quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os geniosos gênios ( à Liz, H, Muryel - homenagem)

- Seu puto maconheiro! - O mineiro disse para o paulista.

-Ih, qualé? Vossa senhoria se encontra em dias de Sartana? – Responde o outro – Evidente, era apenas uma brincadeira entre os poetas,  Muryel e H – dois nomes partícipes e expoentes duma literária comunidade okurtiana denominada BDE, marco, talvez dum movimento de renovação da poesia tupiniquim.

-Faça um poema aí, seu maconheiro fodido! – Pediu gentilmente o homem das Minas, melhor dizendo; das balas defuntas.

-Sobre a maconha? Tem mesmo a certeza que estás no barato? – Questiona o poeta paulistano enquanto escreve num guardanapo de papel o termo “Canabis Sativa”. Terminando, passa o papel para o outro – Claro, jamais souberam-se os motivos, mas a maconha era a primeira ideia que ocorreria a H para cada  um dos seus novos poemas.

- Canabis Sativa? – Isso inexiste! - Brada interferindo na conversa uma senhora com ares de fidalguia, que rapidamente captura a folha da mão de Muryel. Ela passa cuidadosamente os olhos pelo termo empregado, e com ela tudo, absolutamente tudo é visto com os olhares gramaticais. Evidente a inexatidão da escrita agredia seus olhos. Ainda com o guardanapo em mãos se levanta da mesa e em tom professoral fala ao escritor:

-H, você deve estar se referindo a Cannabis Sativa., que, inclusive, deveria levar um par de “n”. e não apenas um, como grafou...  – Ela chama a atenção do poeta ao enfiar de próprio punho a consoante “n” no exíguo espaço entre as letras.

Evidente, vernáculo de cultura, ainda fez questão de tecer em alto e bom som o significado do termo, resgatado que foi da sua bolsa Lui Vignon, o pequeno e  inseparável dicionário:

- Vejamos o que Aurélio tem para a Cannabis Sativa:
1. Gênero da família das canabidáceas, nativo da Ásia Central, que compreende ervas anuais de caule alto e ereto.
2. Qualquer espécie desse gênero, como, p. ex., a Cannabis sativa.

Ao terminar a explanação H a fitava de olhos arregalados, como se pretendessem saltar das órbitas oculares. Sim! H sempre foi muito genioso, principalmente às correções, portanto sem qualquer surpresa revidou:

-É canabis com um "n" só e foda-se! Ela me abre a mente, e o que nela me interessa passa bem distante do fato da pobrezinha estar sendo escrita com um ou dois "n". Bora dar "umazinha" no cigarrinho, professora?  - Devolve debochadamente -

Evidente, Liz o olhou assustada, já que a corretiva dama  entendia perfeitamente de  literatura, e sabia como ninguém cheirar um bom livro ou deliciar-se com um poeta dos bons, porém jamais travou conhecimento com coias escusas.
H sorriu divertido e sem se importar com o constrangimento da mestra. Depois se concentrou no rótulo da cerveja à sua frente e preencheu o ar com os sons  da sua poesia repente, alusão inequívoca a amaldiçoada “Cannabis Sativa

Com um Ene ou par de Ene/
Gramaticalmente padeceremos /
Se não loucos, mas de osteoporose/
Um cancro invadindo os ossos da gente/

Longe da ilusória Pasárgada
Envolto nos encardidos lençóis /
Em nódoas de sangue e contornos de laço/
Ceifados de nossas enegrecidas vidas e sóis

Pútridas as vozes estertoras dos fardas verdes/
Sanguinários secretores da décadas infame/
Numa onda de choques e  lamentos/ cordas e fios

Que no subterrâneo inclemente viu tombar o herói
Enquanto na boca apenas um gosto amargo
Duma história que não ouso esquecer

Todos à mesa ficaram boquiabertos, afinal, o que poderia significar aquilo? Porém H. estava tomado, não pela erva, mas, pelo espírito do álcool, e certamente haveria de querer aquele soneto misturado as cervejas e caipirinhas de vodka que havia ingerido até então.

-Bravo! Bravo, seu filho da puta transtornado! – Exalta-se em admiração Muryel ao quebrar o silêncio. –

Como seria de se se esperar, Muryel, empolgado  com a com a declamação do colega, mesmo que á mercê  do tardio lamento paulistano rabiscava em suas mente alguns contornos para seu novo nano conto, onde na posse do seu formidável senso irreverente teceria impressões patológicas sobre o velado homossexualismo acometido a José do Patrocínio nos tempos abolicionistas, quer os cariocas se importassem ou não .

Todavia os versos de H ainda ribombavam na atmosfera, mas, ótimo para um, nem tanto para outro, pois as antenas da mestra estiveram ligadas em cada linha da poesia de H.

-H, você esteve quase perfeito! Porém, repare na métrica inexata da 2ª estrofe. Vejamos:
Na primeira= 2.3.5.7.2
Na segunda= 2.1.9.8.4
Entendeu? Ali não poderia ser 8 . Fora isso, está muito bom! – Finalizou  a mestra enquanto Muryel saboreava tão complexa explanação.

O certeiro apontamento da mestra abduziu Muryel das viadices de Patrocínio, já que também havia notado  algo de errado com aquela métrica, cuidadoso que era, vibrante quando suas certezas se confirmavam.

- Porra, dá-lhe, dá-lhe tia! Viu aí seu puto? A tia ta sempre certa! - Alardeou o poeta dos cybers mineiros.

E H. sempre na sua os ouviu impassível – Afinal, ele não queria saber sobre as merdas das minúcias métricas e, por enquanto, muito menos do pacotinho de erva da boa que dormitava no bolso direito de sua jaqueta Lee. Evidente,  não naquele momento, ao menos - E outra...o mundo não era unicamente poesia. Será que aqueles caras viviam apenas para a literatura?

- Meus, sério! Quero mais é que vocês se fodam! Literatura, literatura, literatura! A vida não é só isso! E você mineirinho, vá dar meia hora bunda naquela mesa ali! – Regurgitou apontando para um local onde três sujeitos afetadíssimos tomavam seus daikiris de frutas. Naturalmente, eles não se aperceberam do indicador apontado para a mesa deles.

-Hey, por falar em bundas, tu tens visto o Véio? – O interrompe Muryel, desviando o rumo da prosa.
H, quase refeito da raiva, responde:

-Ah sim, ouvi dizer que o Robertón, foi morar na Manchúria. Já reparou naquele gorrinho que ele anda usando no avatar? Ou é coisa de boiola, ou deve ser um frio pra porra lá pras bandas onde mora.

-Caráleos! Não, não é do Robertón que to falando seu toupeira. To falando do Véio China – Afinal, ele também não é paulistano como tu? - Interrompe o mineiro

- Ah, do China! Bem, sei lá, dizem que é! Mas... faz algum tempo que não vejo a figura – Responde H, e depois traz o amigo pelos ombros,. Assim que o ouvido de Muryel ficou à merce da sua boca sussurra- lhe discretamente – Cá entre nós Mura, para mim aquele velho se tornou um grande bunda-mole!- O mineiro  arregala os olhos diante das falas do amigo.

- De que trem você tá falando H?  Explica essa paçoca de pé de moleque! Não entendi bem!– Devolve surpreso.

- Bem, é assim..... - Inicia o outro - Assim...parece que Véio desistiu de vez de ser o Bukowski brasileiro, pois ultimamente anda escrevendo uns babados licorosos, dramático, querendo morrer disso e aquilo. Mas á puta que pariu! Ta me dando nos nervosos vê-lo escrever coisas insossas,  à Paulo Coelho, Sidney Sheldon, esses lances assim. Sacou?

-Saquei! - Responde um pensativo Muryel  - Depois, igualmente traz o amigo pelos ombroa e cochicha - Tem razão,  aí num dá mesmo, né tio? Bom...aquele velho nunca me enganou. Sempre achei o filho da puta um tremendo enganador, do tipo desses que quando aperta, peida! Sabe do trem que to falando, né?– Finalizou  Muryel ao coçar a imperturbável barba castanha.

-Pois é cumpade, fazer o que?  Ah, quer saber, Mura? Ele que se foda! - Exclamou H

-É...é isso mesmo! Ele que se foda! - Endossou Muryel ferrando novamente a boca na cerveja.

Depois disso sorriam sacanas naquela noite de encantos e onde certamente as mesas do boteco jamais receberam poetas de tanta qualidade em tão pouco espaço geográfico. Em sua cadeira a incansável Liz e tão perturbadora como o sorriso de Monalisa, permanecia sentada repassando os olhos sobre o livro de poesias de Beth Vidigal – seu pseudônimo - A única coisa que não combinava com literatura, nela, era o seu inadiável suco de tamarinos, enquanto H e o poeta das Minas se divertiam comentando sobre outros autores do BDE, execrando uns, louvando outros, porém sem deixarem de encher seus copos de cerveja enquanto saboreavam partes nobres de um frango à passarinho forrado minúsculos farelos de alho frito. Porém em fração de segundos tudo mudaria: Muryel não mais se concentrava nos sons que abandonavam a boca do amigo paulistano. E o motivo da transformação acabara de sentar à sua frente; uma loira fenomenal que ao acomodando-se na cadeira cruzou as pernas lá no alto, deixando à mostra parte dos ralos e depilados pentelhos: Óbvio, toda mulher está sujeita à um dia de Sharon Stone, portanto não vestia calcinha. E aquilo foi o suficiente para o mineiro pirar, pois vindo de uma cidade  conservadora jamais estivera fadado a tanta e desmesurada liberdade – E assim, diante da visão, slides foram reprisando em sua mente, e ele recordou-se da antológica cena de um filme, onde a atriz, usando o mesmo artifício deixara Michael Douglas numa situação muito, muito embaraçosa - Ainda sob o impacto da cena Muryel se questionou: Um homem seria capaz de enlouquecer por um treco daqueles?  – “Sim, claro, sô!” O mineiro sussurrou respondendo para si


H,  entusiasmado depois de voltar dos sanitários masculinos  com um olhar avermelhado não se dava conta daquilo que se passava à sua volta, pois ainda impressionado com o encontro tão nobres gesticulava muito, procurando no bolso esquerdo da jaqueta uma pequena caixa do chiclete Adams, comprado as oito da matina numa padaria qualquer.
Muryel nao, Muryel, acanhado persistia nos sorrisos furtivos na direção da loira oxigenada – A garota agora  piscava ostensivamente para ele, passando a língua por entre os grossos lábios tingidos num batom de vermelho sangue, deslizando indiscretamente a palma da mão  pelos contornos do lado direito do corpo.

No horizonte se ia um fim de tarde majestoso, pincelando seus mormaços nos tons da esperança, deixando uma noite que prometia alegrias, pois ali nada havia para se perdido. Consciente do ato falho, e da repentina indelicadeza com H, Muryel, por momentos esquece-se da loira e se concentra no amigo paulistano, num mesmo instante que Liz, e a sua esperteza de quem nada perde, pelo canto dos olhos dá-se a conta daquilo que incomoda o pobre Muryel, e então sorri um sorriso compreensivo e de que quem testemunhou incontáveis situações como aquela – Ela sabia, como fêmea,  que aquele “trequinho” da Sharon tupiniquim seria capaz de dizimar a sensibilidade psíquica e física do poeta da Gerais, portanto faria o possível para segurá-lo à mesa para o deleite dos convivas, mesmo que fosse estranhíssimo aquele sujeito.

Enquanto isso, o acaso maravilhoso de uma sexta denunciava que a noite que adentrava promoveria ainda outras surpresas agradáveis. Portanto as cervejas, uma após outra continuavam a ser sorvidas sofregamente e os poetas se embriagavam de álcool e paixões. Liz, responsavelmente isenta de teores alcoólicos, ingeria agora um pueril suco de manga, natural; afinal, alguém teria que ter mais que poesias e álcool na cabeça para dirigir e desembarcar os bêbados a cada um dos seus destinos. Assim o tempo passou, e paulatinamente e outros belos jovens da classe média alta ganhavam o local. E eles chegavam sorridentes, falantes, agarrados e aos pares, trajando roupas de grife, sob os olhares atentos de Muryel que parecia encantado com as saias curtas e a maciez das bronzeadas pernas paulistanas
E era assim que a magnânima, Vila Madalena sorria para todos, plena, abrindo suas longas e voluptuosas pernas para se ter possuída por mais uma de suas inebriantes madrugada na pauliceia desvairada. Muryel, desafortunado, coordenação motora amplamente deficiente, persistia sorrindo para tudo e para todos. A bebida fazia suas palavras se embolarem no céu da boca, o que tornava difícil decifrá-lo, mas que não lhe apagava a generosidade do  sorriso nem a grandeza da sua alma poeta.

Na mesa de frente a fatalidade tingida de loiro e que se faria algoz do inconfidente mineiro era cobiçada por outros homens Porém a garota parecia não estar nem aí, e talvez por motivos que a razão jamais saiba explicar elegera Muryel o homem da sua noite,  dono das suas atenções, um deus bêbado, poeta, de fala mansa e divertida.
Porém para Muryel era uma decisão difícil;os amigos e o álcool, ou a garota? No fim acabou por prevalecer o bom senso e o  divertido mesmo ficou por conta do fim de noite, onde, completamente bêbados, H e Muryel dormitaram á mesa, enquanto Liz batia animados papos com a Share nacionalizada, afinal descobrira que a garota era uma baita poeta, alguém  próximo ao estilo de Rita Medusa, poetisa a quem nutria profunda admiração.

-Tia, eu quero essa mulher! - Muryel  bradou para Liz com falas arrastadas ao momentaneamente se recuperar do coma alcoólico. Bobagem, pois tão rápido quanto se recuperou, tombou novamente.

A garota apenas sorriu e deu um par de beijinhos em Liz, despedindo-se, já que sabia que nada aconteceria. Liz sorriu compreensiva, pois também sabia que o mineiro voltaria para as suas Gerais sem sentir na boca o gosto duma devassa paulistana. Porém o objetivo agora era outro; como enfiar aqueles dois bêbados no banco traseiro do seu carro?

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