domingo, 31 de outubro de 2010

Ainda sobre o Bar do Escritor e janelas do Metro

Quarta-feira, dez dias haviam se passado do episódio com o rapaz do metro. E eu, fanático por esse tipo de transporte lá estava novamente. Um sol abrasivo e desumano latejava lá fora porém sem que me desse aos calores daquela tarde insana; eu permanecia sentava no fresco de um banco de metro que me deixaria na Estação Sé. O trem seguia viagem e vagão não se lotara completamente , afinal, 15 horas ainda não se traduzia em  horário de pico. Eu o pegara nas Clínicas. Chegando à estação Consolação, vi embarcar na composição alguém muito semelhante ao Allan, um dos poetas da comunidade. Claro, até então eu não tinha tido o prazer de conhecê-lo pessoalmente, mas o ar feudal que revestia aquele ser de calça jeans e camiseta negra, juntamente com seus longos cabelos faziam-no muito semelhante ao sujeito do avatar do Orkut. Entrando no vagão sentou-se à minha frente e estirou-se no banco e olhou em volta e depois na minha direção. Ao fixar os olhos em mim pareceu surpreso.

-Opa! Será que o senhor é quem eu estou pensando ? - Disse-me. Ali eu tive a plena certeza que era ele; Provavelmente deve ter acontecido com ele o mesmo que comigo.

-Já sei já sei o que está pensando! - Respondi - Sou ele mesmo, meu bom amigo Allan! O velho fanático por metro.  O próprio, Véio China, pelancas e ossos.

Ele sorriu marrom num tom abaixo do castanho dos seus olhos. Em seguida levantou-se do assento e veio sentar-se ao meu lado. Permanecemos em silêncio por alguns instantes até que puxou conversa:

-Véio, a coincidência de estarmos aqui ta me fazendo lembrar daquela sua insana conversa  com aquele tal de Hortênsia.

-Ah, Allan! Apenas conversas de metrô! - Sorri e continuei a olhando para a escuridão através da minha  janela. Um pouco mais e entraríamos na próxima estação.

-Poxa, China, que cara filho da puta aquele, heim! – Exclamou num tom de desagrado enquanto meneava a cabeça, negativamente.

-Está falando do Quimera? - Perguntei. Claro, eu estava dando uma de joão sem braço.

-Sim! Ele mesmo! Quimera, Hortênsio, Primavera, é tudo a mesma merda! Não é verdade, China?

-Hum..,acho que sim! Fedeu, é bosta! Mas... na verdade; aquele sujeito era um grandíssíssimo dum filho da puta! – Acabei concordando.

Allan silenciou-se. Porém algo parecia o incomodar.

-Véio, será que o destemperado se reportava a mim quando se referiu ao tal Clube do Gamão?

-Como vou saber, Allan? Talvez sim, talvez não. Nunca se sabe – Retorqui –

Ele pareceu-me  incomodado com a minha resposta. Novamente caiu em profundo silêncio. Eu podia sentir os seus miolos torrando à procura de algo que fizesse sentido; Eu tinha esse dom de pressentir  quando pessoas inteligentes pensavam. E mais anda; Essas pessoas costumavam, depois de concatenadas, disparar flechas certeiras.

-Pois é, Véio.  Esse sujeito é um cara tão sacana que provavelmentose também deva ter incluído você no núcleo de pessoas que ele considera compadres, puxa-sacos, e congêneres! Um grande sacana!- Procurou responder num ar de aparente  despretensiosidade e com o olhar fixo na minha janela. Parecia que estávamos num jogo de xadrez; ele avançava a sua poderosa Rainha contra o meu Cavalo.

-É! É bem provável que estejas certo, Allan! – Para mim não havia outra saída se não assimilar o movimento e tentar livrar meu nobre quadrúpede. Novamente nos mantínhamos em silêncio quando eu arrisquei uma jogada arriscada; eu tentaria pegá-lo desprevenido:

-Ah, e por falar nisso, quem ganhou, Allan?

-Ganhou o que, Veio? Do que você está falando? – Inquiriu surpreso

-Porra! To falando da partida de gamão! – Atirei sem olhar pra ele,  mantendo-me concentrado  na janela. A sua rainha dançava no tabuleiro procurando safar-se do meu ataque com a Torre.

-Ah! Aquela partida acabou em empate técnico. O cansaço nos fez desistir. Nem eu e nem meu oponente! - Sentenciou, recolhendo a Rainha e a coloocando à salvo num movimento defensivo.

Novamente caímos em silêncio e ele pensava. Não era um bom sinal. Então disparou:

-Pena, né China? Você não conseguiu assistir aquele partida porque estava  ocupado com os seus “bom dia” para uns e outros. Sabe,  admiro muitíssimo essa sua amabilidade otimista -

O filho da mãe encontrará uma brecha e me atacava com o Bispo. Por instantes pensei, analisei mas não vi perigo nesse movimento.

- Amabilidade otimista? - O que isso quer dizer, Allan?

-Bom..eu quero dizer que aquele dia estava horrível. Desaguava uma terrível tempestade enquanto os trovões urdiam nas calçadas, avenidas, parques municipais. E os raios então? Caiam por todos os cantos! Não se lembra disso, Véio?

-Não, não lembro! O tempo estava tão ruim assim, Allan?

-Putz! Que memória fraca, heim China? Você quando entrou no Bar estava completamente encharcado pela chuva. Até espirrava! Lembra agora? - Perguntou-me num tom de gozação.

Ele executava um movimento interessantíssimo com o seu Cavalo. Só restou-me salvar um peão que eu tentara colocar estratégicamente.

-Ah... é mesmo! Você têm razão! Agora me lembro. Lembro perfeitamente – Correto, Allan.

Ele me abalara; sabia disso. Vinha pro ataque com um arsenal de jogadas previamente  ensaiadas por sua capacidade de tramar.  Não falamos mais nada, constrangidos, quando,  decidido voltei-me para ele.

Eu olhava para ele enquanto ele persistia olhando através da minha janela a paisagem de concreto aparente, afinal, ainda estávamos no fundo e à dezenas de metros da superfície. Estrategicamente ele não deu conta da minha presença em observá-lo, portanto retornei à posição original. Aí foi a sua vez de virar-se e olhar para mim. Claro que igualmente não lhe causou surpresa o fato de eu continuar admirando as mesmas paisagens subterrâneas do Metrô. Assim que trem abandonou as trevas e alcançamos a luz as nossas feições deixaram de ser  sombrias e soturnas. Parecia que a claridade do sol havia dado algum  promissor sentido ás nossas presenças.
Levantei-me, afinal a minha estação seria a próxima. Assim que sai do meu lugar eu o olhei e o surprendi com o olhar cravado em mim. Então nos olhamos com simpatia, cordiais, como se nos dissessemos: " O time! Tudo pelo Time. A unidade é o que importa"  - Naquele momento embaralhavamos todas as peças do tabuleiro de xadrez. Não havia vencidos e nem vencedores. Antes de ganhar o corredo lhe convidei:

-Allan, topas um blood mary com Sputnik, na próxima sexta, la no Bar?

-Sputnik? Que é isso Veio?

-Ah, é uma vodka nacional que eu gosto! 16 mangos a garrafa - Respondi

-Claro, Véio! Mas sob uma condição!

-E qual é? – Eu quis saber

- Que me acompanhe num Chateau Fombrauge Saint Emilon Grand Cru 2005!

- Chateau Fombrauge? Que diabo é isso, Allan?

-Ah! É um vinho francês! 1 barão e meio a garrafa – Respondeu com um sorriso e  sem ostentar qualquer afetação de grandeza.

-Putz... - Foi a única coisa que consegui responder.

-Então, ta combinado! Até la, Allan! – Despedi-me dele; Eu havia chegado ao meu destino e a porta me aguardava aberta.

-Combinado! Até la, Véio! – Ele retribuiu com um sorriso e um aceno de mão.

Ao sair da estação do Metrô, duas certezas me acompanhavam:

Ele faria o possível para segurar as tripas e não botar goela afora o meu bloody com a Sputnik.

De meu lado, eu tentaria esquecer que a grana que ele pagaria por aquele vinho garantiria os quatro meses do meu aluguel, em atraso, evidente!



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