sexta-feira, 22 de abril de 2011

Violação

São Paulo, março de 1984.

Linda. Talvez 18 ou 19 anos. Menina de predicados, boa alma e o xodó dos pais apaixonados.
Humana, a libido e os desejos se dobraram à razão e à aparência máscula de um corpo perfumado e muitos músculos. Dos gemidos e sussurros apenas a lembrança do que trazia no ventre, apesar de ainda pouco perceptível. – Graças a Deus o bebê estará bem – Dizia para si ao perambular em seu calvário dos dias que não tinham fim.

Do namorado, o que lhe fizera o mal, não mais dera sinal. Relembra que ele se desapareceu. A casa onde Cesar morava, pequena, agora se abandonava e deixava-se varrer pelos ventos de outono que assopravam as folhas no jardim.
Contudo em sua vida não existia trégua.
Imprescindível,  ela o sabia, era acreditar nos seus sonhos e numa existência que poderia ser melhor, apesar de saber difícil contar com o fato.

Ah! Se fosse somente essa a dor! Não, infelizmente não era. Lembra-se da outra, logo após,  ocorrida na volta da faculdade para casa.  23h30min, horário de sempre. Recorda-se até do trajeto que  ônibus fez naquela noite. Um caminho de ruas sombrias e alumiadas de lua cheia, das luzes fracas  nos postes e por faróis do coletivo que a desembarcou na parada de todo dia.
Recorda que ainda pensava nele quando fora do coletivo caminhou pelas ruas solitárias e fantasmagóricas, pouco menos de 15 minutos até chegar em casa.
Rememora ainda que escutou barulhos enquanto prosseguia. Eram sons das solas de sapatos que vinham logo atrás e freneticamente tamborilavam o asfalto, aproximando-se rapidamente.
Tensa, tentou apressar os passos até dar no fim da rua onde se abria um enorme descampado. A relativa claridade permitia que distinguisse as marcas de cal no campinho de terra onde seu sobrinho Euzébio fazia bonitos s gols para o time da escola municipal.

Foi naquele ponto que os passos a alcançaram. A mão forte e ágil selou a sua boca enquanto uma pontiaguda lâmina de retalhar churrasco reluziu ao luar, ameaçando-a.
Um calafrio percorreu todo seu corpo ao reparar na feição transtornada do homem. Era horrível, principalmente o seu olhar insano. Foi então que esperou pelo pior.
Talvez se a vida fosse unicamente se dua posse  não se importaria em reagir e tentar gritar. Talvez os gritos de horror apavorassem o maníaco e aquele nauseante odor de bebida deixado no ar. Porém sabia; há quase três meses a vida deixara de ser apenas sua. Portanto, não poderia arriscar.

E assim foi sob o clarão da lua que ela foi estuprada, submissa e deixada ao relento num chão de terra batida. Talvez se ele a estacasse no solo não haveria qualquer surpresa e nem desencantos.  Para ela naquele momento tanto faria ser pau, pedra, sol ou chuva.
Sarcástico, o estuprador antes de partir  ajeitou as calças na cintura e subiu o zíper. Ele a fitava com os mesmos olhos insanos. Todavia era hora de ir. E antes mesmo que desaparecesse na noite clara, ainda lhe pareceu por bem galantear:

-Menina, jamais esquecerei estes olhos tão grandes que poderiam ser bolas de futebol –

Depois da vergonha e humilhação a vida teve que persistir apesar da doença. Houveram noites que pensou em desistir, mas, logo recobrava a força interior e pensava no seu bebê. Os meses passaram e ela quase se deu por morta-viva. Não havia mais a beleza e o seu corpo definhava apesar da pequena bola arredondada em sua barriga. Todavia, diante de todas orações e rogos e o bebê nasceu saudável e liberto da doença.


Dezembro de 1985

Até que chegou o dia que um dos seus poucos desejos foi concretizado; Investigadores bateram à sua porta e disseram que era necessário que ir à delegacia reconhecer um homem.
Pelos relatos dos policiais talvez houvessem capturado o maníaco  daquela noite de lua clara
O coração acelerou ao adentrar no distrito. Em companhia do pai e sentada numa cadeira de rodas remexeu o corpo cadavérico por detrás do vidro espelhado e que a mantinha isolada dos suspeitos. Focos de luzes fortes desnudaram todos aqueles rostos. Um a um ela os observou com muita atenção apesar da comoção.

-Sim, é ele! Confirmou ao ver o detido com plaqueta de número 5 .

-Por favor! Eu preciso ter com ele! – Rogou ao delegado num tom fraco e quase que inaudível.

Apesar de tentar perssuadí-la sem sucesso, e com pena da pobre moça a autoridade cedeu e o trouxeram.

O maníaco quase nada entendeu a se ver diante daquela criatura definhada e esquelética. Por segundos se olharam.
Algo o incomodava além da sua tosse seca e persistente, pois o seu olhar não conseguia se desvencilhar da mulher
.
-Lembra-se de mim? – Ela perguntou firme e decidida, como se algo sobrenatural a fortalecesse.

-Talvez! – Ele respondeu, para  depois, finalizau: Apesar que tenho a impressão que conheço os seus olhos.

-E conhece! – Sou a garota dos olhos tão grandes quanto bolas de futebol. Lembra-se?

Estarrecido ante figura tão disforme,  pergunta:

-Por Deus, menina! O que Aconteceu com você?

-Comigo nada! Apenas com você.

-Comigo? Como assim? – Parecía-lhe um diálogo desconexo e surreal. A moça devia estar delirando – Concluiu.

Ela continuou olhando-o firmemente. Seus lábios ressecados tremiam, emocionados.

-Moço, você está morto! Sabia?

Ele riu o riso dos ignorantes. Tudo parecia tão incompreensível.

-A dona deve estar maluca. Tenho uma saúde de ferro. – Riu-se com escárnio.

-Moço, re o pare no meu estado. Sabe o que é isso? Se não fosse o pavor de morrer eu teria dito a você que era portadora do HIV..

Dito isso levou as mãos à cadeira de rodas e girou o aparelho no sentido da porta de saída. O pai percebendo as dificuldades da filha ajudou.

Para trás ficou apenas um olhar estarrecido dum  homem que ja apresentava os sinais da doença.


Copirraiti abr2011
Véio China®

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