “Véio Véio Véio Véio”

Ele sorri. E sorrindo segue o caminho de pedras brancas, caprichosamente dispostas no gramado, fazendo um caminho que o levará a sede. Ele sabe que tudo se faz motivo para um show, ele é parte disso.
E o show, como dizem, jamais poderia parar. Ele sabe que nada mais é que um festival de tempo perdido, de fatos tolos, coisas fúteis e  falsidades planejadas. Ele tenta compreender a necessidade da nação por ídolos. Ídolos tão inúteis e fúteis quanto às fumaças que desaparecem pelos vãos dos dedos dos fumantes impregnando pulmões incautos.

Quem sabe se ele não poderia vir a ser a pessoa mais amada do Brasil?
Claro! Um inútil famoso por 30 ou 40 dias, não tinha problema!
Ele estava cansado de saber de tudo isso. As manipulações, em maior ou menor grau jamais lhes passaram desapercebidas.  Sempre ele soube que a lábia é capaz de conduzir mansamente o mais feroz dos bois ao matadouro. E ele era prova cabal; acabara de penetrar na sensibilidade dum Brasil sedento por mentiras. Aquilo fora uma farsa! Alias a farsa mais séria da sua vida.
E agora finalmente compreendia  que tanto quanto os outros estava ávido por aqueles dois milhões de reais.
“Custe o que custar” – Disse para si ao sentir a tendenciosidade de Fredo Trial.
E foi naquele momento que descobriu o quanto valia a pena competir.
E agora era pra ganhar! Ganharia? Ele não sabia!
Sabia sim que para haver chances razoáveis deveria elaborar boas estratégias.
E, estratégias, eram com ele mesmo.


Copirraiti 2010Nov
Véio China©

Um comentário:

Zulmar Lopes disse...

Show, Véio! Sacanamente hilário. duas ressalvas: Não uso cueca enfiada no no meu traseiro gordo e jamais participaria de uma degradação humana como o BBB, rs