sábado, 24 de dezembro de 2011

Operação Tequila - The Natal -


Olho para baixo e as pessoas parecem do tamanho de brinquedos. É na sacada do 23º andar que vejo parte da minha  cidade amanhecer e depois repousar. Sento-me na espreguiçadeira e retiro um cigarro da  carteira enquanto observo as luzes natalinas cintilarem  nas janelas e varandas dos edifícios vizinhos.
Algo me incomoda. Levanto e encaminho-me para o peitoril  e novamente olho  para baixo e noto que muitas pessoas zanzam pelos jardins do nosso edifício enquanto outras rapidamente abandonam o condomínio.
É noite de Natal, noite onde cada um de nós tenta  parecer ou sugerir a ideia de ser ou estar feliz. No apartamento vizinho ouço a mesma música de anos anteriores e Simone canta "Então é Natal". Olho no relógio e os ponteiros indicam algo mais que 23 horas, e o "facto totun" diz que em  menos de uma hora champanhes serão estouradas num brinde com os votos de Feliz Natal. E as pessoas sorrirão e serão simpáticas e  trocarão presentes e abraços antes da ceia natalina ser avidamente consumida.

As pequenas lampadas multicolores continuam piscando quando amasso o cigarro no cinzeiro e volto ao bar no fundo da sala e sirvo-me de outra generosa dose do meu Ballantines. Era o meu primeiro Natal sozinho.

-Aristides, seu devasso! Por que essa falta de Deus? – A pergunta me fora feita por minha ex-mulher, um ano antes, precisamente dia 23,  antevéspera do Natal.

-Jesus! Você é uma criatura vil e pecadora! –  Nervosamente ela insista.

Naquele momento, Eleonora deixou cair pesadamente o corpo sobre o nosso sofá  de cinco lugares.
As coisas ficariam muito ruins para o meu lado; É que apenas não percebera que ela chegara em casa e adentrou o meu escritório sem que percebesse que se postou às minhas costas. E qual seria  o motivo para tanta indignação e ira? Simplesmente o que ela viu na tela do meu computador.

Ao vê-la  desfalecida preocupei-me correndo à cozinha e trazendo-lhe um copo de água gelada com algumas gotas do adoçante predileto. Auxilio o copo em sua boca que lentamente ingere o líquido. Se refaz, levanta-se ainda amparada em pernas titubeantes e procura na bolsa a cartela do Prozac; Eleonora é depressiva e viciada em comprimidos. Depois com ela em mãos  vai ao meu computador  e salva alguns arquivos e os envia diretamente para o seu e-mail. Por fim abandona o PC e caminha para o bar das sala onde escolhe a garrafa de um bom vinho do Porto. Escolhida,  ela  a passa para mim; Eleonora jamais conseguiu a suficiente força nas mãos para abrir uma daquelas. Abro e derramo a bebida em sua taça enquanto sua indiferença olha para o líquido rubro  como se fosse ele o sangue escorrido dos meus pecados. Vagarosamente leva a taça à boca e ingere uma boa dose junto de duas drágeas. Fora  pouco; Serve-se mais duas vezes antes que o corpo e  a mente se tornem refém da fluoxetina. Em menos de uma hora está completamente bêbada e dopada, porém me acostumara com aquilo.

No dia seguinte acordo com alguém tagarelando ao meu lado. Era Eleonora que convocava nossos filhos para naquela mesma noite estarem na ceia de Natal. “Precisamos tratar de assunto de vital importância ” ela  diz ao final de cada das ligação - " E por favor, não falte" -. Ela recomenda a cada um deles. Desligado o aparelho e sem me olhar ela  levanta-se da cama como o robbie ajustado ao corpo e retira-se do quarto. Sua atitude me deixou reflexivo já que desde a noite anterior ela e eu não mais trocáramos qualquer palavra.

À noite, precisamente às 20 horas lá estavam os nossos três filhos: Alessandra, 28 anos, psicóloga.  Alberto, 27 anos, advogado, e Kaic, 24 anos, grafiteiro profissional. Ah sim,  presente também Cecilia, nossa caçula de 12 anos e que morava conosco. Sobre ela é aquilo que  defino como a paixão de minha vida. Alegre, inocente, linda, infelizmente Cecília  requer atenções e cuidados especiais.
Após os cumprimentos rotineiros Eleonora se mune do seu notebook e junto dos  filhos se dirige à biblioteca anexa à sala de estar; A reunião tinha o seu início apesar de não compreender a necessidade de  Cecília estar entre eles. A bem da verdade, assim que a porta foi fechada  um pressentimento dos piores se instalou em mim.

Passados talvez uns 30 minutos eles saem com feições carregadas tal qual a minha premonição, exceto os largos risos de Cecília, provavelmente sem compreender o motivo de tanta alegria.  Colocados diante de mim Alessandra convida-me à sala de estar,  talvez por ser a filha mais velha. Como era de se esperar o seu ranço autoritário  assume o comando e ela  exerce aquilo que pude deduzir como perícia psicológica.  Pelo jeito o veredicto seria pronunciado.

- Papai, você sabia... - Ela começa empurrando para cima os óculos que deslizam pelo nariz - ...que meus amigos psicanalistas comentam que hoje em dia o sentido de culpabilidade dos pacientes não é mais fundado sobre o interdito, mas sobre esta injunção de pretender o prazer? - Nesse ponto ela assume um tom professoral. Aí finaliza entregando-me o troféu " A carapuça do ano" - Agora, assim como o senhor as pessoas não mais se sentem culpadas quando têm prazeres ilícitos ou infiéis, e...

Deus! Eu não suportava aquele blábláblá acadêmico. Seguramente  o que me irritava em Alessandra era aquele fanatismo por Freud, Lacan e tantos outros.  Para mim e sem exceções eram  uns desajustados.
Eu olhava Alessandra e ouvia-lhe a voz e assumia que eu fora um dos responsáveis por sua mocidade enfiada em livros acadêmicos  e nas salas de aulas de duas faculdades. Terminadas ambas sobraram-lhe responsabilidades mas, faltaram as alegrias de um bom casameto e um par de filho brincando num play ground qualquer. Aliás,  houve o casamento, porém, outro dos seus enganos.
Eu persistia o olhar nos seus lábios carnudos e percebia claramente  que a solidão cobrava o seu preço ao deixar-lhe a alternativa dum próprio e concorrido consultório na charmosa  Avenida Europa. Aliás, eu sabia muito mais sobre o seu sucesso; Ricos, como três mais três são seis, sempre supusseram-se problemáticos; Óbvio que a tese jamais se aplicaria a mim, um rico de raízes humildes e dos pés e mãos fincados em terras de produção de laranjas.  Sendo assim, Alessandra nada poderia trazer que me fizesse modificar a postura ou alterar a visão que eu tinha da vida e dos problemas que enfrentávamos.

Porém não era somente Alê a dona de todas as verdades desse mundo caótico. Agora era chegada a vez de Alberto, um rapagão de  inteligente rara, mas de tão baixa- estima como a  de se tornar atormentado pela traição de Claudia, sua ex- noiva, roubada por seu melhor amigo e bem debaixo de suas lentes esverdeadas.  Após veio o cancelamento de um casamento que tinha tudo para ser pomposo. Lembro-me que naqueles dias, amargurado,  apegára-se à mãe como se ela pudesse protegê-lo mais essa vez  e evitar que seus  olhos marejassem além do sugerido pelo bom senso.
Portanto com aquilo que ele poderia supor como "coincidências"  é que chegou a sua vez. Sem dúvida que defenderia a mãe a qualquer preço, ainda mais agora  preso pelo cordão umbilical.

- Papai, na separação judicial litigiosa o cônjuge protagonista da separação tem que comprovar os motivos elencados no artigo 5.o da Lei do Divórcio - E pelo jeito foi nisso que o senhor incorreu; em grave conduta de desonra...

Ainda com a severidade citou que o artigo estabelecia que a separação judicial devia ser pedida por um dos cônjuges quando esse imputasse ao outro a conduta desonrosa ou que importasse em grave violação dos deveres do casamento... - Nesse instante ele faz uma pausa, dessas que tentam impressionar o corpo de jurados para uma sentença favorável; Provavelmente para ele ali não estava o pai, mas sim o réu.

Por fim acusou-me de permitir que a situação chegasse nesse ponto de incompatibilidade. E ele estava certo. Era esse o preço a ser pago por ter sido pego com a “boca na botija”.  Poxa vida!  Por que Eleonora aparecera naquela hora?

Foi o instante que a eloqüência jurídica de Alberto foi abortada por Kaic. Ah! Ele também necessitava tirar uma lasca do pobre Aristides. Porém, o que Kaic poderia me dizer? Justo ele, um sujeito de vida tão aparvalhada, envolvido com escândalos, meretrizes e boemia?
E ele disse o previsível,  porém de forma bem menos sofisticada que os irmãos:
-
-Aí  velho! To sabendo do teu Hip Hop com a gringa do MSN. Pelo jeito tua casa caiu! O que você fez foi crocodilagem das grandes. Ainda mais porque a mãe te pegou. Sabe mano, esse lance de pretender ser Freestyle não combina com você!

Despejou de forma jocosa. Eu sentia o seu sarcasmo ante os implacáveis olhos de Eleonora.
Após, simulou calma voltando- se para a mãe num tom demasiadamente forçado, desses que por  mais que nao queiramos acabam por soar falso.

-Sabe mãinha...Se esse lance tivesse sido comigo eu chamava os Ratos de cinza. Olha minha mãe, saiba que sempre estarei no mil grau contigo. Pode confiar! - Para finalizar abrandou a voz - Apesar de que às vezes você minha mãe parece-me algo "Wilde style", porém isso não quer dizer que  te considere uma Toy -

Eleonora, perplexa,  olhou para ele e não emitiu qualquer comentário. Da minha parte freei a vontade de rir, afinal, não um bom momento. Ah sim, sobre Kaic apenas a elucidação que passou duas temporadas grafitando murais de Salvador. Portanto o “meu rei” e “mãinha” eram mais que justificáveis.

Naquela mesma noite fiquei matutando sobre o seu palavreado de maneirismos e a curiosidade  fez-me procurar na internet alguns desses significados do universo hip hop. E encontrando algumas traduções  consegui compreender o recado que o "Brow" nos dera, principalmente sobre os tais  “Ratos Cinza” que significavam o uso de força policial. Depois, na parte mais amena me julgou um "free"  no “Freestyle” ou seja; um sujeito libertino, porém muita responsabilidade.  
A parte que coubera à Eleonora se encaminhou com mais suavidade, já que “Wild style” é alguém que não se faz entender por completo, e “Toy” que condiz com a pessoa que não faz o mal, que não é má e nem pretende prejudicar alguém.

Terminada as colocações  Eleonora pigarreia e depois de certa que a garganta encontra-se limpa e que sua voz soaria será audível, dirige-se para mim. A sua feição é dura, e a voz também.

-Aristides, eu quero o divórcio! Ouço o seu pedido com a máxima atenção.

-Sim, eu dou! - Concordo. Era mais que sabido que o nosso casamento vivia de indifrenças e horas extras.

-Aristides, também pretendo ficar com a casa – Ela diz apontando o indicador para o piso de jacarndá.

-Claro! Tudo bem. –  Aceito. Pelo jeito a primeira parte do acordo estava am andamento.

Depois dos advogados veio o acordo  dos bens, o valor da pensão pensão judicial e a necessária paz para estar  neste apartamento de quatro quartos e três suítes encontrado às pressas. Apartamento que não me exime da análise de nossa vida e da probabilidade do casamento ter feito água após o nascimento de Cecília. E concluo dessa forma porque sempre nos fora  difícil aceitar que ela era um bebe dotado de excepcionalidade. É é mais que provavel que até hoje culpemos um ao outro pela gravidez  fora de tempo e imprevista.  Contudo,  depois de constatada a tal anomalia tentamos a fé,  promessas, ofertórios e tudo que um bom cristão possa imaginar.  Lembro até que num rompante da crença fomos à Aparecida do Norte certos de  que providências divinas seriam tomadas e elas  livrariam o nosso anjo de toda e qualquer imperfeição.  Não deu certo e nem a foi a fé que faltou; Talvez Deus tivesse outros planos para nossa garotinha.

Daí em diante eu me vi desmoronado nos caminhos do Senhor. Eleonora não, contrária, se apegou á Deus na espera que ainda se operasse o milagre.  E não fora unicamente a Deus que ela se apegou, mas  também aos ansiolíticos e o vício da bebida. E isso isolava nossa vida comum que aos poucos deixava de ter coisas em comum; Eu ia ao futebol, ela, à missa. Ao jantares e comemorações, ela, às novenas. Eu precisava de sexo, eventual, porém ela abraçara o celibato apesar de se permitir uma vez ou outra, aliás, talvez nem fosse ela, mas sim a bebida.
E o que já não vinha bem piorou quando insistiu em colocar um imenso quadro de Cristo defronte à nossa cama. E mesmo bêbada já não me permitia ver partes do seu corpo e nem sentir o cheiro bom dos seus perfumes de mulher. Ainda tentei por quatro ou cinco vezes fazer  amor diante da imagem santa. Porém a frieza  de Eleonora aliada aos espetaculares olhos do filho de Deus freavam toda e qualquer iniciativa. Por vezes eu fitava o azul dos olhos  e eles parecia um oceano ameaçador; Sempre tive para mim que os olhos  daquela tonalidade eram mais desafiadores e penetrantes dos que quaisquer outros. Assim, com pouca intimidade eu e Cristo também fomos  nos afastando e tornando-nos indiferentes ao outro.
Quanto a mim e a Eleonora os nossos  antigos traços de intimidade cúmplice foram exaurindo  até se extirparem de vez. Não restara mais nada. Não havia conversas, críticas ou incentivos, mas apenas a indiferença, a bebida e os ansiolíticos. Lembro duma vez que vendo o barco naufragar tentei uma conversa com Jesus quando disse : “Ei filho de  Deus, você pactua com tudo o que está acontecendo?” - Como resposta eu só obtive o exuberante olhar azul além do temor que ele me causava.

E assim,   meio que sem eira e nem beira é que fui me afastando de Eleonora até chegar àquilo que os experts em internet taxam de "SECOND LIFE" -  Ou seja uma outra vida,  virtual -  Na época recordo-me que pouco conhecia desse mundo virtul,  fato que persistiu até que o chefe do RH da empresa me ensinou os caminhos e eu comecei a navegar. Foi com ele que descobri as salas de bate-papo, que aprendi a interagir com as pessoas e esquecer-me um pouco da solidão. E essa vida virtul acentou-se quando Eleonora mudou-se para um outro quarto vago sob a alegação de que eu roncava e que isso não a deixava dormir, numa argumentação estranha já que eu roncara por toda uma vida.  Com os corpos e quartos separados comecei a usar a internet de forma intensa e descobrir outros sites de relacionamentos. E foi num daqueles que conheci Tâmara, a “gringa do MSN”.  Á princípio meu relacionamento com aquela mulher 15 anos mais nova foi cordial e respeitoso. Entretanto, o tempo e a carência que esbofeteiam as faces dos solitários fizeram- nos aproximar até tornarmo-nos tão íntimos quanto cúmplices naquele nosso novo jogo; o sexo virtual, o qual, infelizmente foi presenciado por Eleonora naquela ocasião.

E aqui estou na solitude desta noite de Natal. Eu gostaria muito  mas,  Tâmara não poderá estar comigo já que está às voltas com um casamento tão fracassado quanto o meu. Enfim,  ela é persistente e aguarda o milagre num marido que a valorize, corteje e que ache o seu corpo e sexo mais atraente que aqueles que lhes são dados de forma gratuita ou que o seu dinheiro tenha que comprar. Enquanto o milagre  não se realiza, Tâmara insiste na crença das mudanças fazendo que não percebe o sentimento que nutro por ela.  E eu não tenho pressa, pois a precipitação nunca foi e jamais será o meu forte. Não vou forçá-la e nem pressioná-la, mas chegará o dia que ela notará que o seu jogo de canastras foi vencido mas,  que não foi por ela. E é desse jeito que aguardo o desfecho de mais uma novela,  uma mais às tantas que a vida sempre nos impõe.

É nisso que penso  quando ouço um "plim plim" distante que me avisa que o peru á Califórnia está no ponto . Vou á cozinha e retiro do microondas uma dessas embalagens prontas que comprei numa rotisserie próxima de casa. Acomodo no aparelho uma porção de arroz para ser aquecida e vou ao refrigerador  retirar a travessa de salpicão de frango e uma torta de amoras.
Não passam  mais que 10 minutos e a mesa está posta e será acompanhada duma imprevisível garrafa de Tequila. Sim, sei que pode parecer absurdo, mas dei preferência a acidez da Tequila que ganhei de um amigo mexicano. Olho para a bonita embalagem que trazia um pequeno copo estilizado e o retiro da caixa colocando-o sobre a mesa.

Cravo o olhar no relógio e penso que o bom velhinho bem que poderia estar descendo pela tubulação do exaustor. Insisto na imaginação e sorrio; Sim! Mas o que poderíamos dar de presente um ao outro? Talvez um bom scotch de 25 anos?  Uma vodka polonesa ou russa?   Eu reflito sobre a sabedoria daquele olhar de quem tem sobrevivido aos séculos e  tento supô-lo-o safado, passando a mão no rabo da estarrecida  Matilde ,minha fanática empregada evangélica - "O sangue de Cristo tem poder! Aos quintos dos infernos satanás barbudo!" - Ela o excomunga enquanto o bom velhinho mescla os infinitos “HO HO HO”  aos ébrios soluços da bebida.....

Continuo a escapulir de mim e persito delirando enquanto outros devaneios me tomam  a mente  levando-me a questões absurdas e insólitas. -  Será que algum dia Papai Noel ficou de pileque? - Sem qualquer indício ou pista eu abro a  Tequila e abasteço meu copo duma dose farta que me queima as estranhas ao percorrer um emaranhados de capilares - E se eu e o velho Noel convencêssemos algumas garotas “da noite” para nos brindarem com um “pulling dance”?  Heim? - Dessa vez aquilo que há de devasso em mim o imagina  excitado  num momento que suor lhe banha o rosto e o óculos tal qual o de Alessandra desliza no  nariz de tez oleosa.  Porém Papai Noel é íntegro e  perturbado com  a proposta não permite que elas se dispam, abortando assim a pecaminosa dança - “HO HO HO” -  O bom velho brada ao colocar-se ao lado do seu véiculo de  ilusões  -  “Entrem garotas.Todos nos esperam!" -   Ele as convida  para uma volta ao redor do mundo no trenó encantado – “Há muito trabalho para fazermos!” –  Bonachão ele brada para elas ciente de que não está solitário, agora. Elas se mostram surpresas e aceitando o pedido tomam seus assentos - “ HO HO HO. ADIANTE!” - Ele ordena assumindo as rédeas, incentivando  suas renas para o  alucinante voo  daquele serviço que executa com  a mesma presteza de sempre . - "HO HO HO” - Eu o vejo feliz ao zarpar  com destino à imensidão do nada; Ele  sabe que nesse dia o Planeta lhe pertence. E ele vara o espaço e seus "HO HO HO"  ecoam pelo universo, de polo a polo, de mar a mar até riscarem todos os ceus e à tempo de se livrar de todos os seus embrulhos. E eles, um a um são jogados por todos os cantos diante das garotas  que gargalham depravadas enquanto suas  saias, la no alto , deixam à mostra nacos de suas coxas alvas e indecentes....

- Ou Ou Ou......... - Acorda-te Aristides! Ordeno para o pouco que há de sóbrio em mim,  incrédulo das minhas tantas sandices quando o telefone chama. E eu olho para ele que nervosamente reverbera em meus ouvidos num claro sinal que não pretende parar. Com alguma  dificuldade motora saio trançando as pernas e  vou atendê-lo; Eu precisava dar um fim naquilo.

-Alôuuuu! É o  papai? – Eu reconheço a puerilidade da voz da minha garotinha.

-É claro que é o papai, filha! Estou morrendo de saudades de você! – Respondo, feliz. Ao fundo e do outro lado ouço a voz de Simone numa antiga canção de Natal. Emociono-me.

-Papai, sabe de uma coisa? -

-Não filha! O que?

Silêncio do outro lado. Aos poucos percebo o estralos de sua língua ao encontro do céu da boca; Geralmente ela o fazia quando algo a excitava ou a deixava ansiosa.

-Papai, você sabia que amo você? – Ela confessa, pura e delicada como sempre.

-Claro que sabia! O papai também te ama muito, filha! – Eu fazia o possível para renegar as gotas que ameaçavam brotar abaixo das pálpebras.

-Papai? - Ela pergunta continuando a estalar a boca.

-Sim filha!

-Sabe que acho o senhor muito “espétinho”?  – Eu sorri; Cecília sempre teve dificuldade com essa palavra. Certamente ela pretendeu falar “espertinho”

- Eu sou sim! E você sabe o que é? Você é o meu chocolate branco, a minha doce paixãooooooooooo! – Prolongo a sílaba final; Cecília adorava quando eu lhe falava daquele jeito.

-Papai...Eu sinto muito a sua falta, viu?  Um Feliz Natal pro senhor! - Ela conclui.

Em seguida a ouço desligar do telefone. Repentinamente, como se fosse uma onda extraordinária sinto-me invadido por uma sensação melancólica que agora não me polpa as lágrimas. Tento bancar o durão e dispenso-me de usar guardanapo da mesa e procuro me afogar em outras recordações quando percebo o resto do whisky deixado no copo ao lado do da Tequila – “Sim cara! Você bebeu muito, muito!” - Confesso cheio de repreensões - "Seu maledeto! Pretende acabar comigo?" -  Brigo com aquele dedo de ótimo malte. Eu continuo a olhar para o líquido como se me devesse algum pedido de desculpa. Naturalmente, nao houve qualquer resposta -  Talvez o Sr. Ballantines não pretendesse perder o seu tempo comigo....

Lá fora, agora,  a algazarra é intensa  e  gritos de comemoração são ouvidos enquanto e o céu se colore do espocar dos fogos. Vou à varanda e clarões de todas as matizes riscam o céu  deixando  rastros duma homenagem mais que merecida. Olho para a noite tão diferente de todas  e tudo me parece dotado de racionalidade e lógica. Continuo olhando para aquelas cintilações multicolores e sei que em tudo há a esperança  tanto quanto existe o bem e o mal, o amor e o ódio,  o negro e o branco. Retorno para a cozinha e tomo  o meu lugar à mesa e sorvo mais uma Tequila que desce queimando como as abrasivas cascaveis dos desertos mexicanos. Uma a uma trago na minha direção as travessas da ceia e sirvo num prato de dimensão avantajada um pouco de arroz, uma colher do salpicão, farofa e um bom pedaço do do peru à Califórnia. Tudo me parecia estar muito bom.

"Ho Ho Ho!" Feliz Natal, Aristides! - É como se a quimera ouvisse diante a fantasia dos meus olhos que flagrava o bom Noel saindo pela tubulação e despencando pela coifa. Insisto no duto  branco  duma tinta martelada à espera dum milagre igual o de Cristo ao multiplicar os pães e dividir o vinho. Insisto mais um pouco e nada acontece e jamais acontecerá. Fixo a mão que segura aquele copo de formato estranho e o sujeito de vidro mais me parece um dos  muitos cucarachas que se perdem de sua terra assim como distancio-me dos meus. E a cena  parece fazer algum sentido e mesmo sem  a noção exata do que faço ergo o copo num brinde vazio: "Feliz Natal, Aristides!" -  A mão ainda o mantém no topo quando patético volto o braço e recoloco o copo sobre a mesa. Sem saber se é o momento da ceia olho para o prato e todas aquelas travessas de prataria e observo um pouco mais além a sobremesa que repousa incauta na  toalha de rendas brancas. Como se hipinotizado atenho-me nela e noto que no  alto  amoras graúdas  duma coloração rubra imergem numa calda encorpada e de um vermelho menos intenso. Persito no olhar à procura dos mais ínfimos dos seus detalhes e percebo que há beleza ali,  há poesia e finalmente há o amor. E um a um aqueles sentimentos e sensações se avolumam e me confundem  transportando-me para a questão que o momento  torna crucial; Nao poderia a vida ser tão descomplicada quanto àquela torta de amoras? - Penso naquilo por uns bons 20 segundos ante os dedos que novamente irão manchar o copo mexicano.

-Talvez...talvez, Aristides - Foi a única resposta encontrada ao completá-lo com Tequila  enquanto  la fora a vida persistia em festas e num oceano de esperanças.


Copirraiti 24Dez2011
Véio China©

2 comentários:

Uma Hallafaith disse...

Bom texto....bom uso de aliterações e recursos que fazem do enredo um convite ao imaginário do leitor...é como eu disse...vc esta deixando de lado pelo menos por hora a sátira para produzir de maneira cirtica porém romantizada os problemas comportamentais que assolam a sociedade contemporânea...gostei do texto...meus parábens.

Anônimo disse...

Oi...

Gostei muito...me surpreendeu, me emocionou..

beijos

Déa