quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Tyrannus Saurus - A metáfora assassina

Ele estava sozinho.
Pra dizer a verdade não só ele, ele e o paredão. Havia também algumas pessoas nas arquibancadas e elas pareciam torcer por aquele que seria trucidado. Todavia nada poderiam fazer, afinal  eles eram apenas o povo, a parte fraca do negócio, ainda mais que diante do poder constituído e dum ditado que  os ameaçava num jargão autoritário “"justiça é uma percepção dos donos do poder”  Porém disposto ou não ao autoritarismo a sua hora parecia ser chegada

-Apontar! – Ouviu-se o brado duma voz militar. Ele não se recorda se era a tonalidade da voz de um primeiro tenente ou do segundo sargento, pouco importava naquele momento, apenas sabia que era tonalidade militar

O fuzil apontava para o seu corpo enquanto ele se questionava sobre o primeiro tiro. Poderia parecer engraçado, mas, torcia que fosse alvejado no coração. Talvez até a misericórdia viesse num tiro contra a sua cabeça, porém anonimamente suplicava para que  maldito soldado não objetivasse os seus miolos, sinônimo para ele de irrestrita liberdade.

Antes que a ordem de “atirar” fosse definitiva e assassina  alguém se interpôs entre o condenado e a mira do soldado

-Senhor, pare! – Ordenou o recém chegado: Trago ordem do imperador Giovannius "The Great Head of Pudding" para que a execução seja adiada até que o condenado tenha a ciência do pedido de clemência.  Portanto caberá a ele decidir a sua sina – Concluiu o forasteiro num terno azul e gravata vermelha

-Pois bem. E que clemência seria essa?  - Perguntou o militar responsável pela execução ao pedir a documento comprobatório.

-Bom, o chefe da nação quer que o acusado, de viva voz  peça desculpas públicas por ter se insurgido contra o sistema e sua autoridade na publicação do decreto do ato institucional número cinco cinco, mais conhecido como AI 55.

O acusado ouviu a tudo. Seus olhos estavam vendados, mas não o seu conceito da liberdade. Era chegado o momento de se pronunciar, sua vida dependia mais de si que da apontaria do soldado, inclusive porque não se valesse do “ato de clemência”  só sairia dali com o sangue encharcando  as suas roupas civis.

-E então, prestou atenção às instruções do mandatário? O que têm a dizer? – Perguntou o forasteiro ao acusado

-É sobre o AI 55? Aquele que fala da cassação do direito de expressão? – Perguntou acusado.

-Sim, não preciso repetir, e você sabe – Confirmou sujeito ao ajeitar a gravata bordô no colarinho da camisa

Ah... -  Reticente balbuciou  o condenado. Ele parecia pensar
Pouco após  e diante do absoluto silêncio se manifestou:

- Pedir desculpa pelo autoritarismo do chefe da nação? Ora! Diga a esse ditadorzinho de meia pataca que foi ele o julgado. E mais; que injete em um dos seus orifícios as leis, afinal, ele ainda não se deu conta, mas, ele já foi assassinado por elas.

-Só isso o que têm a dizer? – Perguntou o sujeito do gabinete.

-Só! – Respondeu secamente.

-Apontar! –

Depois disso apenas o tiro e um corpo tombado ao chão. A cabeça permanecia intacta, nos lábios um evidente e indisfarçável sorriso de alguma dor. No peito e ao lado esquerdo da alva camisa o sangue se tingiu forte, vibrante, vermelho. A certeira bala do soldado apenas destruíra o coração, aliás, parte dele, mas manteve intacta a cabeça, o intelecto, o discernimento. Era assim que ele se pensava morto.

Terminado o show assassino as pessoas abandonaram as arquibancadas pulando  degrau por degrau.
La fora o dia ardia esplendoroso enquanto nos céus os abutres esperavam pelo descuido dos militares para se saciarem naquele corpo.Talvez varassem-lhe o cérebro com as bicadas, porém agora e sem vida não faria a menor diferença. Sim, o povo questionaria e cochicharia um levante, algo que o levasse às ruas. Porém o inconformismo com a ditadura é algo mais filosófico  que a questão do enfrentamento. Geralmente o povo não quer saber disso, lutas, armas, tiros, assasinos. O povo está mais preocupado com a compra do supermercado que propriamente ao regojizo de saber que uma bala se cravou no cérebro de um ditadorzinho qualquer.

À saída da arena bancas de pastel e de lanches de mortadela e linguiça calabresa faziam suas promoções. Ao lado delas, numa grande caixa de isopor  abarrotada de pedras de gelo três garotos da pesada vendiam coca-colas pet  e cervejas Kaiser de três reais a latinha.
No sede do poder, independentemente dos problemas da nação o imperador jogava uma partida de xadrez como a sua Ministra da Cultura.
Seria um longo jogo de dois péssimos jogadores.

Copirraiti03Out2012
Véio China©



Um comentário:

Giovani Iemini disse...

hahaha, mas que falta do que fazer.