Ele saíra de um desses prédios comerciais onde fora entregar para a firma alguns contratos importantes e que deveriam ser vistados pela outra parte. Já na rua, sentou-se numa das mesas dum barzinho da moda e em plena Av. Juscelino Kubitschek. Olhou para o relógio; quase 18 horas dum estúpido horário de verão. Olhou também para o cardápio e deu por falta do rol de bebidas. Estalou os dedos e chamou o garçom que voltava de uma mesa próxima:
-Meu rapaz, você pode me servir uma dose da Sputnik.
- Espu... o quê senhor? - O garçom arregala os olhos
-Sputnik! - Paciencioso esclarece e depois complementa - Sputnik é uma vodka, nacional, muito boa por sinal!
-Ah, é uma pena, mas, não temos, senhor! – Ele confirma e depois sugestiona - Senhor, o que temos é uma polonesa, ótima, aWiborowa, ou, se preferir a Stolichnaya, russa. Maravilhosas, ambas!
-Humm... e quanto sai a dose? - O senhor pergunta-lhe com um olhar cravado no desinteressante cardápio. Talvez o incitador dessa apatia foi o preço do primeiro sanduíche que pousou os olhos - X Burguer à moda do Rei - 28 reais.
- Bem...A polonesa, 42 reais. A russa, 46, a dose, senhor! - Ele respondeu num sorriso encabulado - Claro, a essa altura o garçom devia ter percebido os trajes do sujeito que, aliado à deplorável aparência de sua barba de mais de três dias faziam-no um peixe fora da água e bem distante das praias que costumava frequentar. Em todo o caso, o forasteiro se surpreende com os valores.
-Nossa! Tudo isso? - Assusta-se
-Bem senhor.... em promoção temos a tônica da Antártica. Dois reais e cinqüenta! Sabe como é, né? Esses jovens não querem saber de água tônica. Pra falar a verdade acredito que nem saibam que gosto tenha – Completa com ares de propriedade naquilo que fala.
O cliente o olha de cima àbaixo. Ele tal qual o garçom também viera de baixo, ele podia perceber. E vindo de baixo tinha a certeza de quanto é duro subir nessa selva de vidraças e concretos. Contudo, simpatizou-se pelo rapaz.
-Seu nome? - Ele pergunta.
-Genivaldo, senhor! - Devolve-lhe o garçom dirigindo-lhe a mão em cumprimento.
-Prazer! Gonçalves – Retribui.
Então ele pede ao rapaz duas garrafinhas de 290 ml daquele refrigerante; era necessáio se refrescar do calor que rachara mamona naquele tarde embolorado.
Talvez Genivaldo fosse um sábio ou uma criatura bondosa como Madre Teresa de Calcutá, afinal poderia ter-lhe indicado o boteco mais próximo e que fugisse daquele corredor de ostentação. Portanto, com a sua simpatia induziu-o às duas garrafetas, pressentindo talvez que o sujeito estivesse propício á embebedar-se caso encontrasse preços compatíveis com o poder aquisitivo do su bolso pelos bares da redondeza.
Colocadas em cima da mesa, o velho despejou o conteúdo num copo alto e sorveu o líquido em fortes talagadas, estalando a língua no céu da boca assim que o copo se esvaizou. Genivaldo sorriu.
Atrás do forasteiro, numa mesa, dois garotos e uma garota riam alto. Ele olhou para eles e percebeu que eram bem bonitos e que vestiam roupas caras, de grife, e provavelmente estivessem ali às custas de seus carros do ano e contas de poupanças mantidas pelos pais. Continuou bebendo seu refrigerante enquanto os observava pelos cantos dos olhos. Eles continuavam rindo, rindo muito, sabe-se la de quê. Repentinamente os risos foram cessando quando um deles consultou um laptop colocado à sua frente. Achado o que procurava, o silêncio. Ele pigarreia duas vezes, enquadra os ombros numa postura ereta e solta a voz na declamação de um poema; uma poesia de sua criação.
“Que pensaram as araras,
divisando ao longe as naus
naquele dia de abril?”
Que terão pensado as onças,
as tainhas e os saguis
quando os botes do homem branco
vieram dar ao litoral?
Teriam previsto o destino?
Teriam sentido que......."
Era uma poesia de época e que retratava um Brasil descoberto, as aflições, os transtornos que esse descobrimento causou aos povos indígenas, à flora e à fauna.
De onde ele estava pode ouví-lo com toda clareza; o poema seguia linhas descompromissadas com o sentimento do ser ou de suas inexploradas profundezas.
E o seu poema era lido sem interpretação, raso, um desses que não se envolvem em demasia, que não falam da dor, do amor e nem de nada que demande alguma carga emotiva contundente. Ao terminar pode ouvir dos amigos que o acompanhavam os mais efusivos elogios: “Oh, que bárbaro” ... “Putz, cara! Que bacana!"
Ele sorriu. De fato não gostara do poema com um todo. Houvera sim uma ou outra parte interessante, porém distante das viscerações e daquilo que ele tinha como valores. E analisando a situação concluiu que hoje, mais que ontem, lhe parecia que o importante era ser o explorador dos seus próprios oceanos. Que era necessário mergulhar e de lá submergir trazendo consigo as dores, esperanças e as desilusões que não foram encontradas na superfície, mas que certamente estariam escondidas nas profundezas e entre as pedras mais rasteiras.
E o tema? Oras! Tanto faz! - Concluiu - Não lhe parecia importante desde que trouxesse sentimentos ao chegar-se na superfície.
Após a declamação os rapazes voltaram aos sorrisos e discutiam os caminhos da poesia enquanto o nosso cliente consultava o relógio se dando conta das horas. Pago os refrigerantes, apertou a mão de Genivaldo e seguiu o seu caminho; ainda pensava naqueles três. Sorriu novamente ao olhar para trás. Dessa vez um sorriso cúmplice; Naquela idade ele também fora um contestador do seu tempo. Recordou que gostara de alguma de suas namoradas. Mas, gostava-as acima de tudo quando entre de quatro paredes, sem exposição.
Amou algumas delas, é verdade, mas não admitia demonstrar publicamente o seu afeto. Palavras meladas então, nem pensar! À seu ver eram coisas sentimentalóides, de babacas! Claro, ele jamais quis pagar o mico já que sabia que seria interpretado pelos amigos como um mero atorzinho afeito aos dramalhões, assim como eram as novelas mexicanas de então.
Portanto vencida a juventude e com a maturidade lhe batendo nos calcanhares foi necessário que mergulhasse nos mares da existência e de lá surgisse à tona com a sensibilidade debaixo de um braço e a fragilidade por baixo do outro.
Antes de dobrar a esquina parou e voltou o olhar. De donde estava ainda era possível ver-lhes as roupas.
O rapaz de camisa amarela que aplaudira a poesia parecia estar agora compenetrado no laptop do seu amigos, provavelmente à caça de outros poemas ou de fotos de garotas no HD . A garota loira, de pernas bonitas e lindamente bronzeadas atirava os seus lindos cabelos, ora para o lado, ora para trás, enquanto o poeta, de camisa vermelha, não conseguia traduzir que aquele lance da menina e dos seus cabelos eram com ele. O velho sorriu saudoso do tempo. Provavelmente jamais tinham alertado aquele poeta – Concluíu - À ele alertaram sim! Isso quando entrou pela casa dos 14 ou 15: - "Filho, toda mulher que insistentemente joga os cabelos enquanto conversa com você, é porque tem a intenção de conhecê-lo mais intimamente – Instruiu-lhe o pai. Houveram muitas ocasiões em que seu pai errou já que nunca fora um sábio. Mas....e quanto a isso?
-Te devo essa, velho! Isso naunca falhou! - Admitiu num sussurro de saudade. Depois sorriu para o nada, sacanamente.
Sobre àquele garoto poeta, ainda havia tempo para ele. Tempo suficiente para que aprendesse essa e outras coisas da vida, além dos sentimentos e das esmeradas poesias, é claro!
Copirraiti 2010NOV
Véio China©
Um comentário:
Enfim...
achei o blog do Véio!
Nem preciso dizer que sou fã, né?
Onde pego a carteirinha?
Abração
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