segunda-feira, 15 de novembro de 2010

São Paulo 1993 - Numa noite de inverno -

-Sabe...acho você demasiadamente triste - Ela sussurrou.

Apesar de estarmos bêbados eu achei o murmúrio algo despropositado e um tanto fora de hora; não se fala pras pessoas ébrias que elas sao ou estão tristes. Muito menos com aquele seu sorrisinho de de escárnio impregnado nos cantos dos lábios. Eu não entendia bem os motivos, mas, a bebida nos fazia degladiadores, como se estivéssemos duelando por nossas vidas sobre uma toalha quadriculada em preto e branco. Eu olhava para a garrafa de cerveja e acompanha o suor que, escorrendo pelo seu corpo vítreo desbrava o caminho pelo tecido grosso e de plástico.

-Bem...acho que não sou exatamente um sujeito triste. Talvez, apenas nostálgico - Cada qual sabe da cruz que carrega. Defendi-me.

À mim só coube a tentativa de preservar-me e não deixar ruir os meus elefantes construídos em areias de devaneio. Em todo o caso estava sendo difícil enfrentar o seu olhar. Um olhar de quem reabre feridas e não respeita cicatrizes. Eu me senti acuado e defendia minha rainha ante o seu exército de bispos e torres. Talvez o xeque-mate me fosse iminente.
Perturbado lancei-me com desespêro em defesa da realeza:

-À propósito, mesmo com esse olhar de quem não erra em jogo eu te sinto extremamente melancólica. Talvez me seja mais fácil conviver com as saudades das coisas que não estão comigo mas, que ainda permanecem lá, ao resistir bravamente à melaconlia donde nada ressuscita

Foi a vez dela sentir o golpe. Nos seus olhos brotaram apenas duas lágrimas, tristes, transparentes, dilaceradas por dores que eu não sabia quais eram e que me deram a sensação de reabrirem fendas que o tempo tentava unificar.
Eu nada mais  disse pois não foi necessário.

-Mais um cerveja? - Propus ao olhar nos seus olhos e perceber que incomoada procurava se entreter com o copo deslizando sobre ele suas unhas esmalte carmim.

-Sim! - Ela respondeu num som abafado, talvez saído mais das  chagas que da embriaguês.

-Garçom, mais uma Boehmia! - Pedi estalando os dedos.

Repentinamente soergue o rosto e suas lágrimas ainda nao haviam secado quando  me sorriu; Um sorriso diferente dessa vez. Trazia no olhar apenas a mansidão de quem também evitava o ruir das suas borboletas de areia.

Momentaneamente, imaginário,  empurrei todas as peças ao além do tabuleiro; Não havia motivos para que houvesse algum ganhador.
Naquele instante eu tive a plena certeza do quanto as palavras tinham o poder de unir, ou até mesmo, destruir.
Um sorriso mútuo dessa vez, ainda triste, é verdade, mas,  nós lutávamos para não sucumbir.

Copirraiti nov2010
Véio China

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