sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cenas pueris


-Tio, tio! Eu quero avisar pro senhor que o ca...

-Quereria meu rapaz! Quereria... –

Respondeu bruscamente o sujeito de aparência austera enquanto batia as mãos nas pernas e nos fundilhos da calça. Ele acabara de levar um tombo medonho ao tropeçar no meio-fio daquela movimentada rua. Contudo e para piorar o que bom não era,  a barba,  numa tonalidade arruivada e o olhar severo acrescido da calvice tornavam sua feição mais rude que propriamente era.

-Não tio, mais é só pra te dizer pro senhor que...–  Novamente foi interrompido

-Jovenzinho, antes de tudo seja mais cordato e tenha para você que não se pode ficar interpelando desta maneira pessoa que mal conhece!

-Eu sei tio, mais é que..

-De novo? Que garoto maçante! Certamente a civilidade e polidez não lhe foram ministradas em casa, muito menos herdadas de berço. Será que é nesse desentoar maleducado que caminha para a sua puberdade? - Dessa vez o homem o admoestava tão braviamente que parecia que seus olhos poderiam saltar das cavidades oculares.

-Eu sei tio! Mais, mais... – O garoto tentava expressar, porém e apesar da insistência não obtinha sucesso.

-Não tem mais mais e nem menos menos! E saiba! Não é mais, é MAS! - Praticamente berrou.

-Eu sei tio, mais  pelo amor de Deus, o senhor não ta entendendo que o Maic.. - Definitivamente aquele jamais seria o seu dia. O homem se mantinha irredutível e o abortou com rudeza, novamente

-Por que não se cala, ser pueril e inconveniente? – Foi a nova bravata, porém, dessa vez,  num  mesmo grau de rudeza, mas com maior sofisticação.

-Ta bom, tio! Se o senhor acha melhor assim... - Desestimulado o menino deu de ombros, virou as costas e se retirou.

Assim que o garoto se afastou o homem caiu em si. Havia agido com muita severidade com menino e sem oferecer-lhe ao menos a oportunidade de dizer o que se entalava na garganta. Arrependido chamou o garoto:

-Ei, meu jovem! O que poderia apalavrar-me de tão importante e essencial? – O garoto girou sobre o próprio eixo e voltou para ter com ele.

-Bem, tio. Agora nem dá mais jeito. Agora é tarde! - Exclamou com certo receio.

-Tarde? Tarde pra que?

-Bem... é assim tio. Quando o senhor tropicou na calçada e se esborrachou, não percebeu, mas... a sua peruca avuou pra bem longe.

-Voou... - O homem o corrigiu irritado com a opacidade do seu linguajar. Porém não bastaram mais que poucos segundos para que desse pela gravidade da informação

-Como? A minha peruca? - Questinou enquanto levava uma das mãos ao cocurutu  e dava por falta dos cabelos.

-Isso, tio! Ela avuou pra longe. E foi nessa hora que tava passando o cachorro do Tininho, o Maicou Jéquison, e ele abocanhou aquele negócio cheio de cabelo e deu no pé! -  O homem o olhou com certa raiva:

-E por que não me disse naquele momento, garoto indolente?

-Indo, quem, tio? –  Obviamente, além de não saber o peso das palavras, perguntava-se o porque do homem usar palavras tão difíceis para ele.

-Indolen... ah, deixe pra la! – Irritou-se ainda mais o suejito que não deixou de  insistir: Deveria ter-me avisado a tempo, garoto aparvalhado e lerdo!

De fato o homem, apesar da ira, sentia-se constrangido sem os seus cabelos avermelhados. Todavia agia de forma insólita e hilária ao tentar esconder a calvice espalmando ambas as mãos onde antes havia o chumaço de cabelos. O garoto, sentido-se cobrado tentou defender-se:

-Bem.. tio. Eu até que tentei, mas o senhor ficou me ensinando o dicionário todinho... Mais aí já era! Não deu mais tempo - Concluiu derrubando os ombros.

-Então, tudo está sacramentado! -  O Homem suspirou inconsolável. Porém, brasileiro, surgiu a luz, esboçou-se a esperança:

-Ei garoto, você tem o endereço do tal canídeo? -  Perguntou num olhar de súplica e ainda com as mãos no alto da cabeça.

Afinal, era a chance que a sua calvice  precisava. Talvez nem tudo estivesse perdido.
O olhar de rogo se manteve cravado em sua fisionomia diante do garoto que parecia matutar.
Passado alguns segundos, vestido numa expressão de incerteza, o garoto se manifestou:

-Canídio, Canídio...  bem tio, desse eu não tenho não. Pra falar a verdade eu nem sei se esse sujeito mora por aqui. Se ainda fosse o do Maicou Jéquisom dava pra quebrar um galho!


Copirraiti Abr2011
Véio China©


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