domingo, 22 de julho de 2007

Loucos felinos.


As coisas, pra ele não estavam boas. Dado Gutierrez, o pseudônimo de Gustavo, um escritor não publicado, rejeitado por editores, frustrado por receber sucessivas negativas dos contos que incansavelmente enviava pelo Correios. Algo não andava bem dentro de si e talvez as suas estórias revelassem a viciada ótica que dissecava o mundo. Invariavelmente seus textos falavam das desgraças e misérias afeitas ao ser. Eram contos que privilegiavam o desamor ao amor, desagregados de qualquer bom sentimento humano. E, da sua mente nada fluia que não fossem os assassinatos, coisas desesperançadas, chegadas ao fundo do poço e que tinham a morte como companheira. Estava se sentindo um quase morto-vivo. Disperso, jogado no sofa, emborcava seus vinhos ordinário, e com o olhar cravado no nada deixava-se flutuar nas lembranças e, então se pegava questionando o que fizera da sua vida. Onde estava a coragem da juventude? Onde estava a época que encarava com altivez os desafios que a vidalhe impunha? Ele não sabia. Sabia da angústia dentro si, talvez a falta de alguém que o fizesse deixar de sentir-se daquele jeito. Mas quem seria o alguém? Onde estaria? Há muito já desistira de procurar, e não mais haviam os anseios e ilusões que o motivaram na juventude. A frivolidade imperava em seus relacionamentos e, tudo lhe paraceia tão falso. E assim, solitário, fizera do mundo virtual a sua única arma, a legítima defesa diante das hipocrisias de um mundo real e ferino. Plea virtualidade transitava em comunidades literárias, procurando algum reconhecimento naquilo que se julgava injustiçado, como se as pessoas pudessem vislumbrar o brilhantismo dos seus contos, coisa que os insensíveis editores não conseguiam assimilar. Uma cambada de idiotas!pensou.
Mas, Injustiçado? Como? Sabia que se apegava aos seus enganos já que nada de interessante conseguia criar e, os leitores não se satisfaziam com contos que insistiam em re tratar a vida como uma desgraça respirada, suspirada pelos miseráveis do submundo, danca perfeita de perdidas alegrias.E assim, desesperançado, fugido da realidade tal qual um bandido descuidado, só se apercebia que no mundo virtual os relacionamentos se davam fortuitos, gélidos, insinceros. Sem saída, se via abandonado pelas idéias e desprezado por uma boa estória que insistia em não lhe vir na mente, que o fizesse conhecido. Em sonhos, agora, meros pesadelos, se via dedicando livros em noite de autógrafos, sentindo os tapinhas da bajulação a lhe acariciar as costas. Delírios!
Ansioso, procurava desvincular-se do escritor fracassado que era e, então começou a frequentar as salas de bate-papo. Quem sabe não encontrasse ali alguém que pudesse ver nele algo mais do que um escritor sem talento? Quem sabe se não pudessem vê-lo que não um peso morto? Seria bom que lhes percebessem o sujeito legal e sensível que era, exímio construtor de frases de efeito, ledor das sensibilidades carregadas na alma. Saberia sair-se bem?
Ah, sim! E ele haveria de prová-lo.

Para ela, a vida também não se mostrava maravilhosa. Nanda, assim lhe chamavam carinhosamente seus amigos e parentes. Amanda, nome de nascença, era uma mulher bonita, mãe de um de adolescente e que já passara por maus pedaços nesta vida. Separada há anos, ainda não conhecera um verdadeiro amor. Na juventude, poucos relacionamentos, aliás, dois, já que, filha de pais severos nada logrou que senão namoros vigiado pelos olhos atentos dos pais, no casto sofá da sala, . Criada numa época de conservadorismos e conservadores, saiu de casa para ir pro altar com o segundo namorado por quem se julgou apaixonada . E era isso que ela vasculhava na memória, ali, sentada na cadeira da sala de reuniões da escola do município. Acabara de sair exausta de uma aula onde os alunos lhe deram trabalho. Pacienciosa, procurava cativá-los e, mesmo que não o conseguisse por completo ritimava suas aulas de forma que não atrapalhasse o planejamento diário. Suspirou longamente, levantou-se e encaminhou até a pequena geladeira adormecida num canto da sala e de lá retirou a jarra do chá-mate.Adorava o chá. Ah! se a vida pudesse ser tão saborosa quanto o delicioso líquido negro. Tentava ser feliz e o era em parte. Imprimia ao dia-a-dia a mesma filosofia traçada para enfrentar aqueles garotos difíceis. Nunca fora de procurar qualquer relacionamento afetivo e, muito menos rodar por bares da moda a cata de alguém, mesmo que interessante. Convites, claro, nunca lhe faltou e eram comuns já que suas amigas, insistentes, ligavam convidando-a para algum programa. Por vezes se pegou aceitando-os, afinal, um pouco de divertimento jamais lhe faria mal. E, nestas ocasiões não ficava a mercê das vontades das amigas e ia com o seu carro e, assim poderia retornar quando quisesse, caso a noite não lhe parecesse interessante. Fizera isso algumas vezes e, chegado em casa, sentia o vazio na procura do nada, já que nunca se acostumara com os relacionamentos boêmios e sempre desconfiada dos homens que faziam da noite a sua forma de vida. Portanto, imune, preferia retornar e ficar em casa, ao lado do filho onde, invariavelmente o encontrava jogando no computador
- Mãe! Acabei de usar o pc, quer entrar na net? – Perguntou Paulo, numa dessas noites.
- Sim filho, vou entrar! – E assim adentrou na cotidiana virtualidade da costumeira sala de bate-papo.

(22:30:24) – N@nda entra na sala :
(22:31:08) - N@nda fala para todos : Boa noite, gente!

Naquela sala fizera muitas amizades e, onde, inclusive, teve um breve relacionamento virtual mas, como a virtualidade nunca se fazia real, não prosperou.
Entrava ali para conversar, se divertir com os amigos e com as brincadeiras que se davam por lá. Igualmente, ficava atenta à leitura da sala e, perspicaz que era, reparava em toda sua movimentação, sabendo desta forma o que estava se passando por lá. Em retribuição, foi cumprimentada por todos, conforme reza a cordialidade virtual.
Naquele momento um nick entrava na sala e ela, por motivos que não sabia, se sentiu atraida.

(22:35:19) - D@do entra na sala :

Dado era quem a atraia. Ele, assim que antrou, por curiosidade percorreu a lista de nicks dos que lá estavam. Haviam muitos; Larissa, Boneca de Pano, Amor (M), MorangoDoNorte, Loba Faminta, Perdidonacidade, dentre tantos outros. Olhou novamente e achou curioso aquele “@” do nick da N@nda. Coincidentemente o seu "@" era a segunda letra. Inexplicavelmente uma sensação gostosa e agradável lhe invadiu. Fixou-se no nick por mais alguns instantes e então se decidiu:

(22:40:10) - D@do (reservadamente) sorri para N@nda : Oi! Tudo bem?

Haveria resposta?

(22:40:40) - N@nda (reservadamente) fala para D@do : Tudo bem, e com você?

Daquele momento em diante algo mágico acontecera. Naquela mesma noite conversaram por horas a fio e sem que ninguém os lesse. Foi um diálogo gostoso, agradável e a ponto de se verem pegos em afinidades, sincronicidades; diriam os mais intelectualizados.
A partir daí começaram a se relacionar. À princípio, uma relação de amizade e, com o passar dos dias algo mais forte. Por interesse e necessidade trocaram os seus MSN. E lá, naquele íntimo meio de comunicação se conheceram a valer. Lá, falaram de si, de suas angustias, tristezas e expectativas. Falaram de suas famílias, desilusões e esperanças. Viram-se através de imagens, falaram por meio de microfones e a intimidade, cada vez mais tornava-se inevitável. Percebiam-se nas reações um do outro e, entaõ, finalmente, fizeram amor virtual. Inicialmente as palavras soaram tímidas, depois, viscerais, possessivas, dessas que fogem à compreensão de quem não tem por hábito frequentar a internet. Lá, eles praticaram todas as formas a virtualidade do amor. Se excitavam ao ouvirem suas vozes, sussurros e as expressões de um linguajar erótico, sem rodeios, sem constrangimentos.Era uma sensação deliciosa e tudo lhes parecia tão real, como estivessem possuindo e se deixando possuir, completos e sem qualquer pudor. E o sentimento fortalecia-se e tão latente era o carinho de intensa a cumplicidade, como se pudessem os toques e os sons de suas vozes vestirem a louca fantasia da realidade, perdidos naquele oceano de sensações. Lá , eles se amavam com fúria, aflorarados em seus desejos, e devaneios. Em Nanda, a libido exacerbava e fazia dela, mesmo que virtual, a felina qu no cio, uma navalha afiada, cortante, retalhando o invólucro e deixando transparecer o belo, o romântico, o sensual. Lá, eles se possuíram, se tocaram, doaram suas essências em líquidos de tantas noites, deliciados em prazeres, ouvidos nos sussurros, extasiados em gozos. E era tanta a expectativa e a inabalável sensação de felicidade que lhes foi impossível protelar o encontro.

Quarta-feira, 20 horas, combinaram ambos. No dia e hora acertados, o encantamento de dois seres se encontraram. Foram momentos mágicos e, nem importava qualquer dessemelhança que não correspondesse às imagens que cada um havia para si, isso já não fazia qualquer diferença. Foi inevitável o render-se ao deslumbramento dos olhares, de perceber o mesmo timbre na voz, o aroma da pele e o doce dos lábios.
E foi assim, naquele bar. Cúmplices em olhares, tomavam os seus drinks e sorriram todos os sorrisos que haviam para sorrir. Sentiam-se dois adolescentes apaixonados. Ali, sentados em cadeiras de bar , suavemente acariciando as mãos úmidas e ansiosas foi que vislumbraram a real possibilidade de terem sido feitos um para o outro. Certeza? Não havia a certeza de nada e era apenas a infinita vontade para que tudo desse certo.
E então, perdido no sensível beijo de mulher ele percebeu que as coisas poderiam ser diferentes para si. O sorriso brotava de sua alma. Era a nova possibilidade, mais que real, de se desfazer dos insucessos, dos fracassos, tal era a sensação que emanava daquele ser tão meigo, tão feminino e irremediavelmente doce.

Um comentário:

Louis Alien disse...

hey velhote!

prazer em conhecer. sou Louis Alien, de outra galaxia.