quinta-feira, 28 de abril de 2011

Madá, Justin Bieber, e outras Drogas & Afins

Havia algo de errado, começando pelas rugas e descendo pela minha proeminente barriga, e ela fazia dobras e que recaiam sobre a cueca. E essas disparidades jamais combinavam com a textura suave da sua pele de fêmea, e muito menos com os seus surpreendentes 37 anos incompletos que não pareciam 29. Talvez outras coisas deixavam-nos distantes daquilo que deveríamos ter ou poderíamos ter sido. Eu, apesar dos 58, que à verdade mais se assemelham aos 62, queria apenas curtir as minhas bandas de rock pesado. Ela, em direção oposta, estacionara num universo teen frequentado por ídolos pop. Talvez fôssemos o par da coisa desconexa,  duas aberrações e cada qual ao seu estilo. E as disparidades me fazem lembrar duma certa ocasião.

-Paizinho, ta sabendo que hoje a tua gatinha ta hiper carente? – Ela me piscara um dos olhos naquela  noite mormacenta enquanto em seus ouvidos  imensos headphones davam-lhe um ar de alguém deslumbrado com o momento.Para ela era como se não existisse a tristeza do roxo ou o negro, mas somente o rosáceo das alegrias e dos bons sonhos.

O seu corpo serpenteava á melodia que ouvia, algo que eu supunha ser a irritante “S.O.S” dos Brothers.
Porém, aquela canção parecia praga, uma grande desgraça e que ela tanto insistiu e cantou  pelos cantos da casa que acabei por me apegar à maldição melódica assobiando-a constantemente como se isso fosse  a coisa mais natural desse mundo. Para piorar,  quando não assobiava eu a cantava, na sala, cozinha, debaixo do chuveiro, e algumas vezes à cama enquanto fazíamos amor.
Por outro lado eu não dera a mesma sorte que a dela. Ela era radical comigo, e isso foi escancarado e inconteste numa das últimas fodas que tivemos; Eu queria ação, me sentir um revolucionário, portanto deixei deixara rolando um som do AC\DC no system da sala. Claro, rock para mim tinha que ser alto, heróis vikings sentindo o gosto da lâmina, mas abatendo seus inimigos um á um. Entretanto os efeitos do volume não demoraram a se manifestar:

-Paizinho, pelo amor de Deus! Com esse barulho não dá! – Ela reclamou ao virar o corpo fazendo-me sair de dentro dela de cima dela

Talvez o tom grave e abrangente do contrabaixo que fazia trepidar os vidros da sala a incomodasse. Incomodava-a também os riffs de Angus, principalmente em “Black in Black”. Como eu não fizera qualquer menção de levantar-me para dar um jeito na situação, ela, furiosa curvou as costas sobre o colchão e num impulso soergueu-se abruptamente fazendo-me deslizar em cima.

E, desequilibrado me lamentei, e  foi pena, afinal, depois de mais de 20 e tantos minutos duma árdua batalha aquilo começava a ficar muito bom.

- Ah papai, desculpe, mas... trepar com esses caras canindo como leões esfomeados, não dá! –

Evidente, com ela eu me divertia por muitos fatores; Ao estar nervosa sua burrice e outras pequenas coisas extravasavam. Naquelas ocasiões um de seus olhos se tornava bem mais dilatado que o outro. Portanto ao vê-la com um olho maior eu ri e tive vontade de corrigi-la, explicar que leões não cachorros.Entretanto, por experiência própria achei melhor fingir que não ouvira, pois havia toda a possibilidade de ser quebrado o encanto e  sedução que ás duras penas eu consegui
Também nao estaria com conversa fiada ao admitir que Madá fosse mesquinha, e que parte das suas atitudes e reclamações jamais se justificaram. E digo assim porque numa noite daquelas fizera-me ver três vezes  consecutivas o DVD dum ídolo teen retardado cantando suas idiotas e alienantes canções; “Baby Ft Ludacris” era uma delas. Claro, eu  faria qualquer coisa por Madá,  assistir como assisti Justin com aquele seu ridículo corte de cabelo, inclusive de pernas entrelaçadas como dois adolescentes comendo  pipocas e tomando o guaraná Taí.

Porém, como o tempo é o senhor da razão, repentinamente aos seus olhos  fui perdendo o charme, o encanto, a novidade. Eu deixara de ser o velho e descolado transgressor para me tornar apenas um idoso que vestia surradas calças Levis e tênis acamurçados da Adidas. Não estranharia se inesperadamente surgisse na estante de casa um volume do “Estatuto do Idoso”. O descaso, inclusive abrangeu os meus CDs do Led, Floyd, Who, Clapton e Bob Dylan e outros tantos que passaram a ser desdenhados e tratados meras relíquias dum  museu musical. Nos últimos tempos ela me tinha como o grande troglodita, um dinossauro tão velho quanto aos seus velhos ídolos. Recrimináva-me também ao dizer que eu me tornara obsoleto, desses que se fazem acompanhar dum tempo onde o aperto de mão equivalia à palavra e um fio de barba um documento de idoneidade. Óbvio que havia um grande exagero de sua parte.

As coisas persistiram  desta forma e tomaram contornos dramáticos quando deixei de ser o seu “papai” para tornar-me simplesmente “Alfredo”. Daí para o fim era um pulo de brincar amarelinha, e eu sabia.

Malas postas na sala. Madá maquiada ao estilo de Mortícia Gomes esperava por algo ou por alguém. Não tardou e a campainha se fez soar.

-Pode deixar que eu atendo, Alfredo. – Ela comunicou.

-Tudo bem - Eu disse.

Ao abrir a porta soou uma voz de tonalidade juvenil. Esgueirei o olhar o suficiente para ver a quem pertencia. Um garoto de olhos verdes e de pernas magras que pareciam dois bambus fincados sorria e tagarela bastante. Repentinamente ela voltou para a sala e pegou um dos três volumes de suas malas. Fiz menção de ajudar:

-Pode deixar aí onde está Alfredo! Sou independente! – Ela disse com certa empáfia.

-Tudo bem outra vez!  – Eu concordei ao dar de ombros.

Assim que o último volume saiu eu ouvi um clik e a porta se fechou. Definitivamente Madá não fazia mais parte do meu mundo. Curioso, fui até a janela e a tempo de vê-los saindo diante uma das cenas mais engraçada que Madá me proporcionou.
Foi  hilário ver aquele pirralho grudado à cintura de Madá. Os quase um metro de oitenta dela contrastavam com pouco mais de metro e sessenta do meninote. Pareciam um gráfico de variações de produtividade; altos e baixos
Estranhamente, Madá era a mulher dos opostos, das inconsistências.

E assim eu os vi partirem. Talvez Madá carregasse na mala algo que jamais pendurou no cabide ou nos guarda-roupas de sua vida; a sensatez. Eu não estranharia se o seu próximo alvo fosse um tenor fracassado ou algum perspicaz pagodeiro.
Dei uma última olhada quando fecharam o portão da frente e percebi que o garoto tinha aquele mesmo corte de cabelo do tal Justin.  Eu ri gostoso.

Encaminhei-me para o rack, liguei o system e “Perfect Stranger” foi curtida no último. Gillan continuava sendo um dos maiores vocalistas do rock mundial, e Steve Morse um espetacular virtuose que fazia sua guitarra Enie Ball gemer como a mais espetacular das prostitutas. Contudo, saudosista que sempre fui dou por falta de Ritchie Blackmore e do Deep Purple dos anos 70.

Ao fim da canção me lembrei da cena de Madá e do seu garotinho Bieber agarradinhos um no outro.

-É isso aí, Madá! Uvas verdes também fazem vinho bom – Concluí ao colocar  "Black Dog" do Zeppelin.

-Caraca! Como eu gostava do John Borman! Ele batia legal. – Lamentei ao ouvir os primeiros acordes e relembrar a estupidez de sua morte no próprio vômito.

Eu sabia que nós enquanto humanos temos a necessidade da lamentação, da automutilação e da falta de comiseração por nós mesmos; Meã culpa, meã culpa, mea máxima culpa, gostamos de nos sentenciar. Porém o transcorrer da vida me ensinou algumas coisas, e alguns  conselhos bons que procuro seguir; Se a vida te deu um limão, faça uma limonada -  Lamentar? Lamente-se sim!  Mas somenten aquilo onde haja algum verdadeiro valor a ser lamentado.

-Boa sorte, Madá! Que ela nunca te abandone! - Brindei ao tocar as cordas da minha guitarra imaginária.

Eu e Jimmy Page éramos o máximo. Melhores que os outros três, óbvio!


Copirraiti Abr28/2011
Véio China®

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