domingo, 23 de setembro de 2007

Whiskey On The Rocks.


O seu olhar era desolador.

-Não há nenhuma chance de erro?

-Nenhuma Erico – concluiu ele.

Sai do consultório um tanto confuso. Eu havia sido o último paciente de uma consulta marcada para as 18:30 hrs. Direita ou esquerda? Eu não sabia e só via os longos corredores brancos e o piso de mármore refletindo lâmpadas das sofisticadas luminárias. Dei-me por achado e seguindo o da direita aguardei o elevador. Desci os 15 dos 25 andares daquele edifício refinado e totalmente voltado para os médicos e assuntos da área da medicina. Olhei párea o relógio; 19:00 hrs. Sai e sem vontade de retirar o meu carro do estacionamento andei pelas calçadas e atravessei alguns faróis. Eu somente andava, não havia rumo, somente o andar e as luzes que começavam a piscar;; era mais uma miserável noite na maior cidade do país. Ao atravessar uma daquelas rua a placa acrílica com letreiros em néon azul surgiu à minha frente e me chamou à atenção. “Snake Bar” Achei o nome sugestivo; entrei.

-Por favor, um Jack Daniels duplo com duas pedras de gelos - pedi.

Fui servido. Eu me encontrava sentado no balcão e de ambos os lados os acentos estavam ocupados por pessoas, algumas interessantes, outras não. Repassei o olhar e na sua extremidade esquerda percebi uma mulher. Olhei novamente e ela me pareceu perdida entre nuvens das tardes ensolaradas de janeiro. Na mão direita o copo e dentro dele, provavelmente, boiavam duas ou três pedras de gelo agitadas no mesmo sentido de um ponteiro dos segundos. Eu estava chamando atenção já que meu pescoço. completamente voltado para a direita, analisava aquela mulher bonita. Naquele exato momento a pessoa que ocupava o banco ao seu lado levantou.
Ergui-me do meu banco e me dirigi para lá, As pedras do meu Jack também giravam como o ponteiro de segundos num copo em minha mão. Sentei e permaneci quieto. Ela reparou na minha presença e sutilmente virou a sua cabeça e rapidamente me olhou. Eu me fiz de indiferente. Isso pareceu incomodá-la já que, talvez, não estivesse acostumada a esse tipo de reação dos homens – imaginei - Permanecemos lá, quietos os dois, concentrados cada um em sua bebida. Continuamos assim por mais alguns minutos.

-Por favor! Mais um Jack – pedi novamente

O barman colocou diante de mim o novo drink. Peguei o copo e o girei em sentido horário. “Acho que as pedras já se acostumaram a girar” Balbuciei para mim mesmo
Ela ouviu e sorriu.docemente. Era um sorriso mágico de um rosto de faces perfeitas e de lábios sesuais que se alargaram ao sorrir.

-Pelo jeito, tens a minha mania – Disse, demonstrando surpresa

Claro, ela se referia ao fato de ficarmos lá, interminavelmente, girando no ar, ocupando o espaço vazio com aqueles copos, nos divertindo com o som causado pelas pedras de gelo em contato com o líquido e o material de vidro.
Eu concordava e só pude dizer um “É”. Foi o suficiente para que eu me fizesse menos difícil e travássemos o nosso primeiro e amistoso contato.. Laura era o seu nome.

-Muito prazer! Laura – Apresentou-se numa voz discreta e sensual

-O prazer é meu, Laura! Sou o Érico. – confirmei, já sentindo o toque da sua mão.

Eu era Erico Zambi. Um escritor, 55 anos, e alguns livros publicados, dos quais, dois; best-seller. Eu me encontrava naquele bar, aliás, um interessante bar que mantinha na sua prateleira de bebidas caras e importadas uma enorme sucuri, envolta, grossa, arrepiante e embalsamada.
Estava ali após ter saído do consultório do Dr. Jaccques, meu médico particular que havia recebido do laboratório o resultado do meu exame de sangue. Ainda me lembro do seu olhar de comiseração, afinal mantínhamos essa relação de médico&paciente há mais de 20 anos. E a sua sentença representava um novo mundo para mim. Provavelmente haveria para mim novas sensações e uma outra e desconhecida percepção da vida. Ao descer pelo elevador, duas imperceptíveis lágrimas, solidárias, desceram juntas.
Eu havia contraído o vírus do Hiv. Eu havia contraído a popular e conhecida Aids, e os sintomas juntamente com as avermelhadas manchas na pele me fizeram procura-lo. Eu já desconfiava do resultado, mas como as vezes nos apegamos em esperanças do impossível, acreditei. Evidente, eu fora infectado há muitos anos atrás, talvez dez, ou mais, ou menos, nunca eu saberia ao certo.
E foi assim que entrei naquele bar: procurando dentro de mim o sentimento da conformação. Não havia nada á reclamar e muito menos de quem havia me infectado já que provavelmente ela não soube por quem foi infectada salvo se, o relacionamento fosse com um pessoa estável e fiel. E eu era justo ao admitir que há muito tempo eu não mantinha qualquer relacionamento com essas características, sempre transando com garotas de programas ou essas meninas perdidas nas noites da intelectualidade paulistana. Portanto, lá estava eu nesse bar com aquela enorme cobra em sua prateleira principal, travando contato com uma deliciosa mulher dos seus trinta e poucos anos. E, se tornou óbvio que havíamos nos interessado um pelo outro e nós, sempre sabemos quando isso acontece. Talvez a notícia tivesse me causado carência e a necessidade da presença de uma mulher.. Eu queria uma “mulher” e não uma garota que fosse pra minha cama por ser eu , quem sou. Enfim, já me encontrava descrente do amor e de parte da natureza humana. E, conversando com ela era nisso que eu pensava, talvez eu quisesse recuperar um tempo perdido de uma vida que eu jamais tive. Mais algumas bebidas e com uma certa intimidade saímos do bar e eu a levei para casa. Estava ali uma mulher sensível, madura, dilacerada pelo abandono de um sujeito em que ela havia acreditado, que tinha jurado ficar com ela. Doce engano. Laura ainda acreditava na raça humana e em homens casados.
Havia acreditado em mais um desses caras que mentem e que munidos da sua melhor piada convencem-nas num - “vou ficar com você” . E elas, por carência absoluta, acreditam, apesar de permanecerem sensíveis para essa mentira. É a simples necessidade de aceitar a mentira como se ela pudesse se tornar uma verdade.
E com ela não foi diferente e assim lá estava ela e a sua justificativa para permanecer ali, sentada naquela banqueta de bar. Além do mais, estávamos lá é porque deveríamos estar. Estávamos lá, compactuando com o desaforo de um destino que nos convocou, que nos induziu, que nos aproximou. Era alentador nos pegarmos em esperanças, tentando desesperadamente nos manter coma cabeça acima das ondas gigantescas do oceano da decepções. Era a vontade de não errar, e nem que o tempo não fosse o necessário ou o suficiente, a meta agora era não errar.
Ainda ao sair, lembro de ter olhado praquela imensa sucuri ambalsamada e envolta em si. E pareceia que os seus olhos não me largariaam até que eu deixasse atrás de mim a porta do “Snake Bar”. Ao sair, já na rua e ao lado da Laura, tive a nítida impressão que a cobra me houvera me dado um toque:
“Cara! A morte nos aguarda todo em cada batimento do coração. Deixe batê-lo até não pulsar mais. Só isso ”.
Pensei nisso e sorri num riso triste, de esperança até. Ela, sem saber de nada, sorria para mim.
Voltamos por todas as calçadas que eu já havia percorrido. O meu carro e o banco do passageiro aguardavam no estacionamento.

Nenhum comentário: