domingo, 8 de julho de 2007

Avô e neto......francamente.


- Vovô! Por que minha mãe nunca está aqui? Perguntou ao senhor Duílio. Ele, 63 anos, sentado num espreguiçadeira, enrolava o cigarro de palha, de fumo-de-corda, hábito adquirido ainda nos tempos de roça. Em que pese toda a riqueza acumulada com os grãos de soja, obtida através de muita obstinação, era o seu Duílio, uma pessoa humilde, carinhosa e de nenhuma afetação. Pensou por alguns instantes na questão do neto:
- Sabe Felipinho. Sua mãe é uma mulher sonhadora, daquelas que acham a vida do mundo mais interessante que a vida em família. – Atento, percebia a curiosidade do pequeno Felipe, quase 11 anos de idade que o olhava fixamente por sobre “O Pequeno Príncipe” que portava entre as mãos.
- Vô! O que quer dizer “TORNAR-SE RESPONSÁVEL POR TUDO AQUILO QUE CATIVAS” - questionou o pequeno ao ler naquele momento a passagem no livro. O avô parou de enrolar o cigarro, pensou por alguns segundos e respondeu:
- Felipinho, quando você conquista uma pessoa, um mérito ou até mesmo a amizade de um animal, significa que deverá ser responsável pelo que conquistou. Terá a responsabilidade de tratá-los bem, com respeito e muito carinho.
- Ah, vô! Entendi! Por exemplo.. Estou “namorando” a Angélica e isso significa dizer que sempre serei responsável por ela, é Isso? – disse, arregalando os olhos O seu Duílio sorriu e meditou sobre a profundidade da argumentação do neto, afinal, o garoto era esperto, mas, levava ao pé da letra o que ouvira dele. Tentou rmediar a situação.
- Felipinho! Definitivamente, as mulheres não se incluem nesse entendimento, portanto, não fazem parte desta regra. - O garoto ficou a olhá-lo e a dúvida não abandonara o seu rostinho já que, a resposta do avô o deixará sem qualquer base de entendimento. O avô, percebendo que lhe causara mais dúvidas, tentou explicá-lo de uma maneira que Felipe pudesse entender.
-Felipinho, o que eu quis dizer é que, por mais que tentemos conquistar uma mulher, por mais que sejamos carinhosos, atenciosos e lhes causemos o bem estar, por mais que façamos isso, na verdade, ela nunca nos entenderá e procurará de alguma forma ou de outra levar algum tipo de vantagem.
O garoto a tudo ouvia mas, ao contrário do que supunha o avô, isso lhe trouxera mais dúvidas do que novas explicações. Nesse meio tempo soou a campainha. Era o advogado do senhor Duílio que fora em sua casa para colocá-lo a par dos últimos acontecimentos. Encaminharam-no exatamente onde se encontravam o velho e a criança. Vencido o jardim, o advogado encontrou o seu cliente, deliciosamente espreguiçado na piscina. Ao percebê-lo, o senhor Duílio cordialmente se levantou. Cabelos grisalhos, corpo ainda razoavelmente bem conservado, além da velha e boa classe.
- Quais são as novas, doutor Carlos? – educadamente se reportou. - O advogado, com ares de preocupação, retirou da maleta executiva o calhamaço de papéis e então, depois de acomodado noutra espreguiçadeira, deslanchou:
- A Martha, sua ex-esposa reivindica uma pensão mensal de R$ 15.000,00 e quer para si um outro imóvel, exatamente o apartamento do Guarujá, já que, segundo ela, o foi adquirido na união estável, portanto, fora do alcance da “separação parcial de bens”
-Aquela garota, a Dione, nos procurou. Disse que não lhe disse já que ficou com medo da reação do senhor mas, garante que há um filho dentro de si e, que esse filho é seu. Nos fez uma proposta: antes do DNA aceita uma pensão mensal de R$ 18.000,00 e abre mão de todo o resto. Agora...Se for necessário o DNA..Aí diz que o assunto será tratado de outra forma....
- Déborah, sua filha, mãe do Felipe, está em Londres e novamente solicita dinheiro para a sua manutenção. Exatamente 50.000 euros - Tudo relatado, aguardava as instruções do seu cliente.
O senhor Duílio ouvira com atenção as explanações do advogado e então rebuscou na memória.
Martha. Conhecera essa mulher havia dois anos. Era prostituta. Lembrou-se da noite chuvosa e do ponto que fazia na República do Líbano. Estacionado o veículo, Marta dirigiu-se a ele, amparando os cotovelos na janela do passageiro. O rosto bonito, o corpo perfeito dos seus 24 anos e a maciez da voz de quem sabia que ali estava um figurão. Encharcada, mostrou-se tão frágil e próxima que, as suas carências, seriam a partir dali, divididas. Daí a estar dentro da sua casa dando ordens aos empregados fora um pulinho. Estabilidade conseguida, havia deixado de existir a prostituta. Em seu lugar surgira alguém que em roupas caríssimas e de grife, trepava descaradamente com os melhores amigos de Duílio.
Dione: uma menina linda, talvez uns 22 anos, vinda do sul e que se candidatara ao posto de camareira em sua casa. Foi nervosa para a entrevista já que encontrava-se em situação difícil, morando de favor numa kit de uma amiga, incomodada com a sua presença. Dona de incríveis olhos azuis, de um rabo fenomenal e do exótico sotaque gaúcho, supria em parte e de forma satisfatória as habituais “escapadas” de Dona Marta. Foi demitida por esta ao ser surpreendida furtando-lhe uma de suas jóias.
Déborah: sua filha, mãe de Felipe, uma porra louca, sempre envolvida com os homens da pior espécie, rodava o mundo incessantemente e sempre, profundamente se sentindo infeliz. Portadora de revolta incontida, cujos os motivos jamais os foram sabidos, tivera Felipe com alguém que nem ela sabia quem. O instinto impudico havia se manifestado desde o tempo que a falecida mãe ainda gozava de saúde. De todos, era ela o caso que mais o amargura.
Saído do transe, voltou-se para o doutor e lhe passou as instruções necessárias.
O pequeno observava-os e acompanhou com o olhar a saída do advogado jardim afora.
Novamente a sós, avô e neto, Felipe, outra vez o olhou por sobre o Pequeno Príncipe;
- Vovô! entendi agora. Pelo jeito, o senhor tem cativado coisas em demasia! - E abriu um sorriso com um que de malicioso. Aquilo fez o velho Duílio rir. A princípio discreto, depois, entrondoso. O velho soluçava de tanto gargalhar e a sua barriga doia de tanto ir e vir quando o pequeno ouviu a resposta esganiçada:
-Ô!

Nenhum comentário: