sábado, 15 de setembro de 2007

O escritor

-Morra, Tolentino, assassino miserável! - Gritei.

E então detonei e a bala chispou da minha arma e foi se alojar no coração do infeliz. Ainda me restou tempo de ver o seu olhar misericordioso suplicando que a vida  não esvaísse. Porém era tarde, tarde demais, a existência não mais lhe pertencia. E além de tudo, a vida havia sido justo para nós dois;  ele tivera a mesma chance que eu. Ele errara, eu, não.
O povo estava feliz,  afinal, eu livrava a cidade do mais insano assassino que por la se teve notícia. A partir do dia que o infeliz tombou, os velhinhos retornaram às suas rotinas,  à  paz merecida. Agora sim sem a ameaça rondando suas rugas poderiam retornar aos bancos desgastados do INSS, ou às filas bancárias à procura das suas aposentadorias aviltantes. Tudo terminara, a ansiedade, o medo e o pavor de um  psicopata a solta.

Para mim foi uma semana de glórias. No decorrer dos dias fui cumprimentado efusivamente pelos habitantes locais, e até homenageado pelo conselho da câmara municipal. Todavia, o melhor viria depois:  O espetacular prêmio em dinheiro por tê-los livrado do demônio. - Procura-se assassino, VIVO ou MORTO -  Incitava o enorme cartaz afixado na Praça da Matriz, dias antes, à descoberta dos criminoso. O miserável, além de ter fixação por gente idosa, esperto, mal deixava pistas. Contudo, o que o infeliz não contava era com minha picardia e inteligência: há muito eu desconfiava daquele estranhíssimo sujeito por quem Gina nutria verdadeira veneração. E essa impressão viera desde o dia que o conhecera no Bar da Cristal, apresentado que me foi pela sacana. O seu olhar me causava calafrios apesar de reluzir num azul quase celeste. Efetivamente os malandros se conhecem pelo cheiro.  Claro que meu ciúme não ajudava em muito, porém, eu pressentia que ali tinha mais coisas. Enfim... águas passadas, defunto enterrado. 

E a grana viera a calhar. Agora eu reunia condições e poderia me impor à vadia que me fizera sofrer. Dela nada tive exceto um amor  renegado, mesquinho como o avaro que nega ao mendigo um prato de arroz e dois pedaços de carne. Contudo, o que ela não sabia era que, sigilosamente eu tabulava a compra da fedorenta  espelunca onde eram combinados seus sórdidos michês. Ah sim! Não haveria qualquer clemência para Gina. Vingativo, usaria o seu corpo unicamente para me gerar prazer. Queria vê-la menear os quadris em cima da mesa,  trajes ínfimos, chicote à mão e a máscara cobrindo seus devassos olhos amendoados. Iria absorvê-la, ali e por inteiro. Queria-a  devassa,  expelindo palavrões  entre os lábios pervertidos e tingidos de carmim Era bom que soubesse que vida não era apenas um guardar de notas dentro do sutiã de terceira categoria.  Sim! A  trataria de forma quase profissional,  porém,  atiraria em seu rosto as mesmas  migalhas que se dão aos porcos. Eu a faria valorizar  cada dinheiro, cada um dos seus  gemidos de quenga. E ao fim, se ainda pretendesse usar o estabelecimento para seus agenciamentos, eu a faria  passar  meus  ternos de linho branco e  lustrar os negros sapatos de pelica  que ainda haveria de ter.
Afinal, a partir daquele momento ela era  teria que dar por si,  conscientizar-se que era uam simples rameira, uma bunda rebitada e exposta em vitrine como  peças de carne de segunda. Assim seria.  Agora e mais que nunca eu era o novo rei do pedaço, o  dono da cocada preta.

Fim.



E era assim que eu terminava “Vidas Amargas” um romance que após seis meses de trabalho estava em condições de ser entregue. Por conta dele eu já que havia recebido o valor que cobrara da editora.  Leigos, apenas leitores, jamais compreenderão o que é escrever. Jamais saberão que o nosso sangue  jorra em cada palavra, frase ou linha que produzimos numa folha em branco. Nem mesmo as editoras  nos compreendem. Muitas delas nos desprezam, desvalorizam – Teus livros não vendem! – Exclamam ao nos proporem valores absurdos e com os quais, sem alternativas, acabamos por aceitar.  Neste caso em específico menos mal, afinal, além de ter livrado da obrigação, estava libertos dos destinos daqueles quatro personagens  que me deixaram tantas vezes insone.

Os personagens:

Personagem central: Vilfredo Tavares. Um sujeito esperto, tanto vagabundo, mulherengo e galante. Sua natureza mundana  a tornava um sujeito sem rumo e sem prumo. Vaidoso, vivia de pequenas vigarices  no 21 e nas mesas de sinuca.  Depois tínhamos Gina. Prostituta da trama, era de uma beleza fatal, além de ser a amada de Vilfredo. Porém, Gina tinha ojeriza do nosso herói. Transaria o diabo se necessário, mas jamais com Vilfredo Tavares.  Tolentino, nosso terceiro personagem, o mal travestido de bem. Contudo Gina o amava desesperadamente a despeito do déspota que era.  Tolentino era um desses corretores de imóveis chegado à cidade a pouco. Fala fácil, dissimulado, tipo apreciado pelas pessoas e que sempre se da bem com a maioria das garotas. Por fim a nossa quarta personagem;  Jeny. A garota mais linda e casta da cidade. Milionária e inexperiente, fez aquilo que jamais deveria; apaixonar-se por Vilfredo Tavares. Constantemente assediado por ela, Vilfredo a desprezava e a  tratava-a com indiferença apesar de tirar casquinhas com ela.  Conta-se também à boca miúda que, Vilfredo  desvirginou  Jeny. Porém, ela não era  do tipo de garota que ele gostava.


A trama:

Fala de um assassino misterioso e cruel que caçava suas vítimas pela fator da  idade. Suas  preferências eram os velhos,  os fracos,  desvalidos. Preparava seus ataques ao iniciar da noite e ia até ao ponto de ver suas vítimas encurraladas. Para tanto usava de muitos requintes; dos mais simplórios  aos terrivelmente desumanos . Dotado de uma inteligência privilegiada jamais deixava pistas, transformando a Polícia da cidade numa anedota  de muitas gargalhadas.
Indignado com tamanha incompetência, Vilfredo resolveu agir por conta própria e desvendar os assassinados. Claro, para se garantir muniu-se de uma Taurus 38  à bordo de algumas desconfianças praticou campanas diante dos lugares que seu desafeto freqüentava, inclusive à sua casa. No 9º dia  flagrou Tolentino entrando sorrateiramente numa casa de um longo jardim. Corajoso, Vilfredo rezou um padre nosso e escalou o muro pode detrás da casa e  entrou silenciosamente  por uma das janelas abertas. Surpreendido, enquanto tentava sufocar a pobre velhota, Tolentino sacou da arma ao mesmo instante que Vilfredo, porém sem a mesma sorte. Foi o seu fim.

Foi assim que á título de recompensa, que o nosso herói  herdou um vultuoso valor dos fundos da municipalidade, reforçado  generosas cotas do comercio local, já que o turismo,  fonte de vigorosos dividendos à cidade se tornara praticamente inexistente após as notícias dos assassinatos.



Bem, era isso! O fim é aquele que todos já sabem. Sim,  sobre o meu conto?  Pra ser bem sincero, sabia que o enredo era sofrível  e cheio de clichês de toda sorte. Todavia foi o melhor que consegui fazer. Para idéias que não brotaram e pelo valor que foi pago não deveriam aguardar por um Best seller.
Peguei todas as folhas datilografadas e juntei-as para levá-las na manhã seguinte ao sanguessuga do Ezequiel, meu editor. Eu estava desanuviado por conseguir terminá-lo, além do fato  de me desvencilhar dos malditos enredos, por vezes nos tomam noites e noites de sono e saúde.  Recordo-me que mesmo dormindo, quantas vezes não sonhei com a trama e suas dificuldades? Quantas vezes não surgiram caminhos que ao acordar sequer lembrava?
 Portanto, naquela noite eu enchi a cara com a Sputnik, minha vodka favorita até sentir o estômago enjoado, as pálpebras pesarem, e sem perceber, adormecer.

Acordei assustado com uma sensação de aperto. Tentei levantar e senti dor vinda nos pulsos. Olhei para mim e eu estava preso em minha cama. Tentei mover os pés e eles também doeram. Algemas nos pulsos e calcanhares me mantinham refém. Tentava entender o que poderia estar  havendo quando um barulho de descarga seguidos por  passos vindos à direção onde me encontrava. Chegaram e eu a vi.
Incrível, era Gina em lingeries negras  combinando calcinha e sutiã, negros com filetes vermelhos. Ela ria, debochada, cara e trejeitos de puta. Impressionei-me; jamais imaginei que ela pudesse ser tão bela quanto ao que supus ao  dar-lhe a vida em meu livro.

-E aí seu escritor sacana! Porque teve que tornar-me a puta ordinária da tua estória suja? Perguntou. Seis olhos fulminavam

-Ei, Gina! Aquilo é apenas uma estória – Tentei justificar

- Sim, tudo é estória na vida. Mas, não é disso que falo. Pergunto o por que de ter feito de mim a  vadia da tua trama? – Interpelou-me furiosa – Surpreso não reagi. Ela continuou:

- Eu queria era o papel da Jeny!  Aquilo é que é personagem! Linda, olhos azuis, faculdade, pais ricos e carro do ano - . Eu mantinha-me perplexo. Aquilo era muito louco. Gina, nervosa, não se dava por satisfeita:

-Claro, a única coisa que detestaria era  o fato de apaixonar-me  por você.  Sabia que você e Vilfredo são farinha do mesmo saco? A merda do mesmo pinico? Seus olhos expeliam veneno.

Evidente. Gina só poderia estar louca, Vilfredo era o personagem e eu, o escritor. Ela não conseguia separar um do outro, apesar de reconhecer em parte que Vilfredo seria algo como uma extensão de mim.  Porém, aquele não era o local e nem momento de concordar com partes. Ela me parecia um tanto insana. Silenciosamente dirigiu-se à cozinha e voltou com um copo americano na mão. Nele, entornou a minha vodca e sentou numa poltrona de frente à cama. E dali ficou olhando para sua presa. Excitavam-me aqueles olhos dementes e suas lingeries negras.  Seu olhar ainda me consumia quando ouço o fechar da porta da sala. Novos passos ecoam pelo corredor. Entra.

-Ah! Você conseguiu prender o canalha, Gina? – Exultou a garota de aparência juvenil.

Por Deus! Era Jeny.  Linda, faces coradas, olhos azuis e roupas de grife,  rescendendo perfume importado, deixando sempre a impressão que acabar de sair de um banho tal o frescor que  irradiava.  Definitivamente eu não gostava de Jeny e nem das garotas de sua estirpe; eram chatinhas demais.  Ante meu olhar de perplexidade, Jeny continuou:

-E fez muito bem, Gina! Esse babaca não sabe mesmo escolher qualquer  mulher. Idiota fui eu que o amei, dei meu corpo à ele como prova do meu amor. Faria qualquer coisa, até convencer  papai a dar-lhe um emprego de chefia. Mas, ele não quis! Queria a a prostituta. – Expeliu rancorosa.

-Pois é! – Teve que concordar, Gina – Acabei de reclamar com ele que se dependesse de mim teria trocado de lugar com você! É  muito chato bancar a prostituta em romances. Putas apenas soam poéticas em livros. Porém,  na vida real a história é outra e a discriminação dolorosa. –  Discursou  enquanto Jeny a olhava com atenção.

Repentinamente Gina emocionou-se. Percebeu então que era melhor concluir. A voz soava algo embargado, quase ao choro:  

-Aprenda, Jeny... Bêbados e prostitutas são unicamente interessantes na devassidão dos livros ou na sordidez dos  filmes!  Na vida real,  bêbados e putas  uns merdas e só se fodem! – Exclamou dramática. Jeny parecia emocionada.

Por Cristo! Aquilo não poderia estar ocorrendo. Surreal demais para ser verdadeiro.
Era insano  ver-me ali preso na própria cama, ainda mais rendido pelos mesmos personagens que eu criei. Pra piorar, as duas dementes ainda achavam que autor e personagem eram  a mesma pessoa. Momentaneamente me descontrolei ao pressentir algo de ruim:

-Pelo amor de Deus, meninas! . Eu sou apenas o escritor! – Não sou o Vilfredo. Sou o Neves, o escritor! – Eu rogava

No exato momento do meu desespero toca a campainha.  Jeny, cordial e imbecil  como sempre, abandona a cadeira e vai ver quem é. Novamente passos no corredor. Agora uma voz de homem. Pela sua reação,  parecia conhecer Jeny:

-Oi menina! Que saudades! Imaginei que nunca mais veria! – Exclamou

Meu Deus, mais um  louco? –  Questionei-me enquanto os passos vinham na direção donde eu e Gina estávamos.

-Ah! Aí está o canastrão! O pervertido, o  deflorador de jovens inocentes. Além disso, esse canalha é um exterminador de pessoas que pretendem se dar bem na vida! –  A pessoa gritava para mim. Olhei-o minuciosamente.

Por satã!  Era Tolentino! Agora sim não faltava mais nada no festival de horrores! Outro louco surgido do nada, supondo que eu fosse o Vilfredo. Assim que Tolentino e Gina se notaram, agarraram-se   e trocaram um longo beijo.
Podíamos ver-lhes as carícias, as mãos do safado  trabalhando avidamente o  majestoso rabo de nossa prostituta. Um pouco mais e separaram-se. Todos cochichavam quando resolveram sentar, beber da minha Sputnik, e ficarem me olhando. Assim que a garrafa esvaziou Jeny foi à cozinha e trouxe outra nova. Eu estava fodido; acabariam com  a minha vodka.  Bem, se me sobrasse vida já estaria fazendo em excelente negócio. – Concluí -

 Jeny, que não tinha o habito de beber,  bebia, e bem. Não demorou para começar a rir. Tentava caminhar em minha direção, porém as pernas não obedeciam.   Tolentino a ajudou levantar  do chão e puxou-a para  si beijando aquela boca de romã. Jeny, cedia enquanto a mão do safado explorava por debaixo do vestido de grife. Jeny gemeu, e sussurrou; estava gostando de sentir a mão do sacana resvalando sua xana por cima do tecido. Aquilo pareceu excitar Gina. Levantou-se calmamente  e se encaminhou até Jeny, desnudando-a das peças externas até deixar seminu  aquele corpinho  esbelto e sem celulites.  Tolentino a tudo olha. Devasso, despe-se  e se engalfinha-se com as duas.  Meu quarto esta se tornando um cômodo de bordel. Os três rolam pelo assoalho enquanto Tolentino bolina as partes íntimas das garotas. Elas gemem, urram e riem, e depois o livram  da cueca com o Pato Duke estampado na parte frontal.  A imensidão do membro surge. Tolentino, o grande galã é dono de um  pau imenso.  Elas deliram e se atiram sobre ele com voracidade enquanto eu, preso, não tive como me insurgir.

Exaustos  e depois de foderem por muito tempo,  os miseráveis praticamente terminaram com a minha última garrafa de Sputnik. Eu mesmo jamais me imaginaria bebendo o que aqueles sujeitos beberam.  O som das talagadas foi cortado pela voz de Jeny:

-Tolentino! Você não vai fazer aquilo, não é? – Tolentino olhou surpreso. Não sabia exatamente ao que Jeny se referia. Foi necessário que Gina viesse ao seu socorro, fazendo-o recordar com daquelas piscadas sacanas.

-Ah, é mesmo! Aquilo! Vou sim, meus amores – Sorriu todo sádico. O imenso pau de Tolentino balangava entre as coxas de uma alvura irritante, diria até que, desbotadas.

Olhei disfarçadamente praquela coisa dependurada e a impressão era horrível. As duas se levantaram e aninharam nele. Cochichavam e riam, suas bocas exalavam palavras e frases que não conseguia decifrar, salvo suas sacanas risadas. Repentinamente Jeny se livra de Tolentino e vai até a cômoda onde abre a bolsa de couro de crocodilo e retira algo que reluze. Olho para sua mão.  Assusto-me. É um revolver Taurus, calibre 22 –
Uma peça linda, prateada, que cintilava ao reflexo da lâmpada no teto. Delicadamente e com aquele sorrisinho besta impregnado nos lábios, num sinal de Gina, passa a arma para as mãos do Tolentino.  De posso do objeto ele ri. Um riso medonho, sarcástico, doentio.  Inspeciona arma, gira o tambor, e me informa:

-Vilfredo, reze! Há uma única bala nesse tambor de seis tiros – Eu o olhei atônito. Iriam me assassinar?

Entre risos, dementes, me comunica:

-Moço! Vamos brincar de roleta russa.

 Todos riram ao se postarem um atrás do outro como se fosse fila indiana.
 O primeiro a deflagrar o tiro foi Gina.  Senti a frieza do metal na minha cabeça onde um fio de suor escorreu da testa indo morrer na ponta do meu queixo. – clik – Nada.  A bala não esteva na agulha, dessa vez. O segundo foi dado por Jeny – Sorte! Novamente eu me safara. O terceiro falhou ante o olhar de desaponto de Tolentino. No quarto e quinto eu ainda não havia morrido.  Gina e Jeny riam, divertidas – surpreendentemente eu ainda estava vivo e me sentindo como um peru de Natal.  Talvez tivesse sido melhor sucumbir ao primeiro tiro. Era muito sofrimento – Assenti arrasado.

Com o meu destino selado nas mãos de Tolentino, o tiro de misericórdia viria justamente daquela a quem assassinei no conto. Aliás, eu não, o personagem!  À essa altura já nem sabia ao certo quem eu era. Portanto não acreditava que surtisse efeito tentar convencê-lo que não fora eu o mentor de sua morte. Eu pagaria pelo erro de ter tentado me tornar um autor.  Era meu destino. Escritores morrem todos os dias. Fenecem diante de suas linhas que não avançam, das idéias que não surgem. Morrem nos  finais óbvios prostrados aos  lugares comuns, ao clichês deformados e descarados.
Tolentino com ares de perversão se dirige ao radio-vitrola e enche o copo com a minha última dose de Sputnik. Com o copo na mão vem ao meu encontro. O sorriso da besta fera se estampava. Olha para mim. Não mais vejo a tonalidade dos seus olhos quando  aporta o revolver em minha têmpora. Senti quando armou o tiro.

- Vai morrer agora seu abusador de virg...
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- TRIMMM... TRIMMMM...TRIMMMM...TRIMMMM -

A mesma campainha irritante de sempre - Era o despertador.

Olho para o relógio; 8:00 hrs.  Travei-o e permaneci quieto, assustado, olhando para o teto enquanto o corpo se mantinha envolto por suores e cobertor. Instantes instigantes onde eu revivia o medonho pesadelo. Repentinamente o telefone toca.  Sem  vontade de atendê-lo esperei que a pessoa desistisse. La pelo décimo toque o aparelho silencia. Levantei, fui à cozinha preparar um café instantâneo. De lá ouço o maldito telefone tocando novamente. Voltei para o meu quarto e fiquei olhando  pro crápula negro e percebi que ele não se calaria tão cedo. Será que o mundo não podia perceber que para  mim pouco importava quem estivesse do outro lado da linha?  Tanto faria se fosse a pompa de uma Jacqueline Kennedy ou o cineasta que mostrou para o mundo a calcinha de Marylin Monroe sendo abatida por um ventilador oculto e gigante. O mundo tinha por obrigação compreender e respeitar o meu  mau humor. Era um direito meu.  O telefone parecia não entender os pensamentos e os desejos humanos, portanto persistia esgoelando, histérico. O som da campainha adentrava em meus ouvidos, pavoroso, estridente, fazendo-me relembrar  a sirene duma fabricava onde trabalhei e que pontualmente ao meio dia avisava-nos da hora da bóia.  Atendi antes que me sentisse pior.

-Alô, Neves, aqui quem fala é o Ezequiel! – Identificou-se o meu editor.

-Ta certo, ta certo! Sei que estou atrasado. Mas, está pronto, terminei nesta noite. – Respondi de má vontade. Ele estava à caça do conto.

-Porra, Neves! Você insiste em nos fazer de palhaços! Faz mais de mês que você promete, promete, só promete! - Inquestionavelmente ele demonstrava sua irritação. Talvez, Neves estivesse mais impaciente  que eu.

-Mas, mas.....  - Tentei argumentar. Fui interropido por ele, aos berros.

-MAS,  MAS, MAS, É  O  CARALHO, NEVES!  SE  VOCÊ  SONHASSE  COM  ESSA  MERDA  TODO  SANTO  DIA,  SE TIVESSE  PESADELOS  COM  ESSE  FAMIGERADO  CONTO  JÁ NOS TERIA ENTREGUE  HÁ  MUITO  TEMPO!

-Ezequiel! – Devolvi calmamente enquanto ele persistia gritando - Ezequiel! Ouça-me, por favor – Insisti. Ele parecia não ouvir. Continuava vociferando seus palavrões,  recriminando a minha falta de responsabilidade. O sangue me subiu aos cornos e eu gritei com ele na mesmice do seu tom:

-EZEQUIELLLLLLLLLLL –  Após o meu desagravo, silêncio. Pelo menos era o sinal que me escutara. Ainda insatisfeito resmungou:

-Fala Neves, o que é agora?

-Ezequiel! – Insisti, suave, quase cordial.

-Sim, Neves, estou ouvindo - Abrandou

-Ezequiel...meu anjo.... VÁ PRA PUTA QUE O PARIU! -  Urrei ao bater o telefone.

No início da tarde o romance estaria em suas mãos. Éramos dois safados cheios das frescuras e conhecidos de longa data. Sabíamos das jogadas um do outro. Sabíamos que haveria mais trabalho. Ah sim! A preço de rabanetes, é verdade, mas, haveria. E isso só era um mero detalhe para quem iria se tornar um dos maiores escritores que esse país ja viu.

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